Eu rio, tu urcas, ele sepetiba
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Eu rio, tu urcas, ele sepetiba - Valmir Moratelli
à Adna
Prefácio
Poesia não é para ser entendida, compreendida. Deve apenas ser lida e digerida, para estimular o prazer da leitura.
Por mais intelectual que seja o leitor, percorrendo um poema ele descobre novos vocábulos ou novas formas de uso de uma palavra, graças à licença poética. Aqui, neste conjunto de folhas impressas, surgem diversos substantivos flexionados como verbo. É bonito:
Eu rio
Tu urcas
Ele sepetiba
Nós pavunamos
Vós andaraís
Eles ipanemam
Quem se entrega à poesia e a ela se integra, devaneia... Desanuvia o espírito, fantasia... E sonha como um amoroso adolescente ou uma jovem apaixonada.
Todo cidadão deveria ter posses para manter livros de poetas na mesinha de cabeceira e, antes de cair nos braços de Morfeu (o deus dos sonhos), abrir em uma página qualquer e ler, no mínimo, um verso, sem procurar entender, apenas para o deleite. O poeta, mesmo os sem nenhum propósito, objetiva sensibilizar e dar asas à imaginação.
Qualquer um pode definir um livro poético como o sentir e dar-lhe a significação que quiser. Eu vejo este como uma homenagem de natalício ao município que junta quatro mais cinco com zero, torna útil a inútil regra dos noves fora
e marca o ponto de partida para uma nova era. Viva o Rio de Janeiro, capital da cultura brasileira!
Gentes de todos os cantos dos nossos brasis podem, parafraseando o vate Valmir, riar ou se cariocar como eu, que bibarrei entre duas barras de rio, saí da roça e me isabelei. Salve a carioquice!
De mãos dadas com o poeta Moratelli, viajei para o CENTRO e observei que não há poesia que caiba nesta cidade sãosebastiana. Daí vi que BENFICA fica bem deitada no meu ombro e fui comer pé de moleque no PECHINCHA. Vi um RIO COMPRIDO lendo um poema de um verso SÓ e fiquei com a VISTA ALEGRE. Conheci um ENGENHEIRO LEAL que estava preocupado com licitações e me disse que – quilômetros de concreto armado sobre avenidas – será o maior arrombo dos cofres públicos que esta cidade já viu. No CAJU vi dois corpos que assombram a solidão com gemidos de prazer que atravessam paredes.
Vagando por VILA ISABEL, encontrei-me com o Poeta da Vila e disse-lhe:
agora que estou poeta
vamos fazer assim:
eu te retribuo esses sorrisos
com algum verso que sirva
de tapete quando for
passar no meio da noite
aqui na minha frente.
em vila isabel a gente fica
sonambulando sobre notas
musicais desenhadas no boulevard.
Paro por aqui, vilaisabelando. Já logrei por todos estes logradouros, mas vocês, leitores, devem ir em frente. Será bom pois:
ficam todos
tijucados
paquetados
humaitados
realengando guaratibados.
Sejam felizes!
Martinho da Vila
O livro abrange a grande maioria dos bairros
e sub-bairros cariocas.
Dos cerca de 160 bairros da cidade,
alguns ficaram de fora.
Centro
não há poesia que caiba nesta cidade
que não despenque dos penhascos e transborde
para todos os lados, dando a sensação de que afundaremos
num mar de estrofes caóticas que não vão dar em nada
a não ser que sejam evacuadas após os bueiros entupidos serem
desobstruídos e as árvores tombadas retiradas do caminho
que antes tinha rio na trilha do mar e agora é aterro
para fazer passar avenida e trazer progresso
e edifícios e metrô e um obelisco horroroso no final da Rio Branco.
a poesia sempre volta por cima
mesmo sendo escoada para o bueiro.
Benfica
bem fica você deitada no meu ombro
suada e colada ao meu suor
e quando eu falo qualquer coisa
para ver se você ainda não pegou no sono
seus cabelos eu quase como
de tanto amor
em sermos uma coisa só.
bem fica você fazer do meu colo
seu travesseiro quando chega no sofá
para só sair de lá quando a novela
acabar.
bem ficar você me abraçando
enquanto eu preparo o jantar
não passamos na cadeg
mas deve ter algo na geladeira
me passe as azeitonas e pegue
os tomates para cortar.
bem fica Burle Max com Portinari
na porta de casa
assim como você comigo
trocando nosso suor no sofá.
Pechincha
pé de moleque
doce quebrado
pé de anjo
sujeito verbo predicado
pé de sujeira
pede esmola
pede e recebe em troca
pede que eu te dou
pé para baixo
pé incha
pé para cima
doutor mandou
cortar o pé de porco
se não é pé na cova
pé de pato
quá quá quá
quarenta e tantos anos
pé de galinha
pé torcido
não torceu?
pé frio
pé termina o corpo
pé começa no chulé
que fede e mede
o que você traz
pé ante pé
gira e rodopia
na ponta do pé
reza e ajoelha
no pé da montanha
pede proteção
pede para cortar só o pé
do cabelo
pechincha um desconto
ou vai a pé.
Rio Comprido
Só cabe dizer num poema de um verso SÓ que falta coragem de largar
[o trabalho no meio da tarde e ir para casa te ver em um SÓ rompante de alegria de saber que você está comigo hoje amanhã e enquanto tivermos