Lacan para Historiadores
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Sobre este e-book
Clara de Góes
Psicanalista e poetisa
Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Relacionado a Lacan para Historiadores
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Lacan para Historiadores - Danieli Machado Bezerra
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS - SEÇÃO HISTÓRIA
À Kaka, dedico.
Por tudo.
PREFÁCIO
Para Dany
Foi. Foi pela voz. Um sotaque carregado, inconfundivelmente nordestino que se arrastava diante de mim, sincopado, no ritmo das marés em noite de lua nova. Deixei que a voz dela me levasse e trouxesse como um balanço de rede. Até que ela disse a palavra: orientadora! Ai meu Deus... uma tese sobre Lacan e a linguagem. Eu conservava a cabeça baixa e olhava para uns papéis em minha mesa... sem me preocupar com eles..., mas procurando um argumento para dizer não. Aquilo ia me dar um trabalho de cão, a começar pela delimitação do objeto.
Levantei os olhos e vi diante de mim uma menina com olhos escuros, inquietos, que procuravam avaliar o efeito que suas palavras iam produzir.
A voz dela conduzia-me a mim mesma. Eu não sabia para onde eu iria, mas sabia que não poderia escapar do lugar de orientadora
. Acredito que fui mais uma interlocutora do que uma orientadora… não importa. O que importa é que a tese foi defendida e agora sai em livro.
É sempre bom quando isso acontece, quando o produto de um trabalho (principalmente de ordem pública) retorna ao mundo e se torna um exemplo de responsabilidade para com seus concidadãos. A circulação de um livro é sempre mais importante do que de um artigo ou uma tese. Mais importante para a cultura e não para meia dúzia de gatos pingados.
Danieli Machado Bezerra fez a tese que quis sem minimizar a complexidade do objeto que ela construiu para pensar a contemporaneidade. Não concordamos sempre, tivemos boas discussões ao longo da jornada. E devo dizer que prevaleceu o que Danieli sustentava; afinal a tese era dela.
Desde o título, o texto sustenta-se não propriamente em uma perspectiva interdisciplinar, mas em uma de apagamento de fronteiras. No livro de Danieli, LACAN PARA HISTORIADORES, esboça-se uma perspectiva em que não é questão de comunicação
, mas de afirmar um novo paradigma para o pensar, uma vez que, depois de Freud, lido por Lacan, o fato de pensar não é mais o mesmo.
Clara de Góes
Psicanalista e poetisa
Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro
APRESENTAÇÃO
Este livro é resultado de minha pesquisa de doutoramento em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendida em agosto de 2016. A tese foi intitulada Um contraponto lacaniano e a História dos Conceitos de Reinhart Koselleck: uma análise comparativa. Nesse trabalho eu elaborei uma análise comparada sobre os estudos da linguagem existentes na obra do historiador alemão Reinhart Koselleck e do psicanalista francês Jacques Lacan. Ambos os pensadores contribuem com uma leitura acerca da linguagem em seus devidos campos de conhecimento, que são a História dos Conceitos e a Psicanálise, respectivamente.
Os estudos sobre a linguagem em sua relação com o pensamento motivaram meus interesses de pesquisas desde o início da graduação em Licenciatura em História pela Universidade Federal da Paraíba (1997-2001). Ao longo da minha trajetória acadêmica, vemos que essas questões sobre a linguagem se tornaram, continuamente, presentes, pois minha monografia de final de curso (2001) resultou em uma análise comparativa sobre o conceito de imaginário em Jacques Lacan e na obra do antropólogo francês Gilbert Durand. Passaram-se os anos e os interesses acerca dos estudos sobre a linguagem em uma articulação com o pensamento de Jacques Lacan continuaram e persistem. Esta obra, hoje apresentada ao leitor, Lacan para historiadores, é resultado da minha trajetória como pesquisadora e revela a ausência de interlocuções sobre a Psicanálise lacaniana nos campos da Teoria da História, da Filosofia da História e da Historiografia. Lacan para Historiadores chega, como diria Lacan, para suprir essa falta.
Este livro que o leitor tem em mãos mostra minhas reflexões e preocupações em articular o pensamento de Jacques Lacan para os intelectuais, principalmente, os que compõem o universo das Ciências Humanas, pois não há como articularmos teorias, reflexões, hipóteses e inferências científicas sem nos desprendermos das articulações (e)vocadas pelo inconsciente. Estamos implicados nele todo o tempo, todas as horas! (In)cessantemente!
No primeiro capítulo, intitulado Jacques Lacan e sua contribuição para uma leitura sobre a linguagem
, apresento os pensadores que foram importantes para a formação intelectual de Jacques Lacan, pois, a partir dessa apresentação, passamos a entender os motivos que levaram Jacques Lacan a elaborar uma releitura sobre a obra freudiana, estabelecendo conexões com a teoria saussuriana, assinalada em seu Curso de Linguística Geral [1915] e elevando o pensamento de Freud a um novo status paradigmático contemporâneo. O capítulo intitulado A importância do significante como articulação do inconsciente no ensino de Jacques Lacan
ajuda-nos a pensar sobre as bases nas quais se assentam seu ensino, que se inicia durante os anos de 1953 e perduram até o ano de 1981. Posteriormente à discussão sobre a operação significante presente no ensino de Lacan, enfatizo o que é o conceito, haja vista que ele trata de questões fundamentais quando aponta que a repetição, a pulsão, o inconsciente e a transferência são os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise em seu Seminário XI [1964/1973/1998¹].
O terceiro capítulo, intitulado Uma reflexão lacaniana sobre o conceito
, traz algumas questões presentes no Seminário XI: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise [1964/1973/1998], cujo entendimento leva-nos para uma reflexão em torno dos discursos elaborados por Lacan em seu Seminário XVII: O avesso da psicanálise [1969-1970/1991/1992], por fim, discuto o que é a palavra no quarto capítulo, intitulado Considerações sobre o que é a palavra no ensino de Jacques Lacan
.
Peter Gay, no artigo A psicanálise e o historiador
[1998/2000], mostra-nos que os historiadores consideram a Psicanálise reducionista e imprudente por levar em consideração questões em torno da fantasia e dos sonhos e que os trabalhos historiográficos não apontam discussões com um viés psicanalítico porque os historiadores são preconceituosos em relação à Psicanálise. Peter Gay propõe:
Afinal a psicanálise, assim como a história, concentra-se em compreender o passado, trabalha no sentido de tornar legíveis as pistas ilegíveis e escava sob as superfícies até atingir as camadas ocultas, obscuras e distorcidas pela passagem do tempo ou pela necessidade dos autores – ou do público – de negar verdades desagradáveis. A psicanálise, tal como a história, é uma investigação empírica que, embora guiada pela teoria e apesar de todos os seus procedimentos misteriosos, tem um compromisso com a busca escrupulosa de provas. (GAY, [1998], 2000, p. 108).
Portanto, enfatizo, como Peter Gay [1998/2000] sugere, que a Psicanálise pode contribuir com os estudos historiográficos, ajudando-nos com as investigações em torno do campo histórico. Verifico a possibilidade de aplicar e praticar aproximações teóricas, pois a Psicanálise possibilita aproximações com diversos campos de conhecimento, por meio de perguntas e hipóteses que possam ser respondidas e contrastadas pelos estudiosos das Ciências Humanas em geral.
Sumário
capítulo I
Jacques Lacan e sua contribuição
para uma leitura sobre a linguagem
capítulo II
A importância do significante como
articulação do inconsciente no ensino de Jacques Lacan
capítulo III
Uma reflexão lacaniana sobre o conceito
CAPÍTULO IV
Considerações sobre
o que é palavra no ensino de Jacques Lacan
Considerações Finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
capítulo I
Jacques Lacan e sua contribuição
para uma leitura sobre a linguagem
Jacques Lacan elaborou uma releitura da obra de Freud que proporcionou um estilo próprio dentro do arcabouço hermético da composição teórica
que ocupa o discurso psicanalítico na contemporaneidade.
Lacan divulga as ideias freudianas na França por meio de seus Seminários, que surgem durante os anos de 1953 e 1954 com o tema Os escritos técnicos de Freud
e perduram até o Seminário XXVI: A topologia e o tempo, entre os anos de 1978 e 1979, próximo de sua morte em 1981. Além dos Seminários proferidos ao longo do tempo, ele também elaborou seus Escritos [1966], que são textos e artigos que constituem seu discernimento sobre a argumentação dos textos freudianos de maneira renovada. O escrito é o efeito entre o psicanalista que escreve e o teórico que dialoga seus ensinos e o expõe para o público que deseja ouvi-lo.
Lacan põe em questão a tradição psicanalítica ao elaborar o retorno a Freud e a formação do analista. Trata-se de saber como ler Freud. Uma interação entre leituras freudianas e leituras literárias fará entender, de umas para outras, a relação de uma voz com o texto
(CERTEAU, [1987], 2011, p. 215). Para Michel de Certeau o
[...] operador dessa troca é o Seminário – uma lectio (no sentido medieval do termo) graças à qual a conexão equívoca entre duas espécies de textos mediatiza a relação oral entre o Mestre e os discípulos (CERTEAU, [1987], 2011, p. 215).
De acordo com Slavoj Žižek em Como Ler Lacan [2006/2010], ele elabora um retorno à obra de Sigmund Freud, trazendo consequências para uma nova maneira de implementar o tratamento psicanalítico. Lacan surge como um pensador que é submergido em polêmicas, controvérsias e escândalos ao longo de seus 81 anos de idade, dentro de sua carreira como psicanalista e continuador da obra de Freud.
Entre as polêmicas, destaca-se seu desligamento da Associação Internacional de Psicanálise (IPA), em 1963, porque o consideraram provocativo. Pensadores marxistas e feministas, por exemplo, foram bastantes críticos em relação às suas reflexões. Algumas de suas afirmações foram a de que a mulher não existe e ou que não há relação sexual, porque a mulher não existe (LACAN [1972-1973], 2008, p. 87). Jacques Lacan acabou sendo mal interpretado em seus Seminários e Escritos.
Sua concepção, cuja característica assentava-se na autocrítica constante, proferida na segunda metade do século XX, o coloca dentro do hall de pensadores que são rotulados como sendo pós-modernistas e/ou desconstrucionistas pelos membros da academia ocidental. Žižek afirma que ele foi superando rótulos associados a seu nome: fenomenologista, hegeliano, heideggeriano, estruturalista, pós-estruturalista
(ŽIŽEK, [2006], 2010, p. 11).
Em 1932 inicia sua análise com Rudolph Loewenstein e defende sua tese de doutorado, intitulada Da psicose paranóica e suas relações com a personalidade. Nesse período, chama a atenção dos colegas e professores por desenvolver uma tese com um discernimento original. Sua tese já mostra um problema do estilo
que revela um conjunto de questões sempre insolúveis para qualquer antropologia que não venha libertar-se do realismo ingênuo do objeto
: início de sua polêmica literária
contra o objeto (CERTEAU, [1987], 2011, p. 214).²
Desde o início de suas publicações, o seu estilo já mostrava um aspecto original de sua compreensão sobre as doenças psíquicas. Em 1932, no estudo sobre a esquizografia
³, Lacan desenvolve uma teoria sobre essa doença e percebe que ela se assemelha aos devaneios da criação poética, cuja criação revela a estrutura psíquica do sujeito, e isso vai influenciar mais tarde sua releitura em relação às estruturas psíquicas elaboradas por Freud. Lacan possui influência de Delacroix⁴ em seu livro sobre a afasia, intitulado No limiar da Linguagem [1930]. De acordo com Roudinesco, Delacroix detém uma base de pensamento que absorveu ideias sobre o Curso de Linguística Geral [1916/2006] de Ferdinand de Saussure⁵, publicado em Genebra em 1916. A partir de Delacroix, Lacan conhece as ideias de Saussure e essa descoberta vai ser importante para o que Lacan vai desenvolver depois sobre sua teoria do significante (ROUDINESCO, [1993], 1994, p. 43).
Em uma ocasião, Henry Wallon e Lucien Febvre pediram um texto a Lacan para inserir no volume VIII da Encyclopédie Française [1938], cujo compêndio