Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O Mundo em Movimento: Reportagens especiais de Opera Mundi
O Mundo em Movimento: Reportagens especiais de Opera Mundi
O Mundo em Movimento: Reportagens especiais de Opera Mundi
E-book73 páginas4 horas

O Mundo em Movimento: Reportagens especiais de Opera Mundi

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Por que transformar em e-book, um conteúdo que continua disponível para qualquer leitor, em qualquer momento, ao alcance de uma busca bem feita na internet?

A mais precisa resposta a essa pergunta, certamente, quem dará é o leitor. Mas nós decidimos republicar esses textos, em versões levemente adaptadas para o formato livro (com algumas informações atualizadas, alguns verbos mais precisos, outros pequenos ajustes pertinentes, como títulos mais compactos, além dos textos de apresentação) porque acreditamos num projeto que, dessa forma, ficará ainda mais transparente para o leitor.

Opera Mundi é um veículo online especializado na cobertura do noticiário internacional de política, economia e cultura, partindo de uma perspectiva latino-americana. Trata-se de um caso único no país, porque traz uma visão independente de grandes grupos econômicos e de mídia para fatos e tendências do cenário mundial. Desde o início, esse projeto aposta em reportagens especiais sobre os países das Américas do Sul e Central e também de outras regiões do planeta.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de set. de 2016
ISBN9788562157226
O Mundo em Movimento: Reportagens especiais de Opera Mundi

Leia mais títulos de Haroldo Ceravolo Sereza

Relacionado a O Mundo em Movimento

Ebooks relacionados

Artes Linguísticas e Disciplina para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de O Mundo em Movimento

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O Mundo em Movimento - Haroldo Ceravolo Sereza

    África do Sul

    por Renata Galvão

    Cidade do Cabo

    Sindiswa Ntshinga é empregada doméstica e mãe solteira. Moradora da favela de Gugulethu, na África do Sul, a africana de 36 anos cria quatro meninos, dois de pele escura como ela e dois de feições claras e com cabelos loiros. O nascimento do primeiro filho albino aconteceu no ano de 2004.

    Eu não sabia o que albinismo significava, mas lembro que fiquei assustada, relembra. Com a ajuda de médicos locais, Sindiswa aprendeu tudo sobre a condição de natureza genética em que há um defeito na produção de melanina pelo organismo. Mas apesar de ter saciado o anseio pelo desconhecido e ter aprendido a atender as necessidades da criança, o medo ainda a persegue. Eu posso lidar com os problemas de pele, de visão e até de preconceito, apesar de machucar. Mas me apavoro em pensar que meus filhos são alvos de caçadores, lamenta.

    Em muitos países africanos, pessoas com albinismo são vistas como seres mágicos que possuem poderes de cura, tornando-se, por isso, vítimas de muti (mutilamentos realizados para poções usadas em rituais de bruxaria). Partes do corpo de albinos são comercializadas em um `mercado’ ilegal ao redor do continente para fins religiosos, explica Nomasonto Mazibuko, presidente da ASSA (Associação de Albinos da África do Sul, na sigla em inglês).

    Devido a esse fato, milhares de pessoas passaram a se esconder com medo de perder suas vidas para caçadores, que chegam a ganhar 75 mil dólares vendendo um conjunto de membros. As partes mais valorizadas (dedos, língua, braços, pernas e genitais) podem ser comercializadas por 3 mil dólares. Entre 2006 e 2012, 71 albinos foram sequestrados, mutilados ou assassinados ao redor da África-subsariana.

    O último crime registrado no país sul-africano ocorreu em 2011, quando Sibisuso Nhatave desapareceu enquanto caminhava para a escola na província de KwaZulu-Natal. O menino albino de 14 anos nunca mais foi encontrado. Concluídas no ano passado, as investigações apontaram para sacrifício tribal.

    A presidente da ASSA ressalta, porém, que a África do Sul não é a nação que mais sofre com o fenômeno de caça aos albinos. A Tanzânia é a região com maiores índices de assassinatos para fins religiosos. Mas o crime acontece no continente inteiro, explica, destacando que ainda não existe nenhuma legislação específica para combater esse tipo de crime. Nós, como país e continente, precisamos de leis somente para punir essas atrocidades , completa.

    Preconceito e abandono

    Moradora de Gugulethu, a 15 km da capital Cidade do Cabo, Khutaza Ntshota Nono perdeu as contas de quantas vezes foi ofendida ou reverenciada na rua. Muitos me xingam ou não param de me olhar, como se eu fosse uma aberração. Também há aqueles que encostam em mim e começam a rezar, acreditando que vou trazer sorte para suas vidas, conta a estudante de 17 anos. O preconceito contra albinismo ainda é fortemente enraizado na sociedade sul-africana, onde muitos ainda enxergam a condição como algo de outro mundo.

    Para Nomasonto, essa realidade só pode ser mudada com a ajuda do governo. Precisamos de campanhas de conscientização que informem e eduquem as pessoas. Além disso, em nenhuma parte da nossa Constituição se fala sobre albinismo. A sociedade precisa entender que isso é uma questão genética e não algo divino ou demoníaco, declara. Segundo ela, as regiões rurais são as mais afetadas pelo fenômeno.

    O abandono de crianças com albinismo é outro grande problema do país, que registra mais de dez casos todos os anos. De acordo com o professor Trevor Jenkins, do Instituto Sul-Africano de Pesquisa Médica, um em 35 negros do país são portadores do gene que transmite de forma hereditária a condição. Quando ambos os pais são portadores, a criança nasce com albinismo. Muitas famílias escondem seus filhos por vergonha, explica.

    Julia Skasi, de 43 anos, presenciou quando a vizinha jogou a filha recém-nascida na lata de um lixo nos arredores de Khayelitsha, segunda maior favela da África do Sul. Saí correndo para ajudar e, quando cheguei lá, vi que o bebê era branco. Tentei conversar com a mãe, mas ela afirmou que não queria uma filha ‘com defeito’, relembra.

    Educação

    Sensibilizada com a situação da criança, a dona de casa adotou a menina que hoje se encontra saudável e com quatro anos de idade. Ela é ótima na escola, apesar de sofrer preconceito de muitos coleguinhas. Para ajudar eu conversei com os professores e expliquei sobre a saúde da minha filha. Aos poucos o assunto passou a ser introduzido na sala de aula, conta.

    Mesmo com todas as dificuldades de adaptação em ambiente de ensino, a africana de cultura xhosa comemora o fato de a filha frequentar uma instituição regular da região. Foi difícil encontrar uma escola que a aceitasse, as pessoas não sabem como lidar com o albinismo, diz. A presidente da ASSA confirma o fato explicando que grande parte dos albinos acaba estudando em escolas especiais para cegos. Muitos albinos têm problema de visão, mas isso não significa que eles não enxergam, diz.

    É o caso de Khutaza, que está prestes a se formar no terceiro ano do Ensino Médio em uma instituição para cegos em Gugulethu. A adolescente de 17 anos explica que, apesar de ter dificuldades para enxergar à distância, ela não é portadora de cegueira. Foi o único colégio que soube me ajudar e entender as minhas limitações, fala.

    Moses Simelane, do Departamento de Educação Básica da África do Sul, garante que o governo já esta tentando reverter essa realidade. Começamos um treinamento nacional para profissionais da educação ao redor do país, que aborda a diversidade dentro da sala de aula, entre elas o albinismo, afirma, explicando que o projeto teve início em dezembro de 2012. Até o final do ano nós pretendemos atingir todas as províncias, diz.

    Nomasonto Mazibuko comemora a iniciativa e afirma que esta é uma das principais conquistas da ASSA este ano. Estamos acompanhando todos os workshops com professores, oferecendo palestras e treinamento de graça, diz. A presidente ainda destaca a luta da instituição para que o albinismo seja considerado um tipo de deficiência física junto à Constituição Nacional. Desta forma uma pessoa albina passará a ganhar privilégios governamentais, principalmente na área da saúde, como protetor solar e consultas médicas providenciadas pelo estado, conclui.

    Título original: Violência e preconceito: a perseguição aos albinos na África do Sul. 08/06/2013.

    África do Sul

    por Gleyma Lima e Polyanna Rocha

    Cidade do Cabo

    Acada 27 segundos uma mulher é abusada sexualmente na África do Sul. Uma em cada três sul-africanas será violentada pelo menos uma vez na vida. Um em cada três sul-africanos irá estuprar uma mulher. Esses dados são da Rape Crisis, uma organização sem fins lucrativos que combate a violência contra a mulher, localizada na Cidade do Cabo. A associação ainda aponta que, na maioria do casos, a violência sexual é realizada por um homem que participa do cotidiano da vítima.

    Esse é o caso da Eliane, 30 anos. Conheci o meu primeiro namorado numa casa de dança, foi amor à primeira vista. Cerca de oito meses depois que nos casamos ele começou a usar drogas, beber e, consequentemente, a me tratar mal. Ela conta que a violência aumentou gradativamente. Um dia ele levou uma prostituta para casa. Eles deitaram na minha cama para ter relações sexuais e fui obrigada a participar de tudo. Depois, ele me esfaqueou e me disse que tinha de fazer isso porque era inferior. E assim continuou por muitas noites. Hoje estamos separados.

    A África do Sul é a capital do estupro no mundo. Uma menina nascida no país tem mais chances de ser estuprada do que de aprender a ler. Um quarto delas é abusada sexualmente antes de completar 16 anos. Esse problema tem muitas raízes, segundo a Rape Crisis: machismo (62% dos meninos com mais de 11 anos acreditam que forçar alguém a fazer sexo não é um ato de violência), pobreza, desemprego, homens marginalizados, indiferença da comunidade, e mais do que tudo, a impunidade: os poucos casos que são denunciados às autoridades se perdem no descaso da polícia. Nos últimos 10 anos, de 25 homens acusados de estupro no país, 24 sairam livres de punição, segundo os levantamentos da entidade.

    De acordo com Marieta de Vos, diretora-executiva da Mosaic Training, Service and Healing Centre for Woman, uma organização que fornece suporte às vítimas de violência doméstica e estupro, a África do Sul registra 50 mil estupros por ano e as ONGs existentes na Cidade do Cabo protegem atualmente cerca de 25 mil pessoas, de bebês a adolescentes e idosas.

    O trabalho de organizações não governamentais é fundamental para se ter uma noção do tamanho da crise de estupros na África do Sul. Procurado pela reportagem, o órgão do governo responsável pelo tema alegou não ter dados atualizados sobre violência sexual. Segundo as estatísticas da polícia de 2007, os incidentes de estupro notificados decresceram 4,2 pontos percentuais nos seis anos anteriores. No entanto, em um ano foram registrados 52.617 estupros. Também foram registrados 9.327 casos de atentado ao pudor – incluindo violação anal e outros tipos de ataque sexual que não se enquadravam na definição de estupro. Em dezembro, novas estatísticas criminais referentes ao período de abril a setembro de 2007 resultaram no registro de 22.887 estupros.

    Barreira cultural

    Ida Jacobs, 37 anos, é colaboradora da associação Labour Rights Programme Officer – Women on Farms Project, uma ONG que protege mulheres que sofrem qualquer tipo de abuso nas áreas rurais da África do Sul. Ela também foi vitima de violência doméstica e estupro, crimes que muitas vezes estão relacionados. Ela conta que várias mulheres não denunciam os agressores porque geralmente existe uma dependência emocional e financeira e também por conta da falta de aceitação da família em relação ao divórcio.

    Conheci meu marido aos 17 anos e durante o namoro ele era perfeito. Depois do casamento começou a falar alto, mas minha mãe me dizia que isso era normal, pois ele era homem e eu precisava obedecer. Até que ele começou a me bater e me obrigar a ter relações sexuais com ele. Depois de tudo ele me pedia desculpas e dizia que iria mudar, mas as cenas se repetiam. Meu corpo é todo marcado. Ida conta ainda que após 13 anos de casados ela pediu o divórcio, porém, não foi uma decisão fácil, pois não tinha emprego, casa e muito menos apoio da família. Para superar tudo isso, ela contou com a ajuda da entidade Women on Farms.

    Há sete anos estou divorciada e sem contato com minha família, mas consegui refazer a minha vida. Hoje tenho casa, carro, trabalho e, por meio dele, oriento outras mulheres a saírem dessa condição miserável. Ela afirma que o abuso está cada vez pior no país porque infelizmente, o machismo ainda supera as leis. A situação das mulheres que trabalham no campo na África do Sul é muito parecida com a maneira com que viviam os escravos antigamente. Essas mulheres sofrem diariamente abusos físicos, psicológicos e sexuais e quando reclamam para o dono ele diz que a fazenda não tem nada a ver com isso, explica.

    Segundo outra entidade sem fins lucrativos chamada Reach, as mulheres brancas que são vítimas de estupro também têm mais dificuldade em efetuar a denúncia. Elas acreditam que isso só acontece com as negras e se sentem envergonhadas. No caso de violência doméstica o pensamento é o mesmo, disse a presidente da entidade, Claudia Lopes.

    Ela ainda comenta que, recentemente, uma mulher tentou se separar do marido, após ter sofrido violência doméstica e sexual. Ele, porém, não aceitou e a chamou para conversar. Nesse dia, ele levou mais alguns colegas para violentar sexualmente a mulher na frente dele e depois chamou o filho para ver também. O marido ainda introduziu uma chave de fenda na vagina da esposa, e após tudo isso ele matou a esposa e o filho, conta Claudia.

    Sharon Kouta, diretora do UNODC VEP (United Nations Office on Drugs and Crime Victim Empowerment Programme, na sigla em inglês), um programa do governo em parceria com a ONU para o fortalecimento dos Direitos Humanos na província oeste da Cidade do Cabo, afirma que a razão do estupro é cultural. As pessoas costumam dizer que a razão do estupro é droga ou álcool, mas na realidade não importa a condicão social, econômica, cor da pele: o problema é a cultura, o estupro é um mecanismo usado para controlar e manipular, avalia.

    Presidente acusado

    O então presidente da África do Sul, Jacob Zuma, foi acusado em 2005 (na época ele era vice-presidente de Thabo Mbeki) na corte suprema, em Johanesburgo, de estuprar uma mulher de 31 anos, amiga da família. Zuma alegou, durante o julgamento em 2006, que praticou sexo com a mulher, mas de forma consensual. Além disso, ele sabia que a vítima era portadora do vírus HIV e não usou nenhum tipo de proteção. Zuma declarou também que tomou banho depois da relação sexual para evitar a contaminação. O caso chocou também ativistas, que desenvolvem um árduo trabalho educativo e de prevencão à AIDS no país, ainda mais porque sua esposa é médica e era Ministra da Saúde. Zuma foi absolvido no caso.

    A representante do setor Acting Head, do Departamento de Desenvolvimento Social da província oeste da Cidade do Cabo, Sharon Follentine, descreve como a violência contra a mulher é difícil de ser combatida quando a vítima passa também a acreditar que o estupro é natural e, por isso, demora muito tempo ou nem busca auxílio.

    A vítima, após danos psicológicos e emocionais, passa a acreditar que tudo isso acontece porque é destino ou porque ela fez algo errado. Ela começa a internalizar que seus pais estavam sempre discutindo, que ele sempre tinha argumentos para bater na sua mãe ou estuprá-la, e a vítima começa a transmitir esse pensamento para os filhos. Se por acaso os filhos vivenciarem a mesma situação da mãe ou avó, começarão a achar tudo natural e o ciclo se repetirá, comenta Follentine, que aposta nos programas educacionais e informativos em comunidades com maior índice de violência doméstica e estupro para combater as práticas.

    A ONG Philisa Abafazi Bethu, que atua com a prevenção dos abusos sexuais por meio de orientação nas escolas, igrejas das periferias e favelas, concorda que a mulher precisa de mais informação e saber que existem outros meios de recomeçar a vida. Nosso foco é mostrar para as mulheres e crianças vítimas de abuso sexual e violência doméstica que isso é errado. Elas, na maioria das vezes, nem sabem que isso não é correto, apenas têm noção que é ruim. Depois que reconhecem que o estupro é crime, a dificuldade das mães é sair de casa com filhos, aprender inglês – porque muitas vezes falam outros dialetos – buscar uma casa e um ofício, e isso demora, mas é possível, acrescenta Mabel Martn, integrante da organização.

    Meta

    Segundo dados mais otimistas da entidade All Africa House, ligada à Universidade de Cidade do Cabo, a África do Sul espera acabar com a onda de violência contra a mulher em 2015 por meio de programas sociais que o país desenvolve no momento. Entretanto, a representante da entidade Reach acredita que a situação ainda deve piorar. Os incidentes vão ficar mais graves. Temos um grande número de casos de abuso de drogas e álcool relacionado com estupro, explica Claudia.

    Quem concorda com Claudia é a professora da Universidade da Cidade do Cabo Lilian Artz. Hoje é muito complicado transformar essa meta em realidade, principalmente quando nos deparamos com a falta dos equipamentos ou procedimentos mais simples nos hospitais públicos da África do Sul. Atualmente, a vítima de estupro espera horas para fazer o exame pericial e comprovar a violência. Após isso, muitas vezes ela sai do hospital sem o kit com a medicação para prevencão do HIV, detalha. Ela ainda conta que quatro mulheres são assasssinadas todos os dias na África do Sul vítimas de algum tipo de violência. O governo possui metas, mas não propõe soluções suficientes para amenizar o problema, que cresce na mesma medida com que aumenta o número de mulheres que contraem HIV/AIDS nesses casos, acrescenta.

    As sul-africanas vítimas de violência doméstica e estupro contam com órgãos públicos de proteção, Comissão de Direitos Humanos, uma outra comissão dedicada a promover a igualdade entre sexos e ainda várias organizações sem fins lucrativos existentes no país. É comum encontrar anúncios, folhetos e campanhas em lugares públicos ou em comerciais na televisão e rádio que reforçam o compromisso das entidades em oferecer o suporte necessário.

    A lei que combate a violência doméstica e estupro existe na África do Sul desde 1998, mas a dificuldade das vítimas consiste na junção de provas e dados necessários para incriminar o agressor. De acordo com o Departamento de Polícia sul-africano, a mulher precisa, no caso de estupro, realizar o exame de DNA entre quatro e seis horas após o incidente, manter as roupas e não tomar banho, preservar a cena do crime com o maior número de detalhes possíveis, passar por um exame médico pericial e fazer uma denúncia na polícia para fornecer o máximo de informações. Existe um banco de dados de DNA, mas a polícia só consegue provas quando há quantidade suficiente de material genético (sangue, esperma ou saliva, por exemplo) para análise após o estupro. Pela lei o estupro é considerado um ato grave e quem comete pode ficar preso até 20 anos, mas na prática isso raramente acontece e tudo aqui vira papel arquivado na gaveta, lamenta Claudia Lopes.

    Título original: Capital mundial do estupro: na África do Sul, uma mulher é violentada a cada 27 segundos. 08/04/2012.

    Alemanha

    por Roberto Almeida

    Berlim

    Foram apenas três anos vividos no número 125 da Chausseestrasse, de 1953 a 1956, mas a presença do dramaturgo e poeta Bertolt Brecht marcou definitivamente o endereço, no centro da antiga Berlim Oriental. A casa ampla, em três quartos, permanece intacta, assim como seus objetos pessoais. A decoração Bauhaus, austera, encontra motivos japoneses e oferece espaço para contemplação.

    Sob as janelas grandes e luminosas, Elke Pfeil, especialista em Brecht e teatro, guia o visitante com detalhes sobre cada um dos objetos, irretocáveis em sua conservação. As hoje silenciosas máquinas de escrever, as máscaras de teatro japonês, uma foto de Lênin, a coleção de jornais antigos do Partido Social-Democrata alemão (SPD) e a longa fileira de livros com historietas policiais, paixão que partilhava com o filósofo Walter Benjamin.

    Estou agora vivendo na Chausseestrasse, perto do cemitério francês, onde generais huguenotes e Hegel e Fichte estão enterrados; todas as minhas janelas dão para o cemitério, escreveu Brecht ao amigo Peter Suhrkamp, seu editor em Berlim Ocidental, em março de 1954.

    O autor, adepto de romances furtivos, também adorava os móveis antigos da casa e tinha carinho especial pelas cadeiras dinamarquesas, confortáveis e com assentos em couro. A Dinamarca foi seu primeiro destino após o incêndio no Reichstag, em 1933, que acabou virando definitivamente a mesa da política alemã para o lado de Adolf Hitler e passou a colocar sua vida em risco.

    Mesmo antes da ascensão nazista, o autor já era conhecido pela montagem da Ópera dos Três Vinténs (1928), orquestrada por Kurt Weil e baseada no texto de John Gay (1728). A despretensiosa estreia berlinense da peça, naquele mesmo ano, fez um sucesso estrondoso e imortalizou personagens como o criminoso Mackie Messer (ou Mack the Knife, na versão original) e a senhorita Peachum.

    A realidade, porém, empurrou-o para o exílio ao lado da mulher, a atriz Helene Weigel, com quem estava casado desde 1929. Mudamos de país mais do que de sapatos, lamentava Brecht, que não conseguia experimentar nos palcos o tanto quanto gostaria. Os períodos na Dinamarca, na Suécia, na Finlândia e nos Estados Unidos, para onde se mudou em 1941, nunca impediram sua produção, mas desaceleraram sua carreira.

    Como resultado, o teatro épico de Brecht, com sua quebra de paradigma, fincada na motivação social e no princípio do estranhamento, precisou esperar o fim da Segunda Guerra Mundial para se desenvolver plenamente. O epicentro dessa revolução nos palcos estava a poucos minutos de caminhada da casa da Chausseestrasse.

    O Berliner Ensemble, teatro fundado em janeiro de 1949 e dirigido por Helene Weigel, conserva até hoje a forte logomarca, também de inspiração Bauhaus, girando em seu topo. A casa de espetáculos brilha na área próxima à chamada ilha dos museus de Berlim, em frente ao rio Spree, com programações diárias em alemão. São comuns montagens das peças de Brecht, com ingressos bastante em conta.

    O tour pelo teatro, organizado pelo ator holandês Werner Riemann, é imperdível e custa apenas dois euros. Mesmo quem arranha no alemão e conhece um pouco sobre Brecht consegue captar a essência do passeio, com duas horas e dezenas de histórias. Riemann é um personagem incrível da companhia, com mais de cinco décadas de trabalho dentro do Berliner Ensemble. Sua energia e memória são impressionantes. Com seus olhos azuis claros e sobrancelhas louras, aos quase 80 anos, o ator revela curiosidades da construção do teatro, como o uso de peças de tanques de guerra alemães, os Panzers, para montagem da estrutura

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1