A missão franciscana
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A missão franciscana - Marlei Edviges Kochman Gohl
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Aos meus filhos, Léo e Eros, os meus bens mais preciosos, minhas fontes de força e motivação para cada conquista; e ao Maurício, meu companheiro de toda a jornada, minha fortaleza.
AGRADECIMENTOS
A Deus o agradecimento por colocar, ao longo de meu caminho, pessoas especiais que tornaram mais agradável minha caminhada, aliviando e suavizando as dificuldades. Em especial, também gostaria de agradecer a:
Edvige, minha mãe, que com seu exemplo de vida e luta me ensinou o valor do trabalho, e Edmundo (in memoriam), meu pai, que certamente sempre me ilumina.
Professora Alboni, cujo exemplo me inspirou. Sob seu olhar meu projeto manteve o rumo e a qualidade necessários para sua concretização. Sua confiança e sua contribuição foram inestimáveis para meu crescimento e aprendizagem. Ensinou-me o valor do passado.
Frei Vicente e todos os entrevistados, por juntos termos reconstruído a história.
Marli, minha sogra, por sua motivação e exemplo de professora.
Doroti, por ser uma guardiã exemplar do Arquivo do Colégio São José.
Mônica, Laís e José que em alguns momentos foram minhas mãos.
Todos os educadores do Colégio São José, que fazem acontecer na sala de aula.
O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará.
Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso
que incessantemente se transforma e aperfeiçoa.
Marc Bloch
PREFÁCIO
Quando Marlei ingressou no mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como sua orientadora, perguntei-lhe qual seria sua intenção de pesquisa, e ela prontamente respondeu: Quero escrever um livro sobre a vida de Frei João
. Contou-me que havia sido aluna do Colégio São José, em Porto União, quando Frei João era diretor da instituição e, mais tarde, havia trabalhado com ele, como professora. Por conhecê-lo na condição de aluna e de professora, gostaria que os feitos de Frei João na área educacional ficassem registrados e fossem reconhecidos pelas pessoas. Expliquei a ela que o trabalho resultante do mestrado não seria exatamente um livro, mas que lhe daria condições de coletar os dados necessários para a escrita desse documento. E assim foi. Durante a realização do curso, Marlei, com constância e firmeza, buscou na literatura nacional e internacional elementos que lhe permitissem aproximar-se o máximo possível da Congregação dos Irmãos dos Pobres de São Francisco e de sua atuação no Brasil para, nesse contexto, inserir o trabalho de Frei João e da contribuição franciscana à educação brasileira.
Pude perceber, nos muitos e longos encontros de orientação e nas conversas informais que tivemos que, a cada momento, se avivava a admiração de Marlei por Frei João. Em discussões sobre o trabalho, tomava o cuidado de trazer à tona a necessidade de buscar distanciamento de seu objeto de pesquisa para poder analisá-lo com imparcialidade. Contudo, isso não parecia ser fácil para Marlei. Ao analisar os questionários, ela identificava uma quase unanimidade favorável a tudo aquilo que Frei João era e ao que havia realizado. Explicava-lhe que as percepções das pessoas não são unânimes e que era preciso encontrar um contraponto, até para traçar um quadro de Frei João como ser humano, com suas ansiedades, dificuldades, forças e fraquezas. E Marlei reafirmava: Mas como vou encontrar alguém que diga alguma coisa diferente de Frei João? Todos o amavam e admiravam no Colégio São José (em Porto União).
.
Enfim, em uma leitura atenta das entrevistas, de texto e contexto, foi possível contrastar as qualidades de Frei João com imperfeições, o que, muito ao contrário de desmerecê-lo, confirmou seu lado humano e enriqueceu a análise com imparcialidade e completude. E, a partir daí, o trabalho se encaminhou, em um crescimento contínuo, até atingir sua finalização, o que permitiu a Marlei receber elogios e destaques das professoras da banca que avaliaram sua dissertação.
Em um segundo ato, Marlei transformou o resultado de suas pesquisas neste livro, estruturando-o em três grandes partes: a história da Congregação dos Irmãos dos Pobres de São Francisco, seu trabalho no Brasil e a atuação de Frei João, contribuindo para a realização da missão franciscana na educação brasileira. A relevância da obra está na importância de se registrar a história desse ramo da Congregação franciscana que, baseado em seus princípios, realizou exemplar trabalho, sem deixar documentos escritos a respeito, por entender que não condiziam com a humildade essencial presente em tudo que faziam. Da mesma forma, Frei João executou imensa obra, em especial em Santa Catarina, mas não deixou relatos sobre essa atuação.
Com a quase total ausência de documentos escritos sobre a atuação dos franciscanos no Brasil e em Santa Catarina, buscou-se apoio na história cultural, abordagem que traz ao historiador a possibilidade de utilizar novas fontes, novos problemas, afastando-se da história tradicional, fundamentada sobretudo em documentos escritos e fatos importantes. A história cultural possibilita um tratamento interdisciplinar mais amplo, buscando descobrir como uma realidade social é construída, em diferentes lugares, em diversas situações.
Ao realizar entrevistas com as pessoas que conheceram e conviveram com Frei João, Marlei transformou em documento o que por elas foi relatado e, com esses documentos, estruturou o texto que, certamente, encantará os leitores, para quem destaco o cuidado e a ética com que se pautou a autora. Enfatizo, também, a riqueza de detalhes emanada das fontes utilizadas na elaboração da pesquisa. Após os estudos realizados por Marlei, posso afirmar, com segurança, que Frei João foi uma extraordinária pessoa que, à medida que conheci, aprendi a admirar. Espero que a leitura deste livro lhes traga essa mesma sensação.
Profª Drª Alboni Marisa Dudeque Pianovski Vieira
PPGE/PUCPR
Sumário
PRÓLOGO
CAPÍTULO I
CONGREGAÇÃO DOS IRMÃOS DOS POBRES DE SÃO FRANCISCO
1.1 SÃO FRANCISCO DE ASSIS E SEUS SEGUIDORES
1.2 A FUNDAÇÃO DA CONGREGAÇÃO E O TRABALHO NA EDUCAÇÃO
1.3 A CHEGADA DAS PRIMEIRAS COMUNIDADES FRANCISCANAS AO BRASIL
CAPÍTULO II
O TRABALHO DA CONGREGAÇÃO NO BRASIL
2.1 A GRANDE OBRA: O COLÉGIO SÃO JOSÉ
2.2 FREIS QUE FIZERAM HISTÓRIA
2.3 ENCONTRO COM A HISTÓRIA
CAPÍTULO III
FREI JOÃO E A MISSÃO FRANCISCANA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
3.1. DE WILHEM A FREI JOÃO
3.2 GOSTO PELOS NÚMEROS E A VISÃO DE EMPREENDEDOR
3.3 FREI JOÃO LIDERANÇA COM AUTORIDADE
3.4 TRADIÇÃO, DISCIPLINA E A PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE
3.5 CARISMA DE FREI JOÃO
3.6 FREI JOÃO E OS PROFESSORES DO COLÉGIO SÃO JOSÉ
EPÍLOGO
REFERÊNCIAS
APÊNDICE
ANEXO
PRÓLOGO
A História da Educação, muito embora venha sendo interesse de diversos estudos e publicações, tem relegado os franciscanos a uma paisagem sombreada, esquecendo-se dos frades menores que tiveram grande participação na educação brasileira.
Muitos franciscanos educadores ficaram guardados apenas nos registros escolares ou no canto de alguma memória. Entre tantos deles que contribuíram na educação brasileira, escolheu-se um não menos significativo que os grandes educadores, mas que, no interior da região Sul do Brasil, destacou-se por seu trabalho e paixão, visíveis na liderança de professores, crianças e jovens.
A história de vida de Wilhelm Heinrichs, com nome religioso Frei João, é aqui reconstruída: nasceu na Alemanha, no ano de 1931, ingressou na Congregação dos Irmãos dos Pobres de São Francisco em 1953, iniciando suas atividades no Colégio São José em 1966, sendo personagem de destaque na educação da cidade de Porto União e região. Frei João, pertencente à ordem dos frades menores, no contexto das práticas educativas dos franciscanos, tinha um ideário¹ que influenciou sua atuação e a educação brasileira, objeto de estudo deste livro.
Além disso, sugiro aqui os seguintes caminhos:
• Identificar o que propiciou a vinda da Congregação dos Irmãos dos Pobres de São Francisco ao Brasil.
• Descrever quais foram as dificuldades encontradas pelos membros da Congregação.
• Analisar de que forma os trabalhos educativos dos religiosos franciscanos se desenvolveram no Colégio São José em Porto União-SC.
• Verificar se ainda existem influências do ideário de Frei João no Colégio São José, em Porto União.
A atuação de Frei João, suas práticas, guiada por um ideário, entre as influências de sua concepção, teve contribuição de figuras importantes como São Francisco de Assis e João Felipe Hoever. Ao abordar suas histórias de vida, foram identificadas as ações mais significativas, que, vinculadas a vários tempos, possibilitaram reconhecer os resquícios na cultura escolar do Colégio São José, por intermédio de Frei João.
Mas por que escrever sobre Frei João? Era um homem de personalidade forte, espontâneo, íntegro; teve sua vida inspirada em São Francisco e sua missão, em João Filipe Hoever, fundador da Congregação dos Irmãos dos Pobres de São Francisco. Assim como os franciscanos que se dedicaram à educação, Frei João também se sentiu instigado a buscar saber. Escrever sobre o trabalho de Frei João é, como afirma Cunha², estudar o Bom Professor
, isto é, aquele que deu certo
.
Nosso frei tinha imensa devoção a São José, padroeiro do colégio, com o qual obtinha, segundo ele, respostas e soluções para as dificuldades que muitas vezes vinham como provações de sua fé e missão. Era um multiplicador que conseguiu cativar, incentivar centenas de jovens alunos, professores e colaboradores. Seus valores cristãos, passava-os a seus alunos e professores. A ética profissional, o respeito e o pulso firme fizeram dele um homem reconhecido e admirado. Em sala de aula, como professor de Religião ou como diretor, sempre foi muito respeitado. Mesmo pertencendo a uma Congregação e solicitado em outras instituições da mesma comunidade, sempre retornava ao Colégio São José, seu maior ideal de vida. O amor e a dedicação ao colégio eram visíveis em suas práticas, conforme relato aqui.
A delimitação temporal da pesquisa iniciou-se em 1956, ano em que Frei João chegou ao Brasil, e seguiu até o ano de 2002, quando deixou a direção do Colégio São José. A educação no Brasil, no período estudado, sofreu grandes influências políticas e sociais, provocando mudanças na sociedade e reformas na educação. A análise do ideário de Frei João, suas práticas educativas e suas representações foram amparadas por esse contexto histórico vivido.
Reconstruir uma história, em uma perspectiva que teve como modelo o aporte da História Cultural, com seus conceitos e teorias, construindo as representações das práticas sociais desse grupo, permitindo coadjuvar com a história da educação brasileira e promovendo reflexões de questões contemporâneas, foi um dos desafios encontrados na realização do trabalho. Mas a bagagem do historiador, pelo tempo em contato com o objeto de estudo, ou seja, o capital específico, como afirma Pesavento³, que é uma espécie de erudição particular do historiador
, iluminou o caminho da pesquisa e a compreensão do objeto de estudo, além da apropriação dos saberes necessários fundamentados nos estudos de Chartier⁴ e Pesavento.
Roger Chartier, grande estudioso da cultura, trouxe muitas contribuições para a história com sua forma de escrever. Tem vínculo com a escola de Annales, seguindo os passos dos fundadores da instituição: Lucien Frevbre e Marc Bloch. Para Chartier, a reconstrução da história não significa que desejamos que ela se repita, mas, por conta de nossas ansiedades e inquietações, que seja possível buscar conhecimento e ajudar na compreensão crítica das inovações no presente
⁵.
Para vencer esse desafio e compreender essas questões, os caminhos que ora pareciam sombreados foram iluminados pela memória. O estudo sobre a memória, uma fonte rica, se bem estimulada, teve a contribuição de Jacques Le Goff. Le Goff⁶, autoridade em história, pertenceu à terceira geração de Annales e valorizou a memória como grande testemunho da história. O diálogo com Jacques Le Goff, com a mediação da história cultural e da história oral, permitiu revelar novos objetos que até então não tinham sido revelados, destacando pessoas que vivenciaram a história e dando-lhes um lugar de destaque. A história oral, para Thompson⁷, tem grande importância, pois ela pode transformar e mudar o foco da história evidenciando outros cenários que até então não eram considerados. Suas técnicas possibilitam o conhecimento de personagens e, por meio de suas memórias, podemos ouvir a voz do passado pelos sujeitos que não tiveram lugar na história escrita. Podemos ouvir
Thompson:
[...] a história oral não é necessariamente um instrumento de mudança, isso depende do espírito com que seja utilizado, não obstante, a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da História. Pode ser utilizado para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação, pode derrubar barreiras que existiam entre professores e alunos, entre gerações entre instituições educacionais e o mundo exterior; e na produção da história, pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental mediante suas próprias palavras.⁸
Buscar a compreensão das representações na cultura escolar por meio de uma investigação, estabelecer um diálogo entre o passado e o presente, analisando a contribuição da Congregação dos Irmãos dos Pobres de São Francisco na educação, seus métodos pedagógicos e suas políticas, recuperando, após os estudos dos recortes da história, material básico para a reconstrução dessa história, descrevendo sua origem até a contemporaneidade, foi realmente um estímulo à busca dessas fontes.
A motivação para a escrita da história surgiu já há algum tempo quando, participando das práticas desses franciscanos, mais especificamente do Frei João, vivenciei a falta de registro dos seus eventos. Sem o tempo, a história não existe. No entanto, o tempo se opõe e acaba apagando da memória os fatos importantes que não foram registrados. Para Ferreira, "A memória é também uma construção do passado, mas pautada em emoções e vivências; ela é flexível, e os eventos são lembrados à luz da experiência subsequente