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Trabalho, saúde e direitos sociais
Trabalho, saúde e direitos sociais
Trabalho, saúde e direitos sociais
E-book545 páginas6 horas

Trabalho, saúde e direitos sociais

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Sobre este e-book

Este livro constituí de vários ensaios que além de identificar as repercussões da crise do capital para o trabalho, desemprego, relações sociais de trabalho e saúde, denota a inquietação social e compromisso dos autores e autoras em denunciar e fomentar mudanças qualitativas para as condições de vida, trabalho e de saúde.

Como pano de fundo dos enfoques dados pelo\a(s) vário\a(s) autor\a(s) nos ensaios e resultados de pesquisas realizadas no Núcleo de Estudos e Pesquisa Trabalho, Questão Social e América Latina (NEPTQSAL), do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGSS/UFSC), além de parte dedicada à realidade da relação trabalho e saúde em Portugal, oferecem ampla visão da sociedade capitalista e a pressão atual do mercado financeiro global sobre as condições de trabalho vivenciadas pela maioria do\a(s) trabalhador\a(s). Ademais, adotam a perspectiva histórico-crítica, oferecendo a\o leitor\a uma visão mais ampla que contempla o trabalho e as incidências sobre as condições de vida/saúde, portanto, leitura obrigatória para todo\a(s) que enveredam nos estudos e discussões do mundo do trabalho.
Edvânia Ângela de Souza Lourenço
Franca – Brasil

No momento atual, ofensivas neoliberais têm sido direcionadas às classes subalternas, com profunda reversão dos direitos sociais e trabalhistas, além da captura do fundo público pela iniciativa privada, sobretudo, financeira, que em comunhão com a elite política, que assumiu o poder no Brasil em 2016, destroçam a cidadania social e do trabalho incidindo decisivamente para o rebaixamento dos padrões de vida e de saúde.
As mudanças ocorridas, a par da destruição da CLT, instituem crescente deterioração da relação contratual e salarial, com diferentes formas de flexibilização e permissão para a terceirização irrestrita do trabalho. Eliminam-se os aspectos legais imprescindíveis para o trabalho salubre; a saúde fica a cargo e responsabilidade do\a indivíduo. Trata-se de uma pseudomodernização das relações de trabalho, que reduz o número de empregos para progredirem às contratações com salários mais baixos e em condições inferiores; intensifica a rotatividade e a ampliação da jornada de trabalho. Além disso, promove profundo enfraquecimento dos sindicatos e empareda a justiça do trabalho, tornando arriscado o seu acesso.
Destrói a segurança social, garantindo ao capital a intensificação da exploração do trabalho e espoliação social. Agudizam-se as condições de trabalho e rouba a dignidade da pessoa humana trabalhadora, o que engendra o sofrimento humano a níveis inimagináveis.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de jul. de 2018
ISBN9788579174919
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    Trabalho, saúde e direitos sociais - José Reginaldo Inácio

    SP

    Copyright© Projeto Editorial Praxis, 2018

    Coordenador do Projeto Editorial Praxis

    Prof. Dr. Giovanni Alves

    Conselho Editorial

    Prof. Dr. Giovanni Alves (UNESP)

    Prof. Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP)

    Prof. Dr. José Meneleu Neto (UECE)

    Prof. Dr. André Vizzaccaro-Amaral (UEL)

    Profa. Dra. Vera Navarro (USP)

    Prof. Dr. Edilson Graciolli (UFU)

    Projeto Gráfico: Canal 6 Editora | www.canal6.com.br

    Diagramação: Erika Woelke

    Imagem da capa: Bathers, Paul Cézanne (1870) Coleção particular

    Ebook ISBN: 978-85-7917-491-9

    Projeto Editorial Praxis

    Free Press is Underground Press

    www.canal6editora.com.br

    Impresso no Brasil/Printed in Brazil

    2018

    Prefácio

    O fardo de Prometeu

    Giovanni Alves

    ¹

    Olivro organizado por Reginaldo Inácio e Ricardo Lara (Org.) – Trabalho, saúde e direitos sociais é uma importante contribuição à reflexão cientifica da classe trabalhadora e à luta política do mundo do trabalho contra a barbárie social. Um conjunto de pesquisadores expõe seus estudos sobre os mais diversos temas envolvendo o mundo do trabalho hoje. Trata-se de uma ferramenta de leitura e discussão critica que merece ser disseminado na sociedade brasileira, sedenta de esclarecimentos sobre o tempo histórico da barbárie social, produzida pela nova etapa de crise do capitalismo global.

    O tema da saúde dos trabalhadores – com destaque para a saúde mental - tornou-se tema cujo discurso de competência não deve se restringir apenas a médicos do trabalho, psicólogos e psicanalistas. Todos nós temos a obrigação de discutir a natureza da saúde dos trabalhadores – e não apenas trabalhadores, mas pessoas humanas-que-trabalham. O objeto exploração e dominação do capital implodiu efetivamente as linhas demarcatórias da especialidade acadêmica disciplinar, exigindo do sujeito do conhecimento uma postura dialeticamente transdisciplinar.

    A crítica do adoecimento laboral tornou-se questão crucial na crítica do capital no século XXI. O capital como metabolismo social tem como principal característica o estranhamento. O que caracteriza a sociedade burguesa senil é o sistema irracional que se manifesta hoje, mais do que nunca, pelo adoecimento das pessoas-que-trabalham – principalmente o adoecimento psíquico. A expressão maior do fetiche do adoecimento laboral é o adoecimento psíquico, oculto, invisível e radical (no sentido de ir até o âmago da pessoa humana, desefetivando-a como ser humano-genérico).

    O velho Marx desde o século XIX indicou a natureza do movimento do capital. Em 1867, ele conseguiu vislumbrar o nexo entre exploração e adoecimento laboral no livro I de O Capital. Existe uma passagem que Marx expõe os rudimentos da critica do capital pela exposição da miséria humana que se manifesta no adoecimento laboral.

    Em primeiro lugar, o conceito de estranhamento remete a Lukács, depois de Marx, que salientou que a densa contradição entre o desenvolvimento das capacidades humanas, por conta do aumento da produtividade do trabalho social ou redução das barreiras naturais, e a degradação da personalidade humana (o que caracteriza a barbárie social), por conta da vigência das relações sociais capitalistas de produção da vida.

    Portanto, estranhamento é impedimento do desenvolvimento humano enquanto desenvolvimento do ser genérico da espécie humana onde a razão (a consciência) é o elemento fundante e fundamental. O estranhamento fundamenta o sistema da irracionalidade social é nesse sentido que caracterizamos a barbárie social, uma forma histórica precisa e particular-concreta da barbárie que caracteriza o processo civilizatório contraditório do capital. O estranhamento como fenômeno social atual inverteu o próprio significado ontológico do processo civilizatório em seu estágio histórico tardio. O que poderia significar emancipação social, tornou-se nova servidão humana numa etapa histórica onde as promessas civilizatórias tornaram-se universais-concretas.

    Por exemplo, a inversão do processo civilizatório foi demonstrada por Marx, quando ele, no livro I de ‘O Capital, demonstrou que o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social, com o advento do sistema de máquinas, não significou a redução da jornada de trabalho, e, portanto, mais tempo disponível para si; mas sim, pelo contrário, o aumento da produtividade do trabalho social significou o aumento da extração da mais-valia relativa; e portanto, aumento da taxa de exploração.

    A força produtiva do trabalhador coletivo do capital e o desenvolvimento das novas tecnologias de produção voltaram-se contra o desenvolvimento pessoal do sujeito-que-trabalha. Deste modo, o aumento da capacidade humana de produzir mais, numa menor unidade de tempo, não se traduziu no usufruto efetivo do tempo de vida disponível, mas pelo contrário, o tempo de vida se reduziu a tempo de trabalho estranhado - é o que verificamos no século XXI.

    Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Karl Marx caracterizou o fenômeno do trabalho estranhado [Entfremdung Arbeit] como sendo o responsável pela degradação do ser genérico do homem. O estranhamento bloqueia a expressão da genericidade humana (a equação da genericidade humana pode ser dada pela relação tempo de vida [tv]/tempo de trabalho [tt]" ou tv/tt. Parafraseando o conceito de composição orgânica do capital, de Marx, podemos conceber a composição orgânica do ser genérico do homem.

    Na medida em que o processo civilizatório do capital se desenvolveu, em termos objetivos, provocou a redução das barreiras naturais, criando personalidades humanas complexas. Entretanto, ao mesmo tempo, por conta do movimento da precarização estrutural do trabalho, o tempo de vida se reduziu, cada vez mais, a tempo de trabalho estranhado, ocorrendo, deste modo, o aumento do denominador [tt] em relação ao numerador [tv], levando assim, à redução da composição orgânica da genericidade humana. Portanto, ocorreu uma inversão estranhada que degrada a personalidade humana. É a expressão algébrica do estranhamento: o aumento das capacidades humanas no plano da objetividade social, não significou efetivamente a plena emancipação do homem das barreiras naturais, mas sim, a sua escravidão às mediações de segunda ordem estranhadas (apropriação privada, divisão hierárquica do trabalho, dinheiro e troca mercantil), como diria István Mészáros.

    Eis a fórmula clássica de Karl Marx, salientada em seu livro clássico de 1858 ("Contribuição à Crítica da Economia Política»), onde a propriedade privada constituiu para ele, obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social, sendo que a principal força produtiva social, é o próprio homem, não apenas como força de trabalho, mas como pessoa humana-que-trabalha. O desenvolvimento do capital como relação social predominante na civilização industrial, constituída a partir de fins do século XVIII na Inglaterra, conduziu à contradição crucial do nosso tempo histórico, a contradição entre capital social total e totalidade viva do trabalho. A ampliação e intensificação dos adoecimentos humanos, principalmente os transtornos psicológicso, é expressão da profunda contradição histórica na qual se baseia o fenômeno do estranhamento.

    No livro I de O Capital: Crítica da Economia Política, Karl Marx descreveu a fábrica dos primórdios do capitalismo industrial como sendo constituída por sistema de máquinas que se impõe sobre o trabalhador coletivo do capital, articulando mais-valia absoluta e mais-valia relativa. Disse ele: A maquinaria [...] confisca todo o tempo de vida do operário pela extensão desmedida do dia de trabalho, e como o seu progresso, que permite fornecer um produto em enorme crescimento num tempo cada vez mais curto, serve por fim, de meio sistemático de liberar em cada momento, mais trabalho, ou explorar cada vez mais intensivamente a força de trabalho. Deste modo, o sistema de máquina alterou a natureza do despotismo fabril ao incorporar no vasto autómato, composto de vários órgãos mecânicos e intelectuais, agindo em ininterrupto concerto para a produção de um objeto comum, fez com que a pressão laboral se ocultasse no autômato mecânico (Marx citando Andrew Ure, O Píndaro da fábrica automática). Diz Marx: O sujeito é o próprio autómato e os operários, enquanto órgãos conscientes, estão apenas coordenados com os seus órgãos desprovidos de consciência e, com estes, subordinados à força central de movimento. Enfim, o sistema de máquina com sua aplicação capitalista, é não apenas o autômato, mas o autocrata, o déspota fabril – sem rosto humano.

    Ao descrever a fábrica, apreendendo seus aspectos essenciais, Marx diz que o sistema de máquinas automáticas, um sistema de múltiplas máquinas, atando ao mesmo tempo e de modo combinado, exigia que a força de trabalho adaptasse o seu próprio movimento ao movimento uniforme e contínuo de um autómato. Enfim, o movimento da produção não parte do operário, mas sim, da máquina. É a própria caracterização do operário-massa da linha de montagem no seu posto fixo.

    Diz Marx: Na fábrica existe um mecanismo morto, independente deles, e eles são incorporados nele como apêndices vivos. A contínua mudança das pessoas pode ter lugar sem interrupção do processo de trabalho (Marx observou que a prova mais flagrante disto é fornecida pelo sistema de turnos [Relaissytem]). Marx observou naquela época, que educa-se os operários numa idade jovem para lidar com a velocidade do trabalho com a máquina: A maquinaria é usada abusivamente para transformar o próprio operário, desde a infância, numa parte de uma máquina parcelar.

    Antes, na Manufatura, o operário se especializava em manejar durante uma vida inteira uma ferramenta parcelar. Com a Grande Indústria, diz Marx, advém a especialidade de servir durante uma vida inteira uma máquina parcelar. Assim, o operário submete-se a uma desamparada dependência do todo da fábrica, portanto, do capitalista. Assim, por trás do todo da fábrica, expressão da maior produtividade devida ao desenvolvimento do processo social de produção (processo civilizatório), temos o capitalista que comanda a maior produtividade devida à sua exploração da força de trabalho (civilização do capital).

    Deste modo, a pressão laboral aparece como rotina de trabalho. Diz Marx citando Engels: A lúgubre rotina de uma infindável tortura do trabalho, na qual o mesmo processo mecânico é repetido sempre de novo, assemelha-se ao trabalho de Sísifo; a carga do trabalho, como a rocha, recai sempre de novo sobre o estafado operário. Mesmo na era do toyotismo sistêmico, temos uma nova rotinização do trabalho. Marx em 1867 comparou o trabalho capitalista na Grande Indústria à figura mitológica do trabalho de Sísifo: A carga do trabalho, como a rocha, recai sempre de novo sobre o estafado operário. O estresse ou estafa, tornou-se resultado da tortura do trabalho (Sísifo é um herói grego que foi condenado pelos deuses por ter se rebelado contra eles e revelado seus segredos para os homens. E sua condenação foi aquela que mais sofrimento pode trazer a um homem que pensa: a realização de um trabalho sem sentido).

    Então, pela primeira vez, Marx descreveu o impacto do trabalho alienado sob a forma suprema do sistema de máquinas, na saúde do trabalhador. Diz ele: Enquanto o trabalho em máquinas agride o sistema nervoso ao máximo, ele reprime o jogo polivalente dos músculos e confisca todas as suas energias físicas e espirituais. [o grifo é nosso]

    Eis um traço essencial da lógica da redução/espoliação que o trabalho abstrato impõe à corporalidade viva da força de trabalho: a repressão do jogo polivalente dos músculos (corpo) e o confisco (ou alienação) das energias físicas e espirituais da pessoa humana-que-trabalha.

    Numa pequena nota de rodapé, Marx cita G. de Molinari (1846) que observou: Um homem se gasta mais rapidamente vigiando durante 15 horas por dia a movimentação uniforme de um mecanismo do que exercendo sua própria força física no mesmo intervalo de tempo. Esse trabalho de vigilância, que, se não fosse prolongado em demasia, talvez pudesse servir como uma ginástica útil para o intelecto, aos poucos destrói, em razão de seu excesso, tanto o intelecto quanto o próprio corpo.

    Enfim, a rotinização laboral é o modo de ser do despotismo do capital - do capitalismo industrial ao capitalismo dos serviços. Essa rotina do trabalho – desgastante, sem fim (drudgery, no original), repetitiva (como trabalho de Sísifo) aparece como agressão física e espiritual contra o trabalhador assalariado. Ela corresponde à pressão laboral que caracteriza o trabalho capitalista propriamente dito.

    Com o espírito do toyotismo, a pressão laboral dos locais de trabalho reestruturados no capitalismo flexível, se exerce por meio da desrotinização do trabalho ou uma nova rotinização imposta pelo trabalho abstrato, e a transformação das operações do sistema de máquinas – máquinas inteligentes – em ginásticas úteis para o intelecto e para o corpo (a subjetividade humana demarcada pela perfomance). Pode parecer que a pressão laboral deixou de ser despótica, mas o novo despotismo tornou-se sutil e suave, na medida em que captura a subjetividade do trabalho vivo como força de trabalho.

    Entretanto, mesmo a facilitação do trabalho na fábrica automática, constituía, para Marx, um meios de tortura tendo em vista que o capital esvaziou o sentido do trabalho, tendo em vista que a máquina capitalista não liberta o operário do trabalho, mas sim o seu trabalho de conteúdo. Nesse caso, o operário não se compara apenas a Sísifo com seu trabalho desgastante, sem fim e repetitivo, mas também a Prometeu, um titã punido pelos deuses, que o amarraram a uma rocha por toda a eternidade enquanto uma grande águia comia todo dia seu fígado - que crescia novamente no dia seguinte.

    No século XX, com a crise do processo de controle do trabalho capitalista, o capital buscou constituir modos de organização do trabalho capitalista que enriquecessem o trabalho no sentido de transforma-lo numa ginástica útil para a subjetividade da pessoa-que-trabalha. Com o capitalismo flexível, o modo de gestão toyotista acoplado às novas tecnologias informacionais replicou a subsunção real do trabalho ao capital, numa dimensão de subsunção material-intelectual (e espiritual) visando re-significar o trabalho estranhado (a idéia de autonomação proposto por Taichi Ohno contém o modo de enriquecimento do trabalho sem conteúdo).

    A máquina capitalista (máquina inanimada), mas informacionalmente inteligente e animada pela ginástica útil da subjetividade laboral, apesar de contribuir para maior produtividade devido o processo social de produção, escravizou – ou amarrou (como o titã Prometeu) – o trabalho vivo à atividade unilateral do processo de valorização do capital. Mesmo com o trabalho em equipe do sistema Toyota de gestão, o trabalho humano não resgata a sua omnilaterialidade; e o trabalho vivo permanece subsumido ao processo de trabalho capitalista: não é o trabalhador assalariado que emprega a condição - objetiva e subjetiva - de trabalho, mas sim, inversamente ou pelo contrário, a condição de trabalho que emprega o trabalhador assalariado. Ao submeter-se à performance das metas de produção, de modo sutil e oculto pela lógica da suposta flexibilidade técnica, o trabalhador assalariado transforma-se num autómato. Na verdade, o meio de trabalho, durante o próprio processo de trabalho, enfrenta o trabalhador assalariado como capital, como trabalho morto, que domina e suga a força de trabalho viva.

    Esta inversão estranhada da troca metabólica entre Homem e Natureza, produzida pelas relações sociais de produção capitalista, assumiu com o sistema de máquinas que caracteriza a modernidade-máquina, uma realidade tecnicamente palpável. Por isso, a idéia da gestão toyotista acoplada às novas tecnologias informacionais (a nova base técnica informacional) tornou-se o novo autômato que enfrenta (ou confronta) o trabalhador assalariado como capital. O novo enfrentamento assumiu com o capitalismo flexível, a forma de assédio moral organizacional, violência condensada da violência simbólica e violência material (gestão e técnica articulada como um todo fabril).

    A era da Grande Indústria constituiu o salto ontológico do capital no interior do próprio desenvolvimento capitalista (a Maquinofatura como terceira forma de produção do capital, depois da Manufatura e Grande Indústria, repõe, num patamar superior, a lógica despótica da Grande Indústria). A Modernidade-Máquina tornou o capital ou a máquina – inanimada ou animada, realidade tangível para a crítica social (anticapitalista romântica ou socialista). O surgimento da fábrica automática representou o trabalho estranhado em sua forma suprema, pois o poder do capitalista, Mestre do Universo, master, como disse Marx, provém do laço inextrincável do seu cérebro à maquinaria e seu monopólio sobre ela. Disse Marx:

    A cisão entre as potências espirituais do processo de produção e o trabalho manual, assim como a transformação daquelas potências em potências do capital sobre o trabalho [...] consuma-se na grande indústria, erguida sobre a base da maquinaria. A habilidade detalhista do operador de máquinas individual, esvaziado, desaparece como uma pequeníssima coisa acessória perante a ciência, perante as gigantescas forças da Natureza e do trabalho social massivo que estão incorporadas no sistema de máquinas e constituem, com este último, o poder do patrão (master) (Marx, 1996).

    Por meio da ciência, as potências espirituais do processo de produção que pertenciam ao trabalho vivo, se transformaram em potências do capital sobre o trabalho. Parafraseando Marx, poderíamos dizer, o que é o homem, senão a carcaça da ciência expropriada pelo patrão como seu cérebro. Na Miséria da Filosofia, de 1847, Marx tinha observado: O tempo é tudo, o homem não é mais nada; ele é no máximo a carcaça do tempo. Não existe mais a questão da qualidade. A quantidade decide tudo: hora por hora, jornada por jornada.

    Com a Maquinaria e Grande Indústria, o trabalho vivo foi alienado das gigantescas forças da Natureza e do trabalho social massivo, que é produto do próprio desenvolvimento da civilização do capital. Estamos diante da contradição viva suprema: o capital em seu desenvolvimento histórico contraditório, propiciou o desenvolvimento da ciência moderna, originalmente expropriada/espoliada do trabalho vivo dos artífices, operadores omnilaterais do processo de produção da vida material - e sua incorporação alienada na produção social por meio da maquinaria - o que significa que o movimento do capital operou, pelo menos no processo dito de acumulação primitiva, duas expropriações violentas – a expropriação da propriedade comunal (a alienação dos camponeses da terra e a transformação deles em proletários livres como pássaros); e a expropriação/espoliação do savoir-faire dos artesãos por meio da cientifização da técnica originária, processo social que prossegue com a tecnologização da ciência (por exemplo, o inventor Richard Arkwright (1732-1792), celebrado como nobre barbeiro genial, foi considerado por Marx, entre todos os grandes inventores do século XVIII, o maior ladrão de inventos alheios e o sujeito mais ordinário).

    Portanto, o sistema de máquinas – representação do trabalho morto como cérebro inanimado do capitalista que condensa em si e para si, as gigantescas forças da Natureza e do trabalho social organizado (o trabalhador coletivo do capital acoplado ao sistema de máquinas complexas como trabalho vivo cristalizado elevado à enésima potência) – significou para Marx, a Declaração Universal da Desvalorização do Trabalho Vivo como Força de trabalho.

    Marx transcreve uma declaração de um Inspetor de Fábrica que expressa, com desdém, em sua singela declaração, a subordinação real do trabalho ao capital. Disse ele: Os operários fabris deviam guardar em salutar lembrança o fato de que seu trabalho é, na realidade, uma espécie inferior de trabalho especializado; e que não há nenhum outro trabalho que seja mais fácil de se dominar, nem que, considerando-se sua qualidade, seja mais bem remunerado, ou que, nenhum outro trabalho pode ser suprido, tão rápida e abundantemente com um rápido treinamento do menos experientes [...] A maquinaria do patrão desempenha realmente um papel muito mais importante no negócio da produção do que o trabalho e a destreza do operário, trabalho que se pode ensinar em seis meses de instrução e que qualquer peão pode aprender.

    O trabalho vivo como força de trabalho incorporado pela maquinaria do patrão amesquinhou-se tanto quanto a estreita forma burguesa de desenvolvimento civilizatório. A era da maquinaria, a Modernidade-Máquina, é a era de mediocridade universal: mediocridade da sociedade burguesa como base de desenvolvimento civilizatório (aquilo que Max Weber descreveu como desmembramento da alma); e a mediocridade do trabalho vivo amesquinhado pela maquinaria do patrão, amesquinhamento moral-intelectual resgatado pelos carecimentos, quantitativos e qualitativos, que irrompem na luta de classes.

    Marx identificou a fábrica automática e a pressão laboral que lhe é intrínseca, como sendo similar à disciplina de caserva, onde os operários parcelares são incorporados como apêndices vivos, tanto à maquinaria (o meio de trabalho que empregam o trabalhador assalariado), quanto ao corpo de trabalho, constituído por indivíduos de ambos os sexos e pertencentes às mais diversas faixas etárias (pela primeira vez, Marx indicou questões de gênero e faixas etárias na produção do capital). Neste momento, Marx identificou a fábrica do capital com a organização burocrática par excelence: o quartel militar. Deste modo, encontraremos na organização laboral do capital uma divisão de poder (divisão hierárquica do trabalho) – de um lado, supervisores e capatazes, suboficiais e sargentos que assumem a função de comando do capital; e de outro lado, operários – meros trabalhadores assalariados, soldados rasos da indústria.

    A disciplina de caserna era o modo histórico da pressão laboral nos primórdios do capitalismo industrial (o capitalismo da era concorrencial), sendo uma preocupação candente dos primeiros patrões que buscavam, como disse Andrew Ure, autor de Filosofia das Manufaturas, citado por Max, treinar seres humanos a renunciarem aos seus inconstantes hábitos de trabalho e a identificarem-se com a regularidade invariável do autómato complexo. Andrew Ure celebrou o nobre inventor Arkwright como sendo o genial inventor de um código bem-sucedido de disciplina fabril, adequado às necessidades da diligência fabril. Talvez Arkwright seja o precursor da Organização Científica do Trabalho, de Frederick Taylor (Marx considerou Arkwright, o maior ladrão de inventos alheios e o sujeito mais ordinário. Pelo visto, o capitalismo histórico reproduz, desde sempre, numa escala superior, a acumulação como espoliação (Harvey) – na etapa do imaterial, ela ocorre pela captura da subjetividade do trabalho vivo complexo (a personalidade humana).

    O código fabril que surgiu nas primeiras fábricas automáticas do capitalismo concorrencial tornou-se um paradigma da pressão laboral despótica, no qual o capital formulava, como um legislador privado, a sua autocracia sobre os seus operários. Marx, com sua ironia mordaz, observou que, no código fabril em que se regulamentava a disciplina laboral, não se figurava a divisão dos poderes tão prezada pela burguesia, nem tampouco seu ainda mais prezado sistema representativo [o grifo é nosso]. O código fabril, disse Marx, é apenas a caricatura capitalista da regulação social do processo de trabalho, que se torna necessária com a cooperação em escala ampliada e o uso de meios coletivos de trabalho, nomeadamente a maquinaria; e Marx nomeou a sucessão histórica dos modos de pressão laboral da Antiguidade até nossos dias (capitalismo moderno): a pressão laboral que ocorria no escravismo em comparação com a pressão laboral que ocorre no regime despótico do capitalismo industrial. Diz ele: Para o lugar do chicote do feitor de escravos surge o livro de penalizações do supervisor. Todas as penas se convertem naturalmente em multas em dinheiro e descontos no salário; e a perspicácia legislativa dos Licurgos fabris faz com que as transgressões de suas leis, lhes resulte sempre que possível, mais lucrativa do que suas observâncias.

    Portanto, a pressão laboral no escravismos se reduzia ao chicote do feitor de escravos, enquanto no capitalismo industrial, ela se burocratiza com a criação do código fabril, as normas de controle da disciplina fabril, o livro de penalizações do supervisor, onde as penas não são chicotadas que deixam marcas no corpo físico, mas sim, penalizações pecuniárias, multas monetárias que contribuem para aquilo que poderíamos denominar de formas secundárias de exploração do trabalho (o desconto de salário que faz aumentar a mais-valia extraído da força de trabalho como mercadoria).

    Finalmente, Marx concluiu a parte 4 do capítulo 13 do Livro I de O capital, intitulado a fábrica, com considerações pioneiras sobre a degradação da pessoa humana-que-trabalha nas condições da fábrica automática. Nos primórdios do capitalismo industrial, as condições ambientais das fábricas degradavam mais o corpo físico que a mente humana, embora não possamos desprezar também a degradação psicológica da pressão laboral nos regimes despóticos do capitalismo industrial em seus primórdios.

    Naquela fase de desenvolvimento do capital industrial, o que se percebia de imediato era a degradação físico-corporal da força de trabalho. Mas do século XIX para o século XXI, nos pólos mais desenvolvidos de produção de mais-valia, alteraram-se as condições de trabalho – embora possam persistir em alguns locais de trabalho condições degradantes do trabalho do capitalismo primordial (inclusive, o trabalho análogo à escravidão). O capital sempre articulou o moderno com o arcaico. Mas o que precisamos ressaltar é que, as condições de trabalho para a produção do capital – na indústria ou nos serviços capitalistas- sempre se utilizaram de todos os órgãos dos sentidos humanos, mobilizando mente e corpo (subjetividade do trabalho vivo) no processo de produção do mais-valor. No século XXI, exige-se mais dos sentidos intelectuais-espirituais na medida em que se desenvolveu, de modo impressionante, a base tecnológica de produção do capital. Os riscos do labor capitalista são outros. Na era do capitalismo industrial nascente, Marx denunciou a fábrica capitalista do seguinte modo:

    "Todos os órgãos dos sentidos são igualmente feridos pela temperatura artificialmente elevada, pela atmosfera impregnada de resíduos da matéria-prima, pelo ruído ensurdecedor, etc, para não falar do perigo mortal de vida de se trabalhar num ambiente apinhado de máquinas, que, com a regularidade das estações do ano, produz seus boletins de batalha industrial. Ao mesmo tempo, a economia nos meios sociais de produção, que no sistema de fábrica atingiu pela primeira vez sua maturidade, transforma-se, nas mãos do capital, em roubo sistemático das condições de vida do operário durante o trabalho: roubo de espaço, ar, luz e meios de proteção pessoal contra as circunstâncias do processo de produção que põem em perigo a vida e são contrárias à sua saúde, ou seja insalubres; para não falar já do roubo de instalações destinadas a aumentar a comodidade do operário"

    A questão é: quais os novos riscos da exploração capitalista na indústria e nos serviços hoje? Como se caracteriza o roubo sistemático das condições de vida do trabalhador assalariado no capitalismo do século XXI? Quais os perigos à vida que são contrários à saúde – física e mental – do trabalho vivo nas condições da exploração do capitalismo informacional? Quais as condições de insalubridade da extração de mais-valia que caracteriza o modo de produção do capital na era da crise do capitalismo global? Finalmente: quais as características materiais do estranhamento do capital no século XXI? Enfim, temos um conjunto de questões que este livro pode começar a responder visando a construção da crítica radical do sistema irracional do capital nas condições históricas de sua crise estrutural.

    1 Giovanni Alves é professor da UNESP-Marília, livre-docente em teoria sociológica, doutor em ciências sociais (UNICAMP), pós-doutor em sociologia pela Universidade de Coimbra, pesquisador do CNPq e coordenador-geral da RET (www.estudosdotrabalho.org). É autor de vários livros e artigos na área de sociologia do trabalho, globalização e reestruturação produtiva, entre eles Trabalho e subjetividade (2011) e A Tragédia de Prometeu (2016). E-mail: giovanni.alves@uol.com.br

    Apresentação

    Analisar as relações e condições de trabalho exige a vinculação com a saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras. Estudos sobre saúde do trabalhador marcam presença nas agendas acadêmicas e políticas (especialmente sindical), pois adoecer, acidentar, suicidar, morrer, mutilar, assediar são situações cotidianas nos mais diferentes espaços da produção e, também, nas mais diversas categorias profissionais que compõem a classe trabalhadora.

    Os adoecimentos, acidentes e mortes dos trabalhadores e das trabalhadoras, infelizmente, ganham proporções assustadoras de acordo com as estatísticas. No Brasil, segundo informações oferecidas pelo Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho¹, estima-se que ocorre 1 acidente de trabalho a cada 47 segundos; 3.305.708 comunicações de acidente de trabalho (CAT’s) foram registradas no período de 2012-2016; 1 morte em acidente de trabalho é estimada a cada 3horas 31minutos 32segundos e; 12.423 mortes acidentárias foram notificadas no período 2012-2016.

    Nas relações sociais de produção capitalista (trabalho assalariado e propriedade privada dos meios de produção), os processos de trabalho causam degenerações orgânicas e degradação intelectual. Os homens e mulheres são embrutecidos pelo processo de produção. O trabalho alienado é fonte de acidentes, adoecimentos e mortes.

    O livro que organizamos tem como objetivo oferecer conteúdo teórico sobre a tênue e tensa relação trabalho e saúde, como também contribuir para o fortalecimento das lutas dos movimentos sociais e sindicais que marcam presença na defesa da saúde do trabalhador e da trabalhadora.

    Este livro é resultado de pesquisas realizadas no Núcleo de Estudos e Pesquisas Trabalho, Questão Social e América Latina (NEPTQSAL), do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGSS/UFSC), que conta com a coordenação do Prof. Dr. Ricardo Lara. Além das pesquisas orientandas e supervisionadas pelo referido professor, também compõem como autores: pesquisadores do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE); do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC; do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense; do Escritório Regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE/SC); do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC; do Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da UFSC; do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo.

    Os autores são oriundos das mais diversas especialidades e áreas, como Serviço Social, História, Psicologia, Economia, Sociologia, Fisioterapia e Pedagogia, mas em suas análises não sucumbiram diante das especializações que atomizam o trabalho e a saúde para compreendê-los como temáticas de estudos isoladas e fragmentadas, pelo contrário, as abordagens aqui presentes apresentam a necessária e impenitente crítica às relações sociais capitalistas e à forma como a saúde e o trabalho são subsumidos pela lógica do capital.

    O livro está organizado em três partes. A primeira, TRABALHO, SAÚDE E SOCIEDADE, apresenta reflexões sobre: a modernização trabalhista no Brasil; a regulação da participação dos trabalhadores em segurança e saúde no trabalho em Portugal; as transformações no mundo do trabalho no contexto de precarização; a ideologia da educação financeira no âmbito das técnicas de manipulação do consumo; os desafios do Brasil no contexto da quarta revolução industrial. A segunda, RELAÇÕES DE TRABALHO, SAÚDE E DIREITOS SOCIAIS, apresenta pesquisas sobre: o adoecimento dos trabalhadores do setor têxtil de Jaraguá do Sul (SC); a luta por direitos dos trabalhadores das minas de carvão de Criciúma (SC); as ambiguidades do trabalho portuário avulso de Santos (SP); a saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras do transporte coletivo de Florianópolis (SC); a regulação das matérias atinentes à segurança e saúde no trabalho na negociação coletiva em Portugal. A terceira, CONDIÇÕES DE TRABALHO E ADOECIMENTOS, apresenta pesquisas sobre: a regulação das condições de saúde e ambiente de trabalho na mineração; a situação de trabalho dos assistentes sociais; os transtornos mentais e comportamentais dos docentes na rede pública do município de Rio do Sul (SC); a gestão de saúde e segurança do trabalho no Ministério Público de Santa Catarina; as condições de trabalho dos trabalhadores e das trabalhadoras do Imperial Hospital de Caridade de Florianópolis (SC).

    Cabe registrar que este livro teve sua investida decisiva na disciplina, Tópicos Especiais em Trabalho e Questão Social: saúde, ambiente do trabalho e ação sindical, do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFSC, oferecida pelos organizadores do livro. José Reginaldo Inácio, durante seu estágio de pós-doutorado e com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apresentou contundentes abordagens sobre a saúde do trabalhador e a ação sindical, as quais propiciaram e instigaram os jovens pesquisadores e autores deste livro. Durante os encontros foram possíveis reflexões e discussões interdisciplinares que se modelaram e, agora, são conteúdos deste livro.

    Agradecemos o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), pelo apoio na publicação.

    Esperamos que este livro contribua e adicione forças científicas e ideológicas na necessária resistência política dos trabalhadores e das trabalhadoras pelos seus direitos de viver e trabalhar em condições adequadas de saúde e, ainda mais, que os seus autênticos direitos conquistados na luta sejam mantidos e que os novos, sementes e frutos do conflito e das contradições, sejam a transformação da realidade por uma vida saudável e para além do capital.

    Os organizadores

    Ricardo Lara

    José Reginaldo Inácio

    Florianópolis, verão de 2018.

    1 Disponível em: http://observatoriosst.mpt.mp.br/. Acesso em 11 de janeiro de 2018.

    PARTE I – TRABALHO, SAÚDE E SOCIEDADE

    1

    Modernização trabalhista: um país livre para crescer

    ²
    Ricardo Lara

    Introdução

    O artigo analisa o processo de extinção dos direitos trabalhistas, em especial as propostas oriundas da burguesia nacional veiculadas sob a ideologia da modernização trabalhista. Diante do aprofundamento da crise econômica e acirrada competição intercapitalista, os empresários brasileiros impuseram mudanças na legislação social com o objetivo de eliminar os direitos sociais, evidenciando desta forma um horizonte de práticas modernizadas.

    Na atual crise capitalista, como sempre, as classes sociais apresentam projetos distintos para enfrentar os dramas e conflitos que as atingem. No Brasil, os empresários exigem mudanças na legislação social trabalhista para retomar o crescimento econômico e argumentam sobre os altos custos da força de trabalho e os empecilhos proporcionados pelo legislado. Enquanto para os trabalhadores prevalecem a exploração (precarização, terceirização e adoecimento) da força de trabalho e as contrarreformas nas políticas sociais.

    A saúde, a educação, a previdência, os direitos sociais conquistados historicamente pelos trabalhadores tendem a se transformarem em novas mercadorias e podem ingressarem-se nos processos de valorização. Para os direitos sociais entrarem na relação social especificamente capitalista de valorização são necessárias as privatizações dos serviços públicos ou simplesmente a sua extinção, com isso o direito social torna-se mercadoria e pode ser adquirido no mercado como as demais mercadorias que satisfazem necessidades humanas. Por isso que, as privatizações, as contrarreformas nas políticas sociais, as modernizações nas legislações trabalhistas são fenômenos de um mesmo processo socioeconômico que demonstra a crise generalizada e duradoura da produção e reprodução social capitalista, seja em sua particularidade europeia ou latino-americana.

    As medidas de austeridade, nas últimas décadas, promoveram significativos regressos políticos e sociais, consubstanciando-se em verdadeiras derrotas às classes trabalhadoras e aos direitos humanos. Seja sob a ideologia da austeridade, do novo regime fiscal ou da modernização trabalhista, o que está em questão é a possibilidade da produção capitalista manter as taxas de lucro e explorar força de trabalho sem as intervenções das legislações sociais de proteção ao trabalhador.

    Esse cenário se particulariza no Brasil com a fome voraz e vampiresca por mais-valor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP)³ e demais entidades patronais que apresentaram suas propostas de modernização trabalhista.

    A modernização trabalhista no Brasil consubstancia-se no mesmo contexto histórico das políticas de ajuste fiscal, principalmente pela redução de investimento do governo federal em politicas públicas. No plano da conformação ideológica há mais de três décadas destacam-se as formulações que deram apoio às contrarreformas, a ideologia de desresponsabilização do Estado e, paralelamente, a subserviência dessa estrutura ao padrão de acumulação capitalista imposto pelas agências internacionais. As cartilhas dos organismos internacionais (destacando-se os relatórios do Fundo Monetário Internacional – FMI, e o do Banco Mundial) preconizavam, em um primeiro momento que o Estado deveria modernizar-se, acabar com as velhas estruturas deficitárias e de caráter paternalista, empurrando as responsabilidades sociais ao dinâmico e equilibrado universo do mercado. (BEHRING, 2008, p. 65).

    Portanto, neste artigo, abordaremos o contexto sócio-histórico que alavancou as propostas de modernização trabalhista elaboradas pelas principais entidades da burguesia nacional; com isso, temos possibilidades de analisar o principal argumento dos empresários, qual seja: as mudanças na legislação social trabalhista são imprescindíveis para retomar o crescimento econômico, pois os altos custos da força de trabalho e os empecilhos proporcionados pelo legislado são os maiores obstáculos encontrados pela classe empresarial no Brasil.

    Processo contínuo de extinção dos direitos trabalhistas

    A luta de classes é o motor da história na

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