Cidadania, desigualdade social e política sanitária no brasil
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Cidadania, desigualdade social e política sanitária no brasil - Thais Ferreira Rodrigues
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedico este trabalho ao cidadão anônimo, que tem o direito de viver dignamente em sua terra, mas ainda não usufrui dos bens e serviços essenciais como os de promoção, proteção e recuperação da saúde: a homenagem do respeito e de solidariedade e o compromisso de defesa permanente dos seus direitos. Aos servidores e dirigentes da área da saúde, que continuam lutando para que, sobretudo, os desprovidos do mínimo existencial possam ser atendidos, efetivamente, pelo sistema de saúde: a homenagem do respeito e da admiração e o compromisso de apoio à sua missão, expresso, aqui, no reconhecimento aos companheiros de trabalho formados na escola do devotamento à causa pública, da coerência de propósitos, da integridade de conduta, da fortaleza de ânimo e da esperança constante. Enquanto qualquer do povo, pelo só fato de ser cidadão, não puder receber adequada assistência em saúde quando dela necessite, o sistema de saúde não terá cumprido o seu papel e o Estado continuará devedor da sociedade.
(Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos)
APRESENTAÇÃO
Escrito em 2013 e fruto de uma trajetória em estudos de políticas públicas de saúde iniciada em 2010, este livro traz conteúdo, infelizmente, ainda atual. O sistema público de saúde permanece em crise em sua infraestrutura, gestão, organização, financiamento e modelo de atenção, utilizado preferencialmente por pobres, enquanto a classe média e a elite permanecem diferenciando-se ao utilizarem o sistema privado de saúde que também não passa por um bom momento, hospitais universitários de referência ameaçados de fechamento, entre tantos outros problemas. Logo, discutir os motivos pelos quais o SUS ainda não conseguiu colocar em prática as diretrizes contidas no seu projeto inicial se torna urgente e crucial para entendermos quão nociva é a desigualdade social brasileira e quanto ela afeta todas as questões da sociedade.
Estruturado a partir de quatro capítulos, tem-se uma discussão extensa sobre a situação da política sanitária brasileira. O capítulo 1 tem o intuito de contextualizar dois aspectos fundamentais para o desenvolvimento do livro: os caminhos percorridos pela cidadania no Brasil e a criação de um Sistema Único de Saúde de caráter universal e de provimento obrigatório do Estado. O primeiro item é de extrema importância para se pensar que tipo de cidadão é o brasileiro e o papel que os direitos sociais, políticos e civis tiveram nessa formação. A partir desse cidadão que se formou receptor de políticas sociais como benefício e não como direito, dependente do Estado, atitudes ativas frente à ineficiência dessas políticas não são tomadas.
Já no segundo item o foco é a elaboração da Constituição de 1988, apelidada de Constituição Cidadã
, que determinou, como direito de cidadania, a criação de um Sistema Único de Saúde – o SUS –, e tinha o intuito de modificar o quadro da saúde pública brasileira. Nesse primeiro momento, o SUS é apresentado desde as discussões que o antecederam até sua criação e exposição das leis e normas que determinaram sua implantação. Ressalta-se que alguns fatos corriqueiros de bastidores, principalmente quando se fala da Constituição de 1988, são expostos, pois se entende aqui que as decisões políticas são tomadas sempre de acordo com as disputas e interesses dos agentes envolvidos.
Por sua vez, o capítulo 2 discute a existência constitucional de um Sistema Único de Saúde, admirável quanto à abrangência e intenção de corrigir as distorções e desigualdades até então predominantes, possuir diversos mecanismos de controle, regulação e participação popular. Mas problemático ao esbarrar em um subfinanciamento e na má gestão que impossibilitam sua eficiência em diversos procedimentos. Destaca-se que após 2013, pouca coisa mudou em relação ao financiamento, sendo que no segundo mandato da presidente Dilma, iniciado em 2015, a principal proposta para a saúde, muito difícil de ser aprovada, inclusive, é a volta da controversa Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Reconhece-se também que a boa intenção em universalizar as políticas sociais foi, de certa forma, ingênua, pois no Brasil não existiam pré-condições necessárias para que se implementassem políticas inspiradas nos países europeus que adotaram o welfare state. Ao abordar a americanização
da seguridade social brasileira, de caráter seletivo e privatizante, adentra-se na discussão do capítulo seguinte acerca dos diferentes sistemas de saúde existentes no Brasil, que se destinam para diferentes classes sociais e a prevalência das classes sociais desprovidas nos procedimentos ineficientes do sistema público de saúde.
No capítulo 3, a discussão parte do pressuposto de que a primeira questão que deve ser destacada, quando se trata dos problemas do SUS, é a injustiça social brasileira. O sistema não honra seu objetivo de oferecer cidadania inclusiva e igualitária instituídos no projeto inicial ao permitir que uma minoria separe sua sorte da maioria e a existência de sistemas de saúde distintos para diferentes classes sociais. Descreve-se, assim, alguns casos referentes ao SUS destinado à ralé, chamado aqui de SUS que não funciona, e outros do SUS eficiente, para todas as classes sociais. Já no capítulo 4 são analisadas algumas das diversas pesquisas feitas pelo Ministério da Saúde ou por instituições vinculadas ao governo federal acerca da saúde no Brasil, as quais levantam dados sobre os serviços prestados pelos sistemas público e privado e abordam a visão da população sobre eles. Informações cruciais para se pensar, finalmente, quais caminhos as políticas públicas de saúde devem seguir para cumprir o seu papel de promotora de cidadania. São analisados alguns dados relevantes a partir do relatório publicado pela ANS no fim de 2012 que teve o objetivo de delimitar o cenário atual da saúde suplementar brasileira, outros dados referentes à última PNAD que abordou a saúde e ainda uma das tantas pesquisas feitas pelo Ipea que procurou saber a opinião dos brasileiros sobre os sistemas de saúde.
Por fim, tem-se uma conclusão diferente dos padrões metodológicos
acadêmicos. Retomam-se algumas discussões contidas no texto reafirmando posicionamentos, mas também propõem-se algumas saídas para as políticas públicas de saúde, sugerindo, assim, outras possíveis discussões para que pobre no Brasil não morra primeiro.
A autora
Prefácio
O livro de Thaís Ferreira Rodrigues aborda de maneira articulada a relação entre a desigualdade social brasileira e a construção de políticas públicas na área de Saúde. Ao tratar de nossa problemática da saúde, a obra traça um grande panorama da situação do Sistema Único de Saúde (SUS). Combinando as análises sociológica e institucional, a reflexão do livro representa um avanço no debate acerca da influência da estrutura de classes perversa de nossa sociedade na organização das políticas públicas e das instituições responsáveis por executá-las.
O texto, originalmente apresentado na forma de uma dissertação de mestrado em Ciência Política na UFF, realiza uma reconstrução de como o processo de formulação e implementação do SUS, desde sua origem até o momento, viu-se atrelado a uma dinâmica sociopolítica que acabou por condicioná-la sobremaneira: o problema da subcidadania brasileira. Assim, todo o pano de fundo da reflexão da autora está circunscrito a essa grande questão. Um dos pontos altos da leitura do livro é a observação de um problema característico de países muito desiguais como o nosso: como prestar serviço público de qualidade a um conjunto de pessoas desclassificados socialmente pela sociedade? Esse é precisamente o caso da maioria dos usuários do SUS, composta de tipos sociais da ralé
, como empregadas domésticas, catadores de lixo, trabalhadores braçais desqualificados, prostitutas, usuários de drogas.
Portanto, um dos méritos do livro é não perceber as consequências da estruturação de uma sociedade de classes como a mídia, o governo e a academia brasileira da mesma forma fragmentária que eles quando se referem a temas como violência, insegurança, assistencialismo, analfabetismo funcional, má formação de mão de obra etc., como se não houvesse um vínculo interno ligando todas essas questões a um núcleo social comum. Atentar para a questão da classe em sua relação com a política pública representa compreender problemas sociais e seus desafios de outro modo, possibilitando ganhos significativos em nosso debate público.
A título de exemplificação, tomamos o exemplo do art. 196 da Constituição Federal, que descreve a saúde como um direito de todos, cujo acesso deve ser universal e igualitário, e um dever do Estado, em suas várias esferas. Entre suas diretrizes está atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais
(inciso II do art. 198). Todavia, o que significa atendimento integral em um modelo de saúde pública? Que deve ser garantida mediante políticas públicas sociais e econômicas, organizada como um setor da seguridade social? Significa que o Estado deve prover todos os tratamentos cabíveis aos indivíduos que demandam a Administração Pública ou o Judiciário, independentemente dos custos e das possibilidades reais de universalização? Ou significa que o Estado deve garantir um conjunto de ações básicas para todos, com prioridade para as atividades preventivas e, no caso da ausência de recursos, as ações de maior complexidade devem ser sacrificadas?
O que o livro de Thaís nos permite compreender é que em vez de esperarmos, por exemplo, que o Poder Judiciário venha amenizar individualmente, caso a caso, as mazelas da saúde pública nacional, talvez fosse o caso de enfrentarmos o desafio de pensar variações institucionais que apresentem, experimentalmente, modelos mais eficientes e transformadores da realidade do cidadão comum brasileiro. Para tanto, a metodologia de se pensar as políticas públicas deve ser reorientada. Deve se preocupar menos com a tentativa de encontrar, à revelia do processo democrático, princípios e valores implícitos na ordem constitucional