Somos faróis: a responsabilidade do adulto na formação da criança e do adolescente
De Lu Oliveira
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Somos faróis - Lu Oliveira
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Sumário
Agradecimentos
Apresentação da autora
Somos faróis
Sobre professores e pedras
Ritos de passagem
Solução Tabajara
Terceirização dos filhos
Existe vida além da matrícula
Privacidade e adolescência
A falta de mistério do Conselho de Classe
Escolher sim, decidir não
Afetividade na adolescência
Vale nota?
Separar-se dos filhos?
Quando se vive na Terra do Nunca
A perpetuação da estupidez
Por que Ivo viu a uva?
Medo de cara feia?
Coelhos e tartarugas
Da ficha telefônica ao celular
A importância das estrelinhas
Mãe, me dá um dinheirinho?
Conversando sobre a reprovação
Quando as cadeiras não viram
Tomar o ponto
Livro preto e celular
Hora do recreio
Desaparecidos
Negociar com o filho?
Do primeiro vaga-lume a gente nunca se esquece
Adolescer
Donos do mundo?
Leilão de alunos
Professor é um perigo
Profissão: professora
Somos afetuosos?
Ter ou não ter: eis a questão
Quem está cuidando dos nossos filhos?
Agenda cheia
Mãe da primeira viagem
Quando os filhos escapam
Voar por conta própria
Cadê todo mundo?
Que pai sou eu?
A lista que não era de Schindler
Você sabe onde seu filho está?
Sexo e adolescência
O que é que esta escola tem
Notas baixas e celular
Quando a insatisfação é boa
Tablado ou picadeiro?
A última carta
Agradecimentos
Aos meus pais, Joel e Cida, que sempre souberam ser faróis na minha vida.
Apresentação da autora
Quando, a convite do jornal O Diário, assumi a coluna Francamente, sabia que, de alguma forma, ter esse espaço semanal seria um divisor de águas na minha história como educadora. E foi mesmo. Escrever sobre temas relacionados à educação me ajuda a refletir e a melhorar como mãe e como professora e, no pacote, tem contribuído para que outros adultos também repensem sobro seu papel na vida das crianças e dos adolescentes. Sei, inclusive, de muitas escolas que usam minhas crônicas e artigos em suas formações docentes. E isso é muito gratificante.
O primeiro texto da coluna, Somos faróis, dá título a este livro porque sintetiza a mensagem de tudo que escrevo. Eu olho para meus filhos e para meus alunos e vejo barquinhos à deriva, neste mar que é a vida. Há muitos pontos luminosos tentando atrai-los, nem sempre com boas intenções. Nós – pais, mães, responsáveis legais, professores – precisamos ser bons faróis na trajetória deles.
E a simbologia do farol não quer dizer que precisemos posar de heróis o tempo todo para eles. Pelo contrário. Gosto de mostrar minhas fragilidades e minhas imperfeições, mas sempre reforçando que essa deve ser uma característica de todas as pessoas: lutar para ser melhor a cada dia.
As reflexões deste livro – o terceiro em minha história como escritora – não são receitas para educar. Aliás, considero pretensiosa toda proposta que promete receitas. Nossos filhos e alunos precisam de nós diariamente e esse desafio é exigente demais para ser explicado em frases do tipo 10 passos para ser um bom pai
ou os segredos de um professor eficaz
.
O que precisamos mesmo é ter afeto e autoridade em equilíbrio. O restante é solução Tabajara.
Se é fácil? Não. É bem difícil.
Mas valerá a pena quando nossas crianças e nossos adolescentes se tornarem adultos do bem, quando formos testemunhas das atitudes deles. Homens e mulheres fazendo a diferença no meio em que vivem.
Eu quero ser farol. E você?
Somos faróis
Usar as palavras para externar o que inquieta meu coração e povoa meus pensamentos é um prazer para mim. Só por esse motivo a escrita já teria grande sentido na minha vida; mas devo confessar que saber que essas palavras podem causar alguma reação nas pessoas que acompanham meu trabalho é um incentivo para eu continuar compartilhando impressões sobre o mundo.
Um bom texto precisa mesmo provocar; não uma provocação que remeta à polêmica barata, aquela que se fabrica para chamar atenção. Mas uma provocação que faça as pessoas refletirem sobre a sua história. Agradar aos leitores pode fazer bem ao meu ego, mas a grande satisfação é saber que minhas palavras podem estimular a discussão sobre temas relevantes, mesmo quando forem alvo de duras críticas.
Como professora, nada mais natural que eu trate de questões ligadas à educação. Mas não sou apenas professora. Estou há quase 20 anos no tablado, mas também sou mãe, esposa, filha. Sou cidadã, consumidora, internauta; sou uma mulher que ama e que é amada, mas que também sente raiva e nem sempre é admirada; enfim, sou alguém que tem uma alma cheia de conflitos e desejos.
E educar é sempre um desafio. Criar é uma tarefa relativamente fácil; desde que se dê água, comida e abrigo, até animais de estimação podem crescer bonitos e saudáveis. Entretanto, nossas crianças e adolescentes precisam de muito mais. Precisam de afeto e de atenção; de limites e de cobranças.
Encontrar o equilíbrio ao desempenhar a função de pais e/ou professores não é fácil, mas é possível. Preciso ter pulso firme com meus filhos e com meus alunos, mas também preciso de um coração afetuoso. Sou mãe e professora, não amiga; e preciso agir de acordo com esses papéis. O mundo já oferece amigos
demais; nossos pequenos suplicam por adultos que lhes orientem e que, se preciso, digam-lhes não
.
Por isso sempre gostei da analogia do farol. Às vezes olho para aquelas carinhas adolescentes enquanto explico a matéria e visualizo barquinhos à deriva. Então sinto que preciso honrar o jaleco e ser farol; não tenho a pretensão de ser modelo, mas tenho consciência de que meus exemplos, inclusive minha conduta na vida pessoal, podem fazer a diferença na vida deles.
Qualquer adulto que seja responsável por uma criança ou por um adolescente, seja por algumas horas semanais ou por uma vida, tem o compromisso de ser farol. Por mais que tenhamos a impressão de que eles gostam de transgredir regras, muitas vezes a grande vontade que enche seus corações é ter uma bússola para lhes indicar o melhor caminho.
E nós somos essa bússola; nós somos o farol.
Sobre professores e pedras
Não falta, no mundo real e no virtual, quem manifeste respeito à figura do professor. Textos, poemas, frases emocionantes. Da mesma forma, há os que engrossam o coro de revolta por causa da desvalorização da classe docente. Quando campanhas políticas estão em efervescência, slogans bonitos priorizando a educação e discursos emocionados de candidatos preocupados com a sala de aula ganham espaço por toda a parte. Na prática, entretanto, nem sempre essas manifestações se concretizam.
É comum as pessoas sentirem compaixão do professor por causa do salário. Aliás, a remuneração é sempre um dos primeiros itens da lista de qualquer tipo de reivindicação. De alguma forma, carregamos a incômoda imagem de sermos sofredores
. A maioria nos vê como profissionais que trabalham muito e ganham pouco.
De fato, o dinheiro tem seu peso. Idealismo não paga contas e mesmo os ainda apaixonados pelo tablado, como eu, precisam honrar seus compromissos financeiros mensais. Já tentei fazer compras no supermercado dizendo amar o que faço, mas essa moeda não serviu como troca.
Entretanto, penso que a questão salarial, mesmo com a sua importância, não seja o maior desafio da carreira docente, até porque existe a opção de se pendurar o jaleco e buscar atividades mais rentáveis. Quem persevera na profissão e honra a missão que escolheu merece aplausos porque, no dia a dia, precisa desviar de outras pedras atrapalham a caminhada.
Com relação aos alunos, a maior delas é a indisciplina, tema recorrente quando se discute educação. A aprendizagem é o principal objetivo, mas, em meio à balbúrdia, fica bastante complicado tornar esse processo eficaz. Então vem a difícil tarefa de fazer 40 crianças ou adolescentes se manterem 50 minutos atentos a uma aula. Vinte ou trinta anos atrás, por exemplo, os professores tinham menos trabalho porque, com menos concorrência fora dos muros escolares, era natural que nos sentíssemos mais seduzidos pela escola. Hoje, com todos os recursos oferecidos pela tecnologia, atraí-los para o conhecimento é um desafio.
Mas, pior que a conversa paralela exagerada - aquela que exige que interrompamos a explicação várias vezes durante a aula para chamar atenção da meninada - e as gracinhas e gracejos são as atitudes de arrogância e cinismo vindas de alunos que nos veem com desprezo. Se há algo que faz meu sangue ferver é aquele olhar de pouco caso, aquele semblante indiferente. A violência física assusta e fere, mas a psicológica, mais velada, também deixa marcas. E o triste é saber que esse comportamento muitas vezes é aprovado – ou negligenciado – pela família, até porque há adultos que também se comportam assim em seu convívio social. Na rede particular principalmente, há pais e mães que incutem na cabeça de seus filhos a ideia de que o professor é um mero empregado que precisa estar sempre sorrindo e à disposição do seu rebento, afinal, vem da mensalidade o seu salário. Estão fabricando monstros em série, mas a sociedade que se dane.
Outra pedra que dificulta os passos docentes são aqueles diretores, coordenadores e/ou supervisores que não têm o sangue da educação correndo pelas veias. Homens e mulheres que assumem posições de comando em instituições de ensino, mas nem sabem lidar com pessoas. Não conseguem enxergar com clareza os direitos e deveres dos alunos, da família, dos professores. Conforme a conveniência do momento, posicionam-se favoravelmente a um ou a outro lado. Resultado: em terra de ninguém, vence o mais forte. E, infelizmente, às vezes essa força está ligada à esperteza, e não à sensatez.
E se o salário não permitirá que professor compre um iate, se a indisciplina dos alunos aumenta seus cabelos brancos e se às vezes seus superiores não sabem o que fazem, por que motivo ele ainda persevera? Afinal, que estranha força é essa que nos segura em sala de aula apesar desses percalços?
Dizer que é amor seria piegas, eu sei. Mas, mesmo sem saber nomear, tenho certeza de que é um sentimento muito forte. Tão forte que nos faz desviar das pedras, mas não do caminho.
Ritos de passagem
Em 1987, um comercial da Valisere, famosa marca de lingerie, tornou o slogan O primeiro sutiã a gente nunca esquece
uma febre. Protagonizado pela atriz Patrícia Luchesi, na época uma pré-adolescente, a propaganda mostrava como a peça íntima simbolizava o rito de passagem da menina para a mulher. Em O cortiço
, romance naturalista do século XIX, escrito por Aluísio Azevedo, Dona Isabel, mãe da personagem Pombinha, faz festa e agradece a Deus quando fica sabendo que a garota menstrua pela primeira vez. Finalmente a filha, agora