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Uma chance para a vida
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Uma chance para a vida
E-book127 páginas4 horas

Uma chance para a vida

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Sobre este e-book

Uma chance para a vida retrata a triste realidade vivida por muitos jovens dependentes de drogas.
Pedro Henrique, o nosso protagonista, é um jovem de classe média alta, que depois de passar por uma grande tristeza, afunda-se no mundo obscuro das drogas.
Sua luta para se livrar do vício é constante, mas sempre acaba tendo uma recaída.
No entanto, ele sabe: para superar a dependência é necessário, antes de tudo, muita força de vontade e persistência.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de mar. de 2019
ISBN9788540027299
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    Uma chance para a vida - Sandra Rosa

    Reencontros

    I

    Planos Desfeitos

    Não me lembro bem quando comecei a me entender por gente. Acho que devia estar por volta dos três anos de idade.

    Filho único de um casamento feliz entre um mineiro e uma goiana, vivia cercado de mimos. Éramos uma família de classe média-alta. Meu pai, um empresário bem-sucedido, com filiais de sua empresa espalhadas por quase todos os estados da União, sendo que a matriz ficava aqui, em Goiânia. Minha mãe, uma psicóloga pós-graduada com consultório de luxo e uma farta clientela da alta sociedade goiana. Vivíamos em perfeita harmonia, numa belíssima mansão, num dos bairros nobres da cidade.

    O renomado empresário André de Albuquerque e Silva (meu pai) viajava muito a negócios, e a Doutora Marisa vivia à mercê dos seus pacientes. Assim sendo, eu era deixado aos cuidados de Dinda, a nossa governanta e minha madrinha, a qual havia sido a babá de minha mãe e continuava morando conosco. Dinda contava já os seus sessenta e sete anos e era como uma avó para mim. Era religiosíssima. Aliás, em nossa casa, todos éramos religiosos. Minha mãe era uma mulher temente a Deus e muito caridosa; dessas que fazem o bem sem olhar a quem. Aos domingos, íamos à missa bem cedinho, falar com Deus.

    Eu, na minha tenra idade, não compreendia como se podia falar com Deus, sem poder vê-lo ou tocá-lo, e Dinda, em nossas aulas de catecismo, pacientemente, explicava-me que Deus era um Ser Supremo, invisível, e garantia-me que Ele podia ver-me, onde quer que eu estivesse. Eu, na minha inocente ignorância perguntava:

    – Dinda, se eu me esconder embaixo da cama, Deus pode me ver?

    Ela sorria docemente e respondia:

    – Aos olhos de Deus nada se pode ocultar, Pedrinho, nem mesmo dentro de uma redoma de aço.

    Não adiantava, na minha cabecinha não cabia tanto mistério. Na minha imaginação, Deus era um Super Ser, com olhos biônicos que enxergavam além do alcance.

    Assim cresci, sempre lado a lado com Deus e, aos sete anos, fiz a minha Primeira Comunhão, para felicidade de Dinda, que continuou a me incentivar na preparação para a Crisma.

    Sempre fui uma criança esperta. Na escola tinha ótimas notas e já cursava a segunda série. Meus pais, satisfeitos com o meu desempenho, sempre me premiavam com uma viagem de férias e eu os tinha só para mim, durante um mês inteirinho. Longe dos negócios do papai, longe dos pacientes da mamãe.

    Em janeiro de 1987, comemorei os meus doze anos de idade. Aquela era uma comemoração dupla, já que, naquele ano, nas férias de julho, eu faria a viagem dos meus sonhos. Pela primeira vez, iria à Disney, juntamente com os meus pais e Dinda. Estávamos todos em alvoroço. Dinda e eu não nos cansávamos de fazer planos e mais planos para a tão esperada viagem.

    Finalmente, chegou o mês de junho. Meu pai já havia providenciado os passaportes e, à medida que o tempo passava, eu ficava mais eufórico.

    Numa manhã fria de junho, saí com Dinda e Onofre, o nosso motorista, para fazermos compras. Passamos por todos os shoppings da cidade, compramos muita coisa, até o que não devíamos. Quando já não cabia mais nada no porta-malas, resolvemos tomar sorvetes antes de voltarmos para casa. Divertimo-nos feito três crianças e, já exaustos, decidimos que era hora de ir.

    A caminho, continuamos a fazer planos, mal sabendo nós, que nenhum deles seria concretizado; porque ali, exatamente ali, no cruzamento das avenidas Anhanguera e Araguaia, aconteceu a tragédia...

    Um motorista imprudente, dirigindo em alta velocidade, avançou o sinal vermelho e atingiu, em cheio, o nosso carro. Foi tudo tão rápido, que eu mal tive tempo de gritar. Vi o mundo girar e tudo ficou escuro ao meu redor.

    Ouvi vozes que pareciam vir de muito, muito longe. Lentamente, fui abrindo os olhos; vi que papai e mamãe estavam do meu lado. Eu estava estirado numa maca. Sentia uma forte dor de cabeça e náusea. Tentei virar-me de lado, mas fui impedido por uma dor aguda nas pernas. Mamãe recomendou-me que ficasse quieto. Vi lágrimas rolando pelo seu rosto, só então, lembrei-me de Dinda e Onofre.

    – Onde estão Dinda e Onofre? Quero vê-los.

    – Calma, meu querido, logo irá vê-los – respondeu mamãe. E seus olhos marejados dirigiram-se para onde estava o carro.

    O meu olhar acompanhou o dela e não acreditei no que vi. O nosso carro, onde pouco antes estivéramos traçando tantos planos, estava reduzido a um amontoado de ferragens. Uma enorme poça de sangue coagulado indicava que a situação não era nada animadora.

    Desesperado, perguntei novamente:

    – Mamãe, onde estão Dinda e Onofre?

    As lágrimas da minha mãe agora jorravam torrencialmente, num choro inconsolável e silencioso. Compreendi tudo, não eram necessárias palavras; bastava olhar as ferragens, a poça de sangue e o choro da Dra. Marisa, para chegar à triste conclusão: Dinda e Onofre estavam mortos.

    A princípio, senti uma forte dor no peito, uma angústia, como se naquele instante nada mais tivesse importância, como se minha própria vida não tivesse nenhum significado, sem a presença de minha doce Dinda.

    Quando colocavam a maca na ambulância pude ver que os bombeiros tentavam retirar os corpos que estavam presos entre as ferragens. As coisas que acabáramos de comprar estavam espalhadas pelo chão, mas eu estava abalado demais para me preocupar com meras mercadorias. Todos aqueles objetos podiam ser readquiridos, mas o mesmo não podia ser feito em relação à vida dos meus dois queridos amigos.

    O choro ficou preso na garganta; as lágrimas pareciam ter se cristalizado, pois nenhuma rolou pelo meu rosto de menino mimado. Considerava-me um órfão de pais vivos, pois os meus pais só me faziam companhia nos finais de semana, ao passo que Dinda era a presença constante em minha vida.

    A caminho do Hospital Ortopédico, os meus pensamentos iam e vinham num turbilhão de emoções: tristeza, ódio, angústia e culpa. Sentia-me culpado por tê-los levado às compras. Talvez se tivéssemos voltado para casa mais cedo, nada daquilo teria acontecido... Mas eu insisti para que tomássemos sorvetes...

    Na ambulância, papai apertava a minha mão e engolia o choro, mas suas feições demonstravam o quanto estava transtornado. Durante todo o percurso, não o ouvi pronunciar uma única palavra. Nem mesmo tentou consolar minha mãe que soluçava sem conseguir controlar-se. A perda daqueles dois entes queridos deixaria um vazio enorme em nossa casa. Tanto Onofre quanto Dinda eram considerados membros da família. Papai depositava neles inteira confiança.

    Já no hospital, fiquei sabendo que havia fraturado as duas pernas, mas nada muito grave. Alguns meses de repouso e eu ficaria novinho em folha. Passei por uma bateria de exames. Os médicos estavam preocupados, principalmente, com a cabeça; mas havia apenas um hematoma de caráter superficial na testa.

    Com as duas pernas engessadas, fui conduzido a um apartamento. Ficaria ali por, pelo menos, dois dias. Passei a agir como um robô, só abria a boca para responder a uma ou outra pergunta da Equipe Médica. Apenas sim ou não.

    Depois de cientificar-se de que eu estava devidamente instalado, papai saiu para providenciar a liberação dos corpos pelo IML. Mamãe fora incumbida de avisar aos familiares de Onofre, que moravam no interior. Quanto aos parentes de Dinda, só se tinha notícia de uma tia que morava no estado do Paraná. A verdadeira família de Dinda, éramos nós.

    Fiquei sozinho naquele hospital, lembrando-me de uma ocasião em que estivera doente e Dinda me fizera companhia, contando histórias, tentando me alegrar... Fechei os olhos e balancei a cabeça. Queria afugentar as lembranças daquela tragédia. Queria dormir, acordar e descobrir que tudo não passava de um terrível pesadelo.

    II

    Quem disse que saudade mata?

    Na manhã do segundo dia após o acidente, papai veio me buscar. O médico relutou em dar alta, mas papai assinou alguns documentos responsabilizando-se por qualquer problema que viesse a ocorrer.

    No caminho, comunicou-me que depois de passarmos em casa, iríamos ao cemitério, para o enterro de Dinda. Contou-me, também, que o corpo de Onofre fora levado para o interior, a pedido da família.

    Papai estava abatido, as olheiras profundas indicavam que passara a noite em claro. Aquela maneira de sofrer em silêncio, era uma característica de sua personalidade. Os olhares que me lançava de soslaio deixavam-me encabulado. Ele parecia sofrer por nós dois. No fundo, ele sabia: além de Dinda e Onofre eu tinha poucos amigos com quem podia me divertir. O vazio que ficaria em minha

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