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Análise histórica de livros de matemática: Notas de aula
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Análise histórica de livros de matemática: Notas de aula
E-book251 páginas2 horas

Análise histórica de livros de matemática: Notas de aula

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Sobre este e-book

A origem do presente livro é uma série de aulas ministradas pelo historiador alemão de matemática Gert Schubring, na PUC do Rio de Janeiro, em 1995, que foram aqui editadas, revisadas e ilustradas.
O livro, que é a primeira pesquisa publicada sobre a história de livros-texto na matemática, apresenta-a numa reflexão metodológica sobre o desenvolvimento da ciência – entre ciência "normal" e ciência "revolucionária".
O autor inicia sua obra pela busca do papel dos livros-texto no desenvolvimento da matemática – investigando em particular as tradições orais, antes da invenção da imprensa, em numerosas culturas.
Em seguida, investiga a mudança decisiva causada pela invenção dos tipos móveis, expressa no surgimento de duas formas de livros-texto: a de livros de uso comercial e prático, impressos em vernáculo, de um lado, e a de livros para um ensino "sábio", de outro lado, como os Elementos de Euclides, impressos durante um período considerável em língua latina. Vale notar que o autor, no capítulo 4, apresenta uma questão-chave: a análise do artigo "Élémens des sciences", de d'Alembert, que constitui a base do processo de transformar o saber sábio em um saber ensinável e acessível a um público geral.
As lições seguintes mostram a realização desse programa desde a Revolução Francesa, as formas diferentes e mesmo divergentes do uso de livros-texto em vários países, nomeadamente na França, na Alemanha e na Itália, e a diferenciação dos livros em níveis separados de ensino. O autor discute para esses períodos modernos também fatores sociais como as lutas empreendedoras sobre o domínio do mercado de livros didáticos.
O livro apresenta um assunto inovador e atraente, escrito em um estilo fluente e acessível.

David E. Zitarelli
revista Historia Mathematica
Professor na Temple University, Philadelphia, EUA
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de dez. de 2018
ISBN9788574964256
Análise histórica de livros de matemática: Notas de aula

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    Análise histórica de livros de matemática - Gert Schubring

    Europa.

    CAPÍTULO • UM

    POR QUE ESTUDAR LIVROS HISTÓRICOS

    DESTINADOS AO USO NO ENSINO?

    Não se deve esquecer, […] que um livro elementar sobre qualquer ciência difere essencialmente de um tratado completo sobre a mesma matéria; que cada um tem seu objetivo particular, sua marcha e seus resultados diferentes. Um, para oferecer um corpo completo de doutrina, deve dedicar-se a todos os detalhes, esgotar as consequências, e não deixar ignorar nenhuma verdade conhecida sobre a arte ou a ciência que expõe. O outro, ao contrário, destinado antes a assentar os fundamentos que a erguer o edifício, se encerra nos princípios e faz deles uma escolha rigorosa; dedica-se pouco às aplicações, e desenvolve apenas os pontos importantes, as primeiras verdades sobre as quais a ciência inteira repousa.

    Roger Martin, Éléments de Mathématiques,

    Paris, Ano X (1802)

    Os livros destinados ao uso no ensino não são um tópico comum ou padrão da história da ciência. Tradicionalmente, foram tratados mais ou menos com desdém, sendo considerados desinteressantes ou até mesmo entediantes. O interesse historiográfico tendia a focalizar as realizações dos cientistas mais notáveis. Razões sociológicas podem ser responsáveis por tais preferências: parte da fama costumava passar para o historiador que estudava um pesquisador ou intelectual¹ muito importante, e não havia recompensas comparáveis para quem estudasse livros didáticos e seus autores.

    Contudo, depois que Thomas Kuhn publicou seu livro A estrutura das revoluções científicas, em 1962, a situação mudou profundamente. Uma das inovações de Kuhn foi a introdução de uma diferenciação importante. Em vez de ver a evolução da ciência como um processo cumulativo que progride tanto pelo esforço contínuo quanto por saltos consecutivos, foi o primeiro a distinguir entre períodos de ciência normal, banal, e períodos revolucionários. De acordo com Kuhn, um período normal caracteriza-se por um paradigma estável, em que os cientistas se ocupam em resolver problemas dentro da estrutura desse paradigma. Em contrapartida, um período revolucionário consiste em primeiro desafiar, e depois mudar, o paradigma dominante.

    Pode-se dizer que o enfoque de Thomas Kuhn e suas consequências fizeram melhorar o status da ciência normal na historiografia. Parte da atenção até então quase que exclusivamente dedicada ao intelectual ou ao cientista notável da humanidade ou ciência em questão deslocou-se para o pesquisador médio. Como protótipo de um trabalhador dentro dos limites de um paradigma, o pesquisador médio (ou normal) veio a ser descoberto também como um tema valioso e importante da pesquisa histórica. Simultaneamente, Kuhn introduziu uma perspectiva social na análise histórica com seu conceito de comunidade científica, nome que deu ao grupo acadêmico que decide se novas teorias científicas ou novos resultados serão aceitos e reconhecidos. Sua introdução desse conceito pode ser vista como uma negação da antiga objetividade, e como uma tentativa de ligar o desenvolvimento da ciência ao dos valores sociais e culturais².

    Os textbooks* entraram em cena como objetos legítimos de pesquisa histórica depois que Kuhn os discutiu longamente, embora os desmerecendo:

    Quando um cientista pode considerar um paradigma como certo, não precisa mais, em seus trabalhos mais importantes, tentar construir seu campo de estudos começando pelos primeiros princípios e justificando o uso de cada conceito introduzido. Isso pode ser deixado para os autores de livros-texto. Entretanto, dado o livro-texto, o cientista criador pode começar sua pesquisa onde esse texto a interrompe e assim concentrar-se exclusivamente nos aspectos mais sutis e esotéricos dos fenômenos naturais que interessam ao seu grupo [KUHN, 1962, pp. 19-20].

    Hoje em dia, os livros científicos são em geral textos ou reflexões retrospectivas sobre um ou outro aspecto da vida científica. O cientista que escreve um livro tem mais chances de prejudicar do que de melhorar sua reputação. Usualmente, somente nos primeiros estágios do desenvolvimento das várias ciências, anteriores ao paradigma, o livro possuía a mesma relação com a realização profissional que ainda conserva em outros campos da criação [idem, ibidem].

    Kuhn vê os textbooks como introduções ao paradigma da ciência normal em questão, apresentando os princípios e os elementos– seus fundamentos e seu principal corpo de conhecimento. Atribui aos textbooks a separação entre conhecimento escolar e conhecimento científico, que surge da pesquisa e é essencial para ela.

    Kuhn faz uma distinção clara entre os tipos de texto: livros-texto e artigos de pesquisa. Essa diferença leva a uma segregação entre o público leigo e os profissionais. No capítulo sobre a invisibilidade das revoluções, atribui aos livros-texto essencialmente a função de normalizar e transmitir a impressão de que o caráter da ciência é cumulativo e não revolucionário:

    Por razões que são ao mesmo tempo óbvias e altamente funcionais, os livros-texto de ciências [e da maior parte das mais antigas histórias da ciência] referem-se apenas àquela parte do trabalho dos cientistas do passado que pode ser vista facilmente como contribuição ao enunciado e à solução dos problemas do paradigma do texto. Em parte por seleção e em parte por distorção, os cientistas de épocas anteriores são implicitamente representados como tendo trabalhado no mesmo conjunto de problemas fixos e de acordo com o mesmo conjunto de cânones que a mais recente revolução na teoria e no método científico fez parecer científicos. Não admira que os livros-texto e a tradição histórica que implicam tenham que ser reescritos após cada revolução científica. E não admira que, quando são reescritos, a ciência outra vez venha a parecer basicamente cumulativa [KUHN, 1962, p. 138].

    E o resultado é uma tendência persistente a fazer a história da ciência parecer linear ou cumulativa, uma tendência que afeta até mesmo os cientistas que examinam retrospectivamente sua própria pesquisa (idem, p. 140).

    Mesmo levando em conta que com certeza é um exagero atribuir tantas funções adicionais aos textbooks, e ainda mais funções basicamente tão negativas, a questão relativa à existência real dessas funções sob a superfície das aparências certamente faz com que valha a pena examinar textbooks e seus modos de produção mais detalhadamente. Nosso próprio tema será discutir se as proposições de Kuhn permanecem válidas para a matemática. Na realidade, há textbooks de matemática que são completamente revolucionários, como o de van der Waerden, o de Bourbaki etc.

    Apesar da própria restrição de Kuhn aos textbooks, seu trabalho abriu o caminho para aceitá-los como um tema de estudo compensador na história da ciência. Uma abordagem importante nesse estudo é o encontro das raízes do novo dentro do antigo: esse enfoque ajuda a examinar tanto a educação e a formação dos cientistas normais como as dos cientistas revolucionários. Para estudar o novo, os textbooks são indispensáveis. No entanto, a análise deles apresenta enormes problemas metodológicos.

    Arthur Gordon Webster lecturing on mathematical physics, 1892-1893 (Clark University Archives).

    O seminário de matemática em Clark University, reproduzido de: A Century of Mathematics in America, vol. 3, 1989, p. 54.

    Um enigma: quem é o professor, quais são os alunos?

    Um exemplo da oralidade: uma comunicação sem interação.

    Uma primeira abordagem para o estudo dos livros-texto é considerá-los como textos. A vantagem disso é que existe uma metodologia tradicional para lidar com textos nas ciências humanas: a hermenêutica (um enfoque muito alemão). Contudo, como os campos da hermenêutica eram principalmente a filologia e a teologia, sua aplicação como uma ferramenta na história da ciência tem como consequência uma série de problemas; um deles é que suas aplicações na filologia etc. eram próprias de uma metodologia interna. A tentativa era compreender um texto dentro da maneira de pensar de um dado cientista, e não relacioná-lo ao trabalho de vários.

    Um outro problema se refere ao status epistemológico dos livros-texto: são eles talvez apenas uma versão expurgada, uma mera caricatura da ciência? A hermenêutica é de fato aplicável a eles? O periódico Science and Education vem apresentando um novo debate interessante sobre a hermenêutica na ciência. Trata-se de um debate em andamento, já que o primeiro volume apareceu em 1992, apresentado por Martin Eger, da City University of New York (provavelmente um autor de origem alemã, cuja principal referência em filosofia é Gadamer).

    O debate nesse periódico teve repercussões consideráveis. Uma delas foi particularmente notável e resultou na primeira Conferência Internacional sobre Hermenêutica e Ciência, em 1994, e na fundação da Sociedade Internacional de Hermenêutica e Ciência. Uma das contribuições no contexto desses debates está diretamente relacionada com a análise de livros-texto sob o conceito hermenêutico.

    O texto de Fabio Bevilacqua e Enrico Giannetto Hermenêutica e educação científica: o papel da história da ciência enfatiza de modo surpreendente uma representação geralmente negativa dos livros-texto. O artigo é baseado na separação de Thomas Kuhn entre a produção de textbooks e a de pesquisa:

    A ciência tem uma dimensão histórica inevitável; artigos originais e textbooks avançados são os verdadeiros depositários da pesquisa científica. Textbooks comuns são uma caricatura que não é digna de uma análise hermenêutica [BEVILACQUA & GIANNETTO, 1995, p. 115].

    O citado estudo contém um item denominado Science between textbooks and original articles em que os autores condenam ainda mais explicitamente os textbooks:

    Em geral os alunos usam livros didáticos, mas é difícil ver em que sentido estes se relacionam com a ciência: não somente, como se sabe, omitem a ciência extraordinária, mas também a ciência com que lidam não é a normal. Livros-texto comuns para o ensino médio e a graduação não oferecem uma teoria científica coerente dos fenômenos: oferecem camadas de resultados científicos vindas de interpretações rivais, depositadas durante séculos. Uma correspondência quantitativa entre as camadas não consegue esconder a falta geral de um significado coerente e a mistura de modelos contrastantes. Enquanto de um ponto de vista os livros-texto são bons para doutrinações, como catecismos, de outro eles oferecem uma visão técnica da ciência, mais próxima dos manuais de operação de artefatos modernos do que de textos científicos. Uma reinterpretação hermenêutico-semântica desses textos dificilmente seria de algum proveito [BEVILACQUA & GIANNETTO, 1995, p. 119].

    O julgamento dos autores a respeito dos chamados livros-texto avançados não é tão severo:

    Mais interessante é o caso dos livros-texto avançados, assim denominados porque usualmente se destinam a estudantes de pós-graduação, e são frequentemente escritos por cientistas de primeira linha. Aqui certamente é muito bem-feito um esforço no sentido de uma coerência conceitual, mas logo entendemos que os grandes cientistas nos proporcionam pontos de vista rivais também em seus textos avançados. Essa é uma indicação de que a ciência normal não é assim tão normal. Mesmo nos livros-texto, os cientistas expressam interpretações e crenças alternativas [idem, ibidem].

    A conclusão a que chegam os dois autores, no entanto, confirma seu veredicto geral sobre os livros didáticos:

    Um enfoque hermenêutico da educação científica nessa perspectiva não inclui os livros-didáticos porque eles se relacionam principalmente a objetivos técnicos, e enfatiza o papel dos artigos originais e dos livros-texto avançados [BEVILACQUA & GIANNETTO, p.120].

    Na física, a situação seguramente é um pouco diferente da que ocorre na matemática, pois não há teorias válidas geralmente nessa ciência, mas sim teorias separadas para os seus diversos campos, ou mesmo teorias que competem entre si. Entretanto, na minha opinião, tal situação não justifica um veredicto tão severo contra uma análise hermenêutica dos livros-texto. Além disso, a justaposição de camadas diferentes de conhecimento, historicamente sedimentadas, oferece perspectivas interessantes à interpretação. Deve-se notar que o veredicto anterior certamente não se justifica historicamente para o período da Revolução Francesa: os autores de livros-texto eram então considerados pessoas que trabalhavam na mesma linha e tinham o mesmo status atribuído a autores que se destacavam na pesquisa.

    Na realidade, eu gostaria de propor uma noção mais ampla para a análise hermenêutica no mesmo sentido de um dos fundadores da moderna hermenêutica na Alemanha: Friedrich August Wolf (1759-1824).

    O conceito de hermenêutica de Wolf (1839) era contra considerá-la mera introspecção, empatia, e propunha uma noção ampliada da reconstrução do significado a partir dos sinais a nós transmitidos:

    A hermenêutica – ou a arte de explicar – nos ensina a entender os pensamentos de outra pessoa através de seus sinais, e a explicá-los. Isso permite a dádiva de um julgamento claro que pode penetrar na analogia dos modos de raciocinar de outra pessoa […] O que é necessário antes de tudo como conhecimento científico é o conhecimento da língua na qual o autor escreveu. Isso inclui diversas investigações gramaticais, de modo que estas precisam ser feitas primeiro. O conhecimento da língua, entretanto, não será suficiente. Precisamos aprender a respeito da situação moral na época do autor, precisamos ter conhecimentos de história e de literatura, e temos de saber sobre a situação mental, o esprit [WOLF, 1839, p. 272, trad. minha].

    Assim, para compreender inscrições gregas, é preciso investigar a história social, bem como a história política da Grécia. É bastante revelador o fato de que um dos trabalhos mais importantes de August Böckh, um discípulo de Wolf, tenha sido Die Staatshaushaltung der Athener – A economia política dos atenienses (1817), e eu próprio me proponho, neste mesmo sentido, a conceber uma análise hermenêutica de livros-texto que leve em conta o contexto inteiro de sua produção, isto é, a ser empreendida através da consideração da:

    HISTÓRIA SOCIAL DAS IDEIAS

    Reconhecidamente, pode ser considerado suficiente, em geral, analisar um livro-texto isolado, de uma maneira simplesmente interna, isto é, avaliar sua estrutura interna. Nenhum historiador sério, contudo, ficará satisfeito com tais dados descritivos; ao contrário, estará resolvido a julgar essa estrutura e as conexões internas estabelecidas, e a situar o autor e sua obra no contexto do desenvolvimento da matemática. O historiador estará também interessado em avaliar a originalidade das contribuições do autor para esse desenvolvimento. Uma avaliação pode parecer não ser muito difícil para textos científicos de matemática, uma vez que

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