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A cura da infelicidade: Como os antidepressivos melhoram, pioram e moldam a vida de milhões de pessoas
A cura da infelicidade: Como os antidepressivos melhoram, pioram e moldam a vida de milhões de pessoas
A cura da infelicidade: Como os antidepressivos melhoram, pioram e moldam a vida de milhões de pessoas
E-book379 páginas6 horas

A cura da infelicidade: Como os antidepressivos melhoram, pioram e moldam a vida de milhões de pessoas

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Sobre este e-book

Tomar ou não tomar remédios? Eis a questão

Qual é a real necessidade de se fazer uso regular de antidepressivos?
Em que casos são bem-indicados? Até que ponto são positivos?
Como esses remédios mascaram a real personalidade de alguém?
Questões como essas, que afligem uma significativa parte da população mundial, surgiram nos últimos 25 anos, quando foi lançada uma nova geração de antidepressivos, o que mudou profundamente a maneira como as pessoas lidam com suas infelicidades. A essas dúvidas junta-se uma questão ainda mais delicada para quem tem menos de 25 anos e cresceu tomando o medicamento: qual é minha verdadeira identidade? Quem sou eu sem os remédios?

Esses foram os questionamentos de Katherine Sharpe, a autora deste livro. Aos 18 anos, uma série de ataques de ansiedade a levaram a receber um diagnóstico de depressão e a uma prescrição para tomar antidepressivos, o que ela fez pelos dez anos seguintes. O remédio ajudou, mas ela ficava incomodada por precisar usar a droga e por pensar em si como alguém com transtorno mental. Porém, percebeu que não estava sozinha. Muito mais gente do que imaginava vivia a mesma situação.

Por essa razão, decidiu escrever este livro. A partir de sua experiência pessoal, e com uma intensa e profunda pesquisa médica e histórica, além de dezenas de entrevistas com médicos e pessoas portadoras da doença, a autora faz nessas páginas um retrato inédito dos antidepressivos. Explora questões de identidade, aborda benefícios e malefícios, experiências e vivências, e mostra como esses remédios moldam a vida de milhões de pessoas no mundo. É uma leitura reconfortante tanto para quem tem a doença, quanto para os que convivem com pessoas que, todos os dias, precisam enfrentar a vida com (remédios para) depressão.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de ago. de 2014
ISBN9788582350195
A cura da infelicidade: Como os antidepressivos melhoram, pioram e moldam a vida de milhões de pessoas

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    A cura da infelicidade - Katherine Sharpe

    Copyright © 2012 Katherine Sharpe

    Copyright © 2012 Harper Perennial, an imprint of Harper Collins

    Copyright © 2013 Editora Gutenberg

    Título original: Coming of Age on Zoloft: how antidepressants cheered us up, let us down, and changed who we are.

    Todos os direitos reservados pela Editora Gutenberg. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja cópia xerográfica, sem autorização prévia da Editora.

    GERENTE EDITORIAL

    Alessandra J. Gelman Ruiz

    TRADUÇÃO

    Paulo Polzonoff Jr.

    PREPARAÇÃO DE TEXTO

    Bete Abreu

    CAPA

    Diogo Droschi

    DIAGRAMAÇÃO

    Christiane Costa

    REVISÃO

    Renato Potenza Rodrigues

    PRODUÇÃO DO E-BOOK

    Schaffer Editorial

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

    Sharpe, Katherine

        A cura da infelicidade : como os antidepressivos melhoram, pioram, e moldam a vida de milhões de pessoas / Katherine Sharpe ; [tradução Paulo Polzonoff Jr. -- Belo Horizonte : Editora Gutenberg, 2013.

        Título original: Coming of age on Zoloft : how antidepressants cheered us up, let us down, and changed who we are.

        ISBN 978-85-8235-019-5

        1. Antidepressivos - Estados Unidos 2. Medicamentos 3. Pessoas depressivas - Reabilitação - Estados Unidos 4. Sharpe, Katherine, 1979 - Saúde mental I. Título.

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Depressão : Saúde mental : Tratamento 616.8527

    2. Tratamento com antidepressivos : Experiências de vida 616.8527

    EDITORA GUTENBERG LTDA.

    São Paulo

    Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, Horsa I, 23º andar, Conj. 2.301

    Cerqueira César . 01311-940

    São Paulo . SP

    Tel.: (55 11) 3034 4468

    Belo Horizonte

    Rua Aimorés, 981, 8º andar

    Funcionários . 30140-071

    Belo Horizonte . MG

    Tel.: (55 31) 3214 5700

    Televendas: 0800 283 13 22

    www.editoragutenberg.com.br

    Os nomes e os detalhes que identificam certos indivíduos deste livro foram alterados para proteger a privacidade deles. O conteúdo deste livro tem o objetivo de informar e não pretende dar conselhos médicos. Consulte seu médico se você acha que sofre de depressão e precisa de tratamento.

    Para meus pais

    A juventude de todos nós é um sonho, uma forma de loucura química.

    F. SCOTT FITZGERALD

    Agradecimentos

    Muitas pessoas me ajudaram a escrever este livro. Pelo lado profissional, gostaria de agradecer à minha agente, Eva Talmadge. Também a Allison Lorentzen, Suzanne Rindell, Emma Sweeney, Shelly Perron, e a meu editor, Michael Signorelli, que viu o projeto com uma mistura de sabedoria, clareza e bom humor.

    Sou imensamente grata a todos os que aproveitaram a oportunidade para conversar comigo sobre suas experiências pessoais, assim como psiquiatras, psicólogos e acadêmicos que compartilharam seus pontos de vista, tanto aqueles cujas palavras foram captadas neste livro quanto aqueles cujas opiniões me serviram de base. Nesse último grupo estão Gabrielle Carlson, Joe Hewitt, Bradley Lewis, Sue Marcus, Benedetto Vitiello e Julie Zito.

    Por fazerem perguntas, darem dicas e oferecerem outras colaborações, agradeço Andrew Boyd, Benjamin Cohen, Christina Dunbar-Hester, Andrew Lakoff, Jacks McNamara, Mark Olfson, Ken Paul Rosenthal, Lauren Russo, Nikhil Swaminathan e Virginia Vitzthum; e na U.S. CDC, Sheila Franco, Amy Bernstein, Richard Niska e Jill Ashman. Também agradeço a Rachel Prentice, cujo curso em Cornell me ajudou a descobrir minha fascinação pela publicidade farmacêutica.

    Pelos lugares para trabalhar, agradeço Jay Barksdale e a Biblioteca Pública de Nova York; a Stephanie Harad e Anne Hinton; e as famílias Sharpe e Towns, que criaram um formidável retiro para que eu pudesse escrever.

    Em um contexto mais familiar, agradeço a Jared Greenfield, Jessica Stults e Alison Towns pela leitura dos originais. A Anna Bond, Stephanie H. e Meg McIntyre, minha família de amigos, por me ajudarem de forma concreta e inefável e por todas as gradações concebíveis entre elas. A Sarah Jackson, Jesse Kraai e, com honras, a Susan Sharpe, cujo encorajamento, cuidado e atenção ao texto foram essenciais para o livro e sua autora também.

    Obrigada, obrigada, obrigada.

    Sumário

    1. O diagnóstico

    2. Uma breve história dos medicamentos

    3. Começando

    4. A Década do Cérebro

    5. Nunca fui eu mesma

    6. Duas cadeiras vermelhas

    7. O voo do dodô: avaliando a terapia

    8. Desistência

    9. Os convertidos

    10. A próxima geração

    11. Amadurecendo

    Notas

    Referências

    Introdução

    Certa tarde, no fim do verão de 1998, me descobri sentada na enorme varanda diante de uma velha república estudantil em Portland, no Oregon. Tinha 19 anos e havia acabado de voltar para começar meu segundo ano na faculdade. A varanda na qual eu estava sentada pertencia a uma casa que seria o lar, naquele ano, de minha boa amiga Kate. Passei o dia ajudando-a a se mudar, tirando toneladas de roupas, livros e discos do seu carro, passando pelo jardim, subindo uma escada marcada por décadas de uso e chegando até seu novo quarto. Às 5 horas da tarde, exaustas, literalmente desabamos na fileira de assentos diferentes que davam para a rua cinzenta e esburacada.

    Sair do campus significava um rito de passagem para os veteranos em nossa faculdade, e achei que a dificuldade de Kate para conseguir um quarto nessa casa em particular era uma prova de amadurecimento social. Entre suas novas colegas estavam algumas das alunas do campus que eu mais admirara no ano anterior: mulheres inteligentes, confiantes e contemporâneas, que pareciam evoluídas e distantes de mim naquela época, do mesmo modo que me pareciam os veteranos do ensino médio quando eu estava no último ano do fundamental. À medida que elas nos receberam e aos poucos assumiram seus lugares nos assentos ao nosso redor, me espreguicei em minha poltrona barata e sorri. O simples ato de compartilhar aquela varanda parecia glamoroso, como um bom presságio do ano que estava por vir.

    O sol do fim da tarde iluminava o piso de madeira enquanto nossas conversas passavam pelos temas comuns entre professores, aulas, meninos e livros. Kate entrou para arrumar seu quarto e Lauren serviu uma dose de Amaretto para aquelas que ficaram. Foi então que aconteceu algo que manteve aquela tarde em minha memória por mais de uma década. Casualmente, do nada, alguém mencionou o assunto antidepressivos.

    O comentário me deixou arrepiada. Eu tomava antidepressivos havia um ano, depois que uma série de ataques de ansiedade me levou até o centro médico, onde rapidamente recebi o diagnóstico de depressão e foi prescrita uma receita para eu tomar Zoloft. O medicamento pareceu ter ajudado; o medo crescente que se apoderou de mim durante o outono em que eu era caloura se dissipou e terminei o ano com boas notas, amigos, um namorado e novos interesses. Entretanto, ainda me sentia incomodada com minha recuperação auxiliada pela química. Havia algo de estranho em tomar uma droga para a mente todos os dias, e pensar em mim mesma como uma pessoa com um transtorno mental era, por si só, desanimador. Exceto por alguns amigos mais próximos, não havia contado a ninguém sobre os remédios e achava que as outras pessoas também considerariam o fato perturbador.

    Ainda não sei o que me fez abrir a boca naquele dia. Talvez eu estivesse embalada pelo sol, pela estranha bebida, ou talvez tenha sido a vontade, em meio a companhias tão especiais, de dizer algo que chamasse a atenção para mim mesma.

    Eu tomo isso, eu disse, e instantaneamente baixei o olhar para minhas mãos, me perguntando se havia acabado de dar início à minha excomunhão social. Quando consegui erguer o olhar novamente, vi que cabeças enfileiradas estavam acenando afirmativamente.

    Eu também, disse Helen.

    Eles me receitaram Prozac no ano passado, acrescentou Lauren. E assim continuamos. Havia sete meninas naquela varanda. Descobri que todas nós estávamos tomando ou já havíamos tomado antidepressivos.

    Logo depois, ficamos olhando para a rua na qual um trecho de vegetação lançava uma enorme sombra sobre o pavimento.

    Isso é realmente estranho, comentou alguém, e todas nós concordamos com um murmúrio.

    * * *

    À medida que me recompunha em silêncio, senti duas coisas ao mesmo tempo. A primeira foi uma onda de alívio tão grande e pura que quase me derrubou. O ano todo me senti incomodada por tomar o medicamento. Os comprimidos me davam força e me deixavam calma, mas também evocavam questões difíceis – Sou louca? Vou precisar disso para sempre? Sou eu mesma quando tomo os comprimidos? – que não podiam ser respondidas completamente nem desapareciam da minha mente. Descobrir que eu não estava sozinha ao fazer uso de medicamentos aliviou a sensação de alienação, que era o mais notável efeito colateral do medicamento. Se pessoas tão equilibradas e admiráveis quanto as colegas de Kate também podiam tomar antidepressivos, talvez ainda houvesse esperança para mim.

    Mas, se por um lado era reconfortante descobrir que eu tinha tanta companhia em minha jornada com os antidepressivos, também era desorientador. Aprendi a pensar nos antidepressivos como um tratamento contra a depressão, que entendia ser uma doença verdadeira, algo raro e sério. O fato de que nós sete estávamos tomando medicamentos levou minha percepção das probabilidades a extremos. Estávamos todas, de modo expressivo, mentalmente doentes? Ou os antidepressivos estavam sendo prescritos não para a depressão de verdade, mas sim para o mal-estar comum que me ensinaram ser uma coisa bem diferente? Se todas nós tínhamos a mesma experiência, por que só percebemos isso agora? Eu me senti um pouco tonta e desconfiada. O que exatamente estava acontecendo ali?

    Antes, tomar antidepressivos era a coisa mais íntima e pessoal do mundo para mim. Ainda era pessoal, claro, mas comecei a ver os medicamentos como algo que ia além disso. O remédio era pessoal, mas também social; fazia parte das nossas histórias e da história de um tempo e lugar. De certo modo que eu ainda não compreendia, nossas vidas estavam entrelaçadas por algo maior do que nós mesmas.

    É estranho, ainda jovem, perceber que você passou por algo que pode ser considerado como uma verdadeira mudança histórica, mas foi exatamente isso que aconteceu. Quando criança, no início dos anos 1980, tomar remédios psiquiátricos era, com certeza, um fenômeno marginal. O Prozac foi lançado em 1987, quando completei 8 anos de idade. Primeiro membro da família das drogas chamadas inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS, na sigla em português, e SSRI, na sigla em inglês), o Prozac rapidamente se transformou no líder de uma revolução farmacêutica. Ao longo dos anos 1990 e 2000, os norte-americanos se tornaram mais dispostos a recorrer a um remédio para resolver vários problemas emocionais e mentais. Também nos tornamos mais inclinados a ver esses problemas como uma espécie de doença, manifestações de um desequilíbrio bioquímico inato. A depressão, a ansiedade social, o transtorno obsessivo-compulsivo e coisas do gênero passaram de estranhos termos médicos ou segredos cuidadosamente escondidos a assuntos plenamente aceitáveis em uma conversa casual, conversa geralmente seguida por um diálogo sobre as novas drogas milagrosas contra situações de desespero.

    As estatísticas expressam melhor essa mudança de hábito. Os antidepressivos começaram a ganhar uma popularidade crescente depois do lançamento do Prozac, acabando por se tornarem um verdadeiro fenômeno de massa. Em 2005, os ISRS ultrapassaram os medicamentos contra hipertensão e se tornaram os remédios mais vendidos nos Estados Unidos,¹ com 10% dos adultos fazendo uso deles por mês.² Em 2008, esse número pulou para 11%.³ Enquanto passavam a fazer parte da vida norte-americana, os psicofarmacêuticos também se tornaram, com uma frequência ainda maior, parte da juventude norte-americana: em 2008, 5% dos adolescentes entre 12 e 19 anos tomavam antidepressivos.⁴ No mesmo ano, outros 6% de adolescentes na mesma faixa etária tomavam medicamentos psicoestimulantes contra o TDAH, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.⁵

    Na verdade, nada mudou desde aquela conversa, exceto pelo fato de eu não me surpreender mais. Os antidepressivos fazem parte da história da minha geração, uma teia invisível, mas real, traçada em meio às nossas experiências coletivas. Os remédios psiquiátricos nos tomaram de assalto durante nossa infância e adolescência e, para muitos de nós, o envolvimento se tornou pessoal. Hoje, com 20 ou 30 anos, nós que nascemos de meados dos anos 1970 até o início dos anos 1990 somos membros da primeira geração a realmente amadurecer tomando remédios psiquiátricos em quantidades significativas.

    E, às vezes, esses números ainda me impressionam. O uso de antidepressivos satura certos grupos mais que outros, o que talvez ajude a explicar por que os antidepressivos sempre me pareceram mais onipresentes entre meus semelhantes do que os números anteriores sugerem. As mulheres tomam mais que os homens, uma diferença que já aparece na adolescência; uma pesquisa recente descobriu que 16% das mulheres tomam antidepressivos, contra 6% dos homens.⁶ Adolescentes brancos têm uma probabilidade cinco vezes maior de tomar antidepressivos do que adolescentes negros, e mais de duas vezes mais que adolescentes latinos,⁷ disparidades raciais que também servem para os adultos.⁸ Pessoalmente, não me lembro da última vez em que falei do assunto deste livro com um grupo de mais de três pessoas com 20 ou 30 e poucos anos sem que o histórico farmacológico de alguém viesse à tona, geralmente da pessoa que eu menos esperava. Há não muito tempo, estava conversando com um amigo de 35 anos de idade que exclamou, brincando: "Nunca conheci uma garota que não estivesse tomando antidepressivos!". Devo ter progredido muito desde Portland, porque sabia exatamente o que ele queria dizer.

    * * *

    Este livro fala sobre como é crescer tomando antidepressivos. Ele pretende ser uma descrição fiel de uma atividade que se tornou incrivelmente comum – o uso de antidepressivos na adolescência ou no início da idade adulta –, mas que ainda gera sentimentos intensos, complicados e conflitantes, tanto nos jovens que os tomam como nos adultos que estão envolvidos no cuidado desses jovens. Anúncios e notícias na mídia, de tom simplista, geralmente retratam o uso de antidepressivos como uma coisa simples. A depressão é uma doença como o diabetes, dizem, e o tratamento adequado é igualmente simples: procure um médico, encontre o remédio certo, tome-o e fique bem. Uma investigação íntima sobre o assunto simplesmente é desnecessária; provavelmente é contraprodutiva. Mas a verdade é que, mesmo quando os medicamentos funcionam como deveriam, tomar antidepressivos é uma experiência que pode ser profunda. Certos ou errados, os antidepressivos determinam emoções poderosas; eles podem levar as pessoas a analisar seus pensamentos mais profundos a respeito de si mesmas e do mundo.

    Tomar antidepressivos é também uma experiência que pode ser notadamente diferente entre um jovem e um adulto. Desde o início da década de 1990, boa parte da nossa discussão cultural sobre antidepressivos gira em torno de questões da individualidade. Sabe-se que adultos que tomam antidepressivos se preocupam se o medicamento está alterando seus hábitos, suas tendências ou visão da vida, se o remédio está, de algum modo, mudando a maneira como as pessoas são no íntimo. Por outro lado, adultos que estão felizes com o tratamento geralmente falam dos antidepressivos como um meio facilitador do retorno à autenticidade; eles dizem que o remédio os fez voltar ao que eram. Na verdade, as ideias de que a depressão distorce a personalidade e de que os antidepressivos apenas restauram o que já existia são evocadas contra o medo de que, ao tomar antidepressivos, podemos de algum modo estar traindo nossa verdadeira natureza.

    Mas essa crença em específico é uma à qual as pessoas que começam a consumir o remédio ainda jovens não podem recorrer. Preocupações sobre como os antidepressivos podem afetar a personalidade são muito comentadas por pessoas que começam a tomá-los na adolescência, antes de desenvolver uma personalidade madura e estável. Sem uma ideia clara do que significa se sentir como eles mesmos, os jovens não têm como avaliar os efeitos das drogas em sua personalidade em desenvolvimento. A busca pela identidade – perguntando quem sou eu? e combinando os mundos internos e externos para compor uma resposta que pareça adequada – é a principal função de desenvolvimento da adolescência. E, para alguns jovens, a ideia de tomar um medicamento capaz de frustrar essa busca pode se tornar uma preocupação dolorosa e desestimulante.

    Quando comecei a tomar Zoloft, minha incapacidade de diferenciar pensamentos e emoções reais dos pensamentos e emoções influenciados pelo medicamento me deixou desolada. O problema parecia ter a ver somente com o fato de ser jovem. Eu tinha consciência da necessidade de descobrir meus próprios interesses e rumar em determinada direção no mundo, e o fato de estar tomando medicação parecia assustador para compor as possibilidades de erro. Como encontrar meu caminho na vida se nem sequer sei quais sentimentos são meus?

    Para mim, assim como para várias pessoas da minha geração, o processo de amadurecer se associou à prática de tomar a medicação e de pensar em transtornos mentais. No geral, minha história com os antidepressivos não é dramática. Pelos padrões das incríveis memórias medicamentosas que comecei a investigar e a devorar na faculdade, em uma tentativa de compreender melhor o que eu estava passando, minha história é até positiva. Depois daquele momento na varanda de Kate, porém, comecei, pela primeira vez, a pensar que minha história talvez fosse interessante e tivesse uma relevância própria, não porque fosse única, e sim justamente porque não era. Antes daquele dia, estava interessada em investigar minhas experiências com remédios por motivos pessoais, mas depois redobrei meus esforços; comecei a fazer mais anotações. Acabei tomando antidepressivos durante quase dez anos, e a história do desenvolvimento dessa relação – durante a qual minhas perspectivas sobre mim mesma, sobre os remédios e sobre a natureza da saúde mudaram radicalmente – é parte do que compõe este livro.

    Ao perceber que outras pessoas da minha idade também usavam antidepressivos, minha vontade de ouvir as histórias delas se aguçou. Queria saber se as outras pessoas se sentiam tão angustiadas quanto eu em relação aos antidepressivos e ao diagnóstico que os acompanhava, e se, para elas, a medicação despertava as mesmas questões difíceis que foram despertadas em mim. Algumas conversas casuais que tive sobre esses assuntos ao longo dos anos sempre me fascinaram. Para escrever este livro, entrevistei 40 pessoas de 18 a 40 anos de idade, sobre suas experiências quanto a crescer tomando antidepressivos, e me correspondi por e-mail com cerca de uma dúzia a mais. Falar com elas revelou temas comuns na experiência do uso de medicamentos psiquiátricos na juventude e mostrou várias coisas em comum, assim como divergências em relação à minha própria história. As palavras delas e seus pontos de vista foram incorporados neste livro.

    Parte da razão de aquele instante na varanda ter ficado comigo por tanto tempo foi a força bruta do alívio que ele me trouxe ao me conectar, pessoalmente, com outras meninas cujas experiências eram semelhantes às minhas. Apesar de a época ter mudado e de ser difícil imaginar, hoje em dia, qualquer jovem acreditando que está sozinha tomando um medicamento psicotrópico, minha pesquisa confirmou que o uso de remédios ainda não é algo sobre o qual as pessoas conversam regularmente em profundidade ou com frequência. Mas é possível aprender alguma coisa com essas conversas; compartilhar histórias é uma das formas mais puras e simples de consolo que podemos obter em nosso mundo superficialmente feliz e veloz. Quando realizei as entrevistas para este livro, várias pessoas com as quais conversei me agradeceram. Elas me contaram que não falavam sobre esses assuntos com frequência e que estavam entusiasmadas por ouvir o que os outros tinham a dizer. Uma das minhas maiores esperanças em relação a este livro é que ele, de algum modo, repita os efeitos daquele momento na varanda em Portland. Espero que as pessoas que tomam ou tomaram antidepressivos se reconheçam nessas histórias intrigantes e, em última análise, que os amigos e os familiares consigam compreender melhor uma experiência que pode ser difícil de expressar em palavras.

    Também espero que este livro contribua, de algum modo, para um debate que se desenvolveu ao longo da revolução psicofarmacêutica. Não há dúvida de que os últimos 25 anos testemunharam uma grande mudança em termos de como entendemos os problemas comportamentais e emocionais, que decisivamente passaram a ser classificados como transtornos bioquímicos. Há um animado debate cultural em andamento a respeito de isso ser bom ou ruim. Os críticos da mudança argumentam que a medicamentalização do que antes eram considerados sentimentos negativos ou características irritantes da vida nos prejudica, que os transtornos mentais agora são diagnosticados exageradamente e que os remédios psiquiátricos são receitados a esmo. Eles dizem que deixamos de lutar contra verdadeiras doenças psiquiátricas e começamos a travar uma guerra farmacêutica contra a tristeza comum, uma guerra que deu poderes ilimitados a especialistas, encheu os cofres da indústria farmacêutica e deixou o restante de nós nos sentindo debilitados, mais doentes do que realmente estamos. Os oponentes argumentam que a revolução ainda não chegou ao fim. Eles dizem que fizemos progresso ao reduzirmos o estigma que cerca os transtornos mentais, mas que ainda há muito trabalho a ser feito, e dizem que os problemas emocionais ainda são, em geral, intratáveis. Esse debate sobre o valor do nosso apego aos remédios segue adiante por meio de uma série de debates mais pragmáticos. Personalidades importantes questionam se os antidepressivos são de fato eficientes ou apenas placebos de luxo, e a questão entre uma possível conexão entre os antidepressivos e o comportamento suicida em crianças e adolescentes ainda está em aberto.

    Este livro não colocará um ponto final nesses debates, mas dialogará com eles. Vinte e cinco anos depois da criação do Prozac, ainda estamos tentando entender qual seria o uso mais adequado do medicamento em nossa cultura e em nossa vida. Estamos tentando compreender o que significam nossa tristeza e nossa dor – se é que elas significam alguma coisa – e em que momento elas atingem o nível de doença. Estamos tentando compreender quando recorrermos aos comprimidos, quando tomarmos outro rumo e como podemos ser capazes de tomar uma decisão. Este livro não quer levantar uma polêmica e nem é um livro de autoajuda. Não sei dizer se você precisa de ajuda ou de que tipo de ajuda você precisa. Mas este livro de fato acredita que boas respostas para grandes questões sobre os remédios provavelmente surgirão da atenção cuidadosa em experiências reais de pessoas que as enfrentaram. Histórias como as reunidas aqui podem nos ajudar a avaliar de modo mais realista o que os antidepressivos podem e não podem fazer, quando eles são uma boa ideia e quando seu lado ruim pode superar os benefícios. E é com esse espírito que ofereço minha própria história de uma década tomando antidepressivos e de como isso se relacionou com meu processo de amadurecimento, e as histórias de mais de 40 pessoas que conversaram comigo sobre o mesmo tema.

    Capítulo 1

    O diagnóstico

    Para descrever como comecei a tomar antidepressivos, teria de voltar no tempo. Podia contar sobre minhas lembranças mais antigas ou fornecer informações sobre o histórico dos meus pais e até mesmo dos meus avós. Mas o melhor momento para começar é o verão de 1997, em Arlington, na Virgínia, um dia quente até mesmo para os padrões da região de Washington, D.C. Nos subúrbios, o ar parecia circular no nível da rua, mantendo o cheiro de grama recém-cortada, escapamentos de carros e churrasco, como se fosse uma névoa abafada. As pessoas se moviam lentamente e, de vez em quando, faziam uma pergunta mal-humorada sobre a sabedoria da decisão dos fundadores do país de construir a capital dos Estados Unidos em uma região pantanosa infestada de malária.

    Naquele verão, eu tinha 17 anos e, como outras adolescentes dessa idade, eu usava meu carro para me deslocar. Tinha acesso a um velho sedan Volvo que pertencera a meu avô e que eu amava tanto quanto o próprio ato de dirigir. Na maioria dos dias, dirigia para o café onde minha melhor amiga, Sarah, e eu trabalhávamos. O caminho no início da manhã até o café era o melhor, antes das 6 horas da manhã, com as ruas vazias, o sol brilhando como uma bola de borracha rosada sobre as colinas de Arlington. Depois do trabalho, eu ia para a casa de Sarah, passeava por shoppings cheios de lojas ou ia até um cemitério, que parecia mais um parque, para ler ou escrever. À noite, às vezes eu simplesmente dirigia pelo prazer de dirigir. Levávamos o Cutlass Ciera de Sarah até a Alameda George Washington, que acompanha o rio Potomac. Gostava de como as luzes das pontes da cidade pareciam flutuar como joias sobre a água, com o ar úmido da noite se derramando pelas janelas, e a sensação da estrada vazia diante de mim.

    * * *

    As aulas terminaram em meados de junho, uma ocasião marcada por uma cerimônia de formatura cheia de lágrimas, abraços, livros de lembranças e depois uma festa na piscina. Meus pais me surpreenderam com uma câmera como presente de formatura e, nas semanas seguintes, eu a usei para tirar fotos de todas as coisas da família: a salada de atum da minha mãe, brilhando com cebolas roxas; meu pai em pé na cozinha, bebendo café; minha irmã mais nova na lanchonete, dizendo algo engraçado, com a boca aberta, um cigarro na mão e grandes e brilhantes olhos azuis. Acrescentei imagens mais velhas que fiz de amigos – Huey, Josh, Ellie e Anne, e até mesmo algumas do meu ex-namorado Scott – e as guardei todas entre as folhas de um pequeno álbum de fotos para levar para a faculdade no fim do verão.

    Era difícil imaginar um mundo sem a escola e Arlington. Algumas pessoas odiavam a escola, mas eu não. A pequena escola pública que eu frequentava desde a sexta série me fazia bem; no mínimo, ela me parecia uma comunidade de verdade e eu era aquela menina rara que foi mais feliz e sociável como adolescente do que como criança. Escolhi minha futura faculdade, uma escola liberal de artes no Oregon, porque a cultura que lá reinava me fazia lembrar muito da minha velha escola. Ainda assim, a ideia de deixar H-B Woodlawn e a vida que eu conhecia para trás me deixava triste. Triste e, embora eu tentasse disfarçar isso com empolgação, mais do que um pouco assustada.

    A princípio, o medo e a ansiedade vieram na forma de nostalgia. Decidi passar o verão celebrando tudo que eu tinha amado nos últimos seis ou sete anos. Visitei todos os lugares onde estive, fui a todos os restaurantes, parques ou cafeterias de que gostava uma última vez, voltei ao cenário de cada momento especial, evento ou luta que me parecia importante. Mergulhei completamente nesses lugares, fixando-os em minha memória para sempre; eu me deleitava na intensidade agridoce de uma fase da vida prestes a terminar. E, de algum modo, era o que eu imaginava, aquilo me prepararia para enfrentar o que viria a seguir.

    Scott rompera comigo uma semana depois da formatura. Ele saiu da casa dele, foi até a minha e nós nos sentamos no velho sofá cinza dos meus pais e conversamos sobre como as coisas não estavam dando certo. De certo modo, o rompimento não era nada de mais. Nós mal havíamos nos encontrado durante toda a primavera. Sendo honesta comigo mesma, era fácil perceber que o fim era a coisa certa a fazer. Havíamos namorado durante o início do último ano, quando ambos participávamos do grupo de teatro da escola. Mas sempre fomos um casal estranho. Scott era careta, eu não; ele fazia coisas incríveis como comédia de improviso e participava de projetos abertos da ONU, enquanto eu lia poesia beatnik e fumava escondido no estacionamento nos fundos da escola. Além de uma leve sensação em comum de nos sentirmos marginais, nunca entendemos muito bem um ao outro. Ao terminar comigo ele estava apenas expressando o que

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