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Sobre este e-book

"Deus deu aos homens a terra firme, as lagoas e os mares mansos. Mas o Mar Absoluto, esse Ele deu ao perigo e ao abismo. Então, o jeito é só navegar no marzinho sem perigo e sem abismo! Pode ser. Mas aí o olho da gente fica feito olho de boi, parado, nada vê, e quando vê fica assustado. Deus é perigo, é abismo. Mora no grande mar. Por isso que é só nele que se espelha o céu. Quem viu o céu espelhado no abismo e no perigo esse terá, para sempre, no olhar, o brilho da eternidade." - Papirus Editora
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de set. de 2013
ISBN9788530810658
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    Navegando - Rubem Alves

    Navegando

    Rubem Alves

    >>

    Há mares que tem fim.

    Há mares que não tem fim,

    como o mar de Minas...

    (Rubem Alves)

    O mar de Minas não é no mar.

    O mar de Minas é no céu

    pro mundo olhar pra cima e navegar

    sem nunca ter um porto onde chegar

    (Arimatã Martins)

    O Elias Abrahão foi companheiro de

    navegação nos mares que têm fim.

    Aí ele foi sozinho navegar

    no mar que não tem fim,

    para o qual irei um dia.

    É bom saber que ele está lá,

    à espera, preparando o barco

    pra juntos navegarmos no

    universal mar de Minas

    A ele, a quem amo mais que qualquer irmão,

    dedico este livro.

    Sumário

    O MAR

    Em louvor à inutilidade

    A síndrome do pânico

    Quero viver muitos anos

    O blazer vermelho

    O CAIS

    Você e o seu retrato

    Por um casamento

    Quem não pode transar não pode casar

    O lobo e o falcão

    PARTIDAS

    Navegando...

    O barco

    O avesso é mais divertido

    VIAGENS

    A cozinha

    Bicho-de-pé

    NAUFRÁGIOS

    O ano 2000

    Quando a dor se transforma em poema

    SOBRE O AUTOR

    OUTROS LIVROS DE RUBEM ALVES

    REDES SOCIAIS

    CRÉDITOS

    Em louvor à inutilidade

    As crianças,

    do jeito como saem

    das mãos de Deus,

    são brinquedos inúteis

    não servem para

    coisa alguma...

    Brinquedo não serve para nada. Objeto inútil. Útil é uma coisa que pode ser usada para se fazer algo. Por exemplo, uma panela.

    Ela é útil. Com ela se fazem feijoadas, moquecas e sopas. Uma escada também é útil: pode ser usada para se subir no telhado, para apanhar jabuticabas nos galhos altos, para trocar uma lâmpada. Um barco é útil: pode ser usado para atravessar um rio. Úteis são o palito, a vassoura, o canivete, o pente, a camisinha, a aspirina, o lápis, a bicicleta, o computador e os meus dedos que digitam as palavras que penso.

    Convidaram-me para dar uma palestra para pessoas de terceira idade. Comecei minha fala de forma solene: Então os senhores e as senhoras chegaram finalmente a essa idade maravilhosa em que podem se dar ao luxo de ser totalmente inúteis!. Pensaram que fosse xingamento, ofensa. E trataram, cada um, de me explicar a sua utilidade. E exigiram ser colocados na caixa das coisas úteis, onde estavam a vassoura, o papel higiênico e o serrote. Mas eu só queria que eles fossem colocados no mesmo baú onde estavam os brinquedos.

    Lá em Minas era assim que se valorizava o marido, dizendo que ele morava na caixa de coisas úteis: O Onofre é assim caladão, desengonçado e sem jeito. Mas marido melhor não pode haver. É sem defeito. Bom demais: não deixa faltar nada em casa....

    As mães, sagazes, sabiam que um casamento duradouro depende da utilidade das esposas. Como a expressão esposa útil não fica bem, substituíram-na por esposa prendada. Sabedoria das mães sagazes: esposa prendada, casamento duradouro, mãe viúva abrigada. Preparavam suas filhas para o casamento transformando-as em ferramentas-complementos de panelas, agulhas e vassouras. Cozinhar, varrer, costurar: esses eram os saberes necessários à formação de uma mulher útil. Nunca ouvi falar, não conheço, ignoro qualquer esforço no sentido de desenvolver nos homens e nas mulheres os seus potenciais de brinquedo. Afinal de contas, brinquedo é coisa inútil.

    O que se procura é um cavalo (ou égua) marchador, que não se espante com mau tempo, que fique amarrado no pau espantando moscas com o rabo sem relinchar: muito mais útil que um cavalo selvagem, lindo de se espiar, maravilhoso de se sonhar, mas impossível de se montar. Simetricamente, uma mulher submissa, caseira e trabalhadora vale mais que uma mulher com ideias próprias que voa por lugares não sabidos. Há um capítulo das Sagradas Escrituras, no livro de Provérbios (31:10-31), onde se encontra a mais fantástica ficção sobre a mulher virtuosa que eu jamais vi. Aquilo não é uma mulher; é uma máquina. Mulher faz-tudo, de um marido faz-nada. Porque não sobra nada para ele fazer. A descrição é tão doida que a única explicação que tenho para tal colar impossível de virtudes é que o autor devia estar fazendo uma brincadeira, gozação amorosa com sua mulherzinha que não era nada daquilo, mas que tinha virtudes de brinquedo que ele adorava.

    Quando o valor das coisas está na utilidade, no momento em que deixam de ser úteis são jogadas fora. Uma lâmpada queimada, uma caneta Bic vazia, um saquinho de chá usado: vão todos para o lixo. Na hora de despedir os empregados, é sempre a lei da utilidade que funciona. Cozinheira que cozinha bem fica no emprego e tem aumento. Cozinheira que põe sal demais no feijão e deixa queimar o arroz é despedida. Esta é a lei da utilidade: o menos útil é jogado fora para que o mais útil tome o seu lugar. Minha máquina de escrever, faz mais de um ano que não

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