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Educação ambiental no Brasil: Formação, identidades e desafios
Educação ambiental no Brasil: Formação, identidades e desafios
Educação ambiental no Brasil: Formação, identidades e desafios
E-book336 páginas4 horas

Educação ambiental no Brasil: Formação, identidades e desafios

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Sobre este e-book

Esse livro apresenta uma interpretação do processo recente de formação do campo da educação ambiental no Brasil – da década de 1970 até os dias atuais. São analisados os antecedentes históricos e culturais da educação ambiental, sua institucionalização material e simbólica, a diferenciação interna das principais concepções e práticas político-pedagógicas, as características de seus protagonistas, assim como os avanços e as dificuldades experimentados em seu processo de consolidação científica, pedagógica e política.
A obra busca compreender e caracterizar a complexidade desse campo, em uma perspectiva histórico-social e crítica, além de verificar em que medida a educação ambiental construída no país tem contribuído para superar os desafios colocados pela crise socioambiental contemporânea, que degrada crescentemente a qualidade da vida humana e dos ecossistemas. - Papirus Editora
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de out. de 2015
ISBN9788544901175
Educação ambiental no Brasil: Formação, identidades e desafios

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    Educação ambiental no Brasil - Gustavo Ferreira da Costa Lima

    sinceramente.

    1

    OS ANTECEDENTES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

    Nenhum problema pode ser resolvido

    a partir da mesma consciência que o criou. É preciso

    aprender a ver o mundo renovado.

    Albert Einstein

    A partir da década de 1970, a EA tornou-se tema de interesse e debate na vida social mundial. Sua necessidade passou a ser defendida, assim como a oportunidade de refletir sobre ela, de definir seus significados e objetivos e de organizar ações e programas para o seu desenvolvimento. Ante as evidências de uma crise ambiental sem precedentes, a educação aparecia e era lembrada, nos diversos fóruns de discussão dirigidos a essa temática, como um dos instrumentos relevantes na busca de respostas para a crise.

    Por que, como, quando e por meio de quem isso aconteceu na vida social brasileira? De onde tudo isso, que hoje conhecemos como EA, emergiu e por meio de que processos pôde se consolidar, ganhando a configuração que hoje conhecemos? Tratar dessas questões é o objetivo geral do presente livro. Para empreender essa tarefa, julgo ser útil começar sondando, à maneira de um arqueólogo, o sítio, os sinais e os motivos que impulsionaram o surgimento de uma consciência e de um discurso ambiental.

    Por compreender que a EA deriva, em última instância, do campo ambiental é que volto o olhar para a formação desse campo, nos planos global e nacional, observando os processos e os caminhos pelos quais o meio ambiente veio a se constituir como problema, como debate e como movimento social. Constatar a presença do campo ambiental na gênese da EA não significa, entretanto, a negação de suas particularidades e de sua relativa autonomia. Desse modo, entendemos que o campo ambiental, como uma confluência das relações entre a sociedade e o meio ambiente, dá surgimento a uma multiplicidade de subcampos sociais, entre os quais figura a EA, mas que também integra a gestão ambiental, o direito ambiental, a economia ambiental, a sociologia ambiental, a ética ambiental e a agroecologia, entre outros novos arranjos.

    A consideração do meio ambiente como problema, como debate e como movimento social, que aqui serve a fins analíticos, em verdade, focaliza três perspectivas interdependentes de um mesmo processo social e histórico, no qual a temática ambiental se tornou objeto de atenção, interesse e investigação social. Trata-se, pois, de dar ênfase a aspectos diferentes, mas complementares, de um mesmo fluxo histórico complexo e multidimensional.

    Enfim, este capítulo objetiva mapear alguns elementos gerais do processo de emergência e da história recente da EA que tornaram possível sua constituição como campo de atividade e de saber na segunda metade do século XX. Pretende contextualizar a análise e introduzir o leitor no assunto, preparando-o para observar o principal foco da pesquisa, que é o campo da EA propriamente dito.

    Particularmente, trata-se de reconstituir as condições sociais e históricas, os fatos e os debates, os contextos e os movimentos, enfim, a atmosfera cultural e política que antecedeu, influenciou e abriu caminho para a formação do campo da EA no país.

    O meio ambiente como problema social

    A questão ambiental no plano global

    Inicio esta reconstituição remetendo à conjunção histórica em que o meio ambiente deixou de ser visto e entendido apenas como habitat social, fonte de recursos naturais ilimitados e espaço para deposição dos resíduos da atividade econômica, para ser tratado como problema social que requer atenção, reflexão e intervenção da sociedade. A problematização das relações entre a sociedade e o meio ambiente e a nova consciência daí resultante atribuíram um novo significado e estatuto ao meio ambiente, constituindo uma questão ambiental onde antes ela não existia.

    De maneira simplificada, podemos dizer que o meio ambiente se tornou problemático, porque se intensificaram os impactos e o mal-estar, individuais e sociais, provenientes da relação entre a sociedade e o meio ambiente; porque se acirraram os conflitos pela posse e pelo uso dos bens ambientais; porque se tornou visível o potencial predatório do estilo de vida e do desenvolvimento ocidental; e também porque se aprofundaram a observação, a reflexão, a pesquisa e a divulgação dos problemas socioambientais presentes e futuros.

    Numerosos exemplos concretos ilustram a constituição de uma questão ambiental na sociedade contemporânea. Do potencial nuclear mundial, bélico ou pacífico, às modernas técnicas de engenharia genética; dos problemas ambientais globais – mudanças climáticas, perda de biodiversidade, danos à camada de ozônio – às taxas de mortalidade por doenças transmitidas pela água; das guerras patrocinadas ou motivadas pela exploração de recursos naturais aos numerosos contingentes humanos que sobrevivem do lixo. Esse elenco de problemas sociais e ecológicos, entre tantos outros, deixa claro que a questão ambiental não é um fenômeno provisório, mas algo que veio para ficar. São problemas que envolvem as relações entre a sociedade e o meio ambiente, as relações que os homens estabelecem entre si na vida social, como também as relações dos indivíduos consigo mesmos. Referem-se, portanto, à ocorrência simultânea e interdependente da degradação humana, social e ambiental.

    O contexto histórico geral de emergência da questão, do debate e do movimento ambiental conjuga tal multiplicidade de fatos e processos éticos, culturais, econômicos, tecnológicos, sociais, políticos e ecológicos que incorreríamos em reducionismos se tentássemos apontar a exclusividade de um elemento explicativo para a crise ambiental. Creio que a compreensão de fenômenos sociais dessa complexidade recomenda, antes, uma abordagem pluricausal.

    É certo que, desde os primórdios da história humana, o desenvolvimento social sempre produziu impactos diversos e de variável intensidade sobre o mundo natural. Contudo, nunca o fez de maneira tão profunda e abrangente que tornasse plausível cogitar a respeito da sobrevivência da espécie humana. Essa possibilidade veio a se concretizar na segunda metade do século XX, quando a humanidade se tornou ciente do potencial de destrutividade que acumulara.

    Historicamente, as bombas atômicas lançadas sobre o Japão, que marcaram o fim da Segunda Guerra Mundial, e os testes nucleares realizados pela União Soviética, pelos Estados Unidos, pela Grã-Bretanha e pela França no período do pós-guerra representaram o primeiro problema ambiental global e se transformaram em marco no desenvolvimento da questão ambiental e na história do ambientalismo (Worster 1977; Grün 1996; McCormick 1992).

    Todo o contexto da guerra fria e do antagonismo entre os Estados Unidos e a União Soviética, subsequente à Segunda Guerra Mundial, ao favorecer a corrida armamentista e a repartição geopolítica do mundo, estimulou a emergência de movimentos pacifistas, antinucleares e anti-imperialistas que estão presentes na formação da cultura ambientalista contemporânea.

    A conjuntura econômica mundial do pós-guerra até meados da década de 1970 foi marcada pelo crescimento e pela prosperidade dos países capitalistas industrializados, dos países socialistas e de um seleto grupo de países menos desenvolvidos, entre os quais o Brasil, embora em níveis diferenciados. Esse período configurou o que a história econômica costuma denominar anos dourados do capitalismo (Singer 2001; Moraes 2006).

    Ocorre que esse crescimento do pós-guerra se apoiava num sistema de produção e consumo e numa matriz tecnológica intensivos no uso de recursos naturais – matéria-prima e energia –, tidos na época como inesgotáveis. Com base nesse pressuposto, o modelo de desenvolvimento posto em prática obedecia a uma teoria econômica que não contabilizava os impactos no meio ambiente gerados pela produção de mercadorias. Os resultados dessa equação predatória não tardaram a se revelar na forma de degradação social e ecológica crescentes, o que levantou críticas às propostas de desenvolvimento capitalista, ao consumismo inerente a essa opção societária e ao industrialismo praticado, igualmente, por capitalistas e socialistas (Sachs 2002; Diegues 1992).

    Esse, aliás, era o motivo do lema dos verdes alemães, que diziam não estar nem à direita nem à esquerda, mas à frente. Pretendiam, de uma perspectiva ambientalista, criticar o aparente antagonismo que dividia os dois blocos de poder, capitalista e socialista, e oferecer uma alternativa que superasse a ambos (Herculano 1992).

    Para McCormick (1992) e O’Riordan (1981), a prosperidade que caracterizou esse período trouxe a preocupação com a continuidade do bem-estar e com a ameaça da escassez, suscitadas por um ciclo de crescimento acelerado e descontrolado. Dessa constatação, os analistas sociais desenvolveram a hipótese de que os movimentos conservacionistas ao longo da história humana tendiam a se fortalecer ao final de grandes ciclos de expansão econômica.

    Em 1958, o economista norte-americano John Kenneth Galbraith, no livro The affluent society,[1] criticava a crença em voga em que todos os problemas sociais podiam ser resolvidos com o aumento da produção econômica. Alertava para as desigualdades sociais presentes mesmo na sociedade norte-americana e condenava o excessivo consumo materialista. Esse autor já antecipava que o mero crescimento econômico não era condição suficiente para fazer uma sociedade melhor (Galbraith, apud McCormick 1992).

    Esse modelo de crescimento, dominante no ocidente, ao desconsiderar os impactos da atividade econômica sobre o meio ambiente produzia, além da poluição habitual, acidentes de maior magnitude, que, ao serem divulgados, alertavam a opinião pública para o potencial dos novos riscos que ameaçavam a vida social. É longa a lista de desastres ambientais que causaram a perda de vidas humanas, além de ampla degradação ecossistêmica. Entre os mais conhecidos mundialmente, destacam-se: a poluição do ar em Londres, em 1952, por vapores tóxicos provenientes do adensamento industrial, que causou a morte de 1.600 pessoas; a contaminação por mercúrio da baía de Minamata, no Japão, em 1954, causada pelo despejo de efluentes de uma fábrica de cloro e soda, que produziu uma nova doença (mal de Minamata), causadora de danos neurológicos em seres humanos e animais; o acidente da usina nuclear de Three Miles Island, nos Estados Unidos, em 1979; o acidente de Bhopal, na Índia, em 1984, onde um vazamento de gás venenoso numa indústria química da Union Carbide provocou a morte de mais de duas mil pessoas e afetou outras 200 mil; e o desastre na usina nuclear de Tchernobyl, na Ucrânia, ex-União Soviética, em 1986, onde a explosão de um reator espalhou uma nuvem radioativa que se alastrou por países vizinhos, matou milhares de pessoas em poucos dias e contaminou outros milhões, entre outros eventos menos divulgados. No Brasil, tivemos os casos de Cubatão, onde a intensa poluição gerada pelo complexo industrial ali instalado provocava graves problemas de saúde na população, com registro de bebês com malformações congênitas, e o acidente nuclear de Goiânia, onde o vazamento radioativo de uma cápsula de césio 137 causou a morte por câncer de crianças e adultos e o aparecimento de tumores cancerígenos em diversas outras pessoas (Minc 1997; Brasil 1998; Dias 1993; Branco 1997).

    Esses acidentes que produziam a destruição humana e ambiental em grande escala e por diversos meios, ao serem divulgados por meios de comunicação nacionais e internacionais, contribuíram, embora pela linguagem da catástrofe, para a formação e difusão de uma nova consciência ambiental.

    É inegável que o mencionado ciclo de expansão econômica do pós-guerra, que resultou na emergência de uma crise ambiental, não seria possível sem a mediação de um acelerado desenvolvimento científico e tecnológico. Por essa razão, cabe destacar o papel que a ciência e a tecnologia desempenharam nesse processo de ambientalização da vida social, tanto negativa quanto positivamente. Por um lado, a ciência e a tecnologia dominantes ainda não se libertaram de uma concepção de mundo instrumental e antropocêntrica, herdada do racionalismo iluminista. Por isso, embora já se desenvolvam esforços alternativos para criar novas concepções de ciência e de processos produtivos e novos tipos de produtos, parece que o projeto tecnocientífico hegemônico ainda se orienta pela dominação e pelo controle da natureza e da sociedade. Ciência e tecnologia são instrumentos eficazes e eficientes, se vistos pela ótica de uma racionalidade capitalista, mas não no que se refere a outras considerações éticas, de respeito à vida humana e à sustentabilidade dos processos socioambientais. Assim, ao multiplicar os impactos da ação econômica sobre o meio ambiente, o desenvolvimento tecnológico contribuiu para a formação e para o agravamento da questão ambiental.

    É preciso reconhecer, porém, que o desenvolvimento recente da ciência e da tecnologia tem também reflexos positivos na questão ambiental, quando promove a legitimação e a divulgação do conhecimento sobre tais problemas e quando produz novas descobertas teóricas ou aplicadas que possam reduzir a dimensão da degradação ambiental. Por essa razão, Beck (1992) e Giddens (2000) se referem à ambiguidade da ciência e da tecnologia em relação aos riscos sociais, entre os quais se destacam as questões ambientais, porque ciência e tecnologia são, simultaneamente, parte do problema e parte da solução, ou seja, são criadoras de risco, mas também são indispensáveis à detecção e mitigação de seus efeitos nocivos.

    Exemplos dessas contribuições são, entre outros: a publicação, em 1962, do livro A primavera silenciosa, da bióloga norte-americana Rachel Carson (1980), que trouxe a público o resultado do estudo do efeito da contaminação química de pesticidas sobre o ambiente natural e sobre a extinção de certas espécies animais, despertando a consciência e a sensibilidade social para os problemas ambientais; os debates desencadeados pelo relatório Limites do crescimento (Meadows et al. 1973), produzido pelo Clube de Roma, em colaboração com cientistas do MIT; os avanços introduzidos pelo Programa do Álcool no Brasil, na busca de combustíveis alternativos menos poluentes e provenientes de fontes renováveis de recursos, além de tantas outras iniciativas científico-tecnológicas que, direta ou indiretamente, têm contribuído para a legitimação da questão ambiental, para a proteção ambiental e para a elevação da qualidade da vida humana.

    Outro elemento impulsionador da nova questão ambiental, assim como dos movimentos sociais em sua defesa, expressa-se no movimento de contracultura que emergiu inicialmente na sociedade norte-americana, nos anos 1960, e se irradiou gradualmente e com intensidades variáveis para o restante dos países ocidentais, tanto no norte quanto no sul. A contracultura, como conjunto de movimentos sociais contrários à cultura ocidental hegemônica, formulou uma crítica abrangente dos valores e das instituições da sociedade capitalista ocidental – embora tenha posteriormente influenciado também a juventude de países socialistas –, rejeitando os valores materialistas e consumistas, o racionalismo inerente ao conhecimento científico, os impactos do industrialismo sobre o meio ambiente, a ética puritana e do trabalho, a família patriarcal e todas as expressões de autoridade centralizada e opressiva, a democracia representativa, a guerra e o racismo, entre outras instituições. Esse ideário, que se disseminava prioritariamente entre grupos de juventude, tinha como agentes principais os movimentos estudantil, hippie, beatnik, nova esquerda, de direitos civis e raciais, ecológicos, de gênero, pacifistas e espiritualistas que, apesar de se diferenciarem em alguns aspectos, compartilhavam uma profunda insatisfação com o sistema capitalista ocidental e com o estilo de vida que dele emanava. A questão ambiental se vinculava particularmente às ideias e práticas de setores dentro desses movimentos, que se orientavam para a valorização e o resgate da natureza como uma reação ao artificialismo da cultura que criticavam. Se tudo o que negavam se materializava na vida urbana industrial, a resposta apontava para alternativas que incluíam a redescoberta da natureza. Apesar da grande variedade de objetivos e de concepções ideológicas internas ao movimento de contracultura, podem-se distinguir algumas linhas gerais comuns a todas as denominações, em torno da defesa da autonomia e da participação de todos os indivíduos na tomada de decisões que afetassem suas vidas e também na crítica radical ao que denominavam o sistema, entendido como o conjunto de instituições e valores sociais dominantes (Huber 1985; Roszac 1972).

    Em linhas gerais, fatores sociais, econômicos, políticos e culturais articularam-se na formação de uma consciência ambiental que questionava e problematizava as relações entre a sociedade e o meio ambiente e promovia o reconhecimento da questão ambiental no mundo ocidental. Naturalmente o ritmo e a intensidade dessa conscientização nos diversos países são bastante variáveis, o que veremos ao considerar as particularidades do caso brasileiro.

    A questão ambiental no plano nacional

    Para compreender o surgimento da questão ambiental no Brasil, é necessário contemplar a convergência simultânea de condicionantes externos e internos. Se, por um lado, exerceram influência na vida brasileira alguns dos mesmos processos que contextualizaram o crescimento de uma consciência ambiental nos países industrializados, por outro, concorreu para a emergência da questão ambiental no país um conjunto de realidades preexistentes, inerente à nossa própria formação (Pádua 1991; Viola 1987).

    Do lado dos condicionantes externos, devem-se considerar: a diversidade de efeitos da difusão cultural de fatos, debates e movimentos ambientais que se desenrolaram no plano internacional, veiculados por múltiplas mídias; o reflexo da ação de instituições internacionais como as conferências da ONU; a inclusão da variável ambiental nos programas de crédito dos grandes bancos internacionais de desenvolvimento, como o BID e o Bird; as matrizes de ONGs ambientais e mesmo de governos de outras nações que, por meio de políticas, programas científicos e de cooperação, exerceram algum tipo de influência sobre a questão ambiental no Brasil.

    Do lado dos condicionantes internos, Pádua (1991, p. 145), de uma perspectiva histórica, lembra oportunamente que o estigma do desastre ecológico está gravado no próprio nome do Brasil. Quer dizer, a experiência da degradação ambiental e social nos acompanha desde os primórdios. A condição de colônia de exploração dependente da metrópole portuguesa e do mercado internacional e a sucessão de ciclos econômicos baseados na exploração dos recursos naturais marcaram nossa constituição histórica como nação. São exemplares os casos do pau-brasil, do açúcar, do algodão, da borracha, da madeira, do cacau, do café e do ouro. Mais recentemente, a exportação de produtos primários ou industriais para financiar os custos da dívida externa, a abertura aos capitais internacionais interessados na mineração e no agronegócio, incluindo o etanol, o patenteamento de espécies nativas por multinacionais estrangeiras e a venda de terra brasileira a grupos estrangeiros[2] parecem dar a tônica de nossa história ambiental[3] e continuidade ao processo de exploração colonial sob outras roupagens.

    No século XX, o Brasil viveu, a partir de meados da década de 1950, um ciclo acelerado de expansão urbano-industrial, baseado em um modelo tecnológico predatório, que produziu formas diversas e acumulativas de degradação ambiental e social.

    A concentração da atividade econômica nos centros urbanos; o acelerado êxodo rural, que transferiu a maioria da população do país para cidades sem infraestrutura para recebê-la; o modelo de produção industrial alheio a considerações ambientais; a opção, durante o milagre brasileiro, por um modelo de grande escala, com obras faraônicas de alto impacto ambiental; a extrema desigualdade de renda e de oportunidades e a industrialização da agricultura, a partir dos anos 1970, com todas suas consequências perversas no ambiente natural e social, são alguns dos processos que compõem a realidade socioambiental recente do Brasil. Valendo-nos desse quadro geral, poderíamos enumerar infindáveis impactos socioambientais, decorrentes do modo pelo qual as forças econômicas se organizaram no país nas últimas décadas.

    Sem dúvida que a problematização do tema ambiental no cenário internacional despertou a sociedade brasileira para problemas que ela já vivenciava internamente, mas o formato que essa questão assumiu aqui refletiu as particularidades de nossa história e de nossa cultura.

    Quando comparamos o processo de conscientização ambiental no Brasil, nos Estados Unidos e nos países europeus, constatamos, por exemplo, que aqui esse processo se deu relativamente mais tarde, enfatizou temas diferentes, se misturou a nossas heranças culturais e se institucionalizou por caminhos diversos, embora compartilhando certas temáticas e características gerais, como é o caso de uma difusão inicial predominante entre os setores de classe média (Pádua 1991; Viola 1987).

    Uma das características centrais da questão ambiental no Brasil está na significativa relação que entrelaça os problemas ambientais e sociais. É necessário considerar que os impactos e riscos ambientais atingem, prioritariamente, os segmentos mais pobres da população, que, por sua condição socialmente desfavorável, moram nos lugares de maior risco, trabalham em contextos e funções mais expostas ao risco ambiental e têm menos condições e recursos de defesa contra os efeitos danosos dos vários tipos de poluição. Sabemos, por exemplo, das dificuldades que a população de baixa renda tem de dispor de uma nutrição adequada, de acesso a atendimento médico, de informações sobre os riscos que rondam a vida moderna cotidiana e de mudança do local de sua moradia quando necessário. Também é preciso lembrar que esses setores desfavorecidos da população são, justamente, os menos escolarizados, com reduzido poder de reivindicação e menor capacidade para se organizar na defesa de seus direitos a uma vida com razoável dignidade (Hogan 1994; Viola 1987). Dessa constatação da desigualdade de meios de proteção ao risco ambiental e de acesso aos recursos naturais, emergiu, nas últimas décadas, o movimento e a reflexão sobre a justiça socioambiental (Acselrad 2009). A constatação dessa desigualdade também contraria certas considerações de Ulrich Beck (1992) em sua teoria de risco, de que os riscos ambientais seriam democráticos, atingindo indistintamente ricos e pobres. A realidade dos países da periferia e a própria desigualdade interna aos países desenvolvidos têm mostrado que a suposição de Beck, no sentido aludido, não se

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