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Crise ambiental
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E-book607 páginas20 horas

Crise ambiental

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Sobre este e-book

É certo que a Constituição assevera um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Diante disso, urge o questionamento de como este mandamento constitucional convive no cenário atual da crise das crises – a crise do ambiente. Essa reflexão é um desafio, considerando a pluralidade de olhares e interpretações e as circunstâncias e áreas do saber que o tema alberga, incluindo a do Direito.

A problemática atravessa a questão da demarcação indígena no Brasil; a crise socioambiental nas relações laborais; patentes na biodiversidade; a relação do homem com o meio ambiente e ainda as relações de poder e dominação.

Todas essas questões estão umbilicalmente ligadas numa abordagem de crise ambiental. Por isso mesmo, a crise da qual tanto se tem falado é apenas a crise dos recursos naturais ou seria algo mais profundo e anterior; uma crise de racionalidade (tal como proposta por Enrique Leff)? A partir dessas inquietações, busca-se confrontar também a crise ambiental com o Direito Econômico e avaliar os contornos da ética e sua relação com a crise em um contexto socioambiental. Sabe-se ainda que é por meio das políticas públicas que o Estado tem enfrentado as consequências da crise, a partir de mecanismos de comando e controle, política de resíduos sólidos, políticas para a solução da questão hídrica. Todos esses mecanismos implementados na busca incansável por uma sustentabilidade socioambiental dentro da mesma racionalidade. Nesta obra o leitor vai encontrar o aprofundamento e a reflexão que a ciência exige, e também os contornos para entender o tema da crise ambiental a partir de uma perspectiva muito mais abrangente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2016
ISBN9788547300791
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    Crise ambiental - Belinda Pereira da Cunha

    andamento.

    SUMÁRIO

    CAPÍTULO 1

    A CRISE CONTIDA EM OUTRAS CRISES: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E POLÍTICO-SOCIAIS DA CRISE AMBIENTAL ATUAL 

    Belinda Pereira da Cunha

    Ana Celecina Lucena da Costa Rangel

    CAPÍTULO 2

    MARIÁTEGUI, A CRISE AMBIENTAL E A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL 

    Fernando Joaquim Ferreira Maia

    Gilberto Romeiro de Souza Júnior

    CAPÍTULO 3

    A RELEVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO PARA SUPERAÇÃO DA CRISE SOCIOAMBIENTAL NAS RELAÇÕES LABORAIS 

    Adriano Mesquita Dantas

    CAPÍTULO 4

    FORMA JURÍDICA E O GRITO DA NATUREZA: ENFRENTANDO O DESAFIO DE CONCILIAR DIREITO E MEIO AMBIENTE NO SISTEMA DE CRISES 

    Alana Ramos Araújo

    CAPÍTULO 5

    CRISE AMBIENTAL E DIREITO ECONÔMICO: CONCEITO DE CRISE E POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 

    Alex Taveira

    CAPÍTULO 6

    A TRANSVERSALIDADE DA ÉTICA SOCIOAMBIENTAL NAS RELAÇÕES DE PODER 

    Ana Carolina Monteiro Lins de Albuquerque e Souto

    CAPÍTULO 7

    A CRISE SOCIOAMBIENTAL DEFLAGRADA PELA PRÁTICA DO DUMPING: A CRISE DA RACIONALIDADE E A URGÊNCIA DE NOVOS RUMOS 

    Ana Isabella Bezerra Lau

    CAPÍTULO 8

    POR QUE E PARA QUE UM PLANETA SUSTENTÁVEL 

    Anne Aluska Feitosa Barbosa Dellacqua

    CAPÍTULO 9

    PATENTES NA BIODIVERSIDADE EM TEMPOS DE CRISE AMBIENTAL 

    Ingrid Gadelha de Andrade Neves

    CAPÍTULO 10

    A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS NO CONTEXTO DE SUPERAÇÃO DA CRISE 

    Ítalo Wesley Paz de Oliveira Lima

    CAPÍTULO 11

    CONSTITUCIONALISMO GLOBAL, CRISE E MEIO AMBIENTE: O DESCARTE SEGURO DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO PREMISSA CONSTITUCIONAL 

    Karoline de Lucena Araújo

    CAPÍTULO 12

    CRISE: IMPLICAÇÕES NA RELAÇÃO ENTRE A ESTRUTURA ECONÔMICA, O MEIO AMBIENTE E OS DIREITOS SOCIAIS 

    Luciana Vilar de Assis

    CAPÍTULO 13

    CRISE, SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E O NOVO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO EM CONSTRUÇÃO 

    Maria do Socorro da Silva Menezes

    CAPÍTULO 14

    CRISE AMBIENTAL E CRISE DO DIREITO AMBIENTAL: ORIGEM, CONCEITO, DISTINÇÃO E CONTEÚDO MÍNIMO 

    Pedro Henrique Sousa de Ataíde

    CAPÍTULO 15

    TRANSCONSTITUCIONALISMO E SABERES AMBIENTAIS: UMA PROPOSTA DE REABILITAÇÃO CRÍTICA PARA A CRISE 

    Rodrigo Lucas Carneiro Santos

    CAPÍTULO 16

    CRISE AMBIENTAL, VERDADES E O DIREITO: ALTERNATIVAS JURÍDICAS POSSÍVEIS? 

    Vinícius Leão de Castro

    CAPÍTULO 17

    O MOVIMENTO POR JUSTIÇA AMBIENTAL E OS CONFLITOS ECOLÓGICOS DISTRIBUTIVOS

    Vinicius Salomão de Aquino

    CAPÍTULO 18

    CRISE AMBIENTAL E AS COMUNIDADES TRADICIONAIS 

    Welison Araújo Silveira

    CAPÍTULO 1

    A CRISE CONTIDA EM OUTRAS CRISES: perspectivas históricas e político-sociais da crise ambiental atual

    Belinda Pereira da Cunha¹

    Ana Celecina Lucena da Costa Rangel²

    1.1 Introdução

    As perspectivas de reflexão científica sobre a chamada crise, mais detidamente sob o olhar das Ciências Sociais Aplicadas, entre elas o Direito e as Ciências Jurídicas, motivou a inclusão da temática para análise aprofundada no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, por meio da disciplina Sustentabilidade socioambiental do desenvolvimento.

    Partindo do questionamento se para o Direito há o reconhecimento da existência da crise, e até mesmo nas circunstâncias que possam definir sua ocorrência, deparou-se com a percepção de que a crise é tão real quanto o é sua ausência em qualquer dimensão do Direito, a menos que as equivalências possam ser feitas com outras situações suscitadas pelos estudos jurídicos.

    A interdisciplinariedade e transdisciplinariedade que se põem para os estudos ambientais, aproxima o Direito das Ciências Sociais em aplicação, o que ocorre igualmente com o exame dos Direitos Humanos, aqui tomado pela acepção maior da expressão e não como mero ramo de estudos ou competência do Direito propriamente dito.

    Verificando que a crise abarca outras possíveis crises, passa-se a olhar para as perspectivas históricas, políticas e sociais da crise em sua contemporaneidade, tomado o meio ambiente como premissa que fundamente ou justifique o desencadeamento de situações conflitantes, perplexas e instigantes, como interesses meramente econômicos que se sobreponham às questões sociais que deveriam inseri-los, acidentes que provoquem danos catastróficos aos recursos naturais e à vida humana e assim por diante.

    Novos conflitos foram gerados a partir do rearranjo dos processos econômicos, advindos especialmente como consequência da supremacia do capitalismo, que prescreve as regras do jogo de interesses planetário.

    Contudo, até a transição do feudalismo para aquele sistema, os recursos naturais eram consideravelmente abundantes, e não havia elementos suficientes para mensurá-los, razão pela qual eram utilizados ilimitadamente.

    Somente a partir da década de 1970, com a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, conheceu-se verdadeiramente as causas e os efeitos provocadores da escassez dos bens ambientais.

    Ainda assim, percebe-se que a utilização desmesurada desses bens persiste até o presente momento, a retroalimentar o capital.

    O modo de produção e consumo capitalista já extrapolou em muito a sua exploração, e os seus efeitos nefastos já são vistos e sentidos em toda arena global, não justificando a continuidade do modo como são explorados, nos moldes atuais.

    No pós-modernismo, do qual o capitalismo erige-se a modelo imperioso, houve uma lídima quebra dos padrões do próprio ser e saber.

    Esta modernidade homogeneizante e instrumentada afetou as concepções e princípios inerentes ao ser humano e como ele relaciona-se com o ambiente e os demais seres, bem como oportunizou relevantes conhecimentos técnicos e científicos, comumente direcionados para o atendimento das conveniências do agente econômico, sem consideração dos fatores ecológicos essenciais.

    Vivencia-se, enfim, a crise ambiental, que questiona frontalmente as racionalidades econômica e tecnológica, constituindo mais um reflexo das políticas do capital, adotados na pós-modernidade, emanadas das conjunturas econômica, social e política.

    Outrossim, importante ponderar que não constitui objeto deste trabalho defender ou não esse sistema, pretendendo tão somente demonstrar em que termos as crises econômica, política e social põe em termo o meio ambiente, influenciando e aprofundando diretamente a crise ambiental existente.

    Acerca disso, alguns autores abordam um aspecto relevante, e que vale a pena refletir, qual seja, a de que o homem é o verdadeiro causador das crises, em todas as suas acepções, particularmente a de cunho ambiental.

    Diante dos inúmeros efeitos causados pela pós-modernidade, o destino inevitável da humanidade parece ser o caos; o futuro prometido afigura-se desacreditado pelas maiorias (dos povos subjugados, das nações do Sul, dos trabalhadores, entre outros) e esvaziado por um sistema fútil.

    No entanto, um novo olhar, tão paradigmático quanto as mudanças produzidas a nível planetário, deve ser proposto, a reconsiderar a integração do ser humano com o ambiente, do qual ele constitui parte importante, porém diretamente dependente.

    Uma das alternativas possíveis se dá por meio efetivo do saber ambiental incorporado ao processo educativo, aliado a um reforço cidadão para a ideação e a prática.

    Diante disso, e sem exaurir a temática, este artigo tem como objetivo delinear alguns dos principais aspectos históricos e sociais para a construção das variadas crises postas mundialmente, decorrentes, em especial, do modo de organização, produção e consumo capitalista, apontando, conjuntamente, possíveis soluções ou caminhos para a superação da crise ambiental.

    Por fim, cabe ressaltar que este artigo se fundamenta metodologicamente por ser uma pesquisa qualitativa, histórica, dedutiva e bibliográfica, revisitando a doutrina e legislação pertinente ao objeto do artigo.

    O artigo contempla um estudo teórico relevante e interdisciplinar, voltado tanto para estudiosos das ciências ambientais como das ciências humanas e sociais, além de conter referencial teórico voltado diretamente ao tema em análise.

    1.2 Síntese histórica da crise ambiental mundial

    A crise ambiental mundial posta na atualidade reverbera a concatenação de variados aspectos, a exemplo das perspectivas histórica, teleológica, política, econômica e social, procedentes da relação do homem com a natureza, bem como, e especialmente, do relacionamento dos homens entre si, promovendo uma verdadeira (in) evolução ao longo do tempo, até chegar à presente (des) ordem das coisas. Nesse sentido, impende ressaltar que, em essência, aquele fenômeno não diferiu do que ocorreu no Brasil, e ao qual será delineado neste artigo.

    Anteriormente aos auspiciosos tempos modernos, predominava no denominado Velho Mundo o modo de organização feudal, que possuía predominantemente produção agrícola para manutenção do feudo, baseada no escambo.

    Apesar de não haver unanimidade doutrinária acerca da origem da modernidade, compreendida nos moldes atuais, entende-se que decorreu da transição do feudalismo para o capitalismo, que a princípio operou como um modo de produção comercial, ainda na Baixa Idade Média, passando ao modo de produção e consumo industriais, hoje prevalecente.

    Nesse sentido, cabe ressaltar que, ainda nos exórdios do capitalismo, de cunho comercial, os descobrimentos e a consequente colonização de territórios do Novo Mundo pelo Velho Mundo, do qual, entre outros, sofreu o Brasil, exerceram papel fundamental para a expansão e desenvolvimento daquele, em direção ao capitalismo industrial.

    Nessa época, conceitos como "res extensa, a que Descartes reduziu a natureza, e terra nullius", desenvolvido por juristas europeus em referência àquelas terras ocupadas, passaram a existir³.

    Inaugurou, assim, uma profunda e drástica modificação nos usos e costumes, estilos de vida, relação em sociedade, na produção e no consumo, entre tantos outros aspectos.

    Além disso, promoveu mudanças no comportamento do homem frente ao meio ambiente, para onde o fervor místico é substituído pelo ardor mercantil, e a natureza, ora desmistificada de suas qualidades metafísicas e teológicas, passa a ser vista como simples fonte de poder e de riquezas⁴.

    Ademais, tampouco há consenso entre os estudiosos sobre como e quando se deu a mudança do capitalismo comercial para o industrial, prevalecendo o entendimento de que ela ocorreu a partir da Revolução Industrial, para onde a manufatura fora substituída pelas máquinas, a fabricação artesanal e familiar deu lugar às fábricas, e a concentração da matéria-prima e do lucro deslocou-se das mãos de muitos para a do proprietário da fábrica, surgindo, nesta oportunidade, entre outras figuras, a do operariado.

    Mas até esse momento, o capitalismo não tinha se dado conta de que o industrialismo voraz não só levaria a uma inexorável degradação ambiental, como também à degradação de grande parte dos homens, por meio da exploração do trabalho, que se tornara obra de devastação da natureza⁵.

    Nesse tempo também os recursos naturais eram abundantes, e a natureza ainda conseguia se regenerar das agressões causadas pelas indústrias⁶.

    O movimento de expansão capitalista iniciou-se em alguns países da Europa, a exemplo de Inglaterra e França, estendendo-se ao Mundo Ocidental, inclusive às nações desenvolvidas e emergentes, embora não coetaneamente, contrapondo-se ao denominado Oriente.

    Posteriormente, a oposição entre esses Mundos, aliado ao crescente movimento operário, contrário ao modo de produção e exploração massiva da classe trabalhadora, ocorrida entre o final do século XIX e durante todo o século XX, em especial após a Segunda Guerra Mundial, fez cindir em polos diametralmente opostos dois grandes sistemas político-econômicos, quais sejam, o capitalismo e o socialismo, representados, respectivamente, pelos Estados Unidos da América (EUA) e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

    O marxismo, idealizado pelos filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels, constituiu o berço das teorias dos Estados socialistas. Contudo, estes se afastaram consideravelmente daquela doutrina, quando da efetiva implementação em suas respectivas nações.

    Esses pensadores, citados por Boaventura de Sousa Santos, mencionam uma expressão, qual seja, tudo o que é sólido se desfaz no ar, utilizada no Manifesto Comunista de 1848, para abordar a mudança paradigmática que o globo sofreu com o advento da modernidade e do capitalismo, não constituindo apenas um novo modo de produção, mas transformando significativamente os variados processos econômicos, políticos e sociais até então existentes, fazendo com que a sociedade perdesse toda a sua solidez, evaporada, juntamente com os seus fundamentos, numa vertigem aérea⁷.

    Importante ponderar que não constitui objeto deste trabalho defender uma ou outra teoria, capitalista ou marxista, pretendendo tão somente demonstrar em que termos as crises econômica, política e social põe em termo o meio ambiente, influenciando e aprofundando diretamente a crise ambiental existente.

    O referido autor trata em sua obra⁸ acerca dos três períodos históricos do capitalismo; o primeiro tratado como capitalismo liberal, o segundo, como capitalismo organizado, e o terceiro período foi denominado de capitalismo desorganizado, e que representa a era atual.

    Tais ciclos do capitalismo não ocorreram cronológica e concomitantemente em todos os países, variando quanto a sua duração e quanto aos traços idiossincráticos.

    Desta feita, no capitalismo liberal, no dizer de Santos, ocorreu uma hipertrofia total do mercado; no capitalismo organizado, houve um equilíbrio entre o mercado e o Estado, sob pressão da comunidade, com sua forma política própria (o Estado-Providência)⁹. Por último, o capitalismo desorganizado teria, entre outras características, a dispersão da classe trabalhadora, o recuo do Estado na política social e econômica, o pós-industrialismo de tecnologia intensiva e a orientação para a cultura¹⁰.

    Apesar de coexistirem em épocas diversas, bem como de não terem iniciado igualmente em todos os países, a construção dos valores e concepções da modernidade trouxe em comum para as respectivas épocas do capitalismo, em maior ou menor escala, em parte um processo de superação, e de outra parte um processo de obsolescência, pois, ao mesmo tempo em que a modernidade cumpriu algumas de suas promessas, até superando muitas delas, não veio a cumprir outras tantas.

    Logo, ao lado das descobertas científicas e tecnologia de ponta em diversas áreas do conhecimento, proporcionadoras de uma maior e melhor qualidade de vida, por exemplo, encontramos aviltamento de variegadas ordens, a exemplo da econômica, política, social e ambiental, presentes em todo o planeta.

    No pertinente à questão ambiental, a utilização massiva dos recursos naturais, renováveis e/ou não renováveis, por parte dos agentes econômicos e políticos, gerou o seu esgotamento, e sem o qual o sistema capitalista não pode desenvolver-se.

    Vivencia-se, enfim, a crise ambiental, que questiona frontalmente as racionalidades econômica e tecnológica, e seus respectivos paradigmas teóricos, "resultado do desconhecimento da lei-limite da entropia, que desencadeou no imaginário economicista a ilusão de um crescimento sem limites, de uma produção infinita"¹¹, apartada da natureza, tomada numa acepção latu senso.

    Tais aspectos dessa crise já foram amplamente demonstrados em variegados eventos internacionais, a exemplo da Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano (Declaração de Estocolmo), adotada de 5 a 16 de junho de 1972¹², e da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Declaração do Rio92), adotada de 3 a 14 de junho de 1992¹³, e que serão minudenciadas nos tópicos posteriores.

    1.3 Consequências da crise ambiental em suas várias vertentes

    Ao longo do tempo, o modelo de produção e consumo capitalista, marcado pelo tecnicismo e pela individualidade, onde o Ter sobressaiu-se ao Ser, tornou o mundo sobremodo vazio, com mudanças profundas na postura do homem, que deu vazão a que as necessidades fossem subvertidas e o imediatismo da vontade se sobressaísse, numa pretensa (e falsa) autossuficiência e ilimitude do seu poder diante dos recursos naturais, e para onde as consequências não tardaram e estão presentes e cada vez se acentuando mais¹⁴.

    No pós-modernismo, do qual o capitalismo erige-se a modelo imperioso, houve uma lídima quebra dos padrões do próprio saber.

    Segundo Antônio Severino¹⁵, a teoria de Francis Bacon, denominada por aquele doutrinador como cosmocentrismo naturalista, foi uma das responsáveis por promover a revolução científica, tal qual a conhecemos, para onde a ciência, pelo conhecimento e dominação da natureza, facultou a técnica que, por sua vez, viabilizou a indústria, fonte de produção de mercadorias, tendo por objetivo o proveito e a utilidade ao próprio homem.

    Esta modernidade homogeneizante e instrumentada afetou as diversas searas, a exemplo da econômica, social, política e ambiental, e que neste tópico serão tratadas separadamente, embora a priori impossível desvencilhar-se da relação intrínseca entre elas.

    Boaventura e Leff tratam especificamente das racionalidades e da crise, em suas multifacetadas nuances, muito embora com olhares diversos.

    Novos conflitos foram gerados a partir do rearranjo dos processos econômicos, advindos especialmente como consequência da Revolução Industrial e da supremacia do capital, que prescreve as regras do jogo de interesses planetário.

    No que pertine ao aspecto econômico, cabe ressaltar que a racionalidade econômica, em contraposição a uma racionalidade ecológica, proposta por Enrique Leff¹⁶, extravasa todas as características de um mundo globalizado, pela utilização sem limites dos recursos naturais e humanos, elevando-se a produtividade a fim de estimular a competitividade e de maximizar os lucros.

    Disto, percebe-se claramente o caráter monopolizador do poder e da renda desse sistema, constituindo um ciclo hegemônico dessa racionalidade irracional na medida em que, combinada com as receitas neoliberais, se transforma numa lógica de dominação e de regulação a nível mundial¹⁷.

    Assim, não há dúvida de que representa hoje o paradigma dominante em âmbito mundial.

    A racionalidade econômica, mencionada por Boaventura Santos como o paradigma capital-expansionista¹⁸, possui características marcantes que demonstram algumas das consequências geradas pelo estabelecimento da presente ordem econômica. Dentre elas, podemos mencionar as seguintes:

    • O desenvolvimento social é medido pelo crescimento econômico, em especial pelo emprego global do Produto Interno Bruto (PIB) como indicador da atividade econômica;

    Porém, não considerar outros componentes constitutivos do desenvolvimento, a exemplo das liberdades e direitos civis, saúde e oportunidades de educação, restringe consequentemente o progresso econômico das nações¹⁹.

    • O crescimento econômico está firmado na industrialização e no desenvolvimento tecnológico virtualmente ilimitados;

    As catástrofes ambientais e desequilíbrios no ecossistema como um todo provam cabalmente a finitude dos recursos naturais, principal fonte de matéria-prima para a continuidade da produção econômica.

    A natureza é matéria passiva²⁰, valorizável apenas por ser condição da produção;

    A relação utilitarista do homem com o ambiente separou-o de sua própria condição de ente integrado a este, passando de um vínculo orgânico para um relacionamento de concepção mecanicista, onde organismos vivos e não vivos passaram a estar em categorias indiferenciadas de subjugação²¹.

    A visão de mundo cartesiana toma a natureza por fragmentos, pedaços dos quais nos apossamos, conforme a individualidade do gênero humano desejar, e desenvolvemos padrões de quantificação, a tal ponto que tudo é medido pela eficiência, quantificado por cálculos, em busca de resultados, tendo que dar lucro²².

    • Expansão econômica fundamenta-se na propriedade privada, particularmente na propriedade privada dos bens de produção;

    Consoante mencionado anteriormente, a assunção do modelo capitalista, por ocasião da Revolução Industrial, oportunizou a concentração dos meios de produção, o controle da força de trabalho e a monopolização dos ganhos econômicos.

    Neste ponto, comunica-se com a crise social, pois, entre outros aspectos, o capital exprime seu poder por meio da exploração no espaço-tempo da produção, entendido como o espaço-tempo das relações sociais através das quais se produzem bens e serviços que satisfazem as necessidades tal como elas se manifestam no mercado enquanto procura efetiva²³, que é imposta tanto às forças produtivas (empregados) como para as chamadas condições de produção²⁴, ou seja, o que é tratado como mercadoria, apesar de não ter sido produzido como tal, a exemplo da natureza.

    Todavia, a exploração nestes termos constitui, ao mesmo tempo, uma apropriação autodestrutiva, haja vista que o sistema necessita dos recursos humanos e naturais para perdurar.

    Outrossim, nesta oportunidade ainda cabe enfatizar outra faceta da crise social, qual seja, o isolamento político das classes trabalhadoras na produção.

    Isso ocorreu porque no período do capitalismo organizado houve uma série de melhorias nos direitos sociais dos trabalhadores (condições de trabalho e salariais), atendendo-se aos apelos seculares da classe trabalhadora.

    Não obstante, esse suposto atendimento das reivindicações laborativas parece ter produzido um contentamento geral entre os trabalhadores, diminuindo consideravelmente a sua capacidade de transformação social.

    • Estímulo ao consumo desmedido.

    A padronização e produção em massa, advindas do fordismo, apesar de ainda ser dominante, aos poucos cede lugar à clientelização e personalização dos objetos, a fim de manter os superávits da atividade econômica. Assim, o mercado metamorfoseia-se para atender um consumismo inconsequente, moldando a subjetividade do ser ao que ele possui²⁵.

    Volta-se, assim, a produzir para as individualidades, contrariamente ao coletivo, justamente porque os retornos econômicos são maiores.

    Além disso, o citado jusfilósofo²⁶ constata a ampliação crescente dessa mercantilização a pontos do globo até então não integrados na economia mundial, estendendo, conjuntamente a bens e serviços até agora livres, a exemplo da mercadorização da vida.

    Isso revela que o modo de produção e consumo capitalista já extrapolou em muito a sua exploração, e os seus efeitos nefastos já são vistos e sentidos em toda arena global, não justificando a continuidade deste modelo, nos moldes atuais.

    Sob um último aspecto de prospecção social, relacionado diretamente com a vertente política da crise mundial, encontramos a fragilidade da democracia frente à hegemonia científico-tecnológica e neoliberal do capitalismo, pois, aliada à concentração de riqueza, estimulada pelo mercado e o Estado, nos níveis nacional e mundial, percebe-se a dominação do primeiro em relação ao segundo, e deste relativamente aos cidadãos, principalmente pelo excesso de controle social produzido pelo poder disciplinar e pela normalização técnico-científica com que a modernidade domestica os corpos e regula as populações²⁷.

    O racionalismo estreito, mecanicista, utilitarista e instrumental da ciência moderna, combinado com a expansão da sociedade de consumo, obnubilou [...] a capacidade de revolta e de surpresa, a vontade de transformação pessoal e colectiva²⁸.

    Em função disso, agravou-se a injustiça e a desigualdade social no mundo.

    A crise ambiental é mais um reflexo das políticas do capital, adotados na pós-modernidade, emanadas das conjunturas econômica, social e política, supra mencionadas, e guarda uma infinidade de consequências, a seguir delineadas.

    Conforme referido anteriormente, apesar de o homem apropriar-se de todo o conhecimento possível acerca dos recursos naturais, preferiu agir como se estes fossem infinitos, sem limites, como pensavam alguns navegadores do primeiro milênio e como ainda imaginam ícones da economia e da política – estes últimos, os chamados planejadores de 4 anos, tempo de um mandato eletivo²⁹.

    A lógica mercadológica ainda gravita na utilização indiscriminada dos bens ecológicos, considerados como instrumentos do processo produtivo, com a finalidade de retroalimentar continuamente esse sistema progressista.

    No entanto, persistir nessa racionalidade mecanicista de curto prazo só aumentará os conflitos e tensões pelo acesso aos recursos naturais³⁰, o que, de fato, já está ocorrendo...

    À luz disto, a economia ecológica, esboçada por Leff, propõe um novo olhar sobre a degradação ecológica e energética resultante dos processos de produção e consumo, tentando sujeitar o intercâmbio econômico as condições do metabolismo geral da natureza³¹.

    Ao invés de o ser humano seguir e respeitar as regras próprias da natureza, que expressam a regularidade com a qual se estabelecem as interconexões num concerto entre os mais variados elementos, e de até reforçá-las³², prefere seguir o caminho diametralmente oposto, adiantando o relógio para o nosso fim, pela destruição da base de recursos naturais e das condições de sustentabilidade da civilização humana³³.

    "De todos os problemas enfrentados pelo sistema mundial, a degradação ambiental é talvez o mais intrinsecamente transnacional"³⁴, pois seus efeitos se estendem a nível planetário, consistindo, entre outros, em uma devastação da biodiversidade, perda dos valores e das práticas culturais, crescentes desigualdades sociais e a destituição aviltante da qualidade de vida das maiorias³⁵.

    Os descobrimentos exerceram papel fundamental para o surgimento dos dois últimos efeitos, haja vista que, tradicionalmente, foram os denominados países do Norte (desenvolvidos) que colonizaram os países do Sul (hoje em boa parte subdesenvolvidos), acentuando ainda na atualidade os conflitos e desigualdades entre esses países.

    Em boa medida, os países colonizados possuem como uma de suas marcas pontuais, a degradação do meio ambiente acentuada pelas nações colonizadoras, em especial pelo usufruto injusto, gratuito e por um extenso período dos recursos naturais, tal qual o que ocorreu no Brasil.

    No entanto, um novo colonialismo faz com que essa exploração econômica e ecológica perdure, para além dos processos de independência daquelas nações, pois o consumo e o modo de vida dos países desenvolvidos são majoritariamente patrocinados pelos países de terceiro mundo.

    Como exemplo, podemos mencionar a instalação de multinacionais nos países periféricos, beneficiando em vários aspectos os países desenvolvidos, tanto pelos reduzidos encargos tributários e trabalhistas cobrados como pelo incentivo ao consumo dos bens e serviços produzidos, alterando os valores e os costumes locais.

    E muito mais que responsabilizar a demografia pelo esgotamento dos recursos energéticos do planeta, deve-se atentar para o forte crescimento de consumo de luxo, que nos dias atuais está causando maior desperdício de recursos naturais para um percentual pequeno dos países ricos.

    São as duas faces da moeda, que criam igualmente problemas ecológicos: miserabilidades no Sul, com epidemias, fome e poluição, e a opulência do Norte, com os desperdícios dos recursos e a poluição.

    Essa apropriação desigual dos recursos ecológicos, dos serviços ambientais e do espaço atmosférico³⁶, constitui um dos atuais conflitos ecológicos distributivos, objeto de estudo da ecologia política³⁷, que investiga também em que termos esse uso pode ser equalizado.

    Ainda assim, é de sabença generalizada que o gozo dos frutos não serão exorbitados por toda a população mundial, sob pena de os recursos naturais e os equilíbrios ecológicos sofrerem a curto prazo desgastes fatais para a sobrevivência da vida na terra tal como a conhecemos, embora os seus custos continuem a ser suportados por uma maioria sempre crescente³⁸.

    De todo o exposto, podemos deduzir que o sistema capitalista, para além de ser mundialmente preponderante, provocou problemas fundamentais, e de variadas naturezas.

    Inobstante isso, não há nenhuma preocupação para tentar saná-los, revelando, entre outros aspectos, a futilidade do projeto da pós-modernidade e a fraqueza ideológica de muitos dos seus princípios³⁹.

    O capitalismo reduziu-se à aquisição de objetos que se pode adquirir com dinheiro, com os quais se julga poder preencher o vazio de uma vida alienada: compram-se sonhos, viagens, amor, luxo exterior, para esconder a miséria interior, compra-se arte e assim sucessivamente⁴⁰.

    Assim, e como se veio a verificar, entregue a si próprio, o capitalismo não transita para nada senão para mais capitalismo⁴¹.

    Ademais, cabe salientar que todos os matizes da crise, neste tópico detalhadas, não só revelam a crise desse modelo econômico, como também uma crise da civilização⁴², que o compõe.

    Por fim, sobressai a conclusão de Santos, citando Walter Benjamin, ao afirmar que a crise, a verdadeira crise, é continuar tudo como está⁴³.

    1.4 Relação dos homens entre si como fator da crise

    Alguns autores abordam um aspecto relevante, e que vale a pena refletir, qual seja, a de que o homem é o verdadeiro causador das crises, em todas as suas acepções.

    Partindo-se desse pressuposto, e especificamente quanto à crise ambiental, Tom Thomas apresenta em sua obra⁴⁴, de forma clara e objetiva, uma tese original, e com a qual os autores pactuam, de que o problema de fundo das questões ambientais é, em verdade, a relação dos homens entre si, e não dos homens com a natureza, tão globalmente difundida, e defendida pelos ecologistas.

    Ao homem, diferentemente dos demais seres vivos e não vivos, foi concedida a capacidade cognoscitiva e criativa, que o capacita a agir segundo determinados interesses.

    Aliado a isto, e ao longo do tempo, teve suas capacidades técnicas e científicas consideravelmente aumentadas, passando de ente humano inofensivo a predador perigoso da natureza, constituído como um sistema autorregulador e sistemático, e em que todos os elementos estão interligados. No entanto, parece que cada vez mais são menos capazes de manter uma relação harmoniosa com esta e consigo mesmos⁴⁵.

    Esta mudança paradigmática do comportamento humano, de abnóxio a destruidor, trazida como causa fundamental da separação dos homens entre si e com o meio ambiente, ocorreu a partir da industrialização.

    Tal fato é comprovável tanto em função da enorme divisão social do trabalho, ocasionada pela concentração dos meios de produção, como do tratamento utilitarista dos recursos ambientais, e de ambos, trabalhador e ambiente, considerados como condições da produção.

    Esta dupla desigualdade assenta numa dupla relação de exploração: do homem pelo homem e da natureza pelo homem⁴⁶.

    Perdemos a capacidade de nos relacionar entre nós mesmos e com o ambiente, bem como de nos sensibilizar com as catástrofes ecológicas ocorridas corriqueiramente, vivendo uma modernidade individualizada e individualista.

    Constata-se, assim, que a crise de Estado, que potencia a urgência de uma nova ordem internacional, é afinal a crise do sujeito dessa ordem⁴⁷.

    Nesse sentido, Thomas propõe uma nova forma de se relacionar do homem na sociedade, que a nosso ver é bastante utópica, se considerarmos o estágio atual em que a grande maioria dos países se encontra, e em especial, o Brasil, no popularmente denominado capitalismo selvagem.

    Em termos gerais, ele propõe que, antes de se pensar em restaurar a natureza, faz-se imprescindível salvar os homens da desapropriação de si próprios, pois estes só degradam porque são degradados⁴⁸.

    É preciso resgatar a nossa essência, exercitando as perplexidades da vida, a fim de colocar a realidade em seu devido lugar, promovendo as mudanças inclusivas no homem, para a preservação da natureza, que, em síntese, constitui proteção a ele mesmo.

    Ampliando esse entendimento para as demais crises, Boaventura Santos menciona que na atualidade vive-se a chamada síndrome de bloqueamento global, onde em lugar da falta de alternativas (porque factualmente elas existem), subsiste a falta de vontade individual e colectiva para lutar por elas⁴⁹.

    Efetivamente, o poderio da ciência, da técnica e da tecnologia outorga ao gênero humano um poder de transformação inigualável, cabendo a ele utilizar-se intencionalmente desses meios para a superação das crises, e consequentemente, do próprio ser.

    Manter-se apático frente a estas questões revela a perda identitária do homem, bem como uma fuga da realidade, tão presente e vívida, da qual aquele não pode escapar.

    Contudo, a inação faz a humanidade caminhar a passos largos para um mundo de fantasia, identificando o homem com a descrição contida na obra de Erich Scheurmann, nestes termos:

    A vida é de mentira, junto com os muitos papéis, fizeram do Papalaguio que ele é: um homem fraco, confuso, que gosta do que não é real e que já não sabe reconhecer aquilo que é real; que toma a imagem da lua pela própria lua, que vê numa esteira escrita a própria vida.⁵⁰

    1.5 Prováveis soluções para a crise ambiental

    Diante dos inúmeros efeitos causados pela pós-modernidade, o destino inevitável da humanidade parece ser o caos; o futuro prometido afigura-se desacreditado pelas maiorias (dos povos subjugados, das nações do Sul, dos trabalhadores, entre outros) e esvaziado por um sistema fútil.

    Longe de ser por essência negativo, o caos é um horizonte dramaticamente ampliado de possibilidades⁵¹, principalmente quando na atualidade já se possui os meios e os instrumentos suficientes para a sua superação, bastando, para isso, que posteriormente a uma atividade de ponderação advenha uma vontade ativa para a quebra de paradigmas.

    Diante disso, é necessário se pensar em descontinuidades, em mudanças paradigmáticas e não meramente subparadigmáticas⁵², como as que são postas hoje em dia, e que não resolvem o problema de fundo das crises, em especial, a de cunho ambiental.

    Também não se está aqui a defender posicionamentos extremos, ou seja, nem de ruptura total, nem de conformidade total a esse sistema.

    É preciso vincar que não constitui objeto deste artigo a persecução de todas as alternativas para a resolução das crises existentes, e que foram detalhadas até o momento, mas provocar um exercício reflexivo aos leitores e estudiosos, pela síntese da análise realizada por Boaventura de Souza Santos e Enrique Leff acerca da temática.

    Acerca dessa proposta de solução para as crises, o autor propõe, entre outras sugestões, a superação do paradigma dominante, também denominado de paradigma da democracia autoritária, e que já foi minudenciado à saciedade, tanto neste trabalho, como por outros autores, pelo paradigma emergente, também chamado de paradigma da democracia eco-socialista⁵³.

    Esta permuta de concepção, que reflete o projeto para a resolução dos problemas da modernidade, ocorreria pela utopia.

    Em verdade, aquele autor propõe uma heterotopia chamada de Pasárgada 2, designado como o lugar da nossa sociedade, de qualquer onde vivamos, a uma distância subjetivamente variável onde vivemos⁵⁴. Ou seja, afastando-se do centro e analisando uma outra realidade, que está a uma certa distância.

    Tal ideia quimérica nos remete a um dos mais conhecidos poemas de Manuel Bandeira, qual seja, Vou-me embora pra Pasárgada⁵⁵, transportando o ser para um mundo ideal, em uma fuga da realidade em que se vive.

    Com isso, Boaventura Santos pretende apresentar e definir o paradigma emergente, como ideal de conversão do modelo atual, em contraposição a este, paradigma dominante.

    O paradigma ecossocialista apresenta, entre outras marcas distintivas:

    » O desenvolvimento social aferido pelo modo como são satisfeitas as necessidades humanas fundamentais e é tanto maior, a nível global, quanto mais diverso e menos desigual;

    » A natureza é a segunda natureza da sociedade, ou seja, não se confunde com esta; porém, tampouco é descontínua;

    » Deve haver um estrito equilíbrio entre as três formas principais de propriedade: a individual, a comunitária, e a estatal, e em que cada uma delas deve operar de modo a atingir os seus objetivos com o mínimo de controle sobre as demais⁵⁶;

    » Forte democracia participativa, pelo equilíbrio estrutural entre o eixo vertical (a relação Estado-cidadãos) e o seu eixo horizontal (a relação cidadão-cidadão), não exercendo tratamento desigual em relação aos diferentes grupos de cidadãos;

    » Estado independente do poder econômico; e

    » Possui unidades de produção não orientadas, nem exclusiva, nem primordialmente, para a obtenção de lucros. Exemplos: unidades de produção cooperativa, pequena agricultura familiar, serviços comunitários, instituições particulares de solidariedade social, organizações não governamentais, produção autogestionária, entre outras⁵⁷.

    Opõe-se, assim, ao modo de organização econômico em vigor, e para cujas particularidades já foram expostas neste trabalho.

    Apesar da abordagem um tanto quanto utópica e irrealista, Souza Santos nos provoca a sair do estado letárgico em que nos encontramos, a fim de promover uma verdadeira mudança nos insustentáveis padrões vigentes.

    1.6 Abordagem ambiental no sistema educacional como uma das possíveis soluções para a crise

    Em comum, os doutrinadores propõem como uma das possíveis soluções para a crise ambiental a inclusão da educação ambiental no sistema educacional, principalmente pela compreensão de que o homem faz parte da natureza, sendo de fundamental importância a apropriação daquele do seu habitat, em uma abordagem prática e integralizada.

    Especificamente no Brasil, tal questão não é tratada de maneira aleatória, pois se tem um robusto aparato legal a amparar os valores e princípios inerentes à proteção ambiental oportunizada pelas práticas educativas.

    Dentre elas, podemos mencionar a incumbência do Poder Público em promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino (educação formal), assim como a conscientização pública (educação informal), visando à preservação do meio ambiente para às presentes e às futuras gerações (busca da sustentabilidade atual e para a posteridade), como forma de garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado e uma sadia qualidade de vida para a população, conforme preceitua o art. 225, caput, e inciso VI do seu parágrafo primeiro⁵⁸.

    Anteriormente à Constituição federal de 1988, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/1981) já dispunha acerca da educação ambiental nas modalidades acima citadas, objetivando a capacitação discente e comunitária para a participação ativa na defesa do meio ambiente, erigindo-a a verdadeiro princípio, nos termos do inciso X do seu art. 2.º⁵⁹.

    Corroborando com a legislação acima referida, a Lei n.º 9.394/1996, que trata das diretrizes e bases da educação nacional, vem dispor no seu art. 26, § 7o acerca da obrigatoriedade da inclusão da educação ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios ministrados no ensino fundamental e médio⁶⁰.

    Por fim, e como um dos instrumentos mais completos a regulamentar a Política Nacional de Educação Ambiental, a Lei n.º 9.795/99 especifica uma série de diretivas, objetivos e princípios da educação ambiental, constituído como componente essencial e permanente da educação nacional, seja ela formal e/ou informal, nas esferas pública e/ou privada, em todas as etapas do processo educativo, colimando a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e a sua sustentabilidade⁶¹.

    No entanto, a realidade brasileira está no sentido de não acolher e efetivar toda essa regulamentação existente, contribuindo para acelerar o empobrecimento do País, tanto em termos da qualidade do ensino e da formação dos cidadãos pátrios como de provocar a escassez dos recursos naturais essenciais à vida, pela desvalorização e mercantilização desses bens, quando deveriam estar agindo de modo diverso, em estrita observância aos preceptivos constitucional e legal mencionados.

    Acerca disto, alerta Nallini que não se pode achar que um bom aparelho legislativo é suficiente para estar se protegendo o meio ambiente em sua completude, típico de uma ordem jurídica ufanista, quando, na verdade, se está em uma prática rotineira, a maltratar esse valor⁶².

    Assim, faz-se necessário que não redunde em uma filodoxia, própria dos cenários de globalização econômica e de fragmentação da vida social, que hoje se impõe com tanta força⁶³, mas se converta em resultados concretos de cidadania ambiental a nível planetário, como consectários de respeito à vida e à dignidade da pessoa humana.

    É justamente acerca deste aspecto que Boaventura de Souza Santos trata em sua obra. Para isto se utilizou do termo denominado carnavalização da política, para informar a discrepância existente entre o direito e a realidade social, e consequentemente o afastamento entre os representantes e os representados politicamente, dando, em seguida, dois exemplos, aplicados à realidade do seu país, qual seja, Portugal.

    Em síntese, relata a aplicação seletiva da legislação em vigor, revelando práticas sociais muito mais retrógradas que as leis que pretensamente as regulam, e que são toleradas, e até mesmo reproduzidas pelo próprio Estado⁶⁴.

    É o que o autor designa por Estado paralelo, onde este compromete-se formalmente com um certo padrão de legalidade e de regulação social, mas descompromete-se dele, na prática, por omissão ou por vias informais⁶⁵.

    Estes exemplos aplicam-se inteiramente ao nosso País, não só no que se refere à legislação, à prática e às políticas na seara ambiental, como também em todas as áreas.

    Assim, não basta ao Poder Público aparelhar-se de uma robusta legislação, o que já temos em demasia, como também estimular a aplicabilidade integral de suas normas ambientais, tanto pelo setor econômico como pelo Estado e pela sociedade.

    Outrossim, incorporar-se o saber ambiental emergente no sistema educacional para a formação de recursos humanos de alto nível subsistirá como processo primordial para orientar e instrumentar as políticas ambientais promovedoras de desenvolvimento sustentável, e modificadoras, consequentemente, da conduta dos agentes econômicos, políticos e sociais⁶⁶.

    Dentro da racionalidade ambiental, proposta por Leff, estão as racionalidades teórica, cultural e instrumental, que congregam o saber ambiental e a operacionalização de práticas efetivas de proteção ambiental, a materializar todo o conhecimento apreendido⁶⁷.

    Finalmente, saliente-se que a transformação educativa na seara ambiental, para além de integrar-se definitivamente aos quadros pedagógicos, como uma das propostas deste artigo, deve incitar todas as categorias (docentes, discentes, pessoal administrativo e comunidade externa) a aprender e exercitar ininterrupta e permanentemente, de modo a evidenciar uma alteração comportamental costumeira para além dos muros das instituições de ensino.

    1.7 Considerações finais

    A crise ambiental, ora como desencadeadora, ora como consequência das demais crises econômica, política e social existentes, e que foram sucintamente expostas nesta pesquisa, constitui a genuína crise das crises, haja vista que seria impossível a consecução de todas as atividades e relações, enfim, do funcionamento das citadas áreas, sem existir recursos naturais suficientes a suprir tais necessidades.

    Diante disso, buscar caminhos viáveis para solucionar essa crise é demasiadamente complexo, tanto quanto o homem, que provoca e sofre diretamente os efeitos deletérios daquela.

    No entanto, também não pode dar a azo a comportamentos extremistas, de ostracismo ou conformismo em relação ao atual sistema.

    O caráter cognoscitivo inerente ao ser humano lhe confere a oportunidade de tomar novos rumos, contrapostos à crise ambiental existente, em direção a um paradigma ecológico, condizente com uma racionalidade ambiental, que alie o fortalecimento e a consolidação dos processos educativos e comportamentais do homem, com a exteriorização desse saber ambiental por meio da práxis.

    É urgente, por isso, um redimensionamento do ser humano no seu modus operandi frente ao meio ambiente e aos seus recursos naturais, bem como em relação aos demais seres vivos.

    Obviamente, o aparato legislativo e de políticas relativas à temática é indispensável para orientar caminhos resolutivos para a crise ambiental; todavia, deve apartar-se de retóricas legalistas e parciais, fragmentando e comprometendo a sua aplicabilidade integral.

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    CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1982.

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    DIAS, Genebaldo Freire. A conveniência da esquecimentalidade humana. In: CASTELLANO, Elisabete Gabriela. ROSSI, Alexandre. CRESTANA, Silvio. (Editores Técnicos). Direito Ambiental: Princípios gerais do Direito Ambiental. Brasília, DF: Embrapa, 2014. v. 1.

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    ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente

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