Olhar avesso: Quando a vida é vista de dentro para fora
De Márcia Ribas
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Olhar avesso - Márcia Ribas
sustento.
Introdução
O psiquiatra Victor Frankl estava, há dois dias, no campo de concentração de Auschwitz. Durante a manhã, um colega dele infiltrou-se na barraca onde Victor e outros prisioneiros estavam. A ideia era animar os recém-chegados: Façam a barba todos os dias, nem que seja com um caco de vidro (...) Não fiquem com a aparência de doentes (...) Respirem... Mostrem que são capazes de trabalhar. E não tenham medo da câmara de gás
, tranquilizou-os (Frankl, 2008, p. 33).
Por mais que Victor soubesse bem como prevenir a saúde mental, era ele quem precisava de tratamento e reabilitação, pois compreendia que, mesmo preso, deveria haver entusiasmo... Trabalhar para o ressurgir da beleza.
A aparência é forte e transforma. Não é dependente. Não é só estética. O belo está estampado na expressão de quem descobriu o seu significado e, por isso mesmo, é capaz de renovar e fortalecer cada vez mais a beleza.
O processo pelo qual Victor buscava compreender o que era esplêndido fez-me entender o porquê, tantas vezes, tentei emagrecer e não consegui. Eu observava o que estava fora de mim. Desejei ter o corpo de outras pessoas, lutava contra mim, tentando encaixar-me em um caos que não era meu.
Durante minha busca, deparei-me com um texto de Dostoiévski que dizia que é a beleza quem salvará o mundo
. Então, acreditei nisso! Somei os conhecimentos do pensador com a vivência do psiquiatra preso em Auschwitz e os meus desejos. Centrei-me, arranquei o que me fazia doente, respirei, saí do meu casebre e ressurgi!
Meu desejo é que você tenha uma interessante viagem em direção ao seu reviver!
Capítulo 1
Busco fora o que está dentro!
O que realmente importa
Há fases da minha vida em que sinto necessidade de mudança. Nem sempre corro atrás dela, mas me alegro ao perceber que sua influência amplia a visão de quem eu sou e me encoraja a dar passos no escuro.
Por outro lado, essa necessidade tem algo que me irrita: geralmente surge do nada, não se apresenta, não diz de onde vem, nem para onde vai. Situação terrível, até o momento em que paro, curvo-me e a ouço. Embora muito trabalhoso, é o processo de mudança que tem dado sentido à minha vida, e a cada dia que passa, noto que não há nada complicado ou impossível nele.
Certo dia, acordei logo cedo muito incomodada, com uma enorme vontade de mudar tudo o que estava ao meu redor. Queria mudar a cor da parede, os móveis de lugar, o corte do cabelo, as roupas, o corpo, até mudar de planeta! Queria tudo e nada ao mesmo tempo, porque novamente não sabia o que estava acontecendo comigo.
Trabalhei o dia todo e voltei para casa com aquele incômodo me acompanhando. Ao chegar em casa, fui direto para o quarto, querendo tomar um banho e pensar no que faria. Ao pegar a toalha no armário e ver que as coisas estavam fora de lugar, coloquei tudo abaixo. Queria aliviar minha tensão tentando organizar as coisas ao meu redor.
Há muito tempo não fazia isso. Fiquei assustada com a quantidade de coisas sem função e que tomavam espaço no armário. A fase de vida em que estava na aquisição de tais peças era diferente da que vivia no dia da arrumação, e como eram as minhas necessidades também.
Quanto mais organizava as coisas, mais leve me sentia. Havia roupas, ali, que eu não usava há anos, não as usaria nunca mais e, mesmo assim, ainda sentia dificuldade de abrir mão delas. Era apego e medo do novo, com certeza! Enfim, atitudes que tenho diante da vida e contra as quais travo uma luta constante.
Também encontrei um álbum com fotos minhas, desde quando era bebê até os 19 anos. Gastei tempo olhando cada uma e viajando no tempo. Acompanhei meu processo de ficar mais gordinha e o começo do meu emagrecimento. Foram tantas situações vividas, somadas à briga interior e mais a vontade de mudar... Naquele instante, senti vontade de ajudar outras pessoas que estavam passando pelo mesmo drama que eu passei com a balança e, vagamente, pensei em como seria escrever um livro que descrevesse e compartilhasse as sensações e reações do meu corpo diante das situações que vivi.
Ao acabar de organizar o armário, fiquei tranquila e sentindo que havia encontrado um pedaço que faltava em meio àquela bagunça toda.
Quase vinte anos depois, muita coisa aconteceu, inclusive escrever este livro! Sem os 40 kg que me aprisionavam, descobri que coisas muito menores e leves, como achar que o formato do meu nariz é horrível ou abominar minhas pernas grossas, também podem causar o mesmo estrago, ou talvez maior, se eu acreditar que sou apenas os meus defeitos ou limites. Uma pinta no rosto, a textura do cabelo, a cor da pele, o timbre da voz, enfim, por menor que seja o detalhe, podem ter tamanho suficiente para eu me camuflar a ponto de não mais me enxergar como realmente sou.
Por isso, busco viver um dia de cada vez, com a meta de me descobrir cada vez mais. É uma luta desafiante, cheia de surpresas e profundamente gratificante!
Infância fofa
Eu era o tipo de criança que recebia muitos elogios como:
Que linda! Tão gorduchinha... Isso é sinal de saúde!
Parece uma boneca com essa bochecha redonda e rosa!
Que criança graciosa! Tem as perninhas roliças, e os pés parecem dois pães de ló.
Definitivamente, isso não é legal. Tudo bem, quando se é criança isso funciona como elogio. O problema é quando a opulência acompanha as fases de pré-adolescência e adolescência. Isso, fatalmente, transforma-se em bullying¹, e os quilinhos a mais, que até então eram fofos e mimosos, passam a ser inoportunos demais.
Lá vem o Fofão!
É aquela gorda branquinha que está sentada ali.
Pançuda. Barril. Colchão amarrado ao meio. Bujão!
É enorme o sentimento de humilhação ao ouvir coisas desse tipo. Não queria ser gorda, não me sentia feliz. Tinha sempre a sensação de não ser bem-vinda aos lugares, não porque as pessoas não me quisessem ali, mas porque eu não me aceitava como era e então tinha certeza de que as pessoas agiriam da mesma forma.
Por muito tempo, fui conhecida como a gordinha querida do rosto bonito. Tinha amizade com todo mundo e, desde muito cedo, ouvia com paciência as histórias das pessoas. Muitas me procuram para pedir alguma ajuda, opinião, conselho, e sem pensar duas vezes, fazia-o com segurança e boa vontade. E o melhor é que, muitas vezes, eu acertava!
Às vezes, paro e penso que tudo teria sido mais fácil se eu tivesse usado essa força e discernimento na solução dos meus problemas. Mas, por outro lado, eu não tinha consciência dos meus problemas, e mesmo sofrendo, viver todas essas experiências foi capaz de provar o ouro no fogo.
Por isso, se você vive algo parecido, não desanime! Estou convicta de que há solução para o seu caso. Busque viver a paciência ativa e lembre-se de que nada cai do céu. Quanto mais valoroso for o seu sonho, mais dedicação da sua parte exigirá e a resposta virá!
Reconheço que eu era gorda porque comia além dos limites. Sempre gostei muito de comer, e muitas vezes foi por causa da ansiedade que eu comia tudo o que via pela frente e, por vezes, ainda não me saciava.
Demorou até eu entender que precisava dar um tempo para mim, para refletir e me conhecer melhor, dialogar com meu interior, ouvir-me e me respeitar, para compreender o que acontecia comigo.
Pinkola (1994, p. 12) diz que: É necessário deixar de olhar para o externo, voltar-se para dentro e perguntar: Estou com fome do quê? Do que sinto falta? O que desejo agora?
Realmente, nem sempre a fome que eu tinha era de comida, mas, então, do que seria?
Não encontrava respostas para essas perguntas lá atrás... Hoje, eu sei que comia muito e desesperadamente para tentar tapar um buraco enorme que havia dentro de mim, mas o alimento era outro: afeto.
Lembro-me de que, quando criança, enquanto minhas amigas brincavam de casinha e de boneca, eu queria brincar de dar aula ou de ser secretária num escritório que tivesse muito papel. Desde muito cedo, ajudava em casa fazendo as tarefas domésticas e ajudando a cuidar dos meus irmãos mais novos. Assumi responsabilidades antes do tempo diante da realidade que me cercava, e isso acabou me amadurecendo antes da hora.
Acabei pulando fases e, hora ou outra, a vida cobraria isso. Desde cedo, encarei a vida com coragem e praticidade; se algo precisava ser feito, eu fazia e pronto. Mesmo tendo alcançado isso em meio ao sofrimento, sou grata pela experiência.
Entretanto, diante de situações delicadas, assumia postura de adulta, quando era apenas uma criança, provocando aumento na minha ansiedade, e a válvula de escape mais próxima era a comida.
Minha prima falava que a porção que eu comia parecia ser mais gostosa do que as outras porções exatamente iguais, pois a minha expressão de satisfação impressionava. Daí, chegar aos 100 kg, distribuídos em apenas 1,56 m, no auge dos meus 22 anos de idade, foi fácil!
Fiz várias dietas malucas acreditando que dariam certo. Afinal de contas, ninguém se sacrifica a troco de nada.
Eu fui feliz com todas elas: nos primeiros dois meses de dieta, eu sempre alcançava o sucesso. Corpinho violão e roupas bonitas e confortáveis cabiam em mim. Eu recebia elogios, sentia-me linda e poderosa. Pouco tempo depois, tudo mudava de figura e de forma; era uma coisa simples, eu só queria comer e não engordar. Que problema havia nisso?
O problema maior era a ilusão depois de alcançar o objetivo de emagrecer com tal dieta, pois eu me sentia a magra e acreditava que ficaria assim para sempre, mesmo comendo muito.
O efeito sanfona era contínuo, e mais um pouco, meu corpo seria capaz de emitir sons. Não me lembro de quantas vezes emagreci e engordei e, muito menos, quantas fotos de modelos eu pendurei na porta da geladeira para me servir de inspiração. Hoje, entendo que isso nunca deu certo porque o meu corpo não tinha nada a ver com aquelas verdadeiras esculturas. Meu sonho era ter um corpo como aquele, mas a minha realidade era outra.
Quanto ao efeito sanfona, o psiquiatra Dr. Adriano Segal (2004, p. 71) diz que:
Está comprovado, cientificamente, que é melhor perder menos peso de modo estável, do que perder muito peso de modo instável: os riscos psiquiátricos e médicos aumentam muito mais com o tipo de estratégia
(...) Do ponto de vista psiquiátrico, este é o melhor caminho para se desenvolver anorexia e bulimia nervosa, ou outro transtorno alimentar. Nada bom.
Era frustrante engordar novamente, depois de uma dieta maluca: perdia as roupas, sentia-me incomodada e feia. A cada nova tentativa, meu descrédito piorava ainda mais a situação. Certa vez, eu julguei não ser capaz de lutar a meu favor, fiquei muito triste e doente.
Hoje, tenho consciência de que, por mais que minha trajetória não tenha sido fácil, coisas piores poderiam ter acontecido durante os muitos episódios vividos nas tentativas de emagrecer.
Sofrer com humor é bem melhor
Tenho muita história nesse vai e vem da balança! Entre elas, há um fato sobre o efeito sanfona que seria cômico, se não fosse trágico.
Há uns vinte anos, fui convidada para ser madrinha de casamento de uma amiga. Aceitei muito feliz o convite e logo passei a me preocupar com o vestido da ocasião.
Imaginei um modelo lindo, que definisse o formato do meu corpo, na cor azul para destacar o tom da minha pele. Sapato preto de salto alto para combinar com os acessórios. Sucesso na certa!
Entretanto, havia um pequeno detalhe a se considerar: era o fato de que meu corpo, naquele exato momento, não estava na forma ideal – ainda. Claro que no grande dia eu teria um corpo em forma e lindo.
Eu acredito que a fé move montanhas e ajuda a emagrecer, embora o empenho seja fundamental. Isso era o que eu pensava, mas não o que eu fazia.
Comprar roupa cara e que não servia em mim era um dos requisitos do meu Projeto Emagrecer. Usei essa tática furada várias vezes e em nenhuma delas obtive sucesso. Logo eu, que detesto gastar dinheiro à toa, mais uma vez comprei um vestido menor com essa intenção.
Madrinha de casamento X Sem motivação para emagrecer = Desastre na certa!
A data do casamento estava bem distante. Faltava quase um ano, e eu, em minha condição fofíssima, usei e abusei do tempo que tinha. A todo o momento em que me via diante de um prato apetitoso pensava o seguinte: Vou aproveitar e comer enquanto dá tempo, depois capricho na dieta e surpreenderei todo mundo que estiver na festa. Tenho plena consciência de que, na hora em que eu quiser, eu emagreço.
Dois grandes enganos: primeiro, porque me sentia como se fosse a dona do tempo e isso não é verdade, ou eu me torno amiga dele, ou estou perdida... Aliás, querida leitora, se por acaso você pensa dessa maneira, peço, encarecidamente, que reveja seus conceitos. Eu vivi nessa mentira por muitos anos e nunca consegui essa proeza. Serviu apenas pra me distanciar da realização do meu grande sonho de emagrecer.
E, segundo, porque o sentido para o emagrecimento não era nem um pouco relevante para mim, porque eu queria surpreender as pessoas que me veriam na festa, e não uma satisfação pessoal. Que diferença o meu emagrecimento faria na vida delas? Isso mesmo, nenhuma. Mas faria muita na minha.
Agora, tenho plena consciência de que, se for pra viver agradando as pessoas, eu não terei vida, simplesmente porque não serei eu. Sei que as pessoas esperam que eu aja assim ou assado para satisfazer a expectativa que elas têm sobre mim e, no fundo, para servi-las. Mas toda vez que ajo dessa forma, acabo sendo incoerente com minha essência, o que é péssimo para a autoestima. Lembre-se de que você não é apenas o que as pessoas esperam que você seja. Isso é muito pouco diante do que está aí dentro de você!
Nesse período, de quase um ano, comi muito, mantive-me tranquila, depois me desesperei e, quanto mais o tempo passava, mais eu me perdia. Finalmente, o grande dia chegou, e eu realmente surpreendi a todos na festa, porém, não como pensei um ano atrás. A decepção de ter um sonho e não vê-lo realizado é muito grande, e o fato de constatar que isso aconteceu porque não fiz o que deveria foi ainda mais pesado!
Como disse, eu não cabia no vestido com o peso que tinha ao receber o convite para ser madrinha porque já estava muito além do normal, imagine com 10 kg a mais! Eu juro que pensei em inventar uma