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Teologia do prazer
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E-book291 páginas3 horas

Teologia do prazer

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Sobre este e-book

O tema do prazer ainda é considerado um grande tabu pela maioria dos cristãos. Embora a Bíblia judaico-cristã veja essa questão com otimismo, a influência maniqueísta, infiltrada nas comunidades cristãs primitivas, terminou por se impor, levando o cristianismo a ver o prazer com bastante pessimismo. Não faltaram esforços por parte de algumas pessoas e por parte de alguns teólogos no sentido de aprofundar a questão numa perspectiva mais positiva. Mas, apesar desses esforços, o prazer ainda é visto de forma muito negativa e nunca mereceu um tratado específico de teologia. Este texto enfrenta essa questão e, por isso, destina-se a todos os cristãos e a todas as cristãs de todas as Igrejas, sem exceção, que queiram aprofundar essa temática tão vital e tão marcante para a vida humana. Destina-se também a todos os homens e a todas as mulheres de boa vontade que, embora não professem a fé cristã, desejam ter uma compreensão mais positiva do tema do prazer na perspectiva do cristianismo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de jul. de 2014
ISBN9788534939553
Teologia do prazer

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    Teologia do prazer - José Lisboa Moreira de Oliveira

    Prazeres

    O primeiro olhar da janela de manhã.

    O velho livro de novo encontrado.

    Rostos animados.

    Neve, o mudar das estações.

    O jornal.

    O cão.

    A dialética.

    Tomar banho, nadar.

    Velha música.

    Sapatos cômodos.

    Compreender.

    Música nova.

    Escrever, plantar.

    Viajar, cantar.

    Ser amável.

    Bertold Brecht, poeta e dramaturgo alemão

    (1898 – 1956)

    INTRODUÇÃO

    Goza a vida... (Ecl 9,9)¹*

    O tema do prazer ainda é considerado um grande tabu pela maioria dos cristãos. Embora a Bíblia judaico-cristã veja essa questão com otimismo, a influência maniqueísta, infiltrada nas comunidades cristãs primitivas, terminou por se impor, levando o cristianismo a ver o prazer com bastante pessimismo. Atualmente, mesmo com os grandes avanços provocados por fatos como o Concílio Vaticano II e as descobertas científicas, a perspectiva ainda é bastante negativa. Nas Igrejas cristãs, o tema não é tratado explicitamente, a não ser em certas ocasiões e quase sempre para combatê-lo. Até mesmo textos da ala mais avançada da Igreja Católica tratam o assunto com muita desconfiança. O documento conclusivo da Conferência de Puebla (1979), considerado um dos mais ousados da Igreja Católica Romana no pós-concílio Vaticano II, ainda via o prazer como um ídolo erigido no mundo de hoje (n. 749).

    Não faltam esforços, por parte de algumas pessoas e por parte de alguns teólogos, no sentido de aprofundar a questão numa perspectiva mais positiva. Mas, apesar desses esforços, o prazer ainda é visto de forma muito negativa e nunca mereceu um tratado específico de teologia. Isso levou um franciscano, teólogo, bispo e psicólogo a pedir, no finalzinho do século passado, que os teólogos pensassem numa teologia do prazer.²

    Dom Valfredo Tepe, que foi bispo de Ilhéus (BA), Brasil, e um pastor profundamente identificado com a vida do povo, lamentava um tipo de cristianismo amarrado a antigas determinações morais repressivas, incapazes de apresentar o lado positivo da fé cristã em questões importantes como a corporalidade, a experiência da satisfação, do prazer, as quais não são por si mesmas pecaminosas. Em seu livro, que acabamos de citar, Tepe discorre com muita propriedade sobre o tema do sofrimento humano e insiste muitas vezes na necessidade de se rever certo ascetismo que tomou conta das Igrejas, especialmente da Igreja Católica Romana. Denuncia a falácia desse ascetismo que acaba com a alegria de viver e que nos ensinou a projetar todas as satisfações, gozos, prazeres e gratificações para a outra vida. Isso fez com que o cristianismo se apresentasse sempre como estresse ascético. Por causa da anatematização do prazer, o cristianismo se tornou a religião dos rostos tristonhos, sorumbáticos e macambúzios.³ Uma religião que não consegue mais fascinar as pessoas do mundo de hoje, as quais estão cada vez mais conscientes do valor do prazer e de uma vida prazerosa e gozosa.

    Nós resolvemos acolher o convite de Dom Valfredo Tepe e nos atrevemos a refletir sobre o assunto. Depois de quase dois anos de pesquisas, leituras e estudos, produzimos o presente texto que agora chega às suas mãos. Temos consciência de que não esgotamos o assunto, mas esperamos que a nossa iniciativa estimule outros estudiosos cristãos a aprofundarem ainda mais a questão, ajudando suas Igrejas a reverem suas posições e a se abrirem mais à positividade da experiência do prazer.

    O presente estudo começará com uma análise do conceito e do sentido do prazer. Consideramos fundamental iniciar nossa reflexão apresentando as bases científicas do prazer. Uma teologia do prazer precisa começar com a constatação de que tal sensação ou experiência foi colocada no ser humano pelo Criador. As ciências, de modo particular a Psicologia e a Neurociência, ao desvendarem o mistério do prazer, nos revelaram a criatividade divina que, ao modelar (cf. Sl 139,13-15) a pessoa humana, dotou-a de tão complexo dinamismo. As ciências nos ajudam a perceber que o prazer faz parte da natureza humana, assim como foi pensada, sonhada e criada por Deus. A partir dessa perspectiva, fazemos um estudo de algumas dimensões do prazer, com a finalidade de ajudar os leitores e as leitoras a perceberem ainda mais a bonita complexidade desse fantástico estado emocional humano.

    Na segunda parte do nosso texto apresentaremos o ensinamento bíblico sobre o prazer. Não foi fácil abordar esta questão, dada a escassez de pesquisas e publicações específicas sobre o assunto, especialmente aqui no Brasil. As pesquisas que fizemos apontam inicialmente que há na Bíblia uma concepção positiva do prazer, embora não faltem textos que alertam sobre o risco de uma busca de prazer que desumaniza. Porém, como veremos mais adiante, a Palavra de Deus não demoniza a experiência prazerosa. Pelo contrário, convida o ser humano a viver prazerosamente sob a guia e proteção divinas. Para evidenciar esse aspecto positivo, antes de mencionar os prazeres humanos recomendados pela Bíblia, falamos dos prazeres divinos. Algo muitas vezes inédito, já que o cristianismo do ascetismo mórbido (TEPE) nos acostumou com a imagem de um Deus sempre irado e irritado com a possibilidade de um ser humano alegre e feliz. Somente ao final desse capítulo apresentamos algumas indicações bíblicas acerca de um tipo de prazer que pode alienar e desumanizar.

    Após apresentar as bases científicas do prazer e a visão bíblica sobre o tema, faremos uma reflexão sobre a forma como o prazer foi visto ao longo da história da Igreja. Nesse capítulo, mostraremos como o cristianismo, de seguimento prazeroso de Jesus, se transformou na religião da abolição do prazer. Veremos que isso se deu pela incursão do dualismo grego e do maniqueísmo maledicente nas comunidades cristãs. Além disso, refletiremos sobre a relação que se criou entre prazer, sexo e pecado, fazendo com que as Igrejas introduzissem regras bem rígidas a esse respeito, as quais passaram a funcionar como verdadeiros quebra-molas que visam frear o gozo e o prazer. Depois dessas observações mostraremos que, em toda essa história, a mulher pagou um preço amargo, uma vez que ela foi considerada o símbolo do prazer degenerado. Concluiremos o capítulo afirmando que todas essas coisas transformaram o cristianismo em uma experiência triste e assustadora e que precisamos continuar vigilantes, uma vez que no atual contexto estão retornando formas cristãs dualistas e maniqueístas.

    No último capítulo, apresentaremos algumas afirmações teológicas acerca de uma vida cristã prazerosa. Insistiremos na necessidade de ver o prazer como uma realidade plenamente divina e plenamente humana e, em consequência, olhar para o cristianismo como mística prazerosa. Mas, para que isso aconteça, será indispensável repensar a relação entre seguimento de Jesus, prazer e ascese. Embora parte essencial do discipulado, esta precisa ser revista, de tal modo que não tire do cristianismo a sua dimensão gozosa. Isso significa que a vivência cristã do prazer inclui um processo de discernimento e uma educação para a responsabilidade, de modo que se possa falar de uma vida prazerosa ecologicamente correta, entendo por ecológico um estilo de existência que humanize sempre e cada vez mais.

    Nosso estudo se concluirá com uma reflexão acerca da necessidade de que as Igrejas renunciem à pretensão de querer controlar, a todo custo, a vida das pessoas. Elas precisam mudar de pedagogia, uma vez que a atual pedagogia do controle e da imposição não funcionou e terminou por lançar os fiéis nas mãos da indústria do prazer. Propomos que as Igrejas sejam mais propositivas e educadoras, em vez de funcionarem como agências de controle dos crentes. Eduquem seus fiéis para a autonomia, para a condição de pessoas adultas, para a responsabilidade e, sobretudo, para a sensibilidade à voz da consciência, tida como a voz de Deus dentro do ser humano.

    Este texto destina-se a todos os cristãos e a todas as cristãs de todas as Igrejas, sem exceção, e que queiram aprofundar essa temática tão vital e tão marcante para a vida humana. Destina-se também a todos os homens e a todas as mulheres de boa vontade que, embora não professem a fé cristã, desejam ter uma compreensão mais positiva do tema do prazer na perspectiva do cristianismo. Mesmo conscientes de que não exaurimos a temática proposta, optamos por manter o simples título Teologia do prazer, sem mais substantivos ou adjetivos qualificativos. Com isso queremos ressaltar o caráter teológico do tema, diante de todo o desgaste a que foi submetida a questão do prazer dentro do cristianismo e ao longo dos séculos.

    Afirmamos, pois, que o conteúdo deste texto que você está para estudar é de ordem teológica, ou seja, uma reflexão lógica e metódica sobre um tema que está relacionado com a fé cristã e que associa o crer e o pensar. Está fundamentado na Palavra de Deus, centrado na pessoa de Jesus Cristo, o Filho revelador do Pai, e busca ser fiel a uma inspiração do Espírito Santo. Embora o próprio tema, o seu conteúdo e as suas propostas pareçam dizer o contrário, nosso objetivo é submeter a questão do prazer à razão dialética,⁴ argumentando segundo os princípios racionais, mas sempre à luz da fé que aceita Jesus Cristo como o Salvador do mundo (cf. Jo 4,42). Desde os tempos das primeiras comunidades cristãs foi ficando sempre mais evidente que os discípulos e as discípulas de Jesus não só devem crer, mas precisam crer de maneira inteligente. O ato de crer não é, como costumam afirmar alguns, um simples salto no escuro, como se Deus quisesse a nossa adesão à sua vontade sem nenhum questionamento e sem nenhum pedido de compreensão. Ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, o Criador o dotou de razão e de inteligência. Por isso é mais do que normal querer compreender enquanto se busca crer. A pregação sobre a renúncia a tentar compreender os mistérios da fé cristã é mais uma dessas terríveis falácias inventadas pelo sistema eclesiástico com a simples finalidade de manter o povo cristão subjugado e resignado aos seus caprichos.⁵

    Como pensamos este texto para todos os cristãos e para todas as cristãs e para as pessoas de boa vontade, decidimos por incluir várias notas de rodapé, visando ajudar aqueles e aquelas que não estão familiarizados com certos termos teológicos e científicos a compreender melhor o seu conteúdo. Pedimos desculpas aos irmãos e às irmãs iniciados ou especialistas no assunto por esse detalhe, mas estamos convencidos de que vocês saberão compreender essa necessidade, solidarizando-se com as pessoas que não estão acostumadas com o linguajar teológico e técnico.

    Fazemos votos de que este livro toque o coração de muitas pessoas, desperte-nos para a beleza do prazer, estimule em todos nós uma vida prazerosa, responsável e solidária e suscite em muitas outras pessoas o desejo e a vontade de aprofundar ainda mais essa temática tão bonita e profundamente cristã.

    1 *As citações bíblicas são retiradas da Bíblia Tradução Ecumênica (TEB), São Paulo, Loyola, 1994, exceto quando optamos por uma tradução mais livre, feita a partir dos originais ou da indicação de determinados autores.

    2 Cf. Valfredo TEPE, Para que tanto sofrimento?, Petrópolis, Vozes, 1996, p. 24-25.

    3 Cf. ibid., p. 25-27.

    4 Por razão dialética entendemos aqui uma reflexão conduzida de forma racional e processual e que leva em conta a possibilidade de argumentações e reflexões diferentes que precisam ser ouvidas, acolhidas e profundamente consideradas. Na reflexão racional dialética, as pessoas se posicionam de uma forma clara e evidente, mas permanecem abertas para escutar o que outras têm a dizer sobre o assunto. Elas não acreditam que suas palavras são as únicas verdadeiras, mas querem dialogar com posições diferentes. E essa é a nossa intenção neste texto. Acerca do conceito de dialética, veja-se Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, São Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 315-322.

    5 Acerca da necessária relação entre crer e compreender o que se crê, veja-se Félix Alejandro PASTOR, Teologia e Modernidade: alguns elementos de epistemologia teológica, em José TRASFERETTI e Paulo Sérgio Lopes GONÇALVES (orgs.), Teologia na Pós-Modernidade. Abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática, São Paulo, Paulinas, 2003, p. 71-101.

    I

    O CONCEITO E O SENTIDO DO PRAZER

    A vocação natural do homem é o prazer, a satisfação e o divertimento, em todos os níveis de seu ser.

    (Giacomo Dacquino)

    Antes de nos adentrar na reflexão teológica propriamente dita sobre a temática do prazer é indispensável compreendermos, da melhor maneira possível, o significado e o sentido do prazer. Isso é necessário para não corrermos o risco de fazer uma reflexão ambígua e superficial. Para realizar essa tarefa, vamos pedir o auxílio de algumas ciên­cias, de modo particular à Psicologia¹ e à Neurociência.² Ao tentar descrever o conceito de prazer, temos presente que a pessoa humana foi criada à imagem e semelhança de Deus também na sua constituição física e biológica (cf. Gn 1,26-27.31; Sl 139,13).³ Assim sendo, toda a complexa dinâmica do prazer, constitutiva do ser humano, enquanto participante da condição biológica, faz parte do projeto criador de Deus. Ele quis o homem e a mulher assim como são, também em sua corporalidade. Por isso não se pode afirmar que o que vamos ver a seguir nada tem a ver com o projeto de Deus. Isso é sumamente importante para superarmos concepções arcaicas, ultrapassadas, fundamentalistas e maniqueístas que, infelizmente, ainda povoam o nosso imaginário, especialmente o imaginário religioso, quando falamos do tema do prazer.

    1. Concepções científicas do prazer

    Quando falamos de prazer normalmente temos em mente uma série de definições e de concepções. Tais definições e concepções dependem muito das nossas experiências de vida e da ideologia que norteia o nosso dia a dia. Mas, ao perguntarmos às ciências, geralmente encontramos definições simples e claras. O prazer seria a sensação derivante da percepção sensitiva que se pode instaurar quando se satisfaz uma necessidade ou se espera por sua satisfação.⁴ Continuando a sua reflexão, o autor citado afirma que o prazer está relacionado também com a sensação de emoções, de estados de humor, percebidos como aprazíveis e podem, portanto, ser saboreados, gozados, ao contrário de seus opostos.⁵

    Bases científicas do prazer

    O prazer se verifica segundo certo procedimento. Partindo dos órgãos do sentido, os estímulos sensoriais chegam ao córtex (cérebro), que os coordena e os decodifica como situação de prazer (ou o contrário) e ativa, via descendente, sistemas autônomos de resposta.⁶ O toque e o tato possuem um papel significativo nesse processo:

    Entre os movimentos do corpo, o tocar-se e o contato corpóreo é um dos sinais mais significativos para comunicar emoções: a criança assustada corre para os braços dos pais, e, também, entre adultos que se amam, procura-se esse contato.

    A neurociência já conseguiu provar que o funcionamento do prazer se dá a partir de diversas áreas cerebrais, da secreção de diversos hormônios e da ativação de infinitos neurotransmissores. E o mais bonito de tudo isso é que tal processo já se encontra na pessoa desde o seu nascimento. Em alguns casos, como o do prazer sexual, o organismo humano espera pelo amadurecimento de outras áreas que irão produzir determinados hormônios e preparar o ser humano para o prazer. Porém, com relação à sexualidade, já seria possível inclusive falar de prazer sexual antes da puberdade, mesmo que o organismo não esteja pronto para a reprodução.

    Isso, de alguma forma, leva a supor que a sexualidade não estaria restrita ao aspecto reprodutivo nem ao ato sexual propriamente dito, ainda que esses comportamentos possam corresponder à finalização do processo maturacional seja ele ontogenético ou filogenético.

    Nesse processo, papel significativo cabe à ocitocina (ou oxitocina), um componente da rede neurofisiológica que acompanha a resposta aos estímulos de prazer e atua na produção de emoções e de sensações.⁹ A ocitocina é uma substância, um hormônio nonapepídeo secretado no núcleo paraventricular do hipotálamo e depois armazenado na neuro-hipófise e que atua principalmente no sistema límbico, que é o sistema responsável pelas emoções. É, pois, uma substância química que está por trás de sentimentos e de emoções que, na maioria das vezes, são vistos apenas de maneira abstrata e meramente poéticas. Estudos de monitoramento de microdiálise intracerebral no núcleo supraóptico e no núcleo paraventricular do hipotálamo revelaram que as liberações de ocitocina ocorrem no interior da amígdala e do septo, regiões do sistema límbico. Ficou provado o papel central da ocitocina sobre as emoções e, consequentemente, sobre o prazer, não se tratando, portanto, de meros sentimentos abstratos, como se chegou a pensar no passado.¹⁰

    Podemos, então, afirmar que existe uma anatomia do prazer que, por sua vez, está ligada à anatomia das emoções. Trata-se, na verdade, de respostas psicológicas a determinados estímulos. No caso do prazer, temos uma resposta psicológica, nem sempre consciente, que nos faz buscar aquilo que nos pode causar bem-estar, harmonia e felicidade.

    Emoções são geradas no sistema límbico: um conglomerado de estruturas situado abaixo do córtex. Esse processo se deu muito cedo na história dos mamíferos. Nos humanos está conectado às áreas corticais, desenvolvidas recentemente. O tráfego de duas vias entre o sistema límbico e o córtex permite que as emoções sejam vivenciadas de forma consciente e que os pensamentos as afetem. Cada emoção é produzida por uma rede diferente de módulos cerebrais, incluindo o hipotálamo e a hipófise; estes controlam os hormônios que provocam reações físicas como aumento da frequência car­díaca e contração muscular.¹¹

    O prazer tem origem num processo fantástico do corpo humano. A natureza – ou, se quisermos, o Criador – dotou o ser humano com essa capacidade maravilhosa. Substâncias aditivas ativam o sistema de recompensa e proporcionam a sensação de bem-estar. O caminho do prazer "começa na área tegmentar ventral, e a liberação de dopamina é desencadeada no núcleo accumbens. A partir daí, estende-se ao córtex pré-frontal".¹² O accumbens é uma estrutura de cerca de um centímetro de diâmetro que nos permite sentir prazer:

    Quanto mais intensa for sua ativação, maior é a sensação alcançada, que vai da leve satisfação à franca euforia. Ativar esse processo é algo simples e ao nosso alcance, que podemos fazer várias vezes por dia. Basta fazer algo que o cérebro considere que deu certo: resolver mentalmente um problema, concluir um trabalho, passar de fase no video game, beijar pessoas amadas, comer algo de que gostamos ou ouvir uma boa música. Ao reconhecer que fomos bem-sucedidos em algo, que atendemos às expectativas ou admitimos que somos interessantes por alguma razão, o córtex cerebral providencia uma dose de dopamina para o núcleo accumbens. Quanto mais o núcleo recebe esse neurotransmissor, mais ativo ele fica e mais prazer nos proporciona. Esse prazer com o que fazemos corretamente – proporcionado pelo accumbens e estruturas associadas a ele, que formam o sistema de recompensa do cérebro – é a base neurológica da satisfação e da autoestima.¹³

    Mas nada disso seria possível se não fossem as sinapses elétricas que são curtos-circuitos controlados provocados pelo contato das proteínas das membranas das células, as quais, através das sinapses, formam uma espécie de canal que as liga umas às outras. Isso faz com que o corpo humano disponha de contatos, chamados de junções comunicantes, que levam uma determinada mensagem, a uma velocidade de 300 km/h, dos órgãos dos sentidos ao cérebro e vice-versa. E como nas sinapses os neurônios (células responsáveis pela condução do impulso nervoso) são separados por uma pequena fenda, impedindo os impulsos elétricos de passarem diretamente para o outro lado, estes são transportados por substâncias químicas chamadas de neurotransmissores.¹⁴

    Das definições apresentadas pode-se deduzir que o prazer é a experiência de bem-estar vivida pela pessoa. Tal sensação de bem-estar pode ser permanente ou transitória. Ela se origina da supressão da dor e da experiência de desprazer. O prazer e o desprazer são considerados os princípios básicos da vida psíquica.¹⁵

    Do ponto de vista da Psicanálise, o prazer é a descarga automática das excitações quando sua acumulação ultrapassa certo limiar, experimentado como desprazer.¹⁶ Para a Psicanálise, as excitações de prazer e de desprazer revelam-se assim quase os únicos elementos que permitem caracterizar uma transformação de energia no interior do aparelho psíquico.¹⁷

    É claro que não se deve esquecer que a sensação de prazer ou desprazer está também relacionada com o ambiente, com os relacionamentos e com os comportamentos humanos. Seria muito difícil uma vida prazerosa em ambientes marcados pela ansiedade, pelo medo, pelo estresse, pela fuga e assim por diante. Entre os fatores que influenciam a geração do prazer está o sentimento

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