O retrato de Dorian Gray
De Oscar Wilde
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Sobre este e-book
Oscar Wilde
Oscar Wilde (1854–1900) was a Dublin-born poet and playwright who studied at the Portora Royal School, before attending Trinity College and Magdalen College, Oxford. The son of two writers, Wilde grew up in an intellectual environment. As a young man, his poetry appeared in various periodicals including Dublin University Magazine. In 1881, he published his first book Poems, an expansive collection of his earlier works. His only novel, The Picture of Dorian Gray, was released in 1890 followed by the acclaimed plays Lady Windermere’s Fan (1893) and The Importance of Being Earnest (1895).
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O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde
CAPÍTULO 1
Oestúdio foi preenchido pelo perfume das rosas. Quando a luz clara do verão encontrava seu caminho entre as árvores do jardim, também carregava consigo o perfume forte do lilás.
Do divã de onde estava deitado, Lorde Henry Wotton conseguia ver com o canto dos olhos alguns galhos pendentes com o peso das flores que carregavam e escutar o murmúrio das abelhas voando sobre a grama alta. A agitação de Londres soava distante como um órgão de igreja.
Bem no centro da sala, preso a um cavalete, estava o retrato em tamanho real de um jovem de extraordinária beleza e, em frente a ele, o artista que o pintara. Conforme reparava na graciosidade e beleza que tinha conseguido tão habilmente reproduzir com suas pinceladas, um sorriso de prazer passeou pelo seu rosto, e ele quis permanecer ali. Mas subitamente levantou-se e pressionou os olhos, fechando-os como se quisesse reter em sua mente aquele sonho curioso e atraente que nos faz ter pena de acordar.
— É seu melhor trabalho, Basil! A melhor coisa que você já fez — exclamou o lorde, languidamente. — Você deve enviá-lo para Grosvenor. A Academia é muito grande e muito vulgar. Sempre que vou lá, tem gente demais, o que é terrível, pois não consigo ver os quadros, ou tem tantos quadros que não me deixam ver as pessoas, o que é pior ainda. Grosvenor é o lugar dele.
— Eu acho que não vou enviar esta obra para lugar nenhum — respondeu Basil, jogando a cabeça para o lado do mesmo jeito esquisito que fazia com que seus colegas rissem dele em Oxford. — Não... Não o enviarei para lugar nenhum.
Lorde Henry levantou as sobrancelhas e o encarou espantado por trás do denso véu de fumaça de seu cigarro.
— Como assim, não vai exibi-lo? Mas, por que, meu caro? Tem alguma razão? Vocês, pintores, são mesmo estranhos! Fazem qualquer coisa no mundo pela fama e, quando conseguem, querem jogá-la fora! Que bobagem! A única coisa pior do que falarem de você é não falarem de você! Esta obra o colocará muito acima dos pintores de sua geração e fará os mais velhos muito invejosos, se é que os velhos são capazes de sentir esse tipo de emoção.
— Eu sei que você vai rir de mim... Mas eu não conseguiria expor essa obra. Tem muito de mim nela.
Lorde Henry se esticou no divã e riu.
— Viu? Eu disse que você ia rir.
— Muito de você nela? Ora, Basil, não sabia que você era tão vaidoso! Eu não consigo ver a menor semelhança entre sua cara enrugada e seus cabelos negros como carvão e esse jovem Adônis, que parece ser feito de mármore e pétalas de rosa. Ora, meu caro Basil, ele é um Narciso e você... Bem, você é um intelectual! Mas a beleza, a verdadeira beleza, acaba onde a expressão intelectual começa. O intelecto é uma forma de exagero e destrói a harmonia de qualquer rosto. No momento que alguém se senta para pensar, torna-se algo horrível. Veja os homens bem-sucedidos em profissões eruditas, como são pavorosos! Com exceção, claro, do clero, porque na igreja não é preciso pensar. Um bispo diz a mesma coisa que dizia quando tinha apenas 18 anos e, como consequência natural, sua aparência é sempre bela. Seu jovem e misterioso amigo, cujo nome você não me disse mas cuja imagem me fascina, obviamente nunca pensa. Tenho certeza disso. Ele é uma criatura bela e sem cérebro. Sempre deveria estar presente no inverno, quando não há flores para se admirar, e no verão, quando quiséssemos algo para alegrar nossa mente. Não se gabe, Basil: você não é nem um pouco parecido com ele.
— Você não me entendeu, Henry — respondeu o artista. — Claro que eu não me pareço com ele. Sei muito bem disso. Na verdade, eu não quero me parecer com ele. Você duvida? Estou dizendo a verdade! Os feios e estúpidos são os mais favorecidos nesse mundo. Se não conhecem a vitória, pelo menos são poupados do desprazer da derrota. Vivem como todos nós deveríamos viver: sem preocupações, indiferentes, sem qualquer perturbação. Não levam ninguém à ruína, tampouco são levados a ela. Sua posição e fortuna, Henry; meu intelecto e minha arte, qualquer que seja seu valor; e a beleza de Dorian Gray: todos nós sofremos pelo que os deuses nos deram. Sofremos terrivelmente.
— Dorian Gray é o nome dele? — perguntou o lorde, andando até o encontro de Basil.
— Sim, é o nome dele. Mas eu não queria ter falado.
— Mas, por que não?
— Ora, não sei! Quando gosto demais de alguém, nunca digo o nome dessa pessoa para ninguém. É como se eu estivesse abrindo mão de uma parte dela. E eu adoro segredos. É uma coisa que faz com que a vida moderna pareça misteriosa ou maravilhosa. A coisa mais banal parece fantástica quando é segredo. Quando saio da cidade, nunca digo a ninguém para onde estou indo. Se eu disser, todo o prazer estará perdido. É uma mania boba, eu admito, mas parece trazer uma sensação de romantismo à vida. Acho que você acredita que sou um tonto, não é?
— Nem um pouco, nem um pouco, Basil. Você parece esquecer que eu sou casado e que o único charme do casamento é fazer com que a vida se torne uma decepção absolutamente necessária para ambas as partes. Eu nunca sei onde está a minha esposa e ela nunca sabe o que eu estou fazendo. Quando nos encontramos, contamos um ao outro as mais absurdas histórias com as caras mais sérias do mundo. Minha esposa é ótima nisso! Aliás, ela é muito melhor do que eu, pois ela nunca se confunde com datas e eu sempre me atrapalho. Mesmo quando ela percebe que eu me confundi, ela nem liga. Às vezes, eu até gostaria que ela ligasse... Mas ela simplesmente ri de mim.
— Eu detesto a forma como você fala sobre sua vida de casado, Henry! — exclamou Basil Hallward, caminhando em direção à porta que dava para o jardim. — Eu acredito que você é um bom marido, mas fica absolutamente envergonhado de suas próprias virtudes. Você é um sujeito extraordinário. Você nunca faz um julgamento, nunca faz a coisa errada. Seu cinismo é só fachada.
— Ser natural é só fachada! E a fachada mais irritante que eu conheço! — gritou Henry, rindo.
E os dois homens saíram juntos em direção ao jardim e acomodaram-se num longo banco de bambu à sombra de um grande arbusto. O brilho do sol era refletido pelas folhas lisas. Na grama, pequenas margaridas tremulavam.
Depois de alguns momentos, Henry tirou o relógio do bolso.
— Receio que preciso ir, Basil — murmurou. — Mas, antes de partir, tenho que saber a resposta da pergunta que lhe fiz há um tempinho.
— O que é? — perguntou o pintor, com os olhos fixos no chão.
— Você sabe muito bem...
— Eu não sei, Henry.
— Bem, então eu digo o que é: quero que me explique por que você não quer expor o retrato de Dorian Gray. Quero saber o motivo real.
— Eu já disse qual era o motivo real.
— Não, você não disse. Você disse que tinha muito de você nesse trabalho. Ora, isso é uma bobagem!
— Henry — Basil o olhava diretamente nos olhos —, cada retrato é um retrato do artista e não do modelo. O modelo é apenas um acidente, uma coincidência. Não é ele que será revelado na pintura, mas sim o artista que colore a tela. O motivo real para não exibi-lo é que tenho medo de mostrar a todos o segredo de minha própria alma.
Lorde Henry riu.
— E o que seria? — perguntou ele.
— Eu vou contar para você, Henry — respondeu Basil, com uma expressão de perplexidade no rosto.
— Sou todo ouvidos, Basil! — respondeu Henry, olhando para o amigo.
— Oh, mas há muito pouca coisa para contar e receio que você não vai entender. Talvez você nem mesmo acredite.
Lorde Henry sorriu e abaixou-se para colher uma margarida.
— Tenho certeza de que sou capaz de entender — disse, examinando a pequena flor branca entre os dedos. — Quanto a acreditar nas coisas, posso acreditar em qualquer coisa que seja incrível.
O vento soprou as flores nas árvores e os pesados pendões moveram-se languidamente de um lado para o outro. Um gafanhoto começou a subir pela parede e uma libélula passou como um raio deixando um rastro azul. Lorde Henry parecia ouvir as batidas do coração de Basil e imaginou o que viria a seguir.
— A história é simples — disse o pintor depois de alguns minutos. — Dois meses atrás, fui a uma pequena festa na casa da Lady Brandon. Você entende que nós, pobres artistas, temos que aparecer em sociedade de vez em quando, só para lembrar ao público que não somos selvagens. Com uma roupa elegante, como você me disse um dia, até mesmo um corretor de seguros irá parecer uma pessoa civilizada. Enfim, depois de ficar ali por uns dez minutos, falando com acadêmicos vestidos com trajes extravagantes, de repente percebi que estava sendo observado. Eu me virei e vi Dorian Gray pela primeira vez. Quando nossos olhos se encontraram, senti que fiquei pálido. Uma curiosa sensação de pavor se apoderou de mim. Sabia que tinha que conhecê-lo e que sua personalidade seria capaz de absorver toda a minha alma e minha arte. Eu não queria nenhuma influência externa em minha vida. Você sabe, Henry, como sou independente por natureza. Sempre fui meu próprio mestre, quer dizer, até conhecer Dorian Gray. Depois... Não sei bem como