A razão da minha esperança
De Érika Vilela
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A razão da minha esperança - Érika Vilela
Apresentação
O caminho realizado pelo amor infinito de Deus, em cada pessoa, é uma verdadeira aventura, destinada a se transformar numa bem-aventurança
, um verdadeiro jogo de amor, feito de iniciativas gratuitas e generosas da parte do Senhor e de respostas humanas costuradas no cotidiano.
Identificam-se três vias pelas quais a graça de Deus efetivamente interfere na vida espiritual:
a via purgativa, marcada pela fecunda realidade da dor (com a purificação ativa dos sentidos), pelas noites dos sentidos e até pela noite escura do espírito, que é vivida, em maior ou menor grau, mais cedo ou mais tarde – talvez até mesmo no momento da páscoa pessoal da morte –, por todos os homens e mulheres que entram na estrada da vida devota
, simpática expressão de São Francisco de Sales.
a via iluminativa, caracterizada pela descoberta do amor de Deus, que é reforçada ao decorrer da vida pelas muitas e fecundas experiências da luta intensa, que abre horizontes e permite dar novos passos.
ea via unitiva, ponto de chegada em que podemos dizer com São Paulo: Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim
(Gl 2,20). Fomos feitos para esta plenitude de comunhão com Deus e não para nivelar pelo rodapé nossa existência! Momentos fortes de contemplação ou mesmo lampejos do tu a tu
com Deus são mais frequentes do que se pode superficialmente imaginar.
A razão da minha esperança, de autoria da fundadora da Comunidade Filhos de Maria, Érika Vilela, é a descrição de uma das mais bonitas aventuras de amor suscitadas pelo Senhor. Os capítulos, breves e densos, sucedem-se carregados de narrativas em primeira pessoa, enquanto alguns deles relatam as experiências de outras pessoas. O que os leitores têm nas mãos não são histórias edificantes criadas para comunicar conceitos ou convencer a quem quer que seja, mas narrativas carregadas de sangue, suor e lágrimas, sempre desembocando no sorriso pascal de quem identifica a mão misteriosa da Providência de Deus, que cuida absolutamente de tudo.
Sua narrativa, com detalhes próprios de uma médica, acrescenta à magnífica realidade de sua Comunidade o relacionamento profundo com a Igreja e a sabedoria de santos e personalidades da história da Igreja, cumulando, é claro, com as referências ao magistério do grande Papa emérito Bento XVI e do nosso misericordioso Papa Francisco! Além disso, Érika escolheu, para tomá-la pelas mãos, o Santo João Paulo II, e não poderia estar em melhor companhia.
Agradeço a Deus pelo privilégio de apresentar esta obra, com a certeza de que será um ótimo instrumento de evangelização, especialmente para os jovens de todas as idades.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Prefácio
O primeiro e principal voto que a Igreja, por minha boca, dirige a vocês, jovens, no decorrer do Ano dedicado à juventude é este: Estejam sempre prontos para uma resposta vitoriosa a todos aqueles que lhes perguntar acerca da esperança que os anima
(1Pd 3,15).
(São João Paulo II)
Esta obra surgiu da necessidade de responder à carta de um amigo, enviada a mim há alguns anos, em cuja saudação lia-se: Amigos diletos
. Essa saudação acabou dando nome à carta, na qual meu amigo me orientava a respeito de questões importantes da vida e da fé. Por isso a demora em responder-lhe: precisei, e sei que ainda preciso, viver sua proposta, sua exortação de estar sempre pronta a testemunhar, de forma vitoriosa, a razão da minha esperança.
A carta, como já devem ter notado, é a Carta Apostólica Dilecti Amici (Caros amigos), e meu amigo mencionado como remetente é o São João Paulo II.
Este livro foi dividido em três partes. Na primeira, Via Purgativa
, relato o meu chamado, o meu encontro com Deus, a descoberta da minha vocação, a vivência do lúpus e de outras enfermidades e o desafio que foi iniciar o curso de medicina sendo paciente já há tanto tempo. Os relatos que apresento nessa primeira parte do livro mostram como foi a transição para o outro lado da mesa do consultório médico.
Pode ser que, em alguns momentos, a leitura seja difícil, devido à quantidade de termos técnicos, mas não desanime, prossiga. Para se achar um oásis no deserto é preciso não parar de caminhar. Assim, a primeira parte é também um estímulo para você ir além dos seus limites, recriar seus sonhos e se deixar conduzir por Deus.
A segunda parte, Via Iluminativa
, mostra o caminhar da Igreja peregrina por meio de retalhos das experiências que vivi com o sofrimento humano, bem como o que aprendi nos leitos dos hospitais e em encontros providenciais durante os tratamentos. Chore com os pacientes, ria, deixe cada história penetrar em você, porque é certo que onde há humanidade, há um pouco de nós.
Na terceira parte, caminharemos pela Via Unitiva
. Nela já encontramos caminhos concretos para viver os ideais propostos pelo meu amigo João Paulo II em sua carta Caros Amigos. Ela o auxiliará na plena compreensão da bela afirmação do Papa Francisco: A esperança é, sobretudo, estar ‘na tensão’ para a ‘revelação do Filho de Deus’ e para ‘a alegria que enche a nossa boca com sorrisos’. Os primeiros cristãos tomaram a âncora como um símbolo de esperança, ‘uma âncora na margem’ além da vida
¹.
Todo o livro é uma carta-resposta, por isso, é de suma importância que se leia também a carta que vem no anexo. Os textos, além de matéria de oração e contemplação, serão uma grande ajuda para explorar os ideais propostos, que podem ser vividos em diversas circunstâncias do dia a dia, com a finalidade de chegar à união mística da alma com seu Divino Esposo. Por meio da Lectio Divina², que pode ser realizada enquanto se mergulha em cada relato, chegaremos à conclusão de que só há uma forma para viver essa união mística: o amor transformado em ato!
Espero que meu caro amigo contemple lá do Céu a resposta que procurei dar-lhe com minha vida: não tenho medo! Estou pronta, enraizada na fé, para dar a cada peregrino que encontrar na jornada que é a vida a razão de minha esperança, minha âncora na margem além da vida: Deus revelado na face de Cristo!
A promessa
Quando soprar o vento tempestuoso e traiçoeiro da tentação, quando te sentires batido contra os escolhos perigosos da tribulação, olha para a Estrela e invoca Maria [...]. Quando sentires a ira, a avareza, a carne e a tristeza fazer soçobrar a barquinha frágil de tua alma, olha para a Estrela, invoca Maria."
(São Bernardo de Claraval)
É um traço comum de muitas mães gostar de contar a história do nascimento de seus filhos. A minha mãe gostava de começar a história um pouco antes, contando alguns fatos que aconteceram antes mesmo que eu nascesse.
Seu relato me revelava que eu era um milagre, e saber disso incutiu em mim um especial amor a Nossa Senhora, mesmo quando ainda não era católica. Se alguém me perguntasse qual a história do meu nascimento, não saberia responder, mas poderia contar que, por três vezes, a minha mãe quase me perdeu; por três vezes, ela pediu a intercessão da Virgem Maria; e também por três vezes, como promessa para que eu escapasse com vida, fui entregue a ela, como filha de Maria.
Conta minha mãe que certo dia, no início da gestação de seu primeiro filho (uma filha, aliás, mas isso ela só descobriria quando eu nascesse), ela retornava para casa após anoitecer quando resolveu tomar um atalho, no qual foi surpreendida por um meliante que tentou violentá-la.
Muita assustada, naquele local deserto e escuro, suplicou para que não a atacasse, pois estava grávida. Ele, no entanto, não a escutava e prosseguia com a agressão. Diante de tal situação, angustiada pelo abuso iminente, minha mãe invocou a Virgem Maria, ofertando-lhe o fruto que trazia no ventre e dizendo-lhe que ele já não lhe pertencia, mas era de Nossa Senhora. De repente, sem explicações plausíveis, o indivíduo a soltou e disse-lhe para correr, antes que ele se arrependesse. Minha mãe se pôs rapidamente em direção à casa do meu avô, com as pernas ainda enfraquecidas pelo medo.
Ao chegar à casa de meu avô, teve início um sangramento, provavelmente em decorrência do susto que sofrera. A hemorragia poderia ser um sinal de que estava perdendo o filho, e, mais uma vez, ela se pôs a rezar, invocando Maria. Nessa oportunidade, fez uma promessa: ela subiria de joelhos a escadaria da Basílica de Nossa Senhora Aparecida, com o filho que haveria de nascer, como sinal da sua oferta a Virgem Maria.
Essa história passou a ser um marco, um sinal de que Deus cuida dos pequenos e dos aflitos, do quanto Ele nos ama, do poder da oração de uma mãe e da intercessão da Virgem Maria! Cresci fazendo memória dessa história e, todas as vezes que a ouço dos meus familiares ou a conto aos meus filhos espirituais, eu percebo algo novo. Desta forma, compreendo um pouco mais do Amor de Deus, capaz de ofertar o Seu próprio Filho, como minha mãe, que ali estava dando-me à Virgem. No entanto, diferentemente de Nosso Bom Deus, que entregou o Seu Filho ao mundo que O rejeitaria e O crucificaria, minha mãe me ofertou a alguém que cuidaria muito melhor de mim, oferecendo-me proteção e segurança, embora isso não torne o gesto de ofertar o seu filho algo fácil.
Naquela época, a minha mãe tinha somente 23 anos. Era uma jovem, como tantas outras, com sonhos de um casamento feliz e de obter sucesso profissional. Apesar dos males que lhe foram infligidos, nada a impediu de responder ao sofrimento de uma forma bela. Ela poderia reviver essa história sempre de forma dolorosa, pensando que sua primeira filha nem bem nascera e já corria risco de morte. Mas sua escolha foi lançar um olhar diferente a tudo isso. Ela percebeu que Nossa Senhora escutou sua súplica quando ainda não era católica e entendeu que eu era um milagre e que tudo isso trazia um sinal de predileção, de amor!
O testemunho de minha mãe nos mostra a esperança de uma jovem, como tantas outras, que corria o risco de perder o filho trazido no ventre. Revela-nos a importância de invocar Maria, a Mãe da Esperança. Maria estará presente em cada linha e em cada página deste livro, como sempre esteve, e sempre estará, comigo, enquanto eu for peregrina nesta terra.
É muito importante para o jovem ver beleza em sua história e aprender a colher as rosas de sua caminhada, mesmo entre os espinhos! É preciso encontrar a ternura divina em sua trajetória, mesmo antes de nascer, e perceber-se como um sonho de Deus, como um milagre. Por minha mãe ter feito sempre uma memória positiva de tudo que precedeu meu nascimento, cresci com a convicção de que tudo é possível a Deus e de que os limites existem para serem ultrapassados. E porque não há limites ao amor, a esperança se tornou minha irmã de caminhada! Seria excelente se os pais e mães cultivassem sempre o lindo hábito de manter vivo na memória de seus filhos o valor que Deus dá a cada um, lembrando-os, especialmente, de que antes mesmo de terem vindo ao mundo, o Senhor já os conhecia e os amava incondicionalmente:
Foste tu que criaste minhas entranhas e me teceste no seio de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste maravilhoso; são admiráveis as tuas obras; tu me conheces por inteiro. Não te eram ocultos os meus ossos quando eu estava sendo formado em segredo, e era tecido nas profundezas da terra. Ainda embrião, teus olhos me viram e tudo estava escrito no teu livro; meus dias estavam marcados antes que chegasse o primeiro (Sl 139,13-16).
Façamos a leitura orante desse Salmo e, logo após, a seguinte oração:
Pai Amado, eu Te louvo e agradeço, porque antes mesmo que eu nascesse me amavas com ternura. Cada parte do meu corpo, minha personalidade e os sentimentos mais profundos da minha alma estiveram, estão e estarão sempre na segurança de Tuas mãos! Como um artesão se desdobra para perfeição de sua obra, assim o fizeste comigo; como um escritor sonha, reflete e medita cada página de seu livro, assim Tuas mãos escreveram minha vida. Posso cantar com o salmista: Que maravilha, meu Senhor, sou eu!
, obra viva, carta escrita não com tinta, mas com o espírito de Deus vivo
(2Cor 3,3). Amém.
Não há vagas
Somos peregrinos nesta terra... Não sabemos até quando! Devemos encarar a Vida... Não com tristeza, mas com seriedade e esperança.
(São João Paulo II)
Logo que nasci, miúda e raquítica, enfrentei uma pneumonia grave, e durante minha infância fui acometida por diversas outras enfermidades. Por conta disso, era perceptível em minha mãe o medo de que Nossa Senhora viesse me buscar, já que eu na verdade pertencia a ela. Hoje isso pode parecer absurdo, mas minha mãe nascera em Jupi, interior do estado de Pernambuco, e naquela região era comum esperar que a Virgem Maria viesse buscar
a criança a ela ofertada no ventre materno.
Todo peregrino sabe que, durante sua jornada, haverá caminhos mais pedregosos, escassez de água, sol escaldante ou frio paralisante, pois isso tudo faz parte da jornada. Minha jornada era repleta de problemas de saúde, e em 1991, então com quatorze anos, eu trilhava um caminho pedregoso, cheio de crises de dor que me acometiam desde os oito anos. Normalmente, elas eram espaçadas, chegavam a ocorrer em intervalos de meses, mas estavam se tornando cada vez mais frequentes. Em uma delas, senti dores tão intensas que foi necessário minha mãe me levar diretamente para o hospital.
Devido às diversas consultas realizadas a fim de descobrir a origem das minhas dores, eu já havia escutado os médicos dizerem de tudo: É dor de crescimento!
; É verme!
; Vamos abrir! Se tiver algo, nós tiramos! Se não tiver, fechamos!
. Era tão assustadora a frieza de alguns, que só de pensar em ir ao hospital eu já me angustiava.
No entanto, o médico que me examinou durante essa crise de dor era diferente: ao me atender, ele olhou para mim, viu como eu me encontrava – pálida, com sialorreia (que é a abundância de saliva) e contorcendo-me de dor –, confortou a minha mãe, que se encontrava em desespero, e avisou à supervisão do hospital que era necessário me internar. Prontamente, veio a resposta: Não há vagas
.
Não fui, nem serei, a única a receber essa resposta. Isso é bem comum quando se depende do Sistema Público de Saúde. Não deveria ser assim, mas é.
Surpreendendo-me, no entanto, o médico respondeu:
– Ótimo! Nesse caso, ela ficará aqui em meu consultório, e não atenderei mais ninguém.
Aquele médico lutou por mim! Defendeu-me e não me conhecia. Eu era somente mais uma, entre tantos que ele atendia, que se encontrava na escuridão da dor, do sofrimento e da desesperança. Ainda assim, ele lutou por mim, e eu comecei, por conta disso, a ver a medicina com outros olhos: por meio dela, eu poderia lutar pelos que não tinham voz, não tinham um lugar à sombra. Por meio dela, eu poderia gerar esperança!
Não obtive meu diagnóstico naquela internação, mas conseguiram a vaga para mim. Não fui curada por meio da consulta, mas recebi algo melhor. Naquele médico, encontrei o que queria ser: médica. E, para mim, isso não significava simplesmente cursar medicina ou adquirir conhecimento. Ser médica era algo que fazia parte da minha essência. Era um meio, e não um fim, de levar a Boa Nova aos pobres, aliviar aqueles que sofrem, curar os doentes, dar esperança aos desesperados. Descobri na medicina, sobretudo, um serviço, um sacerdócio para a humanidade, um meio de agir como o bom samaritano da parábola de Jesus:
Jesus retomou: "Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes. Estes arrancaram-lhe tudo, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o quase morto. Por acaso, um sacerdote