Arte contemporânea brasileira
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Pré-visualização do livro
Arte contemporânea brasileira - Ferreira Gullar
Arte Contemporânea
Brasileira
Ferreira Gullar
Sumário
A propósito deste livro
Reinvenção de raimundo de oliveira
Imagens da crise de Luiz Aphonsus
Formas essenciais de Carlos Scliar
Na zona-limite de Roberto Magalhães
Rigor erótico de Milton Dacosta
A voz própria de Rubem Valentim
Mais que objetos de Farnese de Andrade
Dois universos de Antônio Maia
A cor autônoma de Thomaz Ianelli
Antiacadêmico de Benevento Pimenta
Subvertendo o cenário cotidiano de Wilma Martins
Quatro artistas entre a tradição e a vanguarda
Fora do jardim de Burle Marx
Obra de crítico
Magia perversa de Roberto Magalhãoes
Ecos do silêncio de Milton Dacosta
Obras-primas de Newton Resende
Desenhos de Amilcar de Castro
Da vida real de Rubens Gerchman
Folia secreta de Carlos Vergara
Trinta e cinco telas para relembrar José Pancetti
Lição oriental de Manabu Mabe
Geometrias de Dionísio Del Santo
A melhor pintura dos anos de 1930
Na pintura, a arte plena de Iberê Camargo
O delírio e a euforia de Bonfanti
O gravador Cândido Portinari
Um sensível rebelde do fim do século, Antônio Parreiras
Uma arte com luz própria de Thereza Simões
Saudável sensualidade de Alfredo Ceschiatti
Construções de mármore e luz de Sérgio de Camargo
As paisagens íntimas de Burle Marx
Coloridas alegorias em tom de ironia de Glauco Rocrigues
Além dos limites e do conhecido de Flávio Shiró
Pelos caminhos da op art de Israel Pedrosa
Revisão expressiva de Oswaldo Goeldi
Pintura vital e apaixonada de José de Dome
No limiar da vulgaridade na obra de Sante Scaldaferri
A audaz artística e inventiva de Abrahão Palatnik
Em dez obras, um radical estético de Antônio Dias
Foto e gravura pela memória de Thereza Miranda
Maturidade plena de Iberê Camargo
Gravuras poéticas e delicadas de Lena Bergstein
A pintura que surpreende de Rodrigues Miranda
O lirismo e riqueza plástica de Carlos Bracher
Imagens feéricas do nosso mundo na obra de Newton Resende
Siron Franco: Goiano, brasileiro e universal
Retrospectiva em alto estilo de Lazar Segall
A velha pintura, redescoberta de Carlos Vergara
Talento revisto de Alberto Guignard
Universo sensível e silencioso de Mira Schendel
Pintura índia e branca de Maria Tomaselli
Esculturas plenas de mistérios de Amilcar de Castro
Entre o advento e a geometria de Ivan Freitas
A democrática fusão entre os traços e artes decoratívas de Eliseu Visconti
Antônio Bandeira, um abstracionista amigo da vida
Rompimentos com o cotidiando na obra de Waltércio de Caldas
Memória de Maria Leontina
A pintura de transição de Orlando Teruz
Rigor e emoção na balança de Arcângelo Ianelli
Uma obra à margem dos rótulos de Márcia Barrozo do Amaral
Três artistas sob a dispersão da linguagemda linguagem: Cildo, Fajardo e Emil
Reencontro com a infância de Macaparana
Uma perda maior que a do MAM
A mão de mestre de Alfredo Volpi
Com o talento e liberdade de Athayde e Mendonça
Sarcasmo em gravura de Rubens Grilo
O traço que se apaga de Álvaro Cotrim
A lírica dos contornos de Tarsila do Amaral
A grande leveza e impulso de Luiz Áquila
Produtos da Paixão de Fayga Ostrower
A perplexidade permanente de Antônio Henrique Amaral
Mistérios de uma gravura maior de Fayga Ostrower
Espaço que abre espaço de Amilcar de Castro
Pintura de ideias e alegorias de Sami Mattar
As experiências estéticas de Anna Bella Geiger
A vocação Pública de Emanoel Araújo
O mundo cheio de fascínio e requinte de Paulo Houyek
José Pancetti, o pintor das marinhas
Bola no chão
Sobre o autor
A propósito deste livro
Minha atividade de crítico de arte sofreu demorada interrupção, de 1970 a 1977, período em que estive na clandestinidade e no exílio.
Naturalmente, durante esse período, nem sempre pude acompanhar a atividade dos artistas plásticos brasileiros; não obstante, mantive vivo meu interesse pelas questões estéticas, não apenas aproveitando meu tempo, quando recluso, para ler e refletir sobre os problemas artísticos, como também para reavaliar minhas opiniões. Sem poder visitar as galerias e os museus, contentava-me com as reportagens e artigos sobre o que ali se expunha.
Depois, já no exterior, tendo de deslocar-me por vários países e fixar-me em alguns deles, pude acompanhar mais de perto a produção artística internacional e conhecer melhor o precioso acervo de seus museus. Nos anos finais do exílio, passados em Buenos Aires, pude acompanhar pela leitura de jornais brasileiros que me chegavam, o que se produzia de arte no Brasil. Isso sem falar no contato direto com as obras eventualmente exibidas nas galerias portenhas.
Ao voltar para o Brasil, fui imediatamente convidado a assinar a seção de crítica de arte da revista Veja e, pouco depois, da revista Isto é. São desse período os textos reunidos neste livro.
Se, pela natureza mesma dessas revistas, o espaço de que eu dispunha era pequeno, isso me obrigou, por outro lado, a falar só do essencial das obras expostas, o que emprestou um caráter particular aos textos aqui apresentados. Não se trata, portanto, da análise aprofundada de cada exposição e, sim, do registro daquilo que, a meu ver, de mais significativo era exibido por galerias e museus, naquele período.
Sem maiores pretensões, espero que a leitura destes textos contribua para avaliação de um período muito particular da produção artística brasileira, quando a pintura, a escultura e a gravura, ainda se faziam presentes na maioria das galerias e museus do país.
F G
Reinvenção
de Raimundo de Oliveira
Raimundo de Oliveira (1930) suicidou-se aos 36 anos, em 1966. Nascido em Feira de Santana, Bahia, desenhava e pintava desde menino, auxiliando a mãe, que fazia trabalhos de decoração com motivos religiosos. Esses mesmos motivos estariam sempre presentes na obra do artista adulto e terminaram por se tornar a temática única da última fase dela.
Inquieto e ansioso, Raimundo custou a encontrar a linha estilística capaz de expressar coerentemente seu mundo interior conflituado e rico. Até quase os trinta anos de idade ele tenta vários caminhos, aproximando-se ora do realismo, ora de uma estilização que mistura cubismo e art nouveau. Ao que tudo indica, é seu contato com a obra de Rouault, artista com quem tinha afinidades espirituais, que lhe abre a porta para descobrir o seu próprio estilo. Mas logo Raimundo se distanciará do mestre francês, submetendo a herança expressionista, que nele beberá, a uma linguagem despojada e contida. Em contraposição ao seu mundo interior tumultuado, Raimundo constrói na tela um mundo ordenado, de figuras quase estereotipadas. Com essas figuras ele elabora composições narrativas a que não faltam sentido poético e senso de humor. As formas simplificadas, usadas repetidamente, permitem-lhe o controle rigoroso da composição, cuja simetria ora é rompida delicadamente, ora alternada delirantemente, nos quadros mais complexos e mais ricos. Armado desse vocabulário próprio – que curiosamente remete a arcaicas iconografias religiosas, com a de certos relevos assírios – Raimundo de Oliveira reinventa as cenas bíblicas com a irreverência e a pureza de uma criança. Há nele algo de pintura naïve, mas há também sabedorias e requinte no uso das cores e na construção do quadro. De fato, não é possível enquadrá-lo em qualquer classificação. E não é preciso: a sua pintura se basta a si mesma, como o atestam esta exposição e o livro que nela foi lançado.
Imagens da crise
de Luiz Aphonsus
Os últimos setenta anos de transformação da pintura podem ser lidos de mais de uma maneira. Uma dessas leituras possíveis, partindo das primeiras colagens (papier collé) cubistas, nos permite ver esta etapa da pintura como expressão de uma crise técnica: por que usar o pincel para representar uma realidade que pode ser apreendida e reproduzida mecanicamente? Os cubista, em vez de imitar uma página de jornal, pregavam um pedaço dela diretamente na tela. Mas a função da colagem não era apenas figurativa: papel de parede, envelopes de cartas, selos, rótulos foram utilizados pelos dadaístas como elementos de composição plástica e cromática. À crise técnica se juntou a crise ideológica e de vanguarda em vanguarda, chegamos à desintegração total da linguagem da pintura.
Abriu-se caminho, então, para experiências com videoteipe, fotogravuras e outros meios mais modernos de reprodução, é nesse quadro que se insere a exposição de Luiz Alphonsus, nascido em 1948, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Numa contagem tão exata quanto possível (o catálogo não traz a enumeração das obras) a mostra compreende 75 trabalhos, além do álbum de desenhos Alô Malandragem – a los machos brasileños. Fora os desenhos, as demais obras têm como elemento básico a fotografia.
Por sua temática, o artista se mostra voltado para a captação de aspectos populares da vida carioca, ou brasileira, ou até mesmo latino-americana; pelo título geral da mostra – Coração – pretende dar-nos, dessa vida, uma visão emocionada. É, sem dúvida, positivo que os artistas se voltem para a realidade em que vivemos e que se afastem do intelectualismo vazio que tem predominado na arte experimental. É certo, porém, que nem as atitudes corretas nem as boas intenções bastam para que a obra se realize plenamente. Nesta mostra, o talento e a generosidade de Luiz Alphonsus ficam aquém da expressão plena.
Linguagem verbal – É no quadro crítico da linguagem da arte atual que devemos avaliar os seus trabalhos. Formado em plena crise da linguagem da pintura, Luiz Alphonsus dá a sua contribuição na busca de uma nova linguagem e o faz com a competência técnica que demonstram suas fotogravuras. Deve-se ressaltar também, no âmbito desse esforço, o seu interesse por captar a poesia simples, a solidão e a violência da vida marginal. Não obstante, os próprios meios que utiliza limitam-lhe a expressão: raramente consegue o distanciamento justo necessário à transfiguração da realidade.
A matéria de sua arte