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Direito de decidir - Múltiplos olhares sobre o ABORTO
Direito de decidir - Múltiplos olhares sobre o ABORTO
Direito de decidir - Múltiplos olhares sobre o ABORTO
E-book251 páginas2 horas

Direito de decidir - Múltiplos olhares sobre o ABORTO

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Sobre este e-book

A aprovação da resolução que demandava do governo brasileiro iniciativas que viessem a rever, no sentido descriminalizante, a legislação brasileira inseriu o tema aborto no campo das políticas públicas, mais especificamente no âmbito da saúde pública.

Por outro lado, vale registrar que, no Brasil, seguindo uma tendência mundial, houve no mesmo período um acentuado crescimento e/ou explicitação de posições conservadoras quanto ao tema, por parte de diferentes grupamentos religiosos que ampliaram sua força política no Congresso Nacional.

Na sociedade brasileira, apesar da legislação restritiva e criminalizante, a prática clandestina do aborto ocorre em escala que coloca em risco a vida de milhares de mulheres, sobretudo nos extratos de renda mais baixos da população, configurando-se, dessa maneira, como a quarta causa de morte materna no Brasil.

Urge, portanto, aprofundar o debate entre nós com a delicadeza que o assunto merece e com a consciência da polêmica que desperta.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de jun. de 2017
ISBN9788582179635
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    Direito de decidir - Múltiplos olhares sobre o ABORTO - Mônica Bara Maia

    Mônica Bara Maia

    ORGANIZADORA

    Direito de decidir:

    múltiplos olhares sobre o aborto

    Apresentação

    A discussão sobre o aborto no País e a primazia das mulheres em tomarem a decisão sobre sua realização foi, desde sempre, revestida de grande simbolismo, porque confronta a sociedade com temas intocáveis, como o início da vida humana e a propriedade sobre os corpos femininos.

    Nos últimos anos, e especialmente a partir da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, o tratamento do tema ganhou novos contornos. A aprovação da resolução que demandava ao governo brasileiro iniciativas que viessem a rever, no sentido descriminalizante, a legislação brasileira inseriu o tema aborto no campo das políticas públicas, mais especificamente no âmbito da saúde pública.

    Por outro lado, vale registrar que, no Brasil, seguindo uma tendência mundial, houve no mesmo período um acentuado crescimento e/ou explicitação de posições conservadoras quanto ao tema, por parte de diferentes grupamentos religiosos que ampliaram sua força política no Congresso Nacional.

    Na sociedade brasileira, apesar da legislação restritiva e criminalizante, a prática clandestina do aborto ocorre em escala que coloca em risco a vida de milhares de mulheres, sobretudo nos extratos de renda mais baixos da população, configurando-se, dessa maneira, como a quarta causa de morte materna no Brasil.

    Urge, portanto, aprofundar o debate entre nós com a delicadeza que o assunto merece e com a consciência da polêmica que desperta. Sendo partícipe da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e um dos signatários da Plataforma de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CAIRO, 1974), o Estado brasileiro deve garantir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras através da discussão livre e informada.

    É nesse sentido que me congratulo com os/as autores/as da presente publicação. Trata-se de um conjunto de textos que contêm reflexões/questionamentos da maior relevância para a compreensão do aborto no País. Mediante uma abordagem multidisciplinar, somos, todas e todos, instigados a buscar as razões pelas quais a controvérsia sobre o aborto segue essa trajetória de avanços e recuos nas sociedades modernas.

    A leitura atenta deste livro talvez desperte em cada leitor/a mais dúvidas do que reafirme certezas. Mas, sem dúvida, ficará em cada um/a a convicção de que o aborto está mais do que nunca em pauta e à sociedade brasileira, e em especial às mulheres, cabe decidir sobre qual devem ser os próximos passos.

    Boa leitura!

    Nilcéa Freire

    Ministra da Secretaria Especial de Políticas

    para as Mulheres da Presidência da República

    A polissemia do conceito vida

    Francisco Ângelo Coutinho

    Mônica Bara Maia

    Fábio Augusto Rodrigues Silva

    Em 1802, o francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) e o alemão Gottfried Treviranus (1776-1837) criaram, independentemente, o vocábulo biologia para se referir a uma ciência dedicada ao estudo dos seres vivos (COUTINHO; MARTINS, 2002). Na raiz etimológica da palavra, tem-se que bios significa vida e logos, estudo. Ao propor esse termo, tais pensadores se colocaram na defesa de uma nova ontologia que enfatizasse o que há de comum nas formas vivas e acentuasse suas distinções em relação ao não-vivo (KELLER, 2002).

    A origem do termo representa um marco de transição para esse campo do conhecimento. Se antes do século XIX já existiam pesquisas biológicas que classificavam e descreviam os seres vivos, a identificação da Biologia como uma ciência autônoma, dedicada à compreensão da vida e dos seres vivos, permitiu avanços no entendimento e na inferência sobre os fenômenos biológicos.

    A Biologia chega ao século XXI como uma ciência com significativos avanços teórico-conceituais e tecnológicos e fornecendo inúmeras contribuições para a sociedade. Ela tem fundamentado reflexões importantes e fomentado debates sobre as mais diferentes questões. E, após tantas pesquisas, discussões e estudos, espera-se que os biólogos possam apresentar um conceito para seu objeto de estudo: a vida.

    No entanto, por incrível que pareça, há um ceticismo entre a maioria dos biólogos quanto à possibilidade de se estabelecer uma definição para o conceito de vida. Assim, muitos consideram essa procura uma especulação meramente teórica ou metafísica, em detrimento daquilo que realmente importaria: os fatos da pesquisa empírica. Para esses biólogos, definir vida não ajudaria em nada na resolução dos quebra-cabeças da ciência normal em Biologia. Por isso, as perguntas O que é vida? e Em que momento se pode considerar alguma coisa como viva? não seriam relevantes.

    Ernest Mayr, um dos biólogos mais importantes do século XX e autor de textos de história e filosofia da Biologia, aponta que já foram feitas várias tentativas de se definir vida e que todos os esforços foram fúteis. Ele afirma que, atualmente, nenhuma substância especial, objeto ou força pode ser definida como vida. O que resta ao biólogo é definir e estudar os processos vitais (MAYR, 1982). Ele diz:

    Elucidar a natureza dessa entidade chamada de vida tem sido um dos maiores objetivos da biologia. O problema aqui é que vida sugere alguma coisa uma substância ou força e por séculos filósofos e biólogos têm tentado identificar essa substância viva ou força vital, sem proveito. Na realidade, o nome vida é meramente a reificação do processo de estar vivo. Ela não existe como uma entidade independente. (MAYR, 1997, p. 2)

    Assim, os principais argumentos de Mayr para a questão da definição de vida são: o termo vida não pode ser definido, uma vez que a noção de vida é um hipostaseamento ou uma reificação dos processos vitais; a empreitada não é importante para a Biologia; e o que pode ser definido, ou pelo menos aproximadamente demarcado, são os processos vitais, por meio de uma lista de propriedades.

    Há de se destacar, no entanto, que essa idéia de lista de propriedades traz muitos problemas. Afinal, podem surgir as seguintes questões: quais e quantas seriam as propriedades suficientes para a classificação de um ser como vivo? Qual a lista de propriedades mais correta? Além disso, há formas limítrofes vírus e outras estruturas moleculares que podem ter características tanto de seres vivos quanto de seres inanimados (EMMECHE; EL-HANI, 1999; EMMECHE; EL-HANI, 2001).

    Por outro lado, o que nos parece problemático quanto ao ceticismo sobre a possibilidade de definição de vida e à preferência por definições baseadas em lista de propriedades é a atitude subjacente, a qual nós podemos chamar de essencialismo, que se sustentaria, por sua vez, em uma metafísica objetivista (LAKOFF, 1987). Vejamos como isso ocorre.

    Corretamente, Mayr considera que vida não é uma entidade do mundo. No entanto, também não é um hipostaseamento de processos, como ele pensa, porque, quando buscamos definir vida, não estamos lidando com uma coisa, mas com um conceito teórico. Ao procurar as propriedades definidoras de processos vitais, Mayr e outros céticos confundem a definição de um conceito teórico com o inventário de propriedades essenciais pelas quais uma coisa pertence ou não a uma categoria, no caso, das coisas vivas. É a essa atitude que chamamos de essencialismo.

    Essencialismo é a suposição de que as coisas possuem uma natureza íntima, ou propriedades essenciais, que faz com que elas sejam o que são ou, sem a qual, as coisas não podem ser o que são. As propriedades essenciais seriam aquelas que uma determinada entidade não poderia perder e continuar a ser entendida como pertencente a uma dada categoria. Ao longo de toda a história da Filosofia, houve muitas tentativas de encontrar tais essências e, muitas vezes, o conhecimento verdadeiro foi concebido como aquele capaz de captar as essências.

    Orientados por uma crítica da visão essencialista, Emmeche e El-Hani (1999 e 2001) apresentam um novo tipo de abordagem. Eles defendem que conceitos como vida, mente, consciência e matéria estão situados na fronteira tênue entre a Ontologia e a Ciência, sendo, portanto, termos muito gerais. Esses conceitos gerais são denominados por eles de ontodefinições. Para Emmeche e El-Hani, as ontodefinições:

    [...] definem, de forma mais geral, o que os cientistas estão buscando em uma ou mais áreas da pesquisa científica e, ao mesmo tempo, fornecem um esquema básico para a compreensão e explicação da natureza de seus objetos de estudo. As ontodefinições têm um caráter integrativo, mas freqüentemente vago e implícito, no interior dos paradigmas científicos. (EMMECHE; EL-HANI, 2001, p. 36)

    As ontodefinições seriam construções teóricas que se estruturam a partir de um paradigma científico. Muitas vezes, para se alcançar a definição do conceito de um programa de pesquisa da Biologia contemporânea, é necessário analisar a teoria que o fundamenta. Com isso, definir vida não é uma tarefa inatingível, mas também não tem um resultado homogêneo, sendo que diferentes definições podem ser encontradas nos diversos programas de pesquisa da Biologia e na história da Ciência (EMMECHE; EL-HANI, 2001; COUTINHO, 2005).

    Assim, para contribuir com o debate sobre o conceito de vida, vamos apresentar alguns dos programas de pesquisa da Biologia contemporânea e tentaremos mostrar como existe uma diversidade grande de significados que podem ser atribuídos ao conceito mais importante desse campo de conhecimentos.

    O conceito de vida na Biologia Molecular

    A Teoria Sintética da Evolução é o resultado do trabalho de diferentes pesquisadores do século XX que se preocuparam em responder por que as coisas vivas se apresentam em tamanha diversidade de formas ou por que elas se transformam ao longo do tempo (MEYER; EL-HANI, 2001). Essa teoria tem fundamentado inúmeros programas de pesquisa da Biologia contemporânea e é considerada, por alguns pensadores, como central ao pensamento biológico moderno. Nesse sentido, muitos biólogos fazem eco à declaração de Theodosius Dobzhansky (1900-1975), importante pesquisador do século XX, afirmando que: Nada em Biologia faz sentido exceto à luz da evolução (DOBZHANSKY, 1973).

    O que chamamos de Teoria Sintética da Evolução é, na verdade, uma estrutura complexa que resulta da união da Teoria de Seleção Natural de Charles Darwin (1809-1882) e da Teoria Genética da Herança de Mendel (1822-1884). Posteriormente, ela foi incrementada pelo modelo dupla-hélice do DNA e pelas contribuições da genética molecular. Ao longo do século XX, essa teoria foi sendo estudada, debatida, questionada e reformulada em um processo que resultou no desenvolvimento de uma heterogeneidade de concepções associadas ao seu corpo teórico. Por isso, analisando os principais programas da Teoria Sintética, podemos obter pelo menos três definições de vida diferentes: duas que se alicerçam no papel central dos genes e outra que se atenta para as interações entre os organismos e o ambiente (COUTINHO, 2005).

    Entretanto, antes de apresentar essas diferentes definições de vida, vamos expor as idéias centrais compartilhadas por pesquisadores, teóricos e programas de pesquisa da Teoria Sintética.

    Em comum, esses programas identificam o mecanismo de seleção natural proposto por Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913) como a principal explicação para o problema da diversidade e da modificação dos seres vivos. O mecanismo de seleção natural foi apresentado ao grande público quando Darwin publicou, em 1859, o livro denominado A Origem das Espécies. Para entender o princípio da seleção natural, vamos considerar as seguintes informações: em uma população natural existe variabilidade de características entre os organismos de uma mesma espécie, sendo que algumas dessas variações podem ser herdadas pelas gerações futuras. Geralmente, todas as espécies têm um grande potencial reprodutivo e, se todos os indivíduos conseguissem reproduzir, as populações cresceriam em progressão exponencial.

    Essa tendência de aumento exponencial da população propicia o estabelecimento de uma luta pela sobrevivência. Os indivíduos da mesma espécie passam a competir pelos recursos do ambiente. Os indivíduos que possuem uma ou mais características que lhes forneçam maiores vantagens para a sobrevivência, em determinado meio, têm maiores probabilidades de reproduzir e gerar descendentes com características semelhantes. Esse processo de seleção, acontecendo ao longo de várias gerações, permitiu e permite o estabelecimento de diferenças entre as espécies.

    Na época do lançamento do A Origem das Espécies, o grande questionamento ao mecanismo de seleção natural estava relacionado ao fato de que Darwin não produziu uma boa explicação para a origem das variações e para a transmissão das características hereditárias, elementos essenciais de sua estrutura teórica. Essas explicações foram aportadas pelos trabalhos de Gregor Mendel e de Hugo de Vries (1848-1935) e permitiram atribuir aos genes e às mutações alterações nos genes a origem da diversidade entre os seres vivos.

    Durante as décadas de 1930 e 1940, a teoria darwinista da evolução, baseada no mecanismo da seleção natural, recebeu outros aportes importantes provenientes da genética mendeliana, da observação de populações naturais, de experimentos de laboratório, da paleontologia e da matemática (BLANC, 1994). Essas contribuições reformularam os princípios da Teoria da Evolução, que, denominada de Teoria Sintética ou Síntese Moderna, repousa em duas proposições principais: 1) a evolução consiste no surgimento de outras variantes de genes por mutação cega ou não-dirigida pelo ambiente, nas populações, seguida da substituição gradual, sob a ação da seleção natural, das variantes menos adaptadas pelas mais adaptadas; 2) o mesmo mecanismo de modificação da composição genética das populações, a seleção natural, permite explicar como uma espécie gradualmente dá origem à outra, em conseqüência da diferenciação genética de uma de suas subespécies.

    Coutinho (2005) argumenta que esses pressupostos criaram um contexto para o estabelecimento de um vínculo do pensamento evolucionista a uma compreensão dos sistemas vivos que podemos denominar de concepção genecêntrica. A evolução passa a ser entendida como um processo de transmissão de genes mais competitivos para as futuras gerações, sendo essas entidades consideradas a unidade de seleção.

    Então, dentro dessa visão genecêntrica da Teoria Sintética, encontramos nos trabalhos de Richard Dawkins (1941-) uma definição implícita para o conceito de vida. Na visão de Dawkins, o gene é entendido como a unidade de seleção que, sofrendo a ação da seleção natural, sobrevive ao longo das gerações. Os organismos são simplesmente veículos ou máquinas de sobrevivência dos genes (DAWKINS, 1979).

    Dawkins construiu esse argumento propondo um cenário de origem da vida no qual, do mundo pré-biótico inicial, surgiram moléculas denominadas de replicadores (entidades que fazem cópias de si mesmas). Tais moléculas teriam surgido por meio da união espontânea de seus monômeros constituintes, que estariam na sopa primordial, e teriam a capacidade fundamental de servir de molde para a síntese de cópias de si mesmas. Na medida em que os blocos de construção para esses replicadores foram ficando mais escassos, muito provavelmente ocorreu uma competição entre essas moléculas. As moléculas que eram mais estáveis e se replicavam com maior velocidade e precisão tendiam a sobreviver, enquanto as outras tendiam, aos poucos, a se extinguirem. Dessa forma, ocorria no cenário primordial uma verdadeira luta pela sobrevivência entre as linhagens de replicadores. O processo de melhoramento das moléculas era cumulativo. Aquelas moléculas capazes de aumentar sua estabilidade e de diminuir a de seus rivais eram mais eficientes. Algumas variedades podem ter encontrado uma forma de quebrar quimicamente as moléculas de linhagens rivais, de maneira a utilizar seus constituintes para fazer as próprias cópias. Outros replicadores poderiam também ter encontrado meios de protegerem-se dos ataques rivais, formando uma barreira de proteínas ou lipídeos ao redor de si.

    A partir desse momento, os replicadores começaram a constituir envoltórios protetores, que seriam veículos para sua existência ininterrupta. Os replicadores que sobreviveram foram aqueles que construíram as máquinas de sobrevivência mais eficazes para morarem. Esses replicadores que sobreviveram, segundo Dawkins, recebem hoje o nome de genes (DAWKINS, 1979). Por tudo isso, considera-se que a concepção de Dawkins reduz a vida à seleção natural de replicadores ou genes (EMMECHE; EL-HANI, 2001). Esses replicadores ou genes seriam aquilo que, na matéria, é responsável pelo processo da vida, ou que, em si, seria a própria vida e que utiliza os organismos como veículos de sobrevivência.

    A outra definição de vida, associada ao papel dos genes, que podemos extrair da Teoria Sintética está totalmente assentada sobre esse conceito e sobre o que se pensou ser um gene. De certa forma, essa concepção de vida está fundamentada em importantes resultados da Biologia e da genética moleculares que contribuíram para definir o que são genes. Esses resultados influenciaram os estudos evolutivos já que um dos pressupostos básicos da Teoria Sintética é a mudança na composição gênica da população.

    Durante os últimos 150 anos, pesquisadores da Biologia molecular trouxeram muitas contribuições para a compreensão dos processos relacionados à hereditariedade. Entre essas contribuições, pode-se citar: a descoberta do DNA em 1869 um polímero de nucleotídeos e sua posterior identificação como a substância responsável pela especificidade biológica; a proposta de um modelo dupla-hélice para a molécula de DNA, por Watson e Crick em 1953; e a sugestão de Crick, em 1957, de que o DNA, por meio da seqüência de nucleotídeos, serviria de código para a construção de proteínas.

    Em 1944, o físico Erwin Schrödinger, em um livro fundamental para o desenvolvimento da Biologia molecular e para a própria pesquisa sobre a estrutura molecular do DNA, já assegurava sobre a possibilidade de existência de um código. Schrödinger (1997) afirmava que os cromossomos, estruturas compostas por DNA e presentes no núcleo das células, contêm sob a forma de algum código todo o padrão do desenvolvimento futuro do indivíduo e de seu funcionamento no estado maduro.

    Em 1961, François Jacob e Jacques Monod apresentaram uma concepção semelhante à de Schrödinger. Eles afirmaram que o genoma contém um programa que coordena a síntese protéica, e, por conseqüência, o desenvolvimento de um ser vivo (JACOB; MONOD, 1961). Essa metáfora do programa introduz um espaço conceitual não só para pensar-se a realização de um organismo completo a partir de um ovo denominado de paradoxo do desenvolvimento mas, principalmente, para pensar a própria noção de ser vivo.

    Na visão desses autores, um ser vivo é a realização de um programa prescrito pela hereditariedade (JACOB, 1983, p. 10) ou objetos dotados de um projeto (MONOD, 1976, p. 21). Jacob e Monod oferecem uma possível compreensão da vida como o produto de um programa codificado no genoma. O DNA carrega o projeto, na forma de um programa interno ao ser vivo, de construção dos organismos. É a posse desse programa que caracteriza um objeto como ser vivo, já que é esse programa que o realiza, ou seja, é ele que é seu projeto. Ainda, segundo Jacob, "um organismo é apenas uma transição, uma etapa entre o que foi e o que

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