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O antissemitismo: sua história e suas causas
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O antissemitismo: sua história e suas causas
E-book375 páginas5 horas

O antissemitismo: sua história e suas causas

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Sobre este e-book

Acusaram-me simultaneamente de ter sido antissemita e ter demasiado vivamente defendido os Judeus, e para julgar o que eu havia escrito, situaram-se do ponto de vista do antissemitismo ou do filossemitismo. Erraram, pois não sou nem antissemita, nem filossemita; assim, eu não quis escrever nem uma apologia, nem uma diatribe, mas um estudo imparcial, um estudo de história e sociologia. Não aprovo o antissemitismo; é uma concepção estreita, medíocre e incompleta, mas tentei explicá-lo. Ele não nascera sem causas, busquei essas causas. Consegui determiná-las? Cabe àqueles que lerão estas páginas decidir em relação a isso. Pareceu-me que uma opinião tão universal como o antissemitismo, tendo florescido em todos os lugares e em todos os tempos, antes da era cristã e após, em Alexandria, Roma e Antioquia, na Arábia e na Pérsia, na Europa da Idade Média e na Europa moderna, em resumo, em todas as partes do mundo onde houve e onde há judeus; pareceu-me que tal opinião não podia ser o resultado de uma fantasia e de um capricho perpétuo, e que deviam existir em sua eclosão e permanência razões profundas e sérias. Assim, eu quis apresentar um quadro de conjunto do antissemitismo, de sua história e de suas causas; eu quis seguir suas sucessivas modificações, suas transformações e mudanças.
IdiomaPortuguês
EditoraEDUEL
Data de lançamento6 de nov. de 2019
ISBN9788530200442
O antissemitismo: sua história e suas causas

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    O antissemitismo - Bernard Lazare

    antissemitismo

    Prefácio

    Alguns fragmentos deste livro surgiram em longos intervalos em jornais e revistas; fizeram-lhes a grande honra de discuti-los e foi porque foram discutidos que escrevi aqui essas poucas linhas. Acusaram-me simultaneamente de ter sido antissemita e ter demasiado vivamente defendido os judeus, e para julgar o que eu havia escrito, situaram-se do ponto de vista do antissemitismo ou do filossemitismo. Erraram, pois não sou nem antissemita, nem filossemita; assim, eu não quis escrever nem uma apologia, nem uma diatribe, mas um estudo imparcial, um estudo de história e sociologia.

    Não aprovo o antissemitismo; é uma concepção estreita, medíocre e incompleta, mas tentei explicá-lo. Ele não nascera sem causas, busquei essas causas. Consegui determiná-las? Cabe àqueles que lerão estas páginas decidir em relação a isso.

    Pareceu-me que uma opinião tão universal como o antissemitismo, tendo florescido em todos os lugares e em todos os tempos, antes da era cristã e após, em Alexandria, Roma e Antioquia, na Arábia e na Pérsia, na Europa da Idade Média e na Europa moderna, em resumo, em todas as partes do mundo onde houve e onde há judeus; pareceu-me que tal opinião não podia ser o resultado de uma fantasia e de um capricho perpétuo, e que deviam existir em sua eclosão e permanência razões profundas e sérias.

    Assim, eu quis apresentar um quadro de conjunto do antissemitismo, de sua história e de suas causas; eu quis seguir suas sucessivas modificações, suas transformações e mudanças. Em tal estudo, teria havido matéria para vários livros; por consequência, fui obrigado a reduzir o assunto, mostrar suas grandes linhas e não negligenciar seu detalhe. Conto retomar algumas partes, e um dia, que espero que esteja próximo, tentarei mostrar qual foi no mundo o papel intelectual, moral, econômico e revolucionário do judeu, papel que aqui só indiquei.

    B. L.

    CAPÍTULO I

    As causas gerais do antissemitismo

    Se se quiser fazer uma história completa do antissemitismo — sem esquecer qualquer manifestação desse sentimento, seguindo as fases diversas e as modificações — é preciso empreender a história de Israel desde sua dispersão, ou, melhor dizendo, desde os tempos de sua expansão fora do território da Palestina.

    Em toda parte onde os judeus, cessando de ser uma nação pronta a defender sua liberdade e sua independência, estabeleceram-se, por toda parte desenvolveu-se o antissemitismo, ou melhor, o antijudaísmo, pois antissemitismo é um termo mal escolhido, que não teve sua razão de ser senão em nosso tempo, quando se quis ampliar essa luta do judeu e dos povos cristãos, e dar-lhe uma filosofia ao mesmo tempo que uma razão mais metafísica do que material.

    Se essa hostilidade e essa própria repugnância houvessem se manifestado em relação aos judeus só por um tempo e em um país, seria fácil destrinçar as causas restritas dessas cóleras; mas essa raça, ao contrário, esteve exposta ao ódio de todos os povos em meio aos quais ela estabeleceu-se. Seria preciso, porquanto os inimigos dos judeus pertenciam às raças mais diversas, que eles vivessem em regiões muito distantes umas das outras, que fossem regidos por leis diferentes, governados por princípios opostos, que não tivessem nem os mesmos modos, nem os mesmos costumes, que fossem animados de espíritos dessemelhantes não lhes permitindo julgar igualmente todas as coisas, seria preciso, portanto, que as causas gerais do antissemitismo tivessem sempre residido em Israel e não entre aqueles que o combateram.

    Não digo isso para afirmar que os perseguidores dos Israelitas tiveram sempre o direito de seu lado, nem que eles não se entregaram a todos os excessos que comportam os ódios vivos, mas para colocar como princípio que os judeus causaram — ao menos em parte — seus males.

    Ante a unanimidade das manifestações antissemitas, é difícil admitir — como se foi demasiado inclinado a fazê-lo — que elas se deveram simplesmente a uma guerra de religião, e não se deveria ver nas lutas contra os judeus a luta do politeísmo contra o monoteísmo, e a luta da Trindade contra Jeová. Os povos politeístas, bem como os povos cristãos, combateram não a doutrina do Deus Uno, mas o judeu.

    Quais virtudes ou quais vícios valeram ao judeu essa universal inimizade? Por que ele foi alternadamente, e igualmente, maltratado e odiado pelos alexandrinos e pelos romanos, pelos persas e pelos árabes, pelos turcos e pelas nações cristãs? Porque em toda parte, e até aos nossos dias, o judeu foi um ser insociável.

    Porque ele era insociável? Porque era exclusivo, e seu exclusivismo era simultaneamente político e religioso, ou, melhor dizendo, agarrava-se a seu culto político-religioso, a sua lei.

    Se, na história, considerarmos os povos conquistados, vemo-los submeter-se às leis dos vencedores, embora conservando sua fé e suas crenças. Podiam fazê-lo facilmente, pois, entre eles, a separação era muito clara entre as doutrinas religiosas provenientes dos deuses e as leis civis emanadas dos legisladores, leis que podiam modificar-se ao sabor das circunstâncias, sem que os reformadores incorressem em anátema ou em execração teológica: o que o homem havia feito, o homem podia desfazê-lo. Assim, os vencidos sublevavam-se contra os conquistadores por patriotismo, e nenhuma motivação impelia-os senão o desejo de recuperar seu solo e recobrar sua liberdade. Fora dessas sublevações nacionais, eles raramente pediram para não ser submetidos às leis gerais; se eles protestaram, foi contra disposições particulares que os colocavam em relação aos dominadores em um estado de inferioridade; e, na história das conquistas romanas, vemos os conquistados inclinar-se ante Roma, quando Roma impõe-lhes estritamente a legislação que rege o império.

    Para o povo judeu, o caso era muito diferente. Com efeito, como já observou Spinoza¹, as leis reveladas por Deus a Moisés não foram outra coisa senão as leis do governo particular dos hebreus. Moisés², profeta e legislador, conferiu às suas disposições judiciárias e governamentais a mesma virtude que a seus preceitos religiosos, isto é, a revelação. Jeová, não só havia dito aos hebreus: Vós só crereis no Deus Uno e não adorareis ídolos, mas ele havia-lhes também prescrito regras de higiene e moral; não só ele lhes havia determinado o território onde deviam realizar-se os sacrifícios, minuciosamente, mas ele havia determinado os modos segundo os quais esse território seria administrado. Cada uma das leis dadas, fosse ela agrária, civil, profilática, teológica ou moral, beneficiava da mesma autoridade e tinha a mesma sanção, de tal sorte que esses diferentes códigos formavam um todo único, um feixe rigoroso do qual não se podia separar nada sob pena de sacrilégio.

    Na realidade, o judeu vivia sob a dominação de um senhor, Jeová, que ninguém podia vencer nem combater, e ele só conhecia uma coisa: a Lei, isto é, o conjunto das regras e das prescrições que Jeová havia um dia desejado dar a Moisés, Lei divina e excelente, própria a conduzir aqueles que a seguissem às felicidades eternas; lei perfeita e que só o povo judeu havia recebido.

    Com tal ideia de sua Torá, o judeu não podia absolutamente admitir as leis dos povos estrangeiros; ao menos, ele não podia pensar em vê-las aplicadas; não podia abandonar as leis divinas, eternas, boas e justas, para seguir as leis humanas fatalmente maculadas de caducidade e imperfeição. Se ele tivesse podido tomar parte na elaboração dessa Torá; se, de um lado, houvesse podido ordenar as leis civis, do outro, as leis religiosas! Mas todas elas não tinham um caráter sagrado, e, de sua observância total, não dependia a felicidade da nação judaica?

    Essas leis civis, que convinham a uma nação e não a comunidades, os judeus não as queriam abandonar ingressando nos outros povos, pois, embora fora de Jerusalém e do reino de Israel, essas leis não teriam mais razão de ser, elas não eram menos, para todos os hebreus, obrigações religiosas que eles haviam-se engajado a respeitar por um pacto antigo com a Divindade.

    Assim, em toda parte onde os judeus estabeleceram colônias, em toda parte aonde foram transportados, eles pediram não apenas que lhes permitissem praticar sua religião, mas ainda que não lhes obrigassem aos costumes dos povos em meio aos quais eles eram chamados a viver, e que lhes deixassem governar-se por suas próprias leis.

    Em Roma, em Alexandria, em Antioquia, na Cirenaica eles puderam agir livremente. Eles não eram convocados aos sábados ante os tribunais³, permitiram-lhes inclusive possuir seus tribunais especiais e não ser julgados segundo as leis do império; quando as distribuições de trigo caíam no sábado, reservavam-lhes sua parte para o dia seguinte⁴; eles podiam ser decuriões, estando isentos das práticas contrárias à sua religião⁵; administravam-se como em Alexandria, tendo seus chefes, seu senado, seu etnarca, não estando submetidos à autoridade municipal.

    Em toda parte, eles queriam permanecer judeus, e em toda parte obtinham privilégios que lhes permitiam fundar um Estado no Estado. Graças a esses privilégios, a essas isenções, a essas desobrigações de impostos, eles logo se encontravam em uma situação melhor do que aquela dos próprios cidadãos das cidades nas quais viviam; tinham mais facilidade para comerciar e enriquecer e, assim, excitavam invejas e ódios.

    Desse modo, o apego de Israel a sua lei foi uma das primeiras causas de sua reprovação, seja porque colheu dessa própria lei benefícios e vantagens suscetíveis de provocar a inveja, seja porque se gabava da excelência de sua Torá para considerar-se acima e fora dos outros povos.

    Se ao menos os israelitas restringissem-se ao mosaísmo puro, sem dúvida que eles teriam podido, em determinado momento da história, modificar esse mosaísmo de modo a não deixar subsistir senão os preceitos religiosos ou metafísicos; talvez, inclusive, se eles tivessem tido como livro sagrado só a Bíblia, ter-se-iam fundido na Igreja nascente, que encontrou seus primeiros adeptos nos saduceus, nos essênios e nos prosélitos judeus. Uma coisa impediu essa fusão e manteve os hebreus entre os povos: foi a elaboração do Talmude, a dominação e a autoridade dos doutores que ensinaram uma pretensa tradição; mas essa ação dos doutores, à qual retornaremos, fez também dos judeus os seres arredios, pouco sociáveis e orgulhosos dos quais Spinoza, que os conhecia, pôde dizer: Não é de modo algum surpreendente que, após ter sido dispersados durante tantos anos, eles tenham persistido sem governo, porquanto se separaram de todas as outras nações, a tal ponto que eles voltaram contra si o ódio de todos os povos, não só por causa de seus ritos exteriores, contrários aos ritos das outras nações, mas ainda pelo signo da circuncisão.

    Assim, diziam os doutores, o objetivo do homem na terra é o conhecimento e a prática da Lei, e não se pode praticá-la plenamente senão furtando-se às leis que não são a verdadeira. O judeu que seguia esses preceitos isolava-se do restante dos homens; ele acantonava-se atrás das sebes erguidas, em torno da Torá, por Esdras e pelos primeiros escribas⁷, depois pelos fariseus e pelos talmudistas herdeiros de Esdras, deformadores do mosaísmo primitivo e inimigos dos profetas. Ele não se isolou apenas se recusando a submeter-se aos costumes que estabeleciam laços entre os habitantes das regiões onde estava estabelecido, mas também rejeitando toda relação com esses próprios habitantes. À sua insociabilidade o judeu acrescentou o exclusivismo.

    Sem a Lei, sem Israel para praticá-la, o mundo não existiria, Deus faria-o entrar no nada; e o mundo só encontraria a felicidade quando ele fosse submetido ao império universal dessa lei, isto é, ao império dos judeus. Por consequência, o povo judeu é o povo escolhido por Deus como depositário de suas vontades e de seus desejos; ele é o único com quem a divindade fez um pacto, ele é o eleito do Senhor. No momento em que a serpente tentou Eva, diz o Talmude, ele corrompeu-a com seu veneno. Israel, recebendo a revelação do Sinai, libertou-se do mal; as outras nações não puderam curar-se dele. Assim, se elas têm cada uma seu anjo da guarda e suas constelações protetoras, Israel está sob a proteção do próprio Jeová; ele é o filho preferido do Eterno, o único a ter direito a seu amor, a sua benevolência, a sua proteção especial, e os outros homens estão situados abaixo dos hebreus; eles só têm direito por piedade à munificência divina, pois só as almas dos judeus descendem do primeiro homem. Os bens que são delegados às nações pertencem na realidade a Israel, e vemos o próprio Jesus responder à mulher grega:

    Não é bom tomar o pão das crianças para jogá-lo aos cachorrinhos.

    Essa fé, em sua predestinação, em sua eleição, desenvolveu nos judeus um imenso orgulho. Eles passaram a ver os não judeus com desprezo e amiúde com ódio, quando a essas razões teológicas mesclaram-se razões patrióticas.

    Quando a nacionalidade judaica se encontrou em perigo, viram-se, sob João Hircano, os fariseus declarar impuro o solo dos povos estrangeiros, impuras as frequentações entre judeus e gregos. Mais tarde, os samaítas, em um sínodo, propuseram estabelecer uma separação completa entre israelitas e pagãos, e eles elaboraram uma coletânea de proibições denominada Dezoito coisas, que, malgrado a oposição dos hilelitas, acabou por predominar. Assim, nos conselhos de Antíoco Sideta, começa-se a falar da insociabilidade judaica, isto é, "do parti pris de viver exclusivamente em um meio judeu, fora de toda comunicação com os idólatras, e do ardente desejo de tornar essas comunicações cada vez mais difíceis, se não impossíveis"⁹; e vê-se, ante Antíoco Epifânio, o sumo sacerdote Menelau acusar a lei de ensinar o ódio contra o gênero humano, proibir sentar-se à mesa dos estrangeiros e manifestar-lhes benevolência.

    Se essas prescrições houvessem perdido sua autoridade quando desapareceram as causas que as haviam motivado, e de certo modo justificado, o mal não teria sido grande; todavia, vemo-las reaparecer no Talmude, e a autoridade dos doutores deu-lhes uma nova sanção. Quando a oposição entre os saduceus e os fariseus cessou, quando estes últimos foram vencedores, essas proibições adquiriram força de lei, elas foram ensinadas, e assim serviram para desenvolver, exagerar o exclusivismo dos judeus.

    Um temor ainda, aquele da impureza, separou os judeus do mundo e tornou mais rigoroso seu isolamento. Sobre a impureza, os fariseus tinham ideias de um rigor extremo; as proibições e as prescrições da Bíblia não bastavam, segundo eles, para preservar o homem do pecado. Como o mínimo toque contaminava os vasos dos sacrifícios, eles chegaram a estimar-se eles próprios maculados por um contato estrangeiro. Desse medo nasceram inumeráveis regras concernentes à vida cotidiana: regras relativas à vestimenta, à habitação, à alimentação, todas promulgadas com o objetivo de evitar aos israelitas a impureza e o sacrilégio, e, mais uma vez, todas próprias a serem observadas em um Estado independente ou em uma cidade, mas impossíveis de seguir em países estrangeiros, pois elas implicavam a necessidade, para aqueles que desejavam submeter-se a elas, de fugir da sociedade dos não judeus e, por consequência, viver sozinhos, hostis a toda aproximação.

    Os fariseus e os rabinistas foram inclusive mais longe. Não se contentaram em querer preservar o corpo; buscaram salvaguardar o espírito. A experiência havia mostrado quão perigosas eram, para aquilo que eles acreditavam ser sua fé, as importações helênicas ou romanas. Os nomes dos sumos sacerdotes helenizantes: Jasão, Menelau etc., lembravam aos rabinistas os tempos em que o gênio da Grécia, conquistando uma parte de Israel, quase o venceu. Eles sabiam que o partido saduceu, amigo dos gregos, havia preparado as vias ao cristianismo, como os alexandrinos, de resto, como todos aqueles que afirmavam que as disposições legais, claramente enunciadas na lei mosaica, são as únicas obrigatórias; todas as outras, emanando de tradições locais ou formuladas posteriormente, não têm qualificação para uma observância rigorosa.¹⁰ Sob a influência grega nasceram os livros e os oráculos que prepararam o Messias. Os judeus helenizantes, Fílon e Aristóbulo, o Pseudo-Focílides e o Pseudo-Longino, os autores dos oráculos sibilinos e dos Pseudo-Órficos, todos esses herdeiros dos profetas que retomavam a obra deles, conduziam os povos ao Cristo. E pode-se dizer que o verdadeiro mosaísmo, depurado e expandido por Isaías, Jeremias e Ezequiel, aumentado, universalizado ainda pelos judeus helenistas, teria levado Israel ao cristianismo se o esraísmo, o farisaísmo e o talmudismo não estivessem lá para reter a massa dos judeus nos laços das estritas observâncias e das estreitas práticas rituais.

    Para guardar o povo de Deus, para colocá-lo ao abrigo das más influências, os doutores exaltaram sua lei acima de todas as coisas. Declararam que só seu estudo devia agradar o israelita, e, como a vida inteira mal bastava a conhecer e aprofundar todas as sutilezas e toda a casuística dessa lei, eles proibiram a entrega ao estudo das ciências profanas e das línguas estrangeiras. Não estimamos entre nós aqueles que aprendem várias línguas, já dizia Josefo¹¹; logo não se contentaram mais em depreciá-los, excomungaram-nos. Essas exclusões não pareceram suficientes aos rabinistas. Na ausência de Platão, o judeu não tinha a Bíblia e não poderia ouvir a voz dos profetas? Como não podiam proscrever o Livro, diminuíram-no, tornaram-no tributário do Talmude; os doutores declararam: A Lei é água, a Mixná é vinho. E a leitura da Bíblia foi considerada como menos proveitosa, menos útil à salvação do que aquela da Mixná.

    Todavia, os rabinistas não conseguiram matar da primeira vez a curiosidade de Israel; precisaram de séculos para isso, e foi apenas no século XIV que eles se tornaram vitoriosos. Depois que Ibn Ezra, R. Bechai, Maimônides, Bedarchi, Joseph Caspi, Levi ben Gershon, Moisés de Narbonne e outros mais, — todos esses que, filhos de Fílon e dos alexandrinos, desejavam vivificar o judaísmo pela filosofia estrangeira, — desapareceram; depois que Asher ben Jehiel levou a assembleia dos rabinos de Barcelona a excomungar aqueles que se ocupariam de ciência profana; depois de R. Shalem de Montpellier denunciar aos dominicanos o Moreh Nevuchim; depois de esse livro, a mais elevada expressão do pensamento de Maimônides, ter sido queimado, depois disso os rabinos triunfaram.¹²

    Eles haviam alcançado seu objetivo. Haviam retirado Israel da comunidade dos povos; fizeram dele um arredio solitário, rebelde a toda lei, hostil a toda fraternidade, fechado a toda ideia bela, nobre ou generosa; haviam feito dele uma nação miserável e pequena, amarga pelo isolamento, embrutecida por uma educação estreita, desmoralizada e corrompida por um injustificável orgulho.¹³

    Com essa transformação do espírito judaico, com a vitória dos doutores sectários, coincide o começo das perseguições oficiais. Até a essa época, só tinham ocorrido explosões de ódios locais, mas não vexações sistemáticas. Com o triunfo dos rabinistas, vemos nascer os guetos, e as expulsões e os massacres começam. Os judeus querem viver apartados: separam-se deles. Eles detestam o espírito das nações em meio às quais vivem: as nações expulsam-nos. Eles queimam o Moreh: queimam o Talmude, e queimam eles próprios.¹⁴

    Parece que nada podia agir ainda para separar completamente os judeus do resto dos homens, e para fazer disso um objeto de horror e reprovação. Uma outra causa veio, contudo, somar-se àquelas que acabamos de expor: foi o indomável e tenaz patriotismo de Israel.

    É verdade, todos os povos foram ligados ao solo sobre o qual nasceram. Vencidos, abatidos por conquistadores, obrigados ao exílio ou à escravidão, eles permaneceram fiéis à doce lembrança da cidade saqueada ou da pátria perdida; mas nenhum conheceu a patriótica exaltação dos judeus. É que o grego, cuja cidade fora destruída, podia reconstruir alhures o lar que os ancestrais abençoavam; o romano que se exilava levava consigo seus penates; Atenas e Roma não eram a mística pátria que foi Jerusalém.

    Jerusalém era a guardiã do tabernáculo que continha as palavras divinas; era a cidade do Templo único, o único lugar do mundo onde se podia eficazmente adorar Deus e oferecer-lhe sacrifícios. Foi só tarde, muito tarde que casas de oração foram erguidas em outras cidades da Judeia, ou da Grécia, ou da Itália; além do mais, nessas casas, limitavam-se a leituras da Lei, a discussões teológicas, e não conheciam a pompa de Jeová senão em Jerusalém, o santuário escolhido. Quando, em Alexandria, construíram um templo, ele foi considerado herético; e, de fato, as cerimônias que eram ali celebradas não tinham qualquer sentido, pois elas só deveriam realizar-se no verdadeiro templo, e São Crisóstomo, após a dispersão dos judeus, após a destruição da cidade deles, pôde dizer com justeza: Os judeus sacrificam em todos os lugares da terra, exceto lá onde o sacrifício é permitido e válido, isto é, em Jerusalém.

    Assim, para os hebreus, o ar da Palestina é o melhor; ele basta para tornar o homem sábio¹⁵; sua santidade é tão eficaz que quem quer que permaneça fora de seus limites é como se não tivesse Deus¹⁶. Desse modo, não se deve viver alhures, e o Talmude excomunga aqueles que comerão o cordeiro pascal em um país estrangeiro.

    Todos os judeus da dispersão enviavam a Jerusalém o imposto da didracma para a manutenção do templo; uma vez em suas vidas eles iam à cidade sagrada, como mais tarde os maometanos iam à Meca; após suas mortes, faziam-se transportar à Palestina, e numerosas eram as embarcações que aportavam na costa, carregadas de pequenos caixões, que eram transportados no dorso de camelos.

    É que só em Jerusalém, e no país dado por Deus aos ancestrais, os corpos ressuscitariam. Lá, aqueles que houvessem acreditado em Jeová, que tivessem observado sua lei, obedecido sua palavra, despertariam aos clamores dos últimos clarins e apareceriam ante seu Senhor. É só lá que eles poderiam reerguer-se na hora fixada; toda outra terra que não fosse essa irrigada pelo Jordão amarelo era uma terra vil, corrompida pela idolatria, privada de Deus.

    Quando a pátria morreu, quando os destinos contrários varreram Israel pelo mundo, quando o templo pereceu nas chamas, e quando idólatras ocuparam o solo santíssimo, a nostalgia dos dias passados perpetuou-se na alma dos judeus. Estava acabado; eles não poderiam mais, no dia do perdão, ver o bode expiatório levar pelo deserto seus pecados, nem ver matar o cordeiro para a noite de páscoa, nem portar ao altar suas oferendas; e, privados de Jerusalém durante sua vida, eles não seriam conduzidos para lá após sua morte.

    Deus não devia abandonar seus filhos, pensavam os devotos; e ingênuas lendas vieram apoiar os exilados. Junto à tumba dos judeus mortos no exílio, dizia-se, Jeová abre longas cavernas através das quais seus cadáveres rolam até à Palestina; quanto ao pagão que morre lá, próximo às colinas consagradas, ele sai da terra de eleição, pois não é digno de permanecer lá onde a ressurreição far-se-á.

    E isso não lhes bastava. Eles não se resignavam a não ir a Jerusalém senão como peregrinos lamentáveis, chorando contra os muros desmoronados, a tal ponto insensíveis em sua dor que alguns se faziam esmagar pelos cascos dos cavalos, enquanto, gemendo, beijavam a terra; eles não acreditavam que Deus, que a cidade bem-aventurada haviam-nos abandonado; com Juda Levita, eles exclamavam: Sião, esqueceste teus infelizes filhos que gemem na escravidão?

    Esperavam que seu Senhor, com sua poderosa mão direita, reerguesse as muralhas caídas; esperavam que um profeta, um eleito reconduzisse-os à terra prometida; e quantas vezes viu-se, no transcurso dos séculos — eles a quem censuram de apegar-se em demasia aos bens deste mundo — abandonar sua casa, sua fortuna, para seguir um messias falacioso que se oferecesse a conduzi-los e prometesse-lhes o retorno tão esperado! Foram milhares aqueles seduzidos por Serene, Moisés de Creta, Alroy, e que se deixaram massacrar à espera do dia feliz.

    Entre os talmudistas, esses sentimentos de exaltação popular, esses místicos heroísmos transformaram-se. Os doutores ensinaram o restabelecimento do império judaico, e, para que Jerusalém nascesse de suas ruínas, eles quiseram conservar puro o povo de Israel, impedi-lo de misturar-se, penetrá-lo dessa ideia segundo a qual em toda a parte ele era exilado, no meio de inimigos que o retinham cativo. Eles diziam a seus alunos: Não cultiva o solo estrangeiro, logo cultivarás o teu; não te apega a nenhuma terra, pois assim seria infiel à lembrança de tua pátria; não te submeta a nenhum rei, porque só tens como mestre o Senhor do país santo, Jeová; não te dispersa no seio das nações, comprometerias tua salvação e não verias luzir o dia da ressurreição; conserva-te tal como saíste de tua casa; chegará a hora em que tornarás a ver as colinas dos ancestrais, e essas colinas serão então o centro do mundo, do mundo que te será submisso.

    Assim, todos esses sentimentos diversos que haviam outrora servido para constituir a hegemonia de Israel, para manter seu caráter de povo, para permitir-lhe que se desenvolvesse com uma fortíssima e elevadíssima originalidade; todas essas virtudes e todos esses vícios que lhe deram esse especial espírito e essa fisionomia necessários para conservar uma nação, que lhe permitiram alcançar sua grandeza, e mais tarde defender sua independência com uma selvagem e admirável energia; tudo isso contribuiu, quando os judeus cessaram de formar um Estado, a encerrá-los no mais completo, no mais absoluto isolamento.

    Esse isolamento fez sua força, afirmam alguns apologistas. Se eles querem dizer que graças a ele os judeus persistiram, isso é verdadeiro; mas se considerarmos as condições nas quais eles permaneceram entre os povos, veremos que esse isolamento fez sua fraqueza, e que eles sobreviveram, até aos tempos modernos, como uma legião de párias, de perseguidos e amiúde de mártires. De resto, não é unicamente à sua reclusão que eles deveram essa persistência surpreendente. Sua excepcional solidariedade, devida às suas desgraças, o apoio mútuo que eles deram-se, desempenhou um grande papel nisso; e, ainda hoje, enquanto em certos países eles imiscuem-se na vida pública, tendo abandonado seus dogmas confessionais, é essa própria solidariedade que os impede de fundir-se e desaparecer, conferindo-lhes apanágios aos quais não são absolutamente indiferentes.

    Essa preocupação com interesses mundanos, que marca um lado do caráter hebraico, não foi sem ação sobre a conduta dos judeus, sobretudo quando eles abandonaram a Palestina; e dirigindo-os em certas vias, à exclusão de tantas outras, ela provocou contra eles as mais violentas e sobretudo as mais diretas animosidades.

    A alma do judeu é dupla: ela é mística e é positiva. Seu misticismo vai das teofanias do deserto aos devaneios metafísicos da cabala; seu positivismo, melhor dizendo, seu racionalismo, manifesta-se tanto nas sentenças do Eclesiastes quanto nas disposições legislativas dos rabinos e nas controvérsias dogmáticas dos teólogos. Mas se o misticismo desemboca num Fílon ou num Spinoza, o racionalismo conduz ao usurário, ao pesador de ouro; ele faz nascer o negociante ávido. É verdade que às vezes os dois estados de espírito justapõem-se, e o israelita, como isso ocorreu na Idade Média, pode levar uma vida dupla: uma consagrada ao sonho do absoluto, a outra ao mais sagaz comércio.

    Desse amor dos judeus pelo ouro, não trataremos aqui. Se ele se exagerou a ponto de tornar-se, para essa raça, aproximadamente o único motor das ações, se engendrou um antissemitismo muito violento e muito áspero, não pode ser considerado como uma das causas gerais. Ele foi, ao contrário, o resultado dessas próprias causas, e veremos que é em parte o exclusivismo, o persistente patriotismo e o orgulho de Israel, que o levaram a tornar-se o usurário odiado pelo mundo inteiro.

    Com efeito, todas essas causas que acabamos de enumerar, se elas são gerais, não são únicas. Denominei-as

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