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A Alcateia
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E-book281 páginas3 horas

A Alcateia

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Sobre este e-book

"Vem Lobo! Coroa-te no sangue dos apressados"

Rituais de morte se espalham pela cidade de Curitiba e cabe ao Investigador da Homicídios, Flávio Patrezzi, com a ajuda imprescindível de seu consultor, Alexandre Matsui, impedir a propagação do horror causado pela Alcateia.

Garotos somem de dentro de suas casas e os únicos rastros são os cadáveres de seus familiares, mutilados e marcados a fogo. Mas quem disse que os mortos não podem ser interrogados?

Acompanhe a perseguição aos responsáveis por estes crimes bárbaros numa caçada que os levará aos corredores labirínticos do próprio Inferno.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de nov. de 2019
ISBN9786580199068
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    A Alcateia - Glauco Freitas

    AUTOR

    PRÓLOGO

    A chamada tinha vindo às 21h23, mas a viatura só deixou o local em que estava parada às 21h28: esperaram os prensadões ficarem prontos antes de partir, vendo o carrinho de cachorro-quente sumir do retrovisor ao dobrarem a esquina. O giroflex vinha aceso, mas a sirene estava silenciosa, pois não estavam com pressa: aquela não seria a chamada mais emocionante da noite. Ou assim pensavam.

    Na direção ia o soldado Almeida com seus cinco anos de experiência e, ao seu lado, um aspirante a tenente do terceiro ano, o Aspirante Lemos. Entraram na Avenida Guilherme Pugsley e, ainda que não estivesse vazia, o homem ao volante acelerou, costurando seu caminho entre os carros. Não demoraram a passar a maternidade, virando logo em seguida e parando à frente de um dos prédios.

    A mulher, que ligara tão desesperada à polícia, esperava-os lá embaixo, um cigarro aceso na boca.

    — Boa noite — cumprimentaram os policiais.

    — Boa noite — respondeu ela, caminhando meio consternada em direção à viatura, seu roupão lilás cobrindo a camisola.

    — Foi a senhora quem chamou a polícia? — indagou o aspirante. Foi, respondeu ela. — E qual é o problema?

    — Olha, o problema é o seguinte… — Lá vem mais uma longa história que poderia ser resumida numa frase, se essa mulher não quisesse contar a vida inteira dela, pensou o soldado. — Meus filhos, eles têm quinze anos, são gêmeos, eles eram meninos bons, educados…

    Não são sempre?, indagou-se Almeida.

    — …Mas, de uns tempos pra cá, eles tão muito diferentes. Eles se trancam no quarto, ficam ouvindo aquelas músicas de drogado que é só gritaria, não respondem quando a gente fala com eles…

    Isso é falta de cinta, quis dizer.

    — Entendo — disse o aspirante, solícito.

    'Entende' porque aqui é o Água Verde. Se fosse no Osternack não ia ser nessa gentileza toda, pensou o soldado.

    — E hoje eles se trancaram no quarto de manhã e não saíram o dia inteiro! Eu quase derrubei a porta batendo pra eles abrirem, mas eles não respondem! — Certo. — Eu tenho medo que eles tenham… Se drogado ou bebido, ou usado alguma coisa e ‘tejam desmaiados lá dentro!

    O aspirante soltava mais um murmúrio de concordância quando outra viatura chegou. O soldado Santiago e o cabo Santos se juntaram à primeira dupla.

    — Parece que esses riquinhos merdeiros encheram o cu de erva ou de pó e se trancaram no quarto o dia inteiro. A mãe tá achando que eles desmaiaram e, sei lá, pode ser OD também — disse o soldado da primeira viatura aos recém-chegados. Claro, quando a mãe dos garotos não podia ouvi-los.

    A senhora levou mais cinco minutos implorando aos policiais que dessem um jeito nos garotos, assustá-los de forma que nunca mais repetissem aquilo… Os policiais trocavam olhares cada vez mais significativos.

    Enfim, subiram.

    Pararam no quarto andar e entraram no apartamento no fim do corredor. Os quatro homens foram levados através da bonita sala de estar e a senhora lhes apontou a primeira porta no corredor, à qual os policiais se empertigaram.

    — Quais os nomes deles?

    — Ricardo e Eduardo — respondeu a senhora, aflita, quase arrependida de tê-los chamado.

    O aspirante bateu à porta:

    — Ricardo, abre a porta. É a polícia. — Silêncio foi toda a resposta que receberam. Ele empregou um pouco mais de força então. — Ricardo, é da polícia.

    Novamente, silêncio. Não houve sequer um ruído que pudesse indicar uma presença no quarto.

    — Senhora, tem certeza que eles tão aí dentro?

    — Sim, eles não saíram do quarto hoje!

    — A senhora tem certeza disso? — O aspirante estava ainda mais sério. — Eles não podem ter saído quando a senhora não ‘tava prestando atenção?

    — Se tivessem saído, a porta não ‘taria trancada!

    Parecia óbvio, mas foi a primeira vez que ocorreu ao aspirante levar a mão à maçaneta. E sim, a porta estava trancada.

    — A senhora me dá permissão pra derrubar a porta?

    Naquele primeiro segundo, a dúvida cruzou aquele rosto repuxado por plásticas e besuntado de creme antirrugas. Estava claro que ela achava embaraçoso que os vizinhos lhe viessem reclamar pela barulheira que um arrombamento poderia causar.

    — Pode — disse ela, finalmente. Foi numa voz hesitante, mas, ao menos, parecia mais preocupada com os filhos do que com qualquer falatório do dia seguinte.

    Com um aceno de cabeça, o aspirante chamou um dos soldados para a porta e se afastou — veja bem, o soldado Santiago era uma cabeça mais alta que Santos e Almeida, que já eram uma cabeça mais alta que Lemos. O soldado ergueu a pata e desferiu o chute contra a porta, que se abriu e bateu contra a parede atrás desta. O cabo foi o primeiro a entrar no quarto, sendo seguido pelos homens do primeiro carro, enquanto seu parceiro arrombador de portas permanecia no corredor.

    O que o aspirante viu foi o breu. O quarto estava com as luzes apagadas e os blackouts puxados, iluminado somente pela luz do monitor do computador. O terceiro a entrar, Lemos, só notou a presença quando os homens à sua frente abriram caminho: um dos rapazes estava sentado na cadeira do computador, um filhote de cachorro — aparentemente morto — em seu colo e um saco de tecido sobre sua cabeça.

    Os três homens, todos com as mãos sobre as armas que ainda repousavam nos coldres, se entreolham.

    — Ricardo? — chamou o aspirante, sem resposta. — Eduardo?

    — Saiam! — vociferou o rapaz, ainda que sua voz fosse um tanto grave demais para alguém da sua idade.

    — A gente veio porque sua mãe tava preocup…

    — Saiam, agora! E levem a vagabunda com vocês!

    Com um aceno de cabeça do aspirante, os policiais começaram a, lentamente, rodear o rapaz.

    — Você acha certo falar esse tipo de coisa da sua m…?

    — Vão embora! Ele é meu agora!

    A voz era tão agressiva e grave que fez Santos, mais próximo, recuar um passo.

    — Escuta, Eduardo…

    — Não há mais Eduardo! — Nesse momento, o monitor piscou, falhando e permanecendo em uma tela negra por três segundos. — Ele é meu, ele é meu!

    Quando a luz voltou, uma figura negra estava atrás do rapaz, as mãos pálidas sobre seus ombros. Santos recuou, saltando para trás com um sonoro Minha Nossa Senhora!.

    Enquanto o monitor piscava outra vez, a figura sombria sumia.

    Talvez pelo choque, Almeida continuou onde estava e, em seguida, avançou outro passo. Paralisado e completamente mudo, o aspirante o assistiu dar outro passo e outro passo, cada vez mais perto do rapaz.

    Quando estava próximo o suficiente, o policial estendeu a mão para remover o saco que lhe cobria a cabeça, hesitando no momento em que, sem dizer uma palavra, o jovem voltou a cabeça em sua direção, encarando-o. Almeida engoliu em seco e tocou o capuz, sendo iluminado por uma luz vermelha que vinha do monitor: na tela rubra a mensagem Vem, Lobo. Coroa-te no sangue dos apressados. O policial puxou o saco e… nada. Não havia uma cabeça sobre os ombros do rapaz.

    A luz do monitor se apagou.

    O grito dos policiais acordou todo o prédio.

    CAPÍTULO 1

    Caçador

    Não dormiria aquela noite assim como não dormira as três últimas. A exaustão já o tinha alcançado, mas tinha mais medo do que sono. O que o apavorava não era o dormir em si, mas o acordar. Não queria vê-la de novo.

    Era ela quem o acordava, com seu choro sentido, cheio de tristeza. Ela não parecia vê-lo, mas isso porque ele ficara imóvel, paralisado de medo, entocado sob as cobertas, e ela, enrolada num canto, abraçando os joelhos, o queixo tocando o peito e os cabelos negros cobrindo o rosto. Se não se mexia, também não ousava fechar os olhos. Tinha medo do que aconteceria se a perdesse de vista.

    E, assim, se passara a primeira semana…

    Na segunda semana trocou seu turno, trabalhando à noite e descansando durante o dia. Dormia com a cortina aberta e a luz do sol na cara. Não acordava mais ouvindo lamúrias, mas, cada vez que abria os olhos, seu coração disparava e, lentamente, ele voltava-se para o canto, procurando-a.

    Dormia tranquilo, mas sentia-se inquieto durante o serviço. Em cada janela parecia que alguém o observava, cada brisa parecia trazer aquele mesmo choro e ele recusava-se a olhar diretamente para um espelho. Tinha conseguido evitar o banheiro nas duas primeiras noites, mas o terceiro dia tinha sido anormalmente quente e ele tinha tomado muita água e suco e…

    Deu indiretas, tentando arrastar algum colega para o banheiro com ele, mas só o que conseguiu foi olhares estranhos. Quando a necessidade ultrapassou o medo, ele entreabriu a porta e acendeu a luz antes de entrar. Foi até o mictório sem olhar para o espelho e, claro, sem fechar a porta atrás de si. Abriu o zíper e urinou, sentindo calafrios e olhando por sobre os ombros.

    Quando terminou, foi até a pia, olhando diretamente para a torneira, tendo certeza de nunca erguer os olhos para o espelho. Lavou as mãos tão rápido quanto pôde e foi em direção à porta… fechada. Parou e sentiu a cabeça leve, segurou a respiração e sentiu os cabelos do braço eriçarem-se. A voz veio de trás:

    — Você me acha bonita?

    Ele gemeu, quase num choro, agarrou o trinco, escancarou a porta e saiu correndo… durante o trabalho, nunca mais foi ao banheiro.

    E assim se passara a segunda semana…

    Na terceira semana, se precisava ir ao banheiro, ia a lugares públicos. Por diversas vezes, achou que sua bexiga se romperia, mas recusava-se a entrar num banheiro sozinho. Se antes achava incômodos os chuveiros coletivos de seu bloco, agora dava graças a Deus por eles. Ficava de tocaia esperando que alguém entrasse no chuveiro para correr até lá e tomar banho. Lavava-se o mais rápido possível, afinal, não queria ficar para trás. Mas aconteceu…

    Tinha esperado o dia inteiro. Ninguém toma banho nessa merda?, xingou. Foi apenas perto das dezessete horas, quando ele já estava quase saindo para seu turno, que alguém resolveu tomar uma ducha. Agarrou suas coisas e correu para o banho. Cumprimentou o outro homem com um aceno de cabeça e andou até o fim da sala, pegando um dos chuveiros do fundo. O outro homem via qualquer coisa em seu celular, o que era bom, já que lhe dava um pouco mais de tempo.

    Ligou o chuveiro e enfiou-se embaixo d’água. Ouviu o homem esbravejar, tinha esquecido algo em seu quarto. Seu coração parou. A porta fechou-se quando ele saiu do banheiro, largando-o lá, sozinho. Por vários segundos ficou completamente imóvel. Achou ter ouvido passos descalços. E, de repente, sentiu um frio que vinha de dentro e sentiu medo, tanto medo que se urinou… ainda bem que estava no chuveiro.

    Os passos se aproximavam e ele ouviu um fungar, como o de alguém que chora e, então, veio o soluçar. Era de uma mulher, tinha certeza. Fechou os olhos para não chorar e, de repente, os passos descalços pisaram em água e pararam. E pararam, ele sabia, logo atrás dele.

    A porta se abriu e o homem entrou, barulhento, contando como tinha esquecido o sabonete. O barulho quase o matou do coração, mas graças a Deus não estava mais sozinho lá. Tomou seu banho, que nunca pareceu tão quente e revigorante. Desligou quando o outro homem começava a enxaguar-se, então tinha tempo de sobra. Passou a mão sobre o rosto para livrá-lo da água e assoou o nariz, então olhou para baixo e viu o ralo.

    Tinha certeza de que não estavam ali antes, e mais ainda de que não eram dele. Abaixou-se e pegou-os. Aqueles cabelos negros e compridos emanavam o cheiro doce e acre da putrefação. Esforçou-se para não vomitar, mas tossiu violentamente para isso. Largou aquele emaranhado nojento e, quando os cabelos tocaram a água que escorria pelo ralo, um fio vermelho juntou-se ao fluxo que corria cano abaixo.

    Quis correr para o seu quarto, mas era o quarto dela também. Estava nu e, por pura idiotice, não havia trazido roupas consigo. Poderia enrolar-se na toalha, mas quando o outro homem saísse do banho ficaria sozinho. Não tinha para onde fugir. Aonde iria, só de toalha? Se ficasse no corredor poderia dizer que tinha perdido a chave de seu quarto, mas quando alguém girasse a maçaneta, a porta abriria… E não podia ficar só de toalha no corredor. Pagaria caro se o fizesse.

    Entraria correndo, pegaria suas roupas e voltaria ali, onde as vestiria antes de o outro homem sair do banho e, então, estaria livre. Não pensou se era um bom plano, apenas executou-o. Enrolou-se na toalha e passou correndo pela porta, foi até o terceiro quarto à direita, invadiu-o, abriu seu armário, agarrou o que precisava e… ouviu passos no corredor. Passos descalços sobre o chão de piso gelado. Ele sabia que ela vinha para o seu quarto. O quarto dela.

    Ele deslizou para baixo da cama e cobriu a boca com uma das mãos. Ficou olhando para a porta, à esquerda, mas só podia ver metade dela. Começou a rezar e a pedir, implorar… A porta fechou-se com uma batida. Seus olhos estalaram e ele procurava-a. Ninguém tinha entrado no quarto e os passos tinham parado. Alguém tinha ouvido suas preces. Olhou para o lado…

    — Você me acha bonita?

    O caçador deu seu primeiro passo para dentro do dormitório e sentiu o frio. Do lado de fora do prédio era uma noite de verão e a temperatura era de 27 graus, algo bastante alto para Curitiba, mas ali dentro deveria estar pouco menos de dez. Caminhou pelos corredores escuros sem grandes preocupações. Estava calmo como sempre, ainda que a adrenalina estivesse em seu sangue, e ele podia sentir a presença dela por mais distante que fosse.

    O dormitório estava cercado de policiais, membros da Polícia Militar e Civil em números aproximados. Os militares estavam ali pelo simples fato de que o dito dormitório ficava na sua Escola de Oficiais e o rapaz assassinado há duas noites era um de seus cadetes. Os Policiais Civis, por sua vez, eram membros da Homicídios e sua Polícia Científica e ainda não tinham conseguido remover o cadáver do interior de seu quarto.

    Fora isso, dois dos seus também haviam sido atacados lá dentro, o que resultou em mais uma vítima.

    Foi um dos policiais civis que chamou o caçador para lá. O investigador Flávio Patrezzi era membro da Homicídios, mas era acionado apenas quando casos insólitos eram encontrados. Não era difícil ouvir chamarem-no de Mulder ou Babá de Mãe Diná pelos corredores.

    O caçador, vestido em calças jeans escuras, botas marrom e camiseta branca com uma estampa levemente ininteligível, com símbolos místicos que não significavam coisa alguma, começou a subir as escadas para o segundo andar, sentindo o frio aumentar ainda mais.

    Sobre a tal camisa branca, o colete da Polícia Civil onde se lia HOMICÍDIOS às costas.

    Agora podia ver sua respiração e sentia os pelos do braço arrepiarem. Sentiu a presença mais uma vez, como se ela estivesse espionando, vendo quem invadia sua casa antes de fugir para o seu quarto. Sabia que era ela, a pobre garota encontrada morta há quase trinta e cinco anos.

    Tinha sido brutalmente estuprada, espancada, havia um corte profundo no lado direito de seu rosto, indo da testa ao queixo, os olhos tinham sido perfurados e, como se não fosse o suficiente, tinha sido enforcada do lado de fora da janela de seu quarto. Quarto, este, onde Ronaldo Farias, cadete da Polícia Militar, tinha sido encontrado morto. Estava sentado em sua cadeira, possuía hematomas por todo o corpo, um corte no lado direito de seu rosto, olhos perfurados e um hematoma característico de enforcamento em seu pescoço. Não podia ser coincidência, ainda mais quando, por duas outras vezes, cadáveres na mesma situação foram encontrados.

    — Das duas vezes aquele bloco tinha sido reaberto para ocupação — disse o capitão Ramos, comandante da Escola de Oficiais da Polícia Militar do Paraná. Era um homem corpulento, de ombros largos, pele negra e rosto duro, mas parecia bastante cooperativo naquela manhã.

    — Reabertos? — estranhou Patrezzi. Estavam na sala do capitão, na manhã seguinte ao ataque aos peritos da Polícia Científica.

    — Sim. — A pele negra do capitão brilhava. — Da primeira vez, fecharam por causa do… da garota. O bloco C era reservado pras cadetes femininas e, quando uma delas apareceu morta, pendurada do lado de fora do seu quarto, as outras desistiram do curso. Demorou até que mulheres fossem admitidas novamente na Escola.

    — E o bloco só reabriu pra elas?

    — Não, não. Foi antes. O número de cadetes aumentou e não havia dormitórios para todos, então reabrimos o bloco C. Construímos o bloco D quando reabrimos as inscrições femininas.

    Patrezzi assentiu e voltou a estudar os papéis. Encontrou o laudo médico da primeira morte no bloco C, da cadete M. L. M.. Ele leu cada palavra com indignação.

    — Estuprada, espancada e enforcada.

    — E teve os olhos perfurados — adicionou o capitão, e então, em tom de lamento: — Mulheres não foram bem aceitas na PM, na época. Alguns homens… perderam a razão.

    — Alguns animais, você quer dizer.

    Sem nenhuma palavra, o capitão assentiu, sem dizer se concordava ou não com a afirmação. Patrezzi então correu o olho pelo segundo laudo médico, referente ao cadete J. De M. G..

    — Espancamento e asfixia — ele disse. — Sem estupro dessa vez, mas furaram os olhos dele também.

    — Sim. — O capitão apontou para o papel. — Não está no laudo, mas há um corte no lado direito do rosto. Provavelmente feito com uma faca.

    Patrezzi voltou sua atenção aos laudos.

    — No da Ma… — Ele se segurou pouco antes de dizer o nome da cadete assassinada. — Da primeira vítima, cita esse corte no rosto.

    — É, eles obrigaram o médico a esconder isso no segundo laudo.

    — Por quê?

    — Alguém achou que parecia coisa de assassino em série, como uma assinatura.

    Patrezzi concordou, mas tinha o relato da policial que sobrevivera ao ataque na noite anterior e já tinha visto o suficiente para acreditar que aquilo não era obra de assassino algum.

    Já era noite novamente quando os dois peritos entraram no quarto. O homem ia na frente, cuidando onde pisava e a mulher o seguia, tentando pisar exatamente no mesmo local que ele. Ambos traziam coletes pretos com PERÍCIA escrito em amarelo, às costas. Ele foi até o corpo que jazia sentado numa cadeira simples, ela registraria em fotos o local do crime e o corpo da vítima. Sentiram o cheiro de sangue seco.

    — Levaram um dia pra notar que o cara tinha sumido — disse o homem barbado e um pouco acima do peso, já chegando aos seus quarenta anos.

    — A noite anterior era folga dele — argumentou a moça, que não deveria ter trinta.

    — É, mas ninguém sentiu falta dele? Estava de folga e ele não saiu pra beber, ninguém da família ligou… Só perceberam que ele tinha sumido quando não se apresentou pro trabalho.

    Bastou uma olhada rápida para encontrar hematomas que indicavam asfixia por enforcamento, ainda que não se visse a arma do crime em local nenhum. É claro, tal hematoma foi a segunda coisa a ser notada pelo perito, se não a terceira. Os olhos perfurados e o corte no lado direito do rosto, fundo até os ossos, tomaram a atenção primeiro.

    Flashes pipocavam em um intervalo de poucos segundos, mostrando as manchas de sangue, a posição dos objetos, o posicionamento do corpo… nada no cômodo indicava luta ou suicídio, exceto as marcas e ferimentos no corpo da vítima. Ela focara as próximas fotos no cadáver. Tirou foto de seu pescoço e rosto e, então, de como estava posicionado na cadeira. Quando afastou os olhos

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