Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador: Encontros e travessias
Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador: Encontros e travessias
Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador: Encontros e travessias
E-book248 páginas5 horas

Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador: Encontros e travessias

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Estrutura e espontaneidade. Dois termos supostamente opostos que atuam durante o processo de trabalho do ator. Etimologicamente, são facilmente definidos, mas teriam conexão com as expressões estabelecidas por Grotowski? O elo travado entre essas duas forças é extremamente relevante nas investigações do diretor polonês e durante todo seu percurso artístico, que ora parecem conflitar-se, ora harmonizar-se. "Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador: encontros e travessias" é uma publicação destinada a estudantes, profissionais e interessados pelo processo teórico-prático do artista teatral.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de fev. de 2020
ISBN9786599011306
Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador: Encontros e travessias

Relacionado a Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador

Ebooks relacionados

Antiguidades e Colecionáveis para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Grotowski e a estrutura-espontaneidade do ator-criador - Bruno Leal Piva

    corpo-memória.

    Prefácio

    Em 2019, completaram-se 20 anos da morte de Jerzy Grotowski. E o velho polonês foi lembrado mundo afora, em conferências, mostras, seminários. Isso prova que seu trabalho continua instigante em pleno século XXI. Não somente porque o centro de trabalho que fundou na cidade italiana de Pontedera em 1986, o Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards, continua ativo e em intensa criatividade, mas especialmente porque o que disse sobre a arte, a vida e o ser humano continua sendo impactante, desde quando fazia teatro até quando foi fazer a sua macumba, como disse a Celina Sodré (2014) certa vez em relação à sua última fase investigativa, da Arte como Veículo.

    Seu trabalho foi e é uma provocação. Quem se propõe a vê-lo com um mínimo de atenção não sai incólume. Ainda que seja para tecer uma aguda crítica, a pessoa sai provocada. Mas lembrando: apenas se der uma mínima atenção ao que lê ou ao que assiste e ouve. Hoje existe um razoável material audiovisual onde os mais novos podem conhecer ao menos a aparência do que foram as propostas do diretor para o teatro. Ainda que não compreenda sua influência sobre o teatro mundial pós-1960 – nas universidades brasileiras geralmente sua obra é vista de forma muito superficial – o jovem estudante pode ao menos fazer perguntas, tais como, por que diabos esse negócio de ator-santo marcou aquela época?. E outras mais. Muitas mais. Inclusive novas perguntas podem ser feitas sobre a sua obra, especialmente em tempos que exigem agudas reflexões sobre as problemáticas do interculturalismo e das dinâmicas étnico-raciais, campos onde Grotowski atuou profundamente ao longo de toda a sua existência, mais evidentemente da fase conhecida como Teatro das Fontes em diante.

    Quando, na época em que colaborei como performer no Workcenter, abri mão de herdar um terno velho que um dia o polonês viajante usara, compreendi que tudo pode ser mais leve nas relações de afinidades artísticas que construímos, especialmente quando somos mais novos em relação a alguém que temos por referência de mestria. E isso jamais significará desrespeito, desde que a conversa esteja fundada naquele ponto de identidade que surgiu quando, ouvindo, lendo ou vendo uma poética teatral que nos atravessou, respondemos sem ninguém perguntar: É isso o que eu quero fazer também. Essa resposta solitária instaura uma relação amorosa e não destruidora, ainda que ingênua a princípio. Acredito que, em se tratando do trabalho provocador de Grotowski e da sua trajetória artística não menos provocativa, são respostas solitárias como essas que mobilizam artistas e pesquisadores de sua obra.

    A tentativa de responder com autonomia e identidade uma das perguntas que sempre retornam – a relação entre estrutura e espontaneidade na poética grotowskiana – está presente neste livro que Bruno Piva traz a público a partir do seu mestrado.

    No seu estudo, Piva procura dar suas próprias respostas à grande provocação que emergiu desde os tempos do Teatro-Laboratório na Polônia: como atuar com plena liberdade subjetiva dentro da objetividade formal que a mesma atuação exige, para que se configure como arte e não espontaneísmo? Esta pergunta é quase um koan zen-budista. Mas como um koan, absurdamente contraditório e sem aparente solução, é essa natureza paradoxal que mobiliza o aprendiz ao ato da busca pela compreensão. No campo das artes cênicas geram pesquisas e materializações teatrais.

    O caminho de Piva neste livro, ao revelar suas próprias dúvidas, amplia a partilha dessa constante e saborosa questão que instiga muitos pesquisadores da área. E o que é mais interessante, é que, além de trazer como interlocutores o avô e o filho de Grotowski, Constantin Stanislavski e Eugenio Barba, respectivamente, chama para conversa um primo de terceiro grau, Antunes Filho, que foi assistente do mais famoso polaco do nosso teatro, o diretor Zbigniew Ziembinski.

    Antunes, outro relevante homem de teatro brasileiro, figura também única, que propôs um olhar e uma prática sobre o ator, fundando um dos nossos mais importantes, mas poucos, centros de pesquisa teatral. Antunes que também necessita no futuro que lhe coloquem um olhar crítico a partir das óticas feministas e raciais.

    É um exercício novo que Bruno Piva traz, este de colocar o mestre polonês em contato com o mestre brasileiro, que se aproximavam pela consciência da importância de uma pedagogia para a formação humanística da e do atuante e pela afinidade com formas de pensamento e práticas corporais não ocidentais.

    Como exercício em movimento, este trabalho se soma ao acervo de estudos grotowskianos, apoia outras teses, apresenta variantes comparativas e pode colaborar para que jovens estudantes e pesquisadores de teatro entrem com alguma referência nesse labirinto de paredes móveis que as perguntas de Grotowski continuam a reconstruir.

    Santo André, fevereiro de 2020.

    Luciano Mendes de Jesus

    1. Acepções aos termos estrutura e espontaneidade e a técnica como caminho do meio

    Tratar a relação entre dois termos opostos, mas totalmente complementares, exige um exercício muito apurado de olhar nas entrelinhas de sua união e os efeitos que dela resultam. Essa linha de investigação a que se propõe Grotowski é apontada e comentada em suas diversas conferências, palestras e entrevistas, registradas tanto em documentos escritos como em vídeos, conforme ele relata nesse trecho:

    Dizer que se trata de uma conjunctio oppositorum entre espontaneidade e disciplina ou, [...] espontaneidade e estrutura, ou [...] espontaneidade e precisão, seria um pouco como usar uma fórmula árida, calculada [...] do ponto de vista objetivo, é precisamente isso. (Grotowski, 2010i, p. 174, grifo do autor)

    Na tentativa de compreender a que se refere o diretor polonês quando utiliza o termo estrutura e espontaneidade em seu trabalho artístico, são buscadas acepções que possam aproximar-se ao seu universo lexical, no que diz respeito ao vasto vocabulário por ele criado e/ou adaptado, muitas vezes emprestado de fontes não apenas artísticas, como também filosóficas, psicanalíticas e até científicas. Sobre sua terminologia,

    É uma terminologia que tira de várias fontes. Nela encontram-se palavras e fórmulas ideadas não só por ele. Mas prescindindo do fato de que o próprio Grotowski tenha inventado algumas fórmulas, ou tenha tirado inspiração de alguma parte [...] considerava o furto criativo um indispensável procedimento espiritual – todas as palavras e as fórmulas, independentemente da sua origem, as torna próprias e em virtude de uma peculiar alquimia elas se fundem com ele. (Flaszen, 2010a, p. 28)

    Assim, embora esses termos sejam estritamente indissociáveis em toda trajetória artística de Grotowski, os quais um é interdependente do outro, neste capítulo procurar-se-á isolá-los, a fim de buscar interpretações e associações significativas do valor a eles atribuídos, na constituição do trabalho de ator por ele dirigido. Não existe a intenção de alcançar hipóteses de como os termos poderiam atuar independentemente em sua e nesta investigação, mas apenas, como já aludido, encontrar maneiras de interpretá-los à luz de outros campos do saber, como bem o fazia:

    O ponto de partida de tal peregrinação polissemântica pode ser uma modesta palavra de origem científica ou técnica. Ou, ao contrário: uma fórmula de ressonância filosófica tem em Grotowski uma rigorosa aplicação técnica. Esses dois planos são intercambiáveis, passam livremente de um a outro. (Flaszen, 2010a, p. 29)

    O diretor polonês, ao mesmo tempo que afirmava não pretender explicar nada com palavras, selecionava com grande habilidade os termos que utilizava para descrever ou apontar suas propostas. Não procurava, no entanto, encontrar definições exatas para eles. Mas teria ele conseguido fixar suas experiências em palavras definitivas? Ele percorria ininterruptamente por suas obras, revisando e editando seus textos, substituindo palavras por outras, de acordo com as experiências que a prática de seu trabalho lhe oferecia e o que para ele se ressignificava, como defende novamente Flaszen:

    Era como o legendário pintor que percorria os museus onde estavam expostas as suas obras-primas e as corrigia às escondidas. Grotowski fazia correções inexoravelmente, quando com o tempo encontrava formulações mais felizes. (Flaszen, 2010a, p. 19)

    Teria ocorrido o mesmo com a concepção do termo estrutura e espontaneidade em seus escritos e em seu trabalho prático?

    1. Tentativas de acepções para estrutura

    Para Grotowski (2010), a estrutura no trabalho do ator é fundamental para o acontecimento cênico. Em diversas passagens, a estrutura pode ser entendida como forma, disciplina, partitura, código e até mesmo precisão. Em alguns momentos, esses termos são adjetivados, passando a compor estrutura disciplinada ou partitura precisa. Portanto, não é de se estranhar caso se empreguem as modalidades do termo com o intuito de implicarem no mesmo fator. Em qualquer dos casos, essa estrutura deve ser criada e/ou utilizada sempre de modo muito rigoroso, por meio de muito treinamento, até culminar em suas montagens teatrais – ou em suas experiências artísticas depois da fase do Teatro dos Espetáculos (1959-1969)⁶.

    Recorrendo à consulta do dicionário Michaellis, obtêm-se algumas definições para a palavra estrutura:

    sf 1 Organização e disposição das partes ou dos elementos essenciais que formam um corpo. 2 Arranjo de partículas ou componentes de uma substância ou corpo; textura. 3 Modo de construção de algo; formação [...]⁷.

    Etimologicamente, estrutura provém da raiz indo-europeia ster- (estender), originando em latim struo- (dispor em camadas sucessivas; empilhar, amontoar)⁸. Na investigação de Grotowski, o corpo-voz do ator é o instrumento necessário para a textura cênica, atribuindo-lhe valor teatral, sem a qual não existe teatro, já que nele

    [...] vige a lógica da forma, caso contrário o teatro não é composição, não é estrutura, isto é, não é arte [...] o som da palavra é para o teatro forma. Se não se confirma na totalidade da partitura (sonora e rítmica) é extra teatral. (Grotowski, 2010d, p. 45)

    Ainda, para Grotowski (2010e, p. 72), a lógica artística não seria igual à da vida e tudo que fosse artístico remeteria ao artificial, que é arte. Indispensável comentar que, nessa altura, Grotowski ainda estava em início de seu percurso artístico, quando ainda sobrevalorizava a artificialidade teatral como fator primordial para impactar seus espectadores, em que seus atores deveriam revelar sua destreza corporal por meio de muita técnica e treino. Contudo, neste capítulo, a intenção não é de procurar as mudanças ocorridas durante suas fases artísticas, nem tampouco atribuir julgamento se essa era uma conduta condizente com os períodos subsequentes, mas sim buscam-se alternativas hermenêuticas e comparativas que auxiliem na compreensão do termo estrutura – e a seguir, da espontaneidade. Portanto, não é de se surpreender que essa análise percorra de modo transversal por toda sua obra, sem distinguir a fase a que se refere determinada citação ou pensamento em seu trabalho.

    É fato que a escolha da estrutura pelo ator deve ser justificável dentro do âmbito da criação artística como todo, na relação entre atores, diretor, espectadores e do ator consigo mesmo. No entanto, Grotowski incentivava que esse ato de conhecimento fosse autônomo e preciso e que a arte deveria ser considerada como caminho de existência, um veículo que exige rigor e disciplina, com a imediata compreensão do texto, cuidado com o corpo e disposição ao trabalho exaustivo, até alcançar sua eficácia (Grotowski, 1992k, p. 215).

    Umberto Eco (1986), apesar de se valer de sua teoria sobre a necessidade da estrutura para a comunicação através de signos, ou seja, sem estabelecer a existência de uma forma completa por si própria e independente de um valor semântico – que dela se faria vazia – propõe que as estruturas são definidas a priori, a partir de legados culturais e históricos, retransmitidos de geração a geração. Ele defende que, embora o criador de uma estrutura seja autônomo, acaba por encontrar na criação de sua estrutura outra estrutura precedente e

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1