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Máscaras e Imaginários: Bufão, Commedia Dell'arte e Práticas Espetaculares Populares Brasileiras
Máscaras e Imaginários: Bufão, Commedia Dell'arte e Práticas Espetaculares Populares Brasileiras
Máscaras e Imaginários: Bufão, Commedia Dell'arte e Práticas Espetaculares Populares Brasileiras
E-book563 páginas7 horas

Máscaras e Imaginários: Bufão, Commedia Dell'arte e Práticas Espetaculares Populares Brasileiras

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Sobre este e-book

A presente obra vem expor uma pesquisa que possui como ponto de partida as teorias sobre imagem e imaginário, em Bachelard, apoiando-se também na ideia bachelardiana de um Fundo Comum dos Sonhos que se perpetua e se renova mediante um DNA imaginal que punge a realidade por meio de impulsos criativos e atitudes lúdicas, agindo no corpo da pesquisatriz por meio de um processo de imaginação e de, segundo Lecoq, um Fundo Poético Comum. Tais processos de pungências, na realidade objetiva, alastram-se rizomaticamente por toda a história da humanidade, não tendo limites de tempo, cultura, espaço e território.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de abr. de 2020
ISBN9788547346478
Máscaras e Imaginários: Bufão, Commedia Dell'arte e Práticas Espetaculares Populares Brasileiras

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    Pré-visualização do livro

    Máscaras e Imaginários - Joice Agle Brondani

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO E CULTURAS

    Dedico a Zenita Stefanello Brondani e Pedro José Brondani - mestres primordiais.

    Às forças e energias que me acompanham.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a Lineu Gabriel pelo olhar - força e aconchego.

    A Antônia Pereira pelo ímpeto e confiança.

    A Sonia Rangel pela abertura aos imaginários.

    A Andréa Rabelo, Diana Ramos, Fabiana Monsalú, Simone de Araújo, Veronica Risatti, Fernando Lopes, Jorge Baia e Samuel André, pelos companheirismos - fraternidades e mulheridades.

    A Claudia Contin Arlecchino, Alice Mosanghini, Lucia Zaghet, Ferruccio Merisi e Xu Xuan, Beti Rabetti e Roberto Tessari, pelas experiências trocadas.

    A Felipe Botelho e Léo de Azevedo.

    Aos integrantes da Cia Buffa de Teatro e Bottega Buffa CircoVacanti pela sensibilidade e técnica.

    A Ekedy Sinha, Baba Luzivaldo Vigas, Baba Luis Leal, Ekedy Iolanda, Sueli, Mãe Nini, Mãe Selma, Mãe Maria das Graças, José Pedro, Mestre Aguinaldo Roberto da Silva, Mestre Inácio Lucindo, Mestre Biu Alexandre, Zé Mário, Mestra Nicinha, Mestre Alabama e tantos outros mestres populares que me ensinaram ao longo de transcursos que me levaram aos mais lindos imaginários.

    PREFÁCIO

    A Máscara Expandida numa Categoria Portal

    A máscara realiza, em suma, o direito que nos concedemos de nos desdobrar. Oferece uma avenida ao nosso duplo, a um duplo potencial ao qual não soubemos conferir o direito de existir, mas que é a própria sombra de nosso ser, sombra projetada não atrás, mas adiante de nosso ser.

    G. Bachelard.

    Em primeiro momento, o que assinalo é a satisfação de poder rememorar o conjunto do que conheço do trabalho de Joice Aglae Brondani, testemunhando a mesma entrega, o mesmo rigor, que pude ver em suas aulas, cenas e espetáculos, ao ler agora o que ela propõe nesta nova publicação, ainda repercussões de sua pesquisa a partir da tese de doutoramento. Raras foram as vezes em que observei esse comover, esse mover com tão intenso, vinculado a um objeto de estudo, tanto no aspecto criativo de uma artista na cena, como também em seu ato de escrever. Meu particular louvor pela originalidade e distinção ao trabalho teórico, aqui tão bem articulado a espetáculos e cenas, registrados durante seu transcurso no Brasil e no exterior. Entretanto não posso esquecer, e ainda mencionar, a viva lembrança da emoção que tive, quando assisti à sua brilhante aula-espetáculo, no dia ٥ de março de ٢٠١٠, na antiga sala ٥ da Escola de Teatro da UFBA, atividade que não substituía, mas fazia parte e complementava a defesa formal da sua tese, realizada depois. Atualmente, sei que se ampliaram suas produções, que podem estar aqui filiadas, pela coerência e pertinência, trabalhos que, como atriz e encenadora, Joice continuou a realizar e, também, sua atividade atual como professora no Departamento de Fundamentos de Teatro da ET-UFBA. Em todas essas realizações e dimensões, assinalo o privilégio de testemunhar a mesma entrega e seriedade.

    Neste livro, a autora, com propriedade, novamente se propõe ao domínio e ao controle possível de um abrangente e longo projeto poético, falando com e pelas imagens, encarnando-as em suas movediças navegações, realizando dinâmicas conectivas, dialógicas e transformativas entre duas tradições: de práticas espetaculares brasileiras e a italiana da Commedia Dell’arte. A máscara, como princípio expandido, assim se torna uma categoria portal, acesso a um possível fundo comum, em gestos, valores, memórias do corpo em cena, imaginários de sujeitos e de coletividades, com suas subjetividades implicadas na ação, ritualizadas ou performadas na pesquisa prático-teórica, sujeitos especificamente por ela denominados de pesquisatriz e pesquisator.

    Com delicadeza e coerência, nos encontros teóricos, Joice realiza diálogos em amplo espectro, com vários autores, tais como Bachelard, Bakhtin, Deleuze, Guattari, Huizinga, Lecoq, Turner, só para citar alguns exemplos. Contudo avalio que é pela via do campo imaginário que a autora estabelece as leituras mais originais entre noções, considerando verticalidades e horizontalidades, acolhendo e operando no terreno das imagens a ideia do conflito como lugar de integração e proliferação criativa, que vai do texto à cena, e volta ao texto e à cena como texto. Com essa mesma desenvoltura integra imaginação-memória, da sua origem familiar italiana, e quando visita e afirma a fonte histórica, ao estudar, tanto com mestres das práticas das máscaras da Commedia Dell’arte, na Itália, bem como com mestres das práticas espetaculares tradicionais, no Brasil. Para além da noção dos tipos ou personagens, assume, nas partituras cênicas, a máscara como uma categoria-portal, acesso psico-bio-físico a um imaginário encarnado, que se renova a cada sensação-atuação. Dentro do conhecimento comum, inaugura e afirma um modo próprio de categorizar a experiência sensível, materializando-a como corpo em cena. Rara beleza e rara alquimia.

    Seu trabalho, pela profundidade e abrangência, por certo repercutirá com bastante originalidade e poderá constituir fonte de contribuição consistente na área da pesquisa e produção do conhecimento para as artes do espetáculo. Amplia-se ainda mais o escopo desse alcance, quando Joice descarta um olhar preconceituoso, superando qualquer divisão hierárquica, principalmente entre conhecimento erudito e popular, realizando suas transduções, suas pontes e cartografias, escutando e dando importância, e aprendendo com o mesmo interesse, com os mestres que elege, valorizando seus lugares de saber, tanto nas práticas comunitárias, festivas e sagradas, quanto em universidades, dentro e fora do Brasil.

    Parabéns à autora pelo trajeto criativo no percurso e pelos resultados, em produtividade mais que feliz. Sua pesquisa, a partir da tese, fez outros textos nascerem e outros espetáculos. O livro que ora se acrescenta poderá gerar amplos interesses, pois nele aprimora um discurso autoral, mais afirmativo que justificativo. Autorizado também pela continuidade das suas práticas em aulas e espetáculos, colaborando para divulgar o espaço de uma pesquisa artística original que seu trabalho abre e oferece. Lucram os pesquisadores da cena como de outras áreas do conhecimento, aqueles que se interessem, não só pela noção da máscara expandida - noção que há muito venho afirmando nos meus ensaios e práticas criativas, em aulas e espetáculos - como também por desvelar mais um caminho de acesso a ela, aqui, como categoria-portal, um princípio a organizar a experiência sensível.

    Sonia Rangel

    Artista cênica e visual.

    Salvador, BA. Janeiro de 2019.

    APRESENTAÇÃO

    MÁSCARAS E IMAGINÁRIOS: Bufão, Commedia dell’Arte e Práticas Espetaculares Populares Brasileiras é resultante de uma pesquisa engendrada ao longo de anos. Anos que antecedem o período na universidade, quando apresentei a pesquisa ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, de ٢٠٠٦ a ٢٠١٠. Na verdade, esta pesquisa teve início na imaginação de uma criança - considerando uma imaginação que retumba e pulsa de maneira sutil e contínua na sua silenciosa equação. Quando ouvia meus nonnos⁄avós e genitori⁄pais falarem em dialeto italiano, navegava entre mundos brasileiros e italianos, num universo imaginário sem fronteiras.

    Cresci ouvindo um pouco de dialeto veneto-friulano, como também ouvindo minha mãe falar da Mãe Preta, minha avó materna, uma negra dos arredores de Salvador que encantou meu nonno chegado do estrangeiro e foi levada para o sul do Brasil. A partir dessa convivência, esses mundos longínquos integravam o grupo de lugares que visitava diariamente em minha imaginação.

    Quando pequena, quando me atrapalhava com alguma coisa, meu pai dizia Ma varda che baucca! que, em uma tradução coloquial, quer dizer Olha que coisa maluca! e essa fala me fazia rir. O tom jocoso da expressão advinda de Friuli e Veneza, região na qual, segundo Nicolini (1993), a Commedia dell’Arte fez seu nicho na Itália, traduz um pouco do que é a pesquisa: um transcurso que pode parecer um emaranhado de conceitos enredados de forma "baucca", mas que possuem conexões muito profundas de um imaginário.

    Para se apropriar das máscaras dell’arte, faz-se primeiro a construção de uma técnica de bufão, depois, de uma técnica com base na assimilação da própria cultura, para então apresentar um caminho de possível acesso e apropriação destas máscaras.

    Um caminho mais simples seria possível. Poderia, simplesmente, formar-me em uma escola italiana de commedia dell’arte. Porém investiga-se os processos criativos que se realizaram ao longo de um percurso e esta pesquisatriz¹ atriz e pesquisadora – foi comovida a estruturá-los.

    Não foi somente o desejo de aprender a commedia dell’arte, mas de apreendê-la por meio do próprio referencial cultural brasileiro. Talvez, por ter convivido, de certa forma, com as culturas italiana e brasileira, em minha imaginação, as duas sempre estiveram relacionadas e faziam/fazem parte da minha convivência e experiência.

    Os transcursos aqui delineados fazem parte desses engendramentos que se alimentaram na lembrança e na imaginação, aliados a movimentos de afetos que foram acontecendo ao longo de minha formação teatral.

    Essas afetações entre passado, presente e futuro encontraram/encontram um espaço de sonho e poética para se realizar, um espaço que se transforma/metamorfoseia-se em um corpo que atua e se realiza em impulso criativo. São impulsos que foram se deixando desvelar, mostrando suas vertentes rizomáticas, transbordamentos e potência de agregações.

    Nesse processo, foi necessário delinear uma área de atuação, adotar algum tipo de critério. Não se deseja anular, reduzir ou negar experiências que colaboraram para o transcurso realizado, nem se pretende abraçar todas; deseja-se, então, buscar um modo de agenciamento qualificado. Com isso, o processo passou a ter como norte e sul as profundas experiências sensíveis.

    É essa aluvião subjacente do imaginário de uma pesquisatriz que tento emergir, estruturando-o em técnicas para a cena. Nada mais que memória e imaginação, esse é o conteúdo imaterial que trabalho, transformando-o em material de cena e estudo.

    Sumário

    INTRODUÇÃO 17

    1

    (UM) UNIVERSO (E UM) IMAGINÁRIO 27

    1.1 IMAGEM/IMAGINÁRIO: O MAR EM QUE SE MERGULHA 27

    1.2 PRÁTICAS ESPETACULARES POPULARES: PERPÉTUO IMAGINÁRIO 43

    1.3 CONEXÕES INUNDADAS: MÁSCARAS, CARNAVAIS E BUFÕES 71

    1.3.1 O bufão e algumas conexões 76

    2

    ATITUDES LÚDICAS 99

    2.1 O BUFÃO: CORPO-MÁSCARA – UMA DESCOBERTA 99

    2.1.1 Dionísio/Baco, Bufão e Exu 105

    2.1.2 A Máscara: entre o mítico, místico e o profissional 109

    2.1.3 Bufão: corpo máscara – encaminhamentos da técnica e o processo de

    imaginação 111

    2.2 O BUFÃO: UM ESPETÁCULO E OUTRAS EXPERIÊNCIAS 120

    2.2.1 Fato(s) do Brasil – um espetáculo satírico 121

    2.2.2 A Oração e outras vivências 130

    2.3 UNIVERSOS CONECTIVOS: O BUFÃO; O ZANNI E ... 138

    3

    FESTAROLAS E TRANSLOCAÇÕES - TRANSCURSOS PARA A COMMEDIA DELL’ARTE 161

    3.1 FESTAROLAS 167

    3.2 TRANSLOCAÇÃO CALEIDOSCÓPICA: FORÇA MOTRIZ 187

    3.2.1 Alla Ricerca di un Zanni 194

    3.3 DE FESTAROLAS A TRANSDUÇÕES: ZAN PIEDINI 209

    4

    IMAGINAÇÃO E FESTIVIDADES TRANSDUZIDAS 229

    4.1 PAPAIETTA – UMA CORTIGIANA SERVETTA ENAMORADA:

    MÁSCARAS FEMININAS DA COMMEDIA DELL’ARTE 232

    4.1.1 Né Serva, né Padrona: 2008 - cena e experiências 250

    4.1.2 Preparação do espetáculo Papaietta Poliglota 252

    4.2 PANTALONE, IL VECCHIETO PICCANTIN / O VELHINHO APIMENTADO 253

    4.2.1 Pantalone e Papaietta Poliglotta 262

    4.3 MÁSCARAS DELL’ARTE THE HOLY FOOL… 263

    4.3.1 Progetto Sciamano 263

    4.3.2 Zanni, um mergulho no universo do servo 264

    4.3.3 The Holy Fool – Capitano, Brighella e Buffone – Arlecchino Errante 2008 266

    4.3.4 Brighella, o zanni a sbrigarsi 267

    4.3.5 Capitano: o grande guerreador 274

    4.3.6 Arlecchino, o zanni esperto 286

    4.4 TRANSDUÇÕES CALEIDOSCÓPICAS E IMAGINAÇÕES – CONSIDERAÇÕES DE UMA AULA-ESPETÁCULO 300

    4.4.1 Ordem das cenas e breves indicações 301

    5

    DRAMATURGIAS 305

    5.1 A ORAÇÃO 306

    5.2 FATO(S) DO BRASIL 314

    5.3 TRANSDUÇÕES CALEIDOSCÓPICAS E IMAGINAÇÕES 332

    CONCLUSÃO 349

    REFERÊNCIAS 355

    Índice Remissivo 375

    INTRODUÇÃO

    Antes de iniciar as conjecturas que relatam o transcurso de desenvolvimento desta obra, devo chamar a atenção para o fato de que, para aqui, o termo popular é visto de um modo muito objetivo, como aquilo Que pertence ao povo; que concerne ao povo², sem adentrar em questões conceituais.

    Começando os vislumbres desse transcurso, devo anunciar que considero como primeiro pressuposto a fala de que esse processo de pesquisa está submerso na subjetividade. Isso não significa que se trata de uma experiência sem profundidade, uma vez que diz respeito a um estudo objetivo e concreto dentro do que se propõe: uma possibilidade de acesso às Máscaras dell’Arte por meio de células de Práticas Espetaculares Tradicionais Populares Brasileiras, a partir de experiências vividas sensivelmente. Quando afirmo que esta pesquisa é submersa na subjetividade, tenho o desejo de sublinhar que ela foi movida por um primeiro impulso sensível e que a busca pela compreensão teórica dos afetos que moviam esse impulso surgiu de maneira consequencial e necessária.

    Dentro dessas expectativas, afirmo ainda que o mar em que esta se encontra mergulhada está, numa primeira e/ou última instância, nesta interlocutora (entre locução), pois foi quem inicialmente percebeu sensivelmente a ação desse imaginário. Escrevo como alguém que experienciou a ação do imaginário no próprio corpo, em atitude lúdica e imaginação.

    Quanto às especificidades concernentes a esta explanação, alerto para o fato de que: Esta pesquisa flutua!. Mais uma vez devo chamar a atenção para uma expressão que utilizo e destacá-la como a exclamação advinda da constatação de que ela não possui uma âncora lançada em terra firme; ela é uma jangada flutuando em mar aberto e que, principalmente, continuará flutuando em novos mares e oceanos, redescobrindo-se em possibilidades e desdobramentos, por isso a ideia de não ancorar, mas de vaguear e vadiar³.

    O processo criativo que apresento alimenta-se de subjetividade, movimenta-se num imaginário, um espaço tão movediço que somente aqueles que experimentam e se comovem por meio dele podem comprovar seu furor. Um processo no qual as relações imagéticas são de grande importância, e suas inúmeras articulações são as fontes de comoção para o acesso à commedia dell’arte.

    Antes de prosseguir com as considerações sobre esta pesquisa e as dinâmicas conectivas dialógicas entre a commedia dell’arte e as práticas espetaculares populares brasileiras, é preciso especificar de quais práticas espetaculares populares brasileiras está-se fazendo referência e de qual commedia dell’arte e Máscaras dell’arte este estudo dá conta.

    Começo destacando que a prática dentro das manifestações espetaculares populares brasileiras que envolvem esta pesquisa estende-se ao Coco, Ciranda, Maracatu, Samba, Frevo, Caboclinho, Xaxado, Capoeira, Maculelê, Cavalo Marinho e Dança dos Orixás. Tais manifestações espetaculares populares brasileiras que integram a pesquisa não foram escolhidas segundo preceitos ou padrões, foi o corpo, a musculatura, que as requeria como suporte. Para cada máscara que trabalhava, o corpo foi buscar, nos circuitos musculares que já conhecia, a força propulsora e energética que necessitava para fazer uso e apropriar-se das máscaras dell’arte - como se procurasse um caminho conhecido para chegar ao novo que se apresentava como experiência.

    Por esse motivo, não é possível criar um elenco de justificativas para a eleição e uso de cada prática espetacular popular citada, como também não é possível justificar a ausência de outras. Certamente que se a pesquisa aqui relatada se estendesse mais, outras manifestações espetaculares populares brasileiras seriam utilizadas e elencadas. Como já dito, é o corpo que foi buscar o circuito que lhe serve como ponto referencial de musculatura, energia e ação. A escolha das práticas populares brasileiras e das máscaras dell’arte que integram esta pesquisa são dados flutuantes - concordando com Deleuze, quando esse cita Hume, que o dado é [...] o fluxo do sensível, uma coleção de impressões e de imagens, um conjunto de percepções (DELEUZE, 2008, p. 95). Com isso, não é possível fechar a pesquisa em um número fixo de manifestações, tanto brasileiras quanto italianas. Quero dizer que a pesquisa poderia estender-se por todas as práticas espetaculares populares brasileiras e todas as máscaras dell’arte, mas o elenco que a integra é, somente, uma consequência das experiências adquiridas, tanto dentro das manifestações espetaculares populares brasileiras (Coco, Ciranda, Maracatu, Samba, Frevo, Caboclinho, Xaxado, Capoeira, Maculelê, Cavalo Marinho e Dança dos Orixás), quanto das Máscaras dell’arte (Zanni, Brighella, Arlecchino, Servetta, Cortigiana, Nobile/Innamorata, Pantalone e Capitano).

    Sobre a commedia dell’arte, são muitas as escolas especializadas nesse teatro que povoam o território italiano, onde cada qual desenvolve sua estética, estilo e formação de uma técnica. Algumas fazem a commedia dell’arte mais oitocentista, também conhecida como commedia à francesa, outras partem para a linhagem quinhentista ou medieval e, ainda, há aquelas que trabalham com uma estética mais veneziana, que dão conta mais das máscaras que pertencem ao carnaval de Veneza e que não, necessariamente, fazem parte da commedia dell’arte teatral. Esta pesquisa faz referência à commedia dell’arte feita na Scuola Sperimentale dell’Attore durante os anos que estive ali e que permaneceu em sua estética e em seu ensinamento até 2015, quando Claudia Contin Arlecchino deixou a Scuola Sperimentale dell’Attore. É uma commedia dell’arte realizada, redesenhada, defendida e difundida por Claudia Contin Arlecchino e Ferruccio Merisi, importantes pesquisadores (prático-teóricos) da área. Ambos se dedicam à commedia dell’arte mais próxima àquela feita nas praças medievais, de 1400, 1500, 1600, para a qual construíram um treinamento que requer disciplina e empenho e que se mostrou muito eficaz no diálogo criado nesta pesquisa. Esse treinamento é altamente codificado e com máscaras físicas totalmente engendradas do imaginário da cultura popular italiana, o qual se constitui de: golpes de máscaras, máscara física, movimentação codificada das máscaras físicas, improvisação com as máscaras, construção de canovacci (roteiros das peças), construção das máscaras em papel machê e, posteriormente, em couro e trabalho de voz específica para as máscaras.

    Tive experiências com outras escolas e estilos de commedia dell’arte, como aquela feita na Escola Pantakin, de Veneza, por Carlo Bosso e aquela feita na escola de Lecoq, em Paris. Por fim, a commedia dell’arte continiana me convocou afetivamente; com isso, a escolha por trazer a commedia dell’arte realizada por Claudia Contin Arlecchino para a realização das conexões desta pesquisa tem a ver com uma simpatia pessoal pelo trabalho desta profissional. É importante dizer que o termo continiana foi criado para este estudo nominando a estética e técnica de Claudia Contin Arlecchino, diferenciando esta das outras estéticas e técnicas de commedia dell’arte com as quais trabalhei e conheci. O termo foi adotado por se tratar de uma commedia dell’arte específica na qual a pesquisadora coloca seu empenho como atriz, dramaturga e diretora teatral, trazendo sua complexa visão da commedia dell’arte. Desde 2015 Claudia inseriu legalmente o nome Arlecchino em sua identidade, passando a assinar Claudia Contin Arlecchino, porém o termo continiana foi adotado em 2010, no momento de defesa de pesquisa no PPGAC-UFBA, ficando registrado tal nominação e, nessa perspectiva acadêmica, continua-se a adotar tal termo mas sabendo que se trata da commedia dell’arte sob o olhar de Claudia Contin Arlecchino.

    Essa perspectiva de commedia dell’arte continiana convocou meus afetos e conquistou-me de maneira sensível e muito objetiva; pois, por meio de seu trabalho, tive fortes percepções imaginativas da realização das conexões entre as máscaras da commedia dell’arte e células de práticas espetaculares populares brasileiras.

    Também é necessário chamar a atenção para um ponto muito importante desta pesquisa, não se está buscando estabelecer correspondências, traçar paralelos ou fazer comparações entre as manifestações espetaculares populares de ambos os países que integram esta pesquisa, pois se tratam de expressões artísticas culturais diversas e de campos diferentes (teatro, dança, luta, ritual...). É justamente por se tratar de expressões artístico/culturais tão diversificadas que é impossível, para uma só obra, dar conta do imenso manancial que se forma.

    Por esta pesquisa tratar de um transcurso muito específico de relações conectivas que aconteceram e acontecem, primeiro, de maneira sensível, é que não se configura da urgência deste estudo procurar vínculos de similaridades e correspondências entre as culturas desses dois países. Também é necessário dizer que aqui é tomado, de modo parcial, a compreensão de cultura da pesquisadora Rita de Cássia Barbosa de Araújo (1996), a qual compreende cultura como o conjunto de crenças, valores, tradições, vivências, atitudes, visões e compreensões de mundo, que formam um povo.

    Quando se fala da cultura destes dois países, Brasil e Itália, não se tem a intenção de equiparar as práticas espetaculares populares brasileiras concernentes (conjuntamente ou cada uma delas) e a commedia dell’arte (o fenômeno teatral ou cada máscara), porque esta pesquisa navega e mergulha em outros mares, correntes e oceanos. Considerando os transcursos fluviais desta investigação, ter como abordagem questões aproximativas, comparativas ou de equiparações provocaria um desvio muito grande do seu cerne. Aqui, tenta-se dar conta de um caminho de acesso às máscaras dell’arte muito específico, no qual esta pesquisatriz lançou mão de um acervo muscular e energético que possuía para realizá-lo. Não se está negando a possibilidade de relações dialógicas de aproximações e até comparativas, o que se percebe é que cada uma dessas seria tema para uma outra pesquisa, pois são outros universos que se abrem a cada conexão estabelecida. Aqui, as relações aconteceram e acontecem em outras vias conectivas, sendo prioridade as conexões musculares e energéticas comovidas pelo afeto, o que não significa dizer que relações de outras naturezas não serão convocadas quando há a necessidade destas para uma melhor compreensão das conexões primordiais estabelecidas. Da mesma forma, deu-se a relação com a máscara de Bufão, que se tornou parte importantíssima da pesquisa, pois não se pode esquecer que, para compreender muito das máscaras dell’arte, é preciso compreender também o universo carnavalesco: reino do Bufão por excelência.

    Tanto como as práticas espetaculares populares brasileiras, as máscaras dell’arte que integram as experiências desta pesquisa também não tiveram um processo de seleção. Num primeiro momento, experimentei todas as principais máscaras dell’arte (Zanni, Brighella, Arlecchino, Pulcinella, Pantalone, Ballanzone, Capitano, Servetta, Cortigiana e Nobili), posteriormente, em intensos laboratórios específicos, experenciei o universo de algumas máscaras e foi a partir desses mergulhos profundos que as conexões foram se fortalecendo. No período de desenvolvimento da pesquisa aqui relatada (2006-2010), não foi possível adentrar, de modo intenso, em todas as dez principais máscaras da commedia dell’arte, faltando aqui os mergulhos nas máscaras de Dottore/Ballanzone e Pulcinella. Como a pesquisa que gerou esta obra foi encaminhada dentro de um sistema institucional acadêmico, o qual segue regras e datas, essas duas máscaras não fizeram parte da constelação primeira desta, como também não fizeram parte muitas outras práticas espetaculares populares brasileiras. Entretanto foram colocadas em espaços acessíveis sensíveis para vadiagens além desta obra, como encaminhamentos de outros estudos.

    Anterior, paralela e posteriormente ao processo de apreensão das principais máscaras físicas da commedia dell’arte, segundo ensinamentos de Claudia Contin Arlecchino e Ferruccio Merisi, as máscaras de Zanni, Brighella, Arlecchino, Capitano, Pantalone, Servetta, Cortigiana e Nobile foram transpassadas por células de práticas espetaculares populares brasileiras; e, certamente, se houvesse tido tempo para executar um laboratório aprofundado de Dottore/Ballanzone e Pulcinella, encontraria também muitas conexões rizomáticas entre a cultura popular brasileira e tais máscaras dell’arte.

    Com as máscaras dell’arte, aconteceu e acontece, a cada novo experimento, a impossibilidade de limitar a experiência a um número específico de máscaras e práticas espetaculares populares brasileiras para a realização das conexões rizomáticas. Então, viu-se que a solução era restringir este estudo às experiências realizadas, intentando mostrar um transcurso mais preciso e específico.

    Antes de prosseguir e adentrar nas questões pertinentes ao desenvolvimento da pesquisa, é necessário fazer observações sobre algumas expressões que serão utilizadas ao longo das explanações.

    Cesare Molinari faz uma grande reflexão sobre a commedia dell’arte e como essa deve ser considerada em relação à sua natureza:

    Dado que a commedia dell’arte é um gênero teatral, talvez não seja um gênero tão forte como o japonês e nem mesmo como a ópera italiana, mas um gênero considerando o modo como este termo é usado na literatura, na qual se distingue entre romance, tragédia, épico, etc.: uma abstração e uma normativa. Uma abstração que procura reunir em uma mesma categoria fenômenos diferentes, porém, através alguns de seus traços assimiláveis; e uma normativa com tendência a definir estes traços pertinentes e os impor como necessários. (MOLINARI, 1985, p. 15)⁴.

    Nesta pesquisa a commedia dell’arte é vista como um gênero teatral, então, ao longo desta obra, muitas vezes, a palavra gênero será empregada para se fazer referência a ela.

    Da mesma maneira, o termo mais utilizado para se reportar às máscaras da commedia dell’arte será máscara, já que, para esta pesquisatriz, tais máscaras trazem em si a ideia do arquétipo e de um imaginário que se concretiza no objeto (posteriormente, adentra-se à questão do imaginário), o qual funciona como uma espécie de ícone e link para esse universo transcendente. A palavra link - termo emprestado da área da informática e que significa um elemento de hipermídia que, ao ser acionado, provoca a exibição de novo hiperdocumento - é utilizada aqui como uma metáfora. Ela aparecerá muitas vezes coligada à palavra objeto (objeto/link) e serve para sublinhar a potência da máscara/objeto como um portal a esse universo transcendente. Para esta pesquisa, a máscara/objeto quando acionada (portada, nominada ou na sua compreensão) funciona (em ideia) como um link, abrindo outro hiperdocumento - o universo ou arquétipo do/no qual ela foi engendrada e representa. A palavra link, fazendo-se valer das considerações de Bachelard (1996) sobre o uso cuidadoso de analogias e metáforas e reforçando este uso da última com o olhar de Maffesoli (2008), empresta sua capacidade de sintaxe e dinâmica auxiliando a compreensão do funcionamento da máscara dentro da commedia dell’arte. Contudo sublinha-se que, para esta pesquisa, a Máscara constitui um grau de excelência tal que constitui uma categoria, não estando no mesmo grau dos personagens ou tipos.

    Ainda sobre a máscara, este estudo tentará dar conta das máscaras da commedia dell’arte intrincadas nas experiências que formam os transcursos desta pesquisatriz, pois são muitos os estudos sobre Máscara- olhares que a mostram de forma mais geral e abrangente ou que enfocam somente a relação entre máscara e ritual; ou ainda que se dedicam, exclusivamente, à máscara como fenômeno estético e teatral; ou os que se aprofundam nas relações exclusivas da máscara com o teatro oriental ou com festas populares da América Latina e do Ocidente. Alguns desses estudos servem como base de conhecimento na área, outros se dirigem sobre casos específicos e outros ainda, são considerados referenciais da commedia dell’arte, mas todos serão convocados na medida em que o discurso avançar e se fizer necessário introduzir a compreensão do universo que se apresenta diante das máscaras dell’arte que integram este estudo⁵.

    Embrenhar-se em uma busca exclusiva sobre a máscara ao longo da história seria, para esta obra, uma confrontação não justa, dado que se trata de um campo muito abrangente. Ainda se dirigisse o campo investigativo para o que a máscara representa em cada uma das duas culturas, o discurso não se tornaria menor. Quando se fala de máscara, nas duas culturas, formam-se inúmeras encruzilhadas e, nesse caminho, acaba-se por abrir muitas outras janelas, o que continuaria afastando o discurso do objetivo central da pesquisa aqui apresentada, que é o caminho de acesso às máscaras da commedia dell’arte por meio de células (movimentos, golpes, passos) de práticas espetaculares populares brasileiras.

    A relação das duas culturas não se dá de modo comparativo ou por equivalências, busca-se detalhar um modo de acesso a um gênero teatral de uma cultura diferente, através da própria cultura. Um modo muito particular de apropriação das máscaras da commedia dell’arte, diria até mesmo que se trata de um modo antropofágico - pois foi o meu corpo que, metabolizando as máscaras da commedia dell’arte após ingeri-las, fez-me perceber, por meio de mecanismos/metabolismos muito próprios, que era possível realizar aquelas máscaras tendo como referências musculares e energéticas as experiências que já eram inerentes ao meu corpo.

    Outro ponto importante que deve ser destacado é que, tanto as máscaras da commedia dell’arte quanto as danças, a capoeira e o maculelê, são vistas como práticas espetaculares populares - certamente, que cada qual advinda da cultura de um país diferente e de áreas diversas (dança, teatro, luta, ritual). É preciso explicar, todavia, que não se trata de colocá-las na mesma condição, mas de considerá-las vindouras da mesma força criativa e é, nesta instância, que elas se cruzam e se conectam.

    Além disso, é preciso dizer que muitos são os teóricos que não consideram a commedia dell’arte como uma manifestação/prática espetacular popular, uma vez que ela integraria o grupo das artes maiores ou superiores, também consideradas eruditas. Segundo Guarino (2005), a commedia dell’arte estaria nesse grupo por apresentar uma grande complexidade e refinamento; enquanto, dentre as artes menores, estariam aquelas consideradas mais simples, como o circo. Nesta pesquisa, além de não se considerar a hierarquia de arte superior ou maior e arte inferior ou menor, também existe a posição pessoal contrária a tal hierarquia, pois, para esta pesquisatriz, o popular não é visto como menor ou inferior e, muito menos, simples⁶. O que é da qualidade do popular revela-se, cada vez mais, como uma estrutura de natureza muito complexa. Para esta pesquisa, sem adentrar em questões sociológicas ou antropológicas e discussões sobre o que abarca o popular, reafirmo que o termo é adotado como advindo de um povo.

    O transcurso realizado, ocupando células de práticas espetaculares populares brasileiras para se apropriar das máscaras da commedia dell’arte, é repetido com novas combinações, a cada novo acesso às máscaras. São níveis e subníveis de conexões dialógicas que fazem parte de outras sutilezas, como energias e corporeidades que me permitem chegar à linguagem codificada de cada máscara da commedia dell’arte. É com esse transcurso que as máscaras dell’arte ganham vida, mediante um teor muscular, energético e qualidades de tensões e movimentos que estão dentro das possibilidades de cada máscara.

    O primeiro capítulo apresenta e intenta dar conta das teorias que permeiam esse mecanismo imaginativo, buscando conceitos e usando a metáfora como elemento importante para a compreensão de tais mecanismos.

    O segundo capítulo tenta colocar em evidência a cena, a técnica para a cena e a teoria da cena. Ele adentra no universo mítico do bufão, relata a construção da técnica para essa máscara, esse corpo máscara ou máscara física e desvenda o pensamento que está por traz deste universo, conectando-se com o carnaval e as festividades populares brasileiras. Aqui também vejo a necessidade de esclarecer que utilizo o termo corpo-máscara desde 2006, quando comecei a trabalhar a técnica de bufão, com os espetáculos Fato(s) do Brasil e A Oração. Em 2008, o termo foi empregado em artigo publicado (BRONDANI, 2008) esmiuçado em detalhes na tese defendida no PPGAC-UFBA (BRONDANI, 2010). Os termos corpo-máscara e máscara física, na verdade, são sinônimos; ambos dizem respeito a essa máscara que extrapola o objeto, toma e se concretiza no corpo, são circuitos musculares e energéticos que comportam e incorporam uma compreensão de mundo, também.

    O terceiro capítulo conecta o bufão à Máscara dell’arte e traz um panorama das práticas espetaculares populares brasileiras que integram esta pesquisa, desenvolvendo a técnica de translocação caleidoscópica e sinalizando possíveis caminhos de conexões entre tais práticas e máscaras dell’arte.

    O quarto capítulo traz o universo das máscaras dell’arte, principalmente das continianas, e intenta mostrar os encaminhamentos de acesso e apropriação dessas máscaras, desenvolvendo a técnica de translocação caleidoscópica.

    O capítulo cinco traz as dramaturgias dos espetáculos A Oração; Fato(s) Do Brasil e Transduções Caleidoscópicas e Imaginações – a qual contém ao texto Alla ricerca di un Zanni.

    Não resta senão começar as implicações que dizem respeito a esse mar aberto em que me coloco, lançar-se e intentar desvelar os transcursos realizados.

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    (UM) UNIVERSO (E UM) IMAGINÁRIO

    O significado unívoco é um sinal de fraqueza [...] só o paradoxal é capaz de abranger aproximadamente a plenitude da vida. A univocidade e a não-contradição são unilaterais e portanto não se prestam para exprimir o inalcançável.

    C. G. Jung (2012)

    1.1 IMAGEM/IMAGINÁRIO: O MAR EM QUE SE MERGULHA

    O que é certo é que se trata de considerar o intelecto e a sensibilidade como sendo inseparáveis.

    Michel Maffesoli (2008)

    Fruto de um devaneio⁷, esta pesquisa vem legitimada na ideia de imagem/imaginário, em Gaston Bachelard⁸, cuja exposição dar-se-á ao longo do desenvolvimento da escrita sobre a mesma.

    Esse processo tem como objetivo apresentar um acesso às máscaras da commedia dell’arte por meio de um transcurso particular, realizado por meio do estudo delas e de algumas práticas espetaculares populares brasileiras.

    Foi por meio da investigação desse gênero teatral, o qual tem como forte elemento a máscara, ou melhor, a meia-máscara, e de uma prática das danças do Cavalo-Marinho, do Coco, da Ciranda, do Samba, das danças dos Orixás, do Xaxado, do Caboclinho, do Frevo, do Maculelê, do Maracatu e da Capoeira, que foi possível identificar e pinçar movimentos que servem como motor e propulsor das máscaras dell’arte – Zanni, Servetta, Cortigiana, Pantalone, Capitano, Brighella, Arlecchino e Nóbile - dando vida a essas.

    Nesta pesquisa, as máscaras da commedia dell’arte são vistas como ícones, são verdadeiros portais de acesso a todo um universo imaginário, o qual se concretiza no objeto/link máscara e se reafirma em uma máscara física muito específica. Cada máscara dell’arte é constituída do objeto/link e da máscara física, em que essa última se torna a complementação e o suporte para o primeiro se movimentar e ganhar vida. Cada máscara possui codificações de posturas, movimentos, relacionamentos e exigem da atriz e do ator que deseja portá-las uma preparação específica e detalhada.

    O estudo e prática das máscaras dell’arte e das práticas espetaculares populares brasileiras (Coco, Ciranda, Maracatu, Frevo, Capoeira, Samba, Xaxado, Maculelê, Cavalo Marinho, Dança dos Orixás e Caboclinho) que integram esta pesquisa permitirão a realização de um caminho de acesso à commedia dell’arte ímpar, por meio de células e micropartículas de ações, movimentos e composições pinçados das manifestações supracitadas.

    Esse outro caminho percorrido pela pesquisatriz e pelo pesquisator é, na verdade, uma possibilidade de apropriar-se das máscaras dell’arte a partir de outras experiências já incorporadas pela artista. Portanto, é muito importante que, antes de tentar realizar o tipo de conexão que se apresenta aqui, a atriz e o ator que se aventurar por esse caminho realize a prática (danças, golpes) das manifestações espetaculares populares brasileiras a

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