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XIX: Uma História, Uma Cidade e os Primórdios da Matemática Escolar
XIX: Uma História, Uma Cidade e os Primórdios da Matemática Escolar
XIX: Uma História, Uma Cidade e os Primórdios da Matemática Escolar
E-book441 páginas4 horas

XIX: Uma História, Uma Cidade e os Primórdios da Matemática Escolar

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Sobre este e-book

Este livro apresenta uma investigação sobre a matemática escolar na cidade de São Luís, no período oitocentista. Como em um trabalho de detetive, a autora "viaja" para o Maranhão do século XIX e busca vestígios sobre a constituição do ensino de Matemática a partir de livros, jornais, revistas, cartas, leis e regulamentos da época. Portanto descortina a produção e circulação de livros didáticos de Matemática em São Luís, identificando e analisando as obras publicadas nessa cidade ou publicadas por maranhenses no século XIX, e constrói biografia dos autores dos livros identificados, apresentando as instituições escolares em que estiveram envolvidos esses professores/autores e o ensino de matemática ministrado. A obra busca contribuir com a escrita de um novo capítulo da História da Educação do Brasil, ao escrever sobre a Matemática escolar na cidade de São Luís oitocentista.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de mar. de 2020
ISBN9788547314224
XIX: Uma História, Uma Cidade e os Primórdios da Matemática Escolar

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    XIX - Waléria de Jesus Barbosa Soares

    Educação/Unicamp

    SUMÁRIO

    CAPÍTULO 1

    SOCIEDADE LUDOVICENSE OITOCENTISTA, SUA CULTURA E A EDUCAÇÃO

    CAPÍTULO 2

    PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA EM SÃO LUÍS DURANTE O SÉCULO XIX

    2.1 A Metafísica da Contabilidade Commercial (1837)

    2.2 Primeiras Noções de Arithmetica (1846) 

    2.3 Tratado de Arithmetica (1860)

    2.4 Tabella de Câmbio - Página Íntima (1874)

    2.5 Mélanges de Calcul Integral (1882)

    2.6 Resumo de Álgebra (1886) 

    2.7 Tratado de Geometria Differencial (1891) 

    2.8 Questões Práticas de Arithmetica (1895) 

    Tecendo considerações sobre as obras 

    CAPÍTULO 3

    SOBRE AUTORES E PROFESSORES OITOCENTISTAS: HISTÓRIAS DE VIDA ENVOLVIDAS NO ENSINO DE MATEMÁTICA DA CIDADE DE SÃO LUÍS

    3.1 Estevão Rafael de Carvalho: o político e a matemática para o comércio 

    3.2 João Nepomuceno Xavier de Brito: o primeiro professor de matemática do Liceu Maranhense 

    3.3 Ayres de Vasconcellos Cardoso Homem: um português em solo ludovicense 

    3.4 Alexandre Theóphilo de Carvalho Leal: o matemático amigo de Gonçalves Dias 

    3.5 Joaquim Gomes de Souza: o maior ou o mais conhecido matemático maranhense? 

    3.6 João Antonio Coqueiro: entre a matemática e a poesia 

    3.7 Cyrillo dos Reis Lima: entre a religião, a educação e a matemática 

    3.8 João Miguel da Cruz: uma tabuada para a matemática 

    3.9 Fernando Luiz Ferreira: um militar revolucionário e o ensino de matemática 

    3.10 Roberto Antonio Moreira: um caixeiro e as aulas particulares de matemática 

    3.11 José Augusto Corrêa: entre a matemática e a língua portuguesa 

    3.12 Alfredo Cândido de Moraes Rego e Antonio Gabriel de Moraes Rego: militares e o ensino de matemática 

    3.13 Domingos Affonso Machado: um incentivador da educação e a matemática para o comércio

    3.14 Temístocles da Silva Maciel Aranha: um professor de matemática admirado por seus alunos 

    Tecendo considerações sobre as relações entre os autores/professores

    CAPÍTULO 4

    INSTITUIÇÕES ESCOLARES NA CIDADE DE SÃO LUÍS OITOCENTISTA E O ENSINO DE MATEMÁTICA

    4.1 Liceu Maranhense: o ensino de matemática para a elite rumo à universidade 

    4.2 A Casa dos Educandos Artífices: o ensino de matemática para meninos pobres e desvalidos 

    4.3 Escola Normal: a formação de professores e o ensino de matemática 

    4.4 Escola de Aprendizes Marinheiros: o ensino de matemática para a guerra 

    4.5 Sociedade Onze de Agosto e a Escola Popular Onze de Agosto: o ensino de matemática para adultos 

    4.6 Recolhimentos, Asilos e Colégios: o ensino de matemática para meninas 

    4.7 Escola Prática de Aprendizes Agrícolas ou Escola do Cutim: o ensino de matemática para a agricultura 

    4.8 Da Escola Particular de Roberto Moreira ao Collégio de São Sebastião: o compromisso de um professor com a educação da mocidade ludovicense 

    4.9 Educação escolar de negros: algumas considerações 

    Tecendo considerações sobre as instituições escolares e o ensino de matemática 

    TECENDO CONCLUSÕES

    RELAÇÃO ENTRE OS LIVROS DE MATEMÁTICA, AUTORES/PROFESSORES E INSTITUIÇÕES ESCOLARES

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    Jornais, revistas e outros documentos 

    cAPÍTULO 1

    SOCIEDADE LUDOVICENSE OITOCENTISTA, SUA CULTURA E A EDUCAÇÃO

    São Luís! É esse o nome da minha terra natal: no mundo não tem igual. Minha cidade gentil, das agoas nasce risonha, sempre alegre e vecejante, a quem saúda o navegante do seio do mar de anil [...]. A aurora quando desponta vem cercada de primores, e harmônicos cantores, festejam seu despontar: tudo goza alma alegria, nessa terra abençoada quando amanhã desejada no mundo se vem nos mostrar [...]. Os lírios cheios de orvalho exalam doces perfumes, cantão sentidos queixumes, as tristes aves nos moinhos saúdam o nascer do dia. No seu galho o sabia canções elevão a Jehovat, nos ramos os passarinhos [...]. Nas nossas terras do norte maior brilho tem o sol: tem da manhã o arrebol Mas cortejo de cantores – A nossa lua he mais bella que a dos mares do sul, tem o mais brilhante azul como seu manto de mil cores [...]. He uma terra bendicta a terra de São Luís. Não há no mundo paiz que abunde em mais primores. Quem me dera verte já oh minha pátria querida, quero em ti perder a vida o terra de meus amores.

    (Poesia de Ferreira Valle no Jornal O Progresso de 1850).

    Ano de 1800. O Maranhão colhe os frutos da atuação do Marquês de Pombal²³, que ainda no século anterior cria a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão²⁴. Na capital São Luís, é incentivada a vinda de portugueses, principalmente açorianos, e, com isso, aumentou o tráfico de escravos e o comércio de produtos para a região. De outro lado, foi possibilitada a ida de jovens maranhenses (ainda que bem poucos) para estudarem nos centros universitários europeus, principalmente na Universidade de Coimbra.

    O Maranhão entra no século XIX, incluído no sistema agroexportador, ocupando lugar de destaque na economia brasileira por causa do desenvolvimento da cultura do algodão²⁵ que perdurou até 1868, período que ficou conhecido como Ouro Branco²⁶.

    A Praça do Comércio²⁷ era a referência do centro econômico de São Luís. Ali eram vendidos produtos alimentícios, como o azeite português e a cerveja da Inglaterra, além de tecidos, móveis e livros.

    FIGURA1 – PRAÇA DO COMÉRCIO, CENTRO COMERCIAL DE SÃO LUÍS NO SÉCULO XIX.

    FONTE: http://www.panoramio.com/photo/32683694.

    Mas a educação escolar era quase inexistente. Em 1804, D. Antonio de Saldanha da Gama²⁸ noticia que, pela primeira vez, em 23 de junho, retornavam a São Luís os iates dos Alunos Práticos da costa do Maranhão. A Escola dos Alunos Práticos que eles frequentavam ficava no Pará, fundada nesse mesmo ano de 1804, no mês de fevereiro.

    Em 1808, o Brasil recebia a família real portuguesa que vinha fugindo de Portugal, devido às guerras napoleônicas. Segundo Meireles²⁹, com a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, instalou-se em São Luís um forte comércio, principalmente exportador, o que fez do porto do Maranhão o quarto mais importante do País, depois do Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

    Ainda no ano de 1808, a Imprensa Régia foi instituída no País, expandindo a imprensa nas Províncias. Segundo Saviani, nessa nova fase as ideias pedagógicas oriundas do pombalismo continuaram inspirando as iniciativas de Dom João, ainda que sua motivação principal tenha sido de caráter administrativo³⁰.

    No Maranhão, a educação escolar caminhava a passos curtos. Sobre o ano de 1810, Lacroix menciona que a cidade de São Luís contava aproximadamente com 12 mil habitantes, dos quais 71% eram escravos e 29% livres e, desses últimos, nem todos eram ricos ou cultos³¹. Desse contingente, a maioria dos excluídos das escolas era de negros, o que era compreensível, já que a escravidão estava estabelecida. Fica evidente a quem era destinada a pouca educação oferecida.

    No ano de 1811, o Piauí se separa do Maranhão e o Capitão Francisco de Paula Ribeiro também conclui a demarcação de limites com Goiás.

    FIGURA 2 – MAPAS DO BRASIL, ANOS DE 1810 E 1811

    FONTE: http://blogdoxaneis.blogspot.com.br/2012/03/todos-os-mapas-do-brasil-ao-longo-da.html

    Ainda nesse ano, visitou São Luís Henry Koster,³² que, ao retratar a cidade em seu livro Viagens ao nordeste do Brasil, publicado em Londres em 1816, escreve:

    A proporção das pessoas livres é pequena. Os escravos têm muita preponderância, mas essa classe necessita de pouca cousa, no tocante aos gastos, quando o clima dispensa o luxo. Existe uma grande desigualdade de posição em São Luiz. As principais riquezas da região estão nas mãos de poucos homens, possuidores de propriedades prósperas, com extensões notáveis, grupos de escravos, e ainda são negociantes. [...] Como porto de comércio com a Europa, São Luiz é apontada em quarto lugar, e na classe de importância, segue Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. ³³

    Em 1815, Eleutério Lopes da Silva Varela e Estevão Gonçalves Braga³⁴, que moravam em São Luís, começaram a construir um teatro nos moldes das casas de óperas da Europa. Com o nome de Teatro União (homenagem à elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarve), foi inaugurado somente no dia 1º de junho de 1817. O teatro passou a ser um dos espaços culturais mais frequentados da cidade.

    Em 1821, no dia 15 de abril, chega às ruas o primeiro jornal do Maranhão, O Conciliador, tornando São Luís a quarta capital do Brasil a ter imprensa. Segundo Jorge³⁵, esta foi a primeira edição impressa, pois as edições anteriores foram escritas a bico de pena.

    FIGURA 3 – CAPA DO JORNAL O CONCILIADOR, 1821, ANO 1, NUM 1.

    FONTE: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=749524&PagFis=1

    O Conciliador tinha editores portugueses³⁶, o que reforçava o seu caráter tendencioso à Constituição portuguesa³⁷, como podemos observar no tratamento dado ao rei D. João VI em suas páginas:

    [...] o nosso compacivo, e Paternal Monarcha hade ver com jubilo o Manifesto sagrado da Nossa obediência e amor a sua Real pessoa, e da nossa adhesao aos Princípios Constitucionais dos nossos Irmãos da Europa, e do Brazil. Cidadãos, concórdia, e submissão as Leis existentes, em quanto outras não forem promulgadas; seria delírio alluir o edifício, que nos abriga sem haver levantado nova habitação. Viva El Rey, a Religião, a Pátria, e a Constituição[...].³⁸

    O jornal contou com 210 números, e circulou até o dia 16 de julho de 1823.

    Ainda na década de 1820, o Maranhão se viu afetado por dois movimentos, aos quais teve que aderir: a Revolução do Porto³⁹ e a Independência do Brasil. Nesse período, foi necessário administrar revoltas e pensar em mudanças na sua economia que se refletissem de forma positiva sobre o desenvolvimento da Província. A política começou a sentir reflexos da ação conservadora da classe dominante, influenciando a imprensa, que sentia a falta de liberdade para se expressar.

    Cabe ressaltar que, para o Maranhão, foi difícil pensar em aderir à Independência do Brasil⁴⁰, pois as elites agrícolas e pecuaristas maranhenses eram muito ligadas à Metrópole. Na capital, a facilidade de acesso a Lisboa era justificada pela maior proximidade com a Europa, o que facilitava o intenso tráfego marítimo com fim nas trocas comerciais⁴¹. Mesmo assim, a Adesão aconteceu no dia 28 de julho de 1823.

    Nos primeiros anos do Império, vemos se expandirem na capital, São Luís, tipografias, jornais, biblioteca e escolas. Estas últimas foram fortemente influenciadas pela Lei de 15 de outubro de 1827, que determinou a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos mais populosos. O número de escolas no Maranhão saltou de 14 para 24.

    Do final da década de 20 para o início da década de 30 dos oitocentos, o comércio de livros começa a ter circulação maior nas livrarias, lojas e boticas, assim como as tipografias começam a intensificar seu trabalho de impressão.

    Em 1838, foi fundado o Liceu Maranhense⁴², escola pública secundária que educava os meninos para entrarem no ensino superior. Nesse ano, a obrigatoriedade escolar já era discutida. Vicente Tomás Pires de Figueiredo, presidente da Província, ao pensar na instrução pública, afirmava que uma das soluções possíveis seria garantir a todos os meninos uma instrução básica de primeiras letras, independente do desejo e da vontade dos pais e tutores⁴³. Nos dois anos seguintes, essa tese foi reforçada tanto por Manoel Felizardo e Melo quanto por Antonio de Miranda, que destacavam que outras medidas para a garantia da instrução deveriam ser pensadas, desde os métodos de ensino até os materiais que deveriam ser utilizados em sala de aula.

    O início da década de 40, após o término da revolta da Balaiada⁴⁴, encontra um Maranhão com sequelas desse movimento, o que mexeu com sua reorganização política, econômica e educacional, diminuindo sua riqueza, paralisando a indústria, desmontando a máquina social.

    Procurando, então, investir na educação (ou seria investir em mão de obra?), o governo cria em 1841 a Casa dos Educandos Artífices⁴⁵, com a justificativa de oferecer um ofício aos meninos pobres e desvalidos. Ainda nesse ano, é criada a Inspetoria Geral da Instrução Pública, que só veio funcionar de fato em 1844.

    Em 1849, a obrigatoriedade escolar é novamente discutida, quando o então Presidente da Província, Herculano Ferreira Pena, junto a uma comissão, organiza um plano de reforma para a instrução pública maranhense, com as seguintes medidas:

    a) gratificar os professores proporcionalmente ao número de alunos que frequentava a cada mês as aulas, até no máximo de 40; b) remover os professores de um lugar para outro, onde a ausência de alunos era evidenciada pelos mapas escolares, e c) deixava claro, que a obrigatoriedade seria uma condição indispensável para a conservação e funcionamento das escolas.⁴⁶

    Foi também na década de 1840 que a educação feminina teve uma representante, Dona Martinha Abranches, que funda em São Luís a primeira instituição escolar particular para meninas, o Colégio Nossa Senhora da Glória⁴⁷.

    Na década de 1850, o Maranhão conhece um período de paz e de prosperidade, que se estende pela década seguinte, tornando-se um dos beneficiários econômicos da guerra civil americana⁴⁸, pois a Província ainda é produtora de algodão, e a capital, São Luís, muito se enriquece com isso.

    O primeiro regulamento governamental que buscou organizar o ensino foi aprovado em 02 de fevereiro de 1854. A partir dele, o ensino primário público foi dividido em escolas de primeiro grau e de segundo grau. Para esse regulamento, os escravos continuavam excluídos das escolas, e as meninas, do ensino público primário de segundo grau. Segundo Castro⁴⁹, ainda que a obrigatoriedade do ensino estivesse presente nas discussões de que se ocupavam os inspetores de ensino e os Presidentes da Província, antes dessa data não foram encontradas leis específicas que a regulamentasse de fato.

    Em 1855, o inspetor Caetano José da Silva traz à tona novamente a discussão sobre a obrigatoriedade do ensino no Maranhão, chegando a citar as experiências estrangeiras, como as da Alemanha, Áustria, Holanda e Prússia, para reforçar, por exemplo, que assim como nesses países, todas as pessoas deveriam saber ler, escrever e contar.

    A década de 1860 é de suma relevância para o desenvolvimento de São Luís. A cidade se torna conhecida como Atenas Brasileira, por reunir um grande número de intelectuais do País, como Antonio Gonçalves Dias⁵⁰, Francisco Sotero dos Reis⁵¹, Manuel Odorico Mendes⁵² e João Francisco Lisboa, que faziam parte do Grupo Maranhense⁵³.

    FIGURA 4 – PARTE DO GRUPO MARANHENSE: GONÇALVES DIAS, SOTERO DOS REIS, ODORICO MENDES E JOÃO LISBOA.

    FONTE: Livros da Biblioteca Pública Benedito Leite.

    Esse grupo conseguiu produzir e colocar em circulação obras de literatura não apenas no Maranhão, mas no Brasil:

    Não houve como negar que, de algum modo, os letrados da Província na primeira metade do século XIX no Maranhão, a exemplo de Gonçalves Dias, João Lisboa, Odorico Mendes e Sotero dos Reis, não tenham cumprido o seu papel de elite intelectual, ou seja, como indivíduos a quem foi atribuída a tarefa de elaborar uma determinada visão de mundo, de transmitir um ideário de conhecimentos que acabaram por se consolidar como um sistema explicativo de determinada época. Em outras palavras, foi a ação específica de personalidades como as do chamado Grupo Maranhense que possibilitou a elaboração, a posteriori, da simbologia da Atenas Brasileira.⁵⁴

    É ainda na década de 1860 que a cidade de São Luís recebe o conjunto arquitetônico da Praia Grande. Foram construídos grandes casarões em estilo europeu, com azulejaria portuguesa e calçadas com pedra de cantaria, onde viviam os grandes comerciantes e ricos fazendeiros.⁵⁵

    FIGURA 5 – CASARÕES DE SÃO LUÍS CONSTRUÍDOS NO SÉCULO XIX.

    FONTE: Cartão Postal antigo de São Luís, 1904.

    A elite maranhense ostentava títulos de Barão e Baronesa e passou a ser reconhecida pelo requinte e boas maneiras⁵⁶. O largo da Igreja do Carmo⁵⁷ era ocupado por grupos de pessoas que se reuniam todos os dias para comentar sobre a vida da cidade. Eram poetas, estudiosos, comerciantes e jornalistas que se deslocavam de seus casarões por ladeiras, becos e ruas, e se encontravam para discutir arte, literatura e política.

    FIGURA 6 – LARGO DO CARMO OU PRAÇA JOÃO LISBOA, CENTRO CULTURAL DE SÃO LUÍS NO SÉCULO XIX.

    FONTE: http://jornalpequeno.blog.br/dinacycorrea/category/historia-do-maranhao/

    Em 1868, inicia-se o ciclo do açúcar que perdura até 1894. Na década de 1870, a cidade de São Luís ainda continuava a crescer, mas lentamente, em sua economia. Surgem mais escolas e são criadas instituições que se preocupavam com a melhoria da educação, tais como a Sociedade Onze de Agosto⁵⁸.

    Em 1871, o Jornal Publicador Maranhense dá espaço a artigos⁵⁹ que, novamente, trazem informações sobre a obrigatoriedade escolar em outros países, como a Alemanha, a Prússia e a Áustria, com o intuito de deixar a sociedade maranhense a par do que estava sendo discutido, pois nesses países, escolas eram construídas e firmavam-se como um espaço privilegiado para combater ‘o mal de todos os males’, a ignorância⁶⁰. O objetivo era conscientizar o governo e sociedade sobre a importância da obrigatoriedade da educação escolar.

    Em 1874, surge outro regulamento da Instrução Pública, por meio da Lei n.º 1.091 de 17 de junho, que avança no sentido de não mais proibir os escravos de frequentarem a escola e cria pela primeira vez um Conselho de Instrução, formado por lentes do Liceu, sob a presidência do inspetor da Instrução. Sobre essa lei, destacamos que o ensino primário era obrigatório e os pais, tutores, curadores ou protetores responsáveis pelos meninos maiores de 7 anos que não os permitissem a educação escolar estariam sujeitos a multas. E ainda, sobre esse ensino, manteve-se

    [...] dividido em escolas primárias de 1º grau, que ofereciam um ensino bastante elementar, e escolas primárias de 2º grau, que previam conteúdos mais ricos; a educação feminina permanecia restrita às escolas do primeiro tipo; mantinha a obrigatoriedade do ensino; estabelecia entre os meios disciplinares castigos que excitem o vexame; determinavam penas a serem impostas aos professores que não cumprissem com suas obrigações; regulamentavam o provimento das cadeiras através de concurso e concedia vitaliciedade aos professores concursados com mais de cinco anos de exercício.⁶¹

    No final da década de 1880, a produção de algodão no Maranhão começa a decair em decorrência da recuperação da produção pelos norte-americanos, após o fim da Guerra Civil dos Estados Unidos da América. O Maranhão entra em colapso, a capital São Luís foi fortemente afetada, entrando em crise devido a essa situação, agravada ainda pela abolição da escravatura.

    Com a Lei Áurea (1888), o Maranhão se viu desestabilizado, pois sua economia agrário-exportadora enfrentou a queda de sua mão de obra, essencialmente escravagista.

    Cerca de 70 por cento dos engenhos de cana e 30 por cento das fazendas algodoeiras, fecharam as portas. As nossas propriedades agrícolas sofreram uma desvalorização instantânea de 90 por cento e os nossos grandes latifundiários, perdidos o enorme capital na escravatura [...].⁶²

    A educação passou por dificuldades, pois as escolas se viram obrigadas a mudarem sua constituição para que os trabalhadores livres fossem incluídos no processo de escolarização. Essa inserção não foi fácil.

    No ano de 1889, quando foi proclamada a República do Brasil, a própria população ludovicense destruiu a espiral de mármore do pelourinho que ainda ficava em frente à Igreja do Carmo, mesmo após a libertação dos escravos.

    Uma das soluções para tentar resolver toda essa crise foi investir na indústria têxtil em detrimento da produção agrícola. Entre 1890 e 1892, período conhecido como loucura industrial, segundo Meireles⁶³, os ricos fazendeiros tentaram transformar o Maranhão, escravocrata e agrícola, num parque industrial de trabalho livre. O movimento desse setor contribuiu para o crescimento geográfico de São Luís, com o surgimento de novos bairros.

    FIGURA 7 – PRÉDIO DA COMPANHIA DE FIAÇÃO E TECIDOS DO RIO ANIL, FUNDADA EM 1893.

    FONTE: Gaudêncio Cunha, 1908.

    Mas, com o quadro de decadência já iniciado, o projeto de industrialização do Maranhão não trouxe os resultados esperados. Segundo Saldanha⁶⁴, o parque fabril maranhense enfrentou dificuldades logo depois de sua criação, por não dispor do consumo para sua produção e pela dificuldade em dispor de matéria-prima, uma vez que, com a alta do algodão, era mais rendoso para os fazendeiros exportá-lo.

    No âmbito geral, as últimas décadas do Império e as primeiras da República no Brasil são marcadas por um movimento intenso de debates e iniciativas no âmbito da instrução pública. Segundo Moacyr⁶⁵, esse movimento, fruto da campanha universal em prol da difusão da educação popular, concretiza, em vários países, a intervenção do Estado na educação, a criação da escola primária de ensino obrigatório para as classes populares e a organização dos Sistemas Nacionais de Ensino.

    Assim, a década de 90 dos oitocentos se inicia com a educação maranhense em decadência, sem incentivos do governo e sem interesse da população. Ficava evidenciado que o governo, quando em crise, tirava recursos da educação para tentar resolver os seus problemas. Segundo Saldanha, é importante destacar que no Maranhão, sempre que o Estado enfrentava uma crise financeira, propunha-se o fechamento da Escola como forma de conter as despesas⁶⁶. A escola a que o autor se refere é a Escola Normal.

    No intuito de melhorar a situação da educação, a década assistiu a muitas reformas educativas, como as de 1890, 1891, 1893 e 1895. Em 1890, o Decreto n.º 21, de 15 de abril reorganizava o ensino público no Maranhão, tornando o ensino primário facultativo. Para Saldanha, o princípio da obrigatoriedade não tinha como ser cumprido. Permanecendo, porém, os princípios da gratuidade e da liberdade de ensino. O ensino público ficava dividido em três níveis: primário, secundário e técnico ou profissional⁶⁷.

    Essa reforma antecedeu à de Benjamin Constant⁶⁸, o que comprova que a doutrina de Comte⁶⁹ enfatizando o ensino das ciências já influenciava a intelectualidade maranhense⁷⁰, pois foram incluídas disciplinas científicas no currículo do curso secundário do Maranhão.

    A reforma de 1891 trazia de volta, com o Decreto Estadual n.º 94, o princípio da obrigatoriedade do ensino primário. Entre suas denominações, mantinha o Conselho Superior de Educação, determinando suas atribuições, assim como as da Congregação de Lentes, da Inspetoria Geral e dos Inspetores de Ensino. A novidade dessa reforma ficou por conta da tentativa de municipalização do ensino primário.

    Sobre a reforma de 1893, por meio da Lei n.º 56, datada de 15 de maio, vemos a tentativa de consolidar a reforma de 1890, propondo-se resolver os embaraços entre essa reforma e a de Benjamin Constant. O ensino no Maranhão passou a ser dividido em primário, normal, secundário, profissional ou técnico e superior. Mas, como observa Saldanha, tudo leva a crer que esta época o Estado não mantinha escolas primárias em São Luís⁷¹. A novidade foi a equiparação do Liceu Maranhense ao Ginásio Nacional.

    A reforma de 1895, também conhecida como Reforma Benedito Leite, buscou solucionar principalmente os problemas da Escola Normal. Benedito Leite consegue que a Lei n.º119 seja aprovada em 02 de maio, com o objetivo de trazer de volta a obrigatoriedade do ensino primário, porém isentava desse ensino os deficientes, indígenas e os que sofriam de moléstias.

    Nesse período, as revistas se mostravam como espaços educativos ou de discussões sobre a atual situação educacional da capital e de todo o estado. Por exemplo, a primeira edição da Revista Philomathia, surgida em 1895, apresentava-se como uma oportunidade de disciplinar intelectualmente a sociedade ludovicense, vista como desinformada e desinteressada por questões que envolviam a literatura no geral, pois só liam artigos de jornais sobre rixas políticas ou romances traduzidos de obras parisienses. Dessa forma, a revista trazia aos leitores um misto de poesias, contos, além de artigos sobre ciência, física, filosofia e outros conhecimentos.

    Antonio dos Reis Carvalho,⁷² que assinava a coluna Sciencia e Litteratura dessa revista, revelava que seria então necessário haver um esforço no sentido de dominar a inteligência dos ludovicenses, no sentido de submetê-la a um regime que consiste em fornece-lhe successivamente e selectivamente os dados scientificos e encyclopedicos desde as teorias mais simples da Arithmetica até os teoremas mais transcendentes da Moral⁷³. A ideia que circulava na época era de que, se a população ludovicense não evoluísse intelectualmente, estaria condenada a desaparecer. Para isso, ciência e

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