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Repensando Travessias: O Fazer Sociológico
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Repensando Travessias: O Fazer Sociológico
E-book181 páginas2 horas

Repensando Travessias: O Fazer Sociológico

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Sobre este e-book

Repensando travessias: o fazer sociológico retrata a trajetória que fez de mim socióloga e da Sociologia minha vocação. Descobrir a Sociologia, ainda adolescente, foi descobrir um campo novo de conhecimento, uma vocação e a vontade de ser socióloga, que me acompanhou ao longo de toda uma existência, direcionou e direciona minha atuação até os dias atuais. A narrativa presente aponta como foi trilhado esse caminho, que decisões implicou e como estas definiram o direcionamento de uma carreira e de seus desdobramentos em termos de uma filosofia de atuação profissional.

Por que publicar um memorial? Moveu-me a vontade de transmitir a outros, sobretudo aos mais jovens, a vivência desse processo e da prática acadêmica que dele decorre, com suas conquistas, alegrias, dificuldades e percalços. Mas seria enganoso supor que o que se lê é uma trajetória apenas individual: ainda que seja a minha trajetória e que pesquisadores e professores construam individualmente suas histórias e seus espaços de trabalho, é fundamental que estes sejam pensados a partir de uma perspectiva mais abrangente de um grupo e, portanto, daquilo que pode uni-lo, desde as escolhas teóricas até a seleção dos objetos de pesquisa, como condições para a constituição de um denominador comum, de um campo de saber, de um espaço institucional. Assim, trata-se menos da minha história pessoal como socióloga e mais de como ela se insere em um campo de saber, com seus pertencimentos, distanciamentos, identificações, disputas e busca por reconhecimento. O texto reflete também a vontade de ressaltar o resultado altamente gratificante que é, ao olhar para trás, poder dizer, não sem uma ponta de orgulho: valeu a pena, e vale, ainda.

Com mudanças mínimas, este é o texto original, escrito entre o final de 2010 e o início de 2011: pela sua natureza e pelos objetivos visados – o compartilhamento com leitores anônimos desta experiência nos trilhos da aventura sociológica – julguei que apenas faria sentido disponibilizá-lo se mantidos seu sentido e significado originais.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de dez. de 2018
ISBN9788547321178
Repensando Travessias: O Fazer Sociológico

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    Repensando Travessias - Maria Stela Grossi Porto

    2018

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO

    REPENSANDO TRAVESSIAS

    PARTE I

    TRAJETÓRIA ACADÊMICA

    1

    FORMAÇÃO

    1.1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS 

    1.1.1 Graduação 

    1.2 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA 

    1.2.1 Graduação

    1.3 UNIVERSITÉ DE MONTRÉAL 

    1.3.1 Mestrado 

    1.3.2 Francisco de Oliveira e a crítica à razão dualista 

    1.3.3 Entre o mestrado e o doutorado: incertezas nada acadêmicas 

    1.3.4 Doutorado 

    2

    EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL

    2.1 De volta ao Brasil e à UnB, no SOL 

    2.2 PERDIDOS E ACHADOS ou a Omissão das Editoras Universitárias

    2.3 VIDA na UnB – a sociologia Rural, as Inquietações, a Trajetória em direção a um novo campo do saber

    2.3.1 A presença e a liderança da professora Vilma Figueiredo 

    2.4 O PÓS-DOUTORADO no CEVIPOF, em PARIS 

    2.5 BRASÍLIA: O Foco na Institucionalização de um novo Campo do Saber

    2.6 VIOLÊNCIA: O CONCEITO 

    2.7 DO FENÔMENO EMPÍRICO AO CONCEITO SOCIOLÓGICO 

    2.8 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: NOVO CAMINHO – DISPOSITIVO TEÓRICO-METODOLÓGICO

    PARTE II

    A TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL

    3

    Um périplo burocrático: atividade-meio em busca de realizar a vocação

    4

    chegando à UnB, indo para o SOL

    5

    AGÊNCIAS DE FOMENTO E ORGANISMO INTERNACIONAL: CAPES, CNPq, UNESCO

    6

    PARTICIPAÇÃO EM SOCIEDADES CIENTÍFICAS

    6.1 NACIONAIS 

    6.2 INTERNACIONAIS 

    TRABALHOS ATUAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS 

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    REPENSANDO TRAVESSIAS

    Redigir um memorial pode equivaler a uma psicanálise intelectual, na qual a trajetória acadêmica é passada em perspectiva. Exposição e desvendamento daquele quem sou eu da psicanálise, que vai ao fundo do ser em busca da identidade. Não é muito diferente quando se trata de desvendar uma vida e uma trajetória profissional no contexto universitário. Também aqui filiações, pertencimentos, identificações e oposições a correntes teóricas, com os desdobramentos daí decorrentes, vão construindo e tecendo tramas em direção a um processo de construção identitária: quem sou eu quando sou intelectual, pesquisadora, docente? Onde encontro minhas identificações e para onde elas me levam? Lembranças e esquecimentos, alegrias e sofrimentos, angústias e prazeres, distanciamentos e pertencimentos. Não como momentos excludentes, ou dicotômicos, ora uns ora outros desses sentimentos, mas, ao contrário, todos ao mesmo tempo, invadindo nossos espaços, ocupando físico, coração e mente, tomando por completo o sujeito, a persona que habita cada um de nós no cotidiano profissional.

    É também uma negociação com/contra o tempo. Um tempo pretérito que, ao ser recuperado, exige e cobra uma espécie de prestação de contas: o que foi feito, como foi feito, que validade tem, e um tempo que é demanda de/por futuro. Futuro que se revela sempre menor do que se gostaria que fosse; o que está por fazer é sempre maior do que o tempo que o tempo pode nos conceder; daí a sabedoria dos versos do poeta:

    Tempo, tempo, tempo, tempo

    Entro num acordo contigo

    Tempo, tempo, tempo, tempo

    Por seres tão inventivo

    E pareceres contínuo

    [...]

    E quando eu tiver saído

    Para fora do teu círculo

    Tempo, tempo, tempo, tempo

    Não serei nem terás sido¹.

    O tempo não pode então ser enfrentado de peito aberto, exige acordo que, na forma como o concebo, é um pacto de contemporaneidade. Nada melhor, parece-me, para um memorial em sociologia – disciplina que, para fazer sentido, necessita voltar-se à atualidade, comprometida com sua compreensão.

    Sem pessimismo algum, apenas o profundo sentido do presente, do aqui e agora, um presente que se sabe cativo do passado e do futuro.

    É com esse sentimento que inicio este memorial, que será apresentado em duas vertentes: a primeira, mais suculenta, pretende dar conta dos percursos da trajetória acadêmica stricto sensu; a segunda percorre os caminhos da construção institucional. Vertentes de uma mesma vida, vividas de forma articulada, imbricadas uma à outra. Confundidas algumas vezes, uma não se fazendo compreender sem o recurso à outra; essas duas dimensões serão, no entanto, para efeitos de exposição, desmembradas e tratadas separadamente.

    Estruturar dessa forma a redação do memorial foi uma decisão que, nada tendo de arbitrária, reflete, ao contrário, a mais pura convicção de que uma vida voltada à docência e à pesquisa em contexto universitário se realiza e se completa por meio da junção/articulação desses dois eixos, ou vertentes: o acadêmico propriamente dito e o institucional, o que quer dizer, em última instância, que apenas faz sentido produzir academicamente como cientista, pesquisadora, docente, se for por meio do movimento que conduz, simultaneamente, à construção ou à consolidação institucional.

    Trabalhando com a temática da violência desde a década de 1990 – há mais de 20 anos, portanto – coloquei-me desde logo a questão da construção do campo e dos pressupostos teórico-metodológicos para a constituição de uma sociologia da violência como área específica do conhecimento. Como desafio teórico, colocava-se a tarefa primordial de definir violência, fenômeno empírico mutante, já que plural, polissêmico e referido aos valores e à cultura. O desafio metodológico passava pela seleção dos caminhos epistemológicos pertinentes à condução da pesquisa. O desafio institucional constituído em momento posterior ao de minha incorporação ao quadro docente do Departamento de Sociologia, o SOL – como somos conhecidos na UnB – era como espero apontar em seguida, o de constituir e dar vida à linha de pesquisa em sociologia da violência, o que, à altura, era sinônimo igualmente de abrir um campo novo de trabalho no departamento.

    Cheguei ao tema da violência por meio da sociologia rural. Minha passagem de uma sociologia rural para uma sociologia da violência decorreu de exigências teóricas, colocadas a partir de indagações suscitadas por questões empíricas.

    Vou agora ao ponto zero, aquele no qual são tomadas as decisões que definem os rumos de uma vida profissional. Se fosse uma conhecedora de Roland Barthes, diria o grau zero da escritura, mas não me atrevo; a semiologia é uma disciplina acadêmica desconhecida para mim.

    Eis, pois, o exemplo de uma escritura cuja função não é mais comunicar ou exprimir apenas, mas impor um além da linguagem que é, ao mesmo tempo, a ‘História e o partido que nela se toma’².

    Neste ponto zero, inicio reafirmando o comprometimento com a sociologia enquanto disciplina científica. Comprometimento que é fruto de uma escolha ainda adolescente. Foi em Minas Gerais, pelos idos da década de 1960 e por vias pouco ortodoxas da formação em colégio religioso, que descobri a sociologia e a vontade de ser socióloga, com uma determinação inabalável para meus poucos 17 anos. Acho que posso falar de uma vocação. Nunca quis ser ou fazer outra coisa, desde quando percebi por linhas (tortas, talvez?) as alegrias e as angústias reservadas a quem envereda pelos caminhos da descoberta sociológica. Busquei esses caminhos, aí persistindo até os dias atuais, convencida de ter feito a escolha certa.

    A ida à universidade foi fruto de uma longa e difícil negociação: filho de imigrantes italianos, oriundos daquelas terras calabresas de gente brava e de predomínio do tradicional como norma de orientação de conduta, meu pai não podia conceber por que e para que mulheres tinham que ir à universidade. Feitas para casar, reproduzir e perpetuar os rígidos princípios da moral, mulheres em geral – mas suas filhas em especial – nada tinham a fazer ou a aprender em uma universidade, acreditava meu pai. Aqui uso o plural, não em algum sentido majestático, mas porque era gêmea univitelina, e minha irmã, Maria das Graças, havia, como eu, optado pela mesma trajetória e seguimos juntas o período inicial de nossa formação. Posteriormente, ela foi para a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em Santiago do Chile, fazer o mestrado e, algum tempo depois, para Paris, onde, sob a orientação de Alain Touraine, fez seu doutorado. Eu, como detalho adiante, mudei-me para Brasília, finalizando na UnB a graduação em Sociologia, iniciada na UFMG. Voltando, então, ao relato da negociação paterna, se a universidade era assim o universo proibido, a área escolhida – sociologia – potencializava a proibição. Coisa de comunista, dizia ele – e nisso partilhava uma opinião (uma representação social, talvez eu dissesse hoje) quase consensual para o senso comum; a sociologia estava, pois, fora de cogitação, ele havia sentenciado. Inconformadas, enveredamos, minha irmã e eu, pelo espaço movediço da negociação, que foi árdua e difícil, implicando idas e vindas, felizmente contando com a defesa incondicional de minha mãe³, e que foi finalmente resolvida por meio de um acordo: era obrigatório cumprir um requisito básico: meu pai, vencido pela teimosia das filhas, abria a guarda e nos permitia fazer o vestibular, mas com a condição de que fizéssemos também o concurso para professora primária, única profissão por ele admitida, já que era assim como uma espécie de prolongamento das funções de mãe.

    Essa compulsoriedade talvez explique meu desgosto precoce, prematuro e duradouro com a função de professora primária – e aqui volto a expressar-me no singular e na primeira pessoa – ofício que deixei na primeira oportunidade, não sem o contato por mais de dez anos com as salas de aulas em classes de alfabetização. Foi um desgosto que, paradoxalmente, em nenhum momento implicou colocar em questão a função docente no âmbito universitário. Ao contrário, a opção pela sociologia deixava já antever o futuro profissional na universidade. E isso me agradava, ou melhor, foi exatamente o que, então, passei a perseguir.

    Até aquele momento meus mundos eram a família e a escola: esta última, enquanto aluna – por meio de uma formação integralmente levada a cabo em instituições religiosas, que aliavam excelência acadêmica ao rígido controle disciplinar e moral – e, como acabo de mencionar, enquanto professora – inserida no ensino primário. A primeira saída e incursão para fora desse universo foi prática e ativa, participando intensamente da Juventude Estudantil Católica (JEC) – também de orientação cristã, mas com forte conteúdo social, liberador e libertador, a questionar os alicerces morais e os rumos socioeconômicos e políticos da sociedade brasileira, nos idos de 1962 e 63, nas antevésperas, portanto, do golpe militar em 64. É verdade que minha opção pela sociologia se beneficiou em muito dessa experiência, que teve continuidade a seguir quando, já na universidade, deixei a JEC para ingressar na Juventude Universitária Católica (JUC). Contrariamente às cores conservadoras e à direita que tinha o movimento de juventude católica na Europa, no Brasil, sua bandeira era progressista, de esquerda e voltada à defesa de princípios igualitários da cidadania e dos direitos humanos, mesmo que, naquele tempo, a terminologia fosse outra. Fazendo parte da Ação Católica, tanto a JEC quanto a JUC eram orientadas pelos frades dominicanos. Por sinal, Frei Matheus Rocha (ordem dos pregadores OP) foi o primeiro vice-reitor da UnB, na gestão de Darcy Ribeiro. A Faculdade de Teologia da UnB, caso não tivesse havido o golpe militar, seria construída ao lado do que é hoje a Fundação Educacional.

    Mesmo sem abandonar totalmente essa atividade prática da militância, pelo viés da JUC, chegando à universidade, a preocupação teórica ganhou proeminência em relação à atividade prática, como detalho a seguir.

    PARTE I

    TRAJETÓRIA ACADÊMICA

    1

    FORMAÇÃO

    1.1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

    1.1.1 Graduação

    Fora o insight do segundo grau no Colégio Pio XII, os primeiros passos no conhecimento sociológico aconteceram no curso de Sociologia e Política, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre a Faculdade de Economia, a Face, onde o curso estava então alojado, e a Faculdade de Filosofia, à Rua Carangola, no bairro Santo Antônio, para onde foi transferido, no período de dez anos que haviam transcorrido entre o meu vestibular em 1963 e a minha volta em 1973, após uma longa interrupção em minha vida acadêmica.

    Em Minas, a referência intelectual do primeiro momento – período da Face – era francesa, bibliografia e autores. O Tratado de sociologia, de George Gurvitch, debaixo do braço, dentro da cabeça, e na Livraria Duas Cidades, que era onde se comprava esse tipo de literatura, era leitura incontornável dos calouros. Isso por um lado. Por outro, sob a ótica dos alunos, e exceções à parte, o mundo social era pensado dicotomicamente dividido entre esquerda e direita e a sociologia da qual se lançava mão para compreendê-lo traduzia essa dicotomia nos célebres paradigmas da ordem e do conflito. Com frequência os alunos se organizavam em grupos de estudo, para dar conta das tarefas escolares, mas também como forma de aprofundar algum tema ou autor.

    A chamada sociologia da ordem tinha Talcott Parsons – e também Robert Merton – como representante mais estigmatizado, mas esse estigma remontava a Émile Durkheim, em relação a quem predominava uma leitura preconceituosa, já que era um autor etiquetado como conservador e funcionalista, contrariamente ao sentimento predominante em relação a Karl Marx, identificado com a sociologia do conflito e objeto de um preconceito favorável. Max Weber era quase um desconhecido e, quando tratado, era muitas vezes assimilado aos representantes da ordem. Assim, com as raras exceções que confirmam a regra, predominava, na preferência dos alunos, uma sociologia de inspiração marxista: Louis Althusser e seus aparatos ideológicos do Estado; Nicos Poulantzas e a teoria da autonomia relativa do Estado

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