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Sob a "sombra" de Palmares: Escravidão e resistência no século XIX
Sob a "sombra" de Palmares: Escravidão e resistência no século XIX
Sob a "sombra" de Palmares: Escravidão e resistência no século XIX
E-book501 páginas3 horas

Sob a "sombra" de Palmares: Escravidão e resistência no século XIX

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Sobre este e-book

Neste livro o intuito é estudar episódios de insubordinação protagonizados por escravizados, libertos e livres pobres que abalaram a instituição escrava ao longo do século XIX. Problematiza-se, aqui, a revolta dos malês na comarca de Alagoas, em 1815, e a Guerra dos Cabanos, entre 1832 e 1835, que ainda teria desdobramentos na década seguinte. Aborda-se o movimento dos "Marimbondos" entre 1851 e 1852, que se constituiu de vários motins contrários à lei do registro civil, à lei do cativeiro e, em menor medida, ao censo geral do Império. A ideia é recuperar o conteúdo político desses episódios, esvaziado por uma historiografia tradicional, rompendo assim com o discurso "antimultitudinário" proveniente dela.
Também são focalizadas as comunidades de quilombos e/ou os "coutos de malfeitores" que se estabeleceram nas matas alagoanas, os "bandos de ladrões de cavalos" atuantes na década de 1880 e, por fim, a Maceió da década da abolição, uma cidade negra que recebeu um grande contingente de escravizados fugidos, que aspiravam sua liberdade, travando no dia a dia várias batalhas contra a instituição escrava. A proposta é refletir sobre os últimos anos da escravidão em Alagoas, a partir das experiências de escravizados e libertos, sem perder de vista suas articulações com os movimentos abolicionistas, bastante atuantes em Maceió.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de abr. de 2020
ISBN9786586723007
Sob a "sombra" de Palmares: Escravidão e resistência no século XIX

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    Sob a "sombra" de Palmares - Danilo Luiz Marques

    Danilo Luiz Marques

    Sob a sombra de Palmares:

    escravidão e resistência no século XIX

    São Paulo

    e-Manuscrito

    2020

    PREFÁCIO

    por Maria Izilda S. Matos

    Luta, resistência e escravidão:

    na Alagoas oitocentista

    Valeu Zumbi

    O grito forte dos Palmares

    Que correu terras céus e mares

    Influenciando a Abolição

    Zumbi valeu...

    Sacerdote ergue a taça

    Convocando toda a massa

    Nesse evento que com graça

    Gente de todas as raças...

    Tem a força da Cultura

    Tem a arte e a bravura

    E um bom jogo de cintura

    Faz valer seus ideais...

    Valeu Zumbi

    (Kizomba, festa da raça, Martinho da Vila)

    Foi com o desejo muito próprio dos historiadores de estabelecer pontes entre passado e presente que Danilo compôs seu livro Sob a sombra de Palmares: escravidão e resistência no século XIX, obra em que recupera e discute as experiências de vida e os modos como os sujeitos históricos escravizados resistiram e combateram a escravidão, tendo como palco a Alagoas oitocentista.

    Visitando o passado num comprometimento com uma história contra o esquecimento, o autor analisa de forma crítica e inovadora os arranjos e rearranjos nas relações entre lutas e memórias. Procurando preencher vazios nem sempre acidentais, a obra contribui para questionar lacunas historiográficas, buscando as vozes dissonantes dos escravizados. Para tanto, reconstitui as ações senhoriais no combate a quilombos, revoltas e fugas, nas restrições às alforrias e proibições de práticas culturais. Em contrapartida, recobra práticas, estratégias de luta e resistências escravas em diferentes aspectos, incluindo o campo da cultura.

    Fundamentada na tese de doutorado defendida com brilhantismo na PUC/SP (após estágio sanduíche na Michigan State University), a obra revela um pesquisador incansável e meticuloso na trilha de indícios, sinais e vestígios, o que permitiu a reconstituição de um mosaico documental abarcando periódicos, correspondências de autoridades, relatórios provinciais, códigos de postura municipais, entre múltiplas outras fontes localizadas no Arquivo Nacional, no Arquivo Público de Alagoas e vários outros acervos. O autor dialoga criticamente com esses documentes e com uma ampla bibliografia nacional e internacional, o que possibilitou interpretações contributivas e plenas de significado.

    O livro traz uma abordagem historiográfica inédita ao advogar que a história de Palmares não findou com a morte de Zumbi. Frente a tal desafio, rastreia os indícios de resistência quilombola nos interiores de Alagoas, as experiências de luta contra as imposições da hegemonia senhorial, bem como os episódios de insubordinação protagonizados por escravizados, libertos e livres pobres que abalaram a instituição escrava ao longo do século XIX.

    Nesse sentido, o autor problematizou a Revolta dos Malês (1815), a Guerra dos Cabanos e seus desdobramentos (1832 e 1835), o movimento dos Marimbondos (1851 e 1852), revelando os sentidos políticos desses episódios. Conjuntamente, investigou as comunidades de quilombos e/ou os coutos de malfeitores, além dos bandos de ladrões de cavalos que se estabeleceram nas matas alagoanas. Focalizando particularmente a cidade de Maceió da década da abolição, observou o significativo contingente de escravizados e a intensificação das articulações e lutas, tirando da obscuridade ações de resistência que reinventaram estratégias de oposição à instituição escrava tendo como norte a conquista da liberdade.

    Na obra desponta um exímio conhecedor do ofício de historiador, que desvelou segredos encobertos por evidências inexploradas e silêncios impostos, trazendo contribuições significativas para desnaturalizar as marcas de poder e resistências que balizaram as ações cotidianas, evidenciando-as como construções históricas e culturais, criticamente lançando luzes sobre as experiências de participação e inserção de mulheres e homens escravizados.

    Através de uma narrativa fluida e envolvente, o autor recuperou as experiências de luta e resistência, contribuindo para dar visibilidade a seus protagonistas. Cuidadosamente recobrou personagens, remontou cenários, recompôs práticas, discursos, ações e gestos, descobrindo o inesperado, trazendo à tona o que até então estava submerso (ocultado) no passado. Desse modo, produziu uma análise que não se caracteriza por uma descrença no presente e pela falta de perspectivas futuras, preocupando-se com as relações/tensões da contemporaneidade e vislumbrando novas possibilidades.

    Entre outras virtudes, o texto proporciona uma leitura envolvente, fundamentada na extensa investigação e na erudição do escritor, que usou toda a sua sensibilidade de pesquisador e narrador. Recomendaria ao leitor deixar-se levar por estes escritos, tendo o autor como um guia no desafio de descobrir os segredos dessas tramas e batalhas de mulheres e homens que perpetuam a sua luta pela liberdade e justiça social.

    Boa leitura!

    Maria Izilda S. Matos

    SP, jan. 2020

    À pequena Laura e às vovós Joana e Morena.

    À Dona Sônia, Sophia e Luizinho.

    AGRADECIMENTOS

    Este livro é parte de minha pesquisa de doutorado em História Social na PUC-SP. Agradecer a todos que contribuíram nessa trajetória talvez seja uma tarefa tão árdua quanto a pesquisa em arquivos, a análise de documentos e as leituras bibliográficas, sempre se corre o risco de ser relapso e esquecer alguém ou alguma instituição. De antemão, peço desculpas pela ausência de algum nome.

    Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a toda a minha família, a materna, ancorada no porto de Jaraguá, em Maceió (Alagoas), e a paterna, ancorada no porto de Santos (São Paulo). Na terra do Quilombo dos Palmares habitam as mulheres que me criaram, minha mãe Sônia, Maria, vó Morena e a tia Vinha. Junto delas desfrutei minha infância com meu irmão Luizinho e as primas Aline e Izadora, entre o Bebedouro e a Pitanguinha. Também quero deixar registrada minha gratidão ao Rubão, ao tio Tonho e ao tio Vinho. Na terra do Quilombo do Jabaquara, agradeço à minha avó Joana, ao meu irmão Daniel, às tias Solange e Tania, tio Guina e aos primos Alexandre, Guilherme, Vinícius e Natalia. Sempre muito bom descer a serra e visitá-los.

    Agradeço imensamente à acolhida da minha orientadora, Maria Izilda Santos de Matos, que me guiou com sabedoria e maestria durante todo o doutorado. Lembro-me sempre do dia em que a conheci, foi na PUC-SP, ainda no mestrado (2011), era o primeiro dia de aula, e eu ainda um garoto recém-chegado a São Paulo e com várias dúvidas na cabeça. No intervalo da aula ela foi até seu escaninho e voltou com dois livros para me presentear, um deles foi Liberdade, do Marcus de Carvalho, leitura que fez toda a diferença na pesquisa. Ela nunca me deixou desistir de fazer o Doutorado Sanduíche nos Estados Unidos, mesmo tendo dois editais cancelados, conseguimos no terceiro. Gratidão eterna.

    Na Michigan State University, onde realizei o Estágio Sanduíche no Center for Latin American and Caribbean Studies, sou grato ao professor Peter M. Beattie, ele foi de uma hospitalidade incrível ao longo do semestre de outono/2017. As leituras realizadas na MSU fizeram toda a diferença na reta final do doutorado. Também deixo meus agradecimentos ao professor David Wheat e ao Ramon Miranda, que, junto com Peter, tornaram nossas tardes bastante produtivas, quando conversávamos sobre escravidão, racialização, tráfico atlântico, historiografia, América e Caribe. Os funcionários do Office for International Students and Scholars (OISS) da MSU foram muito atenciosos e forneceram todas as informações necessárias sobre a universidade.

    Em East Lansing, cidade onde morei durante a estadia americana, não poderia deixar de agradecer a Ryan Barclay, Tomas Capistran e Fernando Palma pelas horas de lazer que ajudaram a aliviar o estresse da redação do estudo. Obrigado pelos momentos de soccer, ride a bike, BBQ e pub.

    Agradeço a todos os profissionais que me auxiliaram no Arquivo Público de Alagoas, no Arquivo Nacional, na Biblioteca Mario de Andrade, na Biblioteca da PUC-SP, na Biblioteca Pública de Nova Iorque, no Schomburg Center for Research in Black Culture (Nova Iorque) e na Biblioteca da MSU.

    Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os professores Amailton Magno Azevedo e Ênio José Brito participaram do exame de qualificação, dando sugestões e contribuições que foram imprescindíveis para a finalização do texto. Também não poderia deixar de mencionar aqui os professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em História Social, que tanto no mestrado como no doutorado colaboraram com debates, críticas e sugestões, principalmente: Antonio Rago Filho, Denise Bernuzzi de Sant’Anna, Estefânia Knotz Canguçu Fraga, Fernando Torres Londoño, Maria Odila Leite da Silva Dias, Maria do Rosário da Cunha Peixoto, Vera Lúcia Vieira e Yvone Dias Avelino. Os coordenadores do programa, Carla Reis Longhi e Luiz Antonio Dias, e o assistente de coordenação, William Fernando, sempre atenciosos, auxiliaram quanto às questões burocráticas. Um agradecimento especial a Maria Antonieta Martines Antonacci, com quem tive aulas e conversas magistrais sobre as culturas africanas em diáspora. Amailton e Antonieta são amizades que levarei para além da PUC-SP.

    Durante o doutorado, conheci novos colegas puquianos que se juntaram a velhos amigos. Paulo Cambraia, Arrovani Fonseca, Fabrício Herberth, Maria José, Silvane Silva, Emilio Gonzalez e Lúcio Menezes somaram-se a Egnaldo Rocha, Tiago Salgado, Karla Rasche, Talita Molina, Helenice Dias, Sandra Portuense, Juliana Monteiro, Victor Martins, Jorge Lúzio, Joilson Silva, Davi Rodrigues, Fabiana Vieira, Marilu Cardoso e Camila Petroni. Todos conhecedores das angústias de se fazer uma pesquisa histórica. Gostaria de destacar os nomes de Reginaldo Gomes, que mesmo a distância sempre me encorajou a traçar novos objetivos acadêmicos, e Liliane Braga, pela parceria.

    Como minha trajetória enquanto historiador começou em terras alagoanas, não poderia deixar de mencionar os professores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) que direta ou indiretamente contribuíram para este trabalho: Arrisete Costa, Clara Suassuna, Osvaldo Maciel, Paula Parlamartchuk, Filipe Caetano, Irinéia Franco e Gian Carlo. Zezito Araujo, hoje aposentado, foi meu orientador de TCC.

    Agradeço também ao Marcus de Carvalho, pelo aceite em participar da banca de defesa.

    Ao Centro de Estudos Africanos e da Diáspora (CECAFRO/PUC-SP), pelos bons momentos de debate, em especial a Adriana Silva.

    Aos amigos da Revista Sankofa, especialmente Flávio Talles e Gabriel Rocha.

    Aos amigos da imortal Trincheira do CHLA-UFAL, que acompanham não só minha trajetória acadêmica, mas de vida há mais de uma década. Um salve pro Paulo Davi, Myro Rolim, Deca, Damodara Oiticica, Toninho, Tiago, Manu Oliveira, Madalena Cândido, Bruna Cabral, Flaviana Azevedo, Luciana Rodrigues, Marcia Tatiane, Artur Ornelas, Daniel, Claudyne Santos, Sandra Sena, Julia Araújo e Mariana Marques.

    À Luana Teixeira, colega de profissão e de temática, me apresentou documentação e trocamos figurinhas.

    À Moritz Herrmann, pelo diálogo e amizade.

    Ao Marcos Silva e ao Miguel Barros, que, entre partidas de futebol e almoços, ajudaram na ida aos Estados Unidos com burocracias e dicas logísticas.

    Aos alagoanos-paulistanos, principalmente Adrielly Honorio, Luciano Vanderley e Rafael Soriano.

    À Tally Maria, Milena Rodrigues, Valmir Santos e ao casal Marilda e Roberto Manfré. São as amizades paulistanas que diminuem o impacto da ausência da família.

    À Simone Carvalho, que acompanhou de perto os dois últimos anos da batalha tesiana, dividiu dilemas, impaciências, dúvidas, preocupações, pizzas, doces, afetos, viagens e shows. Obrigado por tudo.

    Aos amigos do Terceirão 2004 do Colégio Santa Amélia, em especial ao Bruno Henrique, são mais de 18 anos de amizade.

    Ao Rafa Dias, Rafa Leste, Judson, Macalê, Douglas, Marcelo e todo o time do Maurão.

    Aos colegas da Escola Estadual Cid Augusto Guelli (Guarulhos-SP).

    À mãe Graça e a todos do Templo de Umbanda Caboclo Pena Vermelha. Saluba Nanã Buruquê.

    Sobre a imagem da capa

    A obra que ilustra a capa do livro foi especialmente criada pela artista Mariana Marques. Ela tem se dedicado, nos últimos anos, à produção de telas com temáticas diversas, destacando seu olhar sobre o universo feminino e a diáspora africana nas Américas. A artista já havia produzido o desenho Moça do cabelo de renda (grafite sobre papel, 2015), imagem que foi capa do livro Sobreviver e resistir: os caminhos para liberdade de escravizadas e africanas livres em Maceió (1849-1888), também de autoria do historiador Danilo Luiz Marques. Ao receber o convite para produção da capa de Sob a sombra de Palmares, iniciou a leitura dos capítulos que compõem o livro, estabelecendo um diálogo artístico-historiográfico. Mariana, que além de artista é bacharel em História pela Universidade Federal de Alagoas (2012), estabeleceu um amplo diálogo com a história social da escravidão no Brasil, acarretando uma série de desenhos que procuraram captar as experiências vividas de escravizados, libertos e livres pobres que resistiram à instituição escravista. No processo criativo de OUVIR-LER-SENTIR-FAZER-REFAZER, a artista produziu uma série de imagens que buscaram representar escravizados revoltosos, quilombolas, cabanos, multidão contrária à lei do cativeiro de 1851, ladrões de cavalos e homens e mulheres vivendo nas fímbrias da escravidão na Maceió da década de 1880. As imagens estão sobrepostas no Mapa da Capitania de Cir II et Pernambuco (Capitanias de Sergipe Del Rey e Pernambuco), 1650, Biblioteca Nacional.

    Desde que pisaram neste lado do Atlântico como escravos, os africanos conspiraram contra os senhores.

    João José Reis

    Diante da propagação dos ideais abolicionistas, da rebeldia dos cativos e da crescente ingerência do Estado Imperial nas relações escravistas, cresciam as tensões e incertezas acerca do desfecho da questão servil no Brasil.

    Wlamyra Albuquerque

    SUMÁRIO

    Início

    Apresentação

    Introdução

    Capítulo I - Agentes da sedição premeditada: uma revolta escrava em 1815

    Capítulo II - A terrível falange dos papa-méis: os cabanos e a coincidência com os espaço palmarino (1832-1850)

    Capítulo III - Fazendo desatinos e propalando ideias subversivas a ordem pública: os marimbondos contrários à Lei do Cativeiro (1851-1852)

    Capítulo IV - Habituados na prática do crime: quilombos, coutos de malfeitores e os braços para a lavoura

    Capítulo V - Audaciosos larápios: os ladrões de cavalos e os prejuízos à lavoura

    Capítulo VI - Um covil de escravos fugidos: a década da abolição em Maceió

    Considerações Finais

    Fontes e Bibliografia

    CRONOLOGIA

    APRESENTAÇÃO

    por Amailton Magno Azevedo

    O livro de Danilo Luiz Marques, Sob a sombra de Palmares: escravidão e resistência no século XIX, tomou a tradição de pensar a história sob o prisma das narrativas antissistêmicas, anti-hegemônicas. Potencializou histórias deslocadas do poder, dos poderosos. O autor parece ter sonhado com a liberdade junto com os seus sujeitos de pesquisa: escravizados, homens livres pobres, indígenas e outros esquecidos ficaram dignificados no seu texto.

    Do ponto de vista das fontes e do diálogo bibliográfico, não há o que comentar. Danilo Luiz Marques foi exaustivo e minucioso. Um trabalho de fôlego que sem dúvida irá alterar a paisagem da produção historiográfica em Alagoas sobre a escravidão. A obra vem fazer coro com um legado historiográfico no Brasil que afirma ser o negro brasileiro o mais revoltado nas Américas no período escravista. Eu acrescentaria que no pós-abolição essa postura permaneceu. Mas, como ele mesmo diz na última linha do texto, o pós-abolição é uma outra história.

    Do ponto de vista da organização textual, Danilo tira uma onda com o leitor. Se é organização, densidade e volume o que faz um livro merecer atenção, não deixa por menos. Parece que se quer apenas a vaia dos desinformados, lembrando o polêmico Nelson Rodrigues. 

    A escravidão revelou ser uma verdade totalitária que pretendeu encapsular os africanos numa gaiola de ferro asfixiante. Essa verdade totalitária compôs a espinha dorsal da obra colonizadora nas Américas. A resistência negra foi a surpresa inesperada que recusou o paradigma societário da colonização. Se a escravidão era a ordem, a verdade apolínea, o discurso civilizatório do bem, como assim se verificou com os signos apoiadores desse modelo, como a cruz, a ciência, a retórica, a resistência, expressou outra possibilidade transversal a favor da liberdade.

    O livro inicia com um capítulo que revisita as revoltas dos malês na Bahia e sua articulação com Alagoas. João Reis considerou tais revoltas como as mais sérias em toda a América, pois tiveram repercussão nacional e internacional, como em Boston, Nova Iorque, Europa, Américas, chegando inclusive na África. E, pelo que consta na sua pesquisa, com repercussão também regional, como foi em Alagoas. Para Reis, se a revolta de 1835 ocorresse hoje, os punidos somariam 24 mil pessoas.

    No capítulo seguinte, medita sobre a falange dos papa-méis: os cabanos. Outra revolta que indica a postura rebelde dos escravizados, indígenas e livres pobres. Parece haver nessa revolta uma articulação dos esquecidos do sistema escravista – livres pobres também apostaram numa postura altiva; indígenas que propagavam seus costumes para além das vivências originárias. A historiografia já revelou ser o consumo de mel uma prática herdada dos indígenas, bem como o cuidado com o asseio do corpo.

    No capítulo III o foco está na revolta dos marimbondos, que confrontou com seu zunido perturbador a ordem senhorial. A revolta ocorre em um momento, como aponta Saquarema, de extremo conservadorismo senhorial diante do fim do tráfico. Estácio, o personagem machadiano, expressa muito bem esse período e como a classe senhorial se via e se sentia dona do mundo. Na revolta dos marimbondos, o livro explora outra questão importante: o perigo de os homens livres retornarem à escravidão. Isso revela que a experiência oitocentista no império era vivida sob um ambiente imprevisível. Um jogo sem regras confiáveis para os negros, mas sim confortáveis para os senhores. O império era uma casa tranquila para os brancos.

    Citando o historiador Wilson Mattos, que afirma o papel de protagonismo decisivo das populações de origem africana no desfecho do cativeiro, elevam-se os escravizados à condição de agentes sociais ativos e incisivos. Sob esse prisma, é possível afirmar que esses agentes nunca se permitiram ser coisas, embora o sistema desejasse coisificá-los. Revoltas, artes do corpo, cantorias, aquilombamento e outras insubmissões fizeram do negro brasileiro um pensador e um detentor de valores africanos reposicionados no ambiente da colônia, do império e também da República.

    No capítulo IV, Danilo problematiza como as autoridades haviam perdido o controle sobre o aquilombamento. Revela também como buscavam mascarar as notícias desses aquilombamentos, pretendendo, com isso, tranquilizar um ambiente que já estava intranquilo. No capítulo V, os audaciosos larápios que roubavam cavalos dão o tom do discurso, demonstrando como os escravizados, libertos e livres pobres improvisavam a existência nas fímbrias do sistema. Com planos miúdos, incomodavam os larápios barões com o roubo de cavalos.

    O capítulo VI desloca o olhar para a questão da escravidão no espaço urbano e semiurbano, buscando rastrear memórias e territórios negros que impregnaram a cidade de Maceió. Os negros fizeram da cidade seu espaço de liberdade, já que para as classes senhoriais a cidade era um lugar febril, como diria Sidney Chalhoub. Para os negros, a cidade é festa, música e possibilidade de sobrevivência e luta pela liberdade. Para os brancos, a cidade é doença, câncer a ser extirpado. Sendo assim, projetos de higienização e segregação à moda tropical se tornariam prioritários no império e na república, constituindo a segunda tragédia brasileira – o apartheid das cidades. O encarceramento espacial e racial superexplicitado nas senzalas, chácaras, cortiços, favelas e periferias escancarava o fracasso que foi e é o Brasil. A primeira tragédia foi muito bem explorada pelo autor deste livro.

    Amailton Magno Azevedo

    (Departamento de História da PUC-SP)

    SP, jan. 2020

    INTRODUÇÃO

    Em 4 de fevereiro de 1842, o então presidente da província de Alagoas, Manoel Felizardo de Souza e Mello, discursou à Assembleia Legislativa e problematizou questões relacionadas à segurança e tranquilidade pública, expondo como caso emergencial a situação na região conhecida como Ponta dos Mangues ou Capoeiras, pertencente à Freguesia de São Bento (litoral norte de Alagoas). A queixa era de que os homens viviam constantemente cercados por bandos de assassinos, e com eles se fazem temidos, e reputados até das autoridades: outros de menos importância vagueiam sem domicílio certo, e constantemente armados e prontos a executar qualquer crime¹. Percebe-se que a fala se referia a homens livres pertencentes à classe baixa, trabalhadores braçais e, possivelmente, escravizados fugidos. Manoel Felizardo de Souza e Mello ainda pronunciou o seguinte:

    Os habitantes desses miseráveis ranchos, passão os dias de serviço a porta sobre calcanhares, com o bacamarte e a faca ao lado na mais completa indolência, a qual, além da caça, só motivos censuráveis os arrancam.

    Com tal habito de vida, o que se pode, Senhores, esperar de semelhante gente? Não seriam para almejar Leis, que melhorando a polícia nos prevenisse contra horrores semelhantes aos de que fora o vítimas o Pará em 1835, e o Maranhão em 1838? Em todas estas desordens homens da mais baixa extração hastearam o pendão do roubo, o extermínio, e imensos soldados apareceram. Na última Província um preto sem a menor importância social, não sabendo ler nem escrever, teve debaixo de suas ordens 12:000 vadios, que se tornaram outros tantos facinorosos, praticando fatos, cuja narração mesmo horroriza.

    Não são nesta Província braços que nos faltam: se os que existem inúteis ou nocivos, fossem aproveitados, extraordinário incremento teria a nossa lavoura, e nasceriam outras diferentes espécies de indústria.²

    O presidente da província também se queixava da não existência de segurança pública no sertão e do estado lastimoso a que tinha chegado Alagoas.³ Entretanto, destacou alguns possíveis melhoramentos em decorrência dos investimentos na Guarda Nacional e na polícia: o recrutamento e a consequente expulsão de 608 indivíduos tidos como ociosos e com maus hábitos de vida, além das cinco execuções de pena na capital, que tiveram lugar, ainda que em escravos, e pessoas desprezíveis⁴.

    A referência aos acontecimentos no Pará e no Maranhão na década de 1830 permite notar a preocupação das autoridades em controlar possíveis revoltas de escravizados, libertos e livres pobres na região. Dessa maneira, foi proposto que essas pessoas fossem aproveitadas com seus trabalhos braçais na lavoura e em outras indústrias. Tratando-se da conjuntura da década de 1840, muitos seriam escravizados ou reescravizados, já que tal prática, bastante recorrente na época, era exercida tanto pelos senhores escravocratas como pelo próprio estado.

    As palavras de Manoel Felizardo de Souza e Mello demonstravam as precauções tomadas pelas autoridades para inibir qualquer tentativa de insubordinação escrava. Era uma espécie de prestação de contas à classe senhorial em relação aos constantes episódios de insurgência protagonizados por escravizados, libertos e homens livres pobres, nas primeiras décadas do século XIX, na região alagoana, como a tentativa de Revolta Malê, em 1815, a Guerra dos Cabanos, na década de 1830, e os Marimbondos, entre 1851 e 1852. Nessa conjuntura, o presidente da província propôs a organização de colônias, cujos elementos fossem os sujeitos vadios, e que nenhum modo de vida honesto apresentam⁵. Justificou que essas Colônias não só criariam, com o seu trabalho, vários e avultados produtos, e tornariam melhores seus membros, mas obrigariam ao resto da população a procurar meios honestos de subsistência⁶. Argumentou também que, apesar das despesas iniciais com a administração dessas colônias, com o tempo seriam estabelecidas com elas novas e abundantes fontes de riqueza, colhendo-se assim dois importantes proveitos, o de moralizar a população, e de aumentar as rendas públicas⁷.

    Portanto, a prática da escravização e reescravização de homens aparecia como pauta principal, sendo possível perceber uma dupla preocupação: o controle da população que constantemente incomodava a hegemonia senhorial com tentativas de insubordinação, e a consequente fonte de receita para o governo provincial. Segundo João José Reis, as elites nacionais conciliaram discursos liberais e civilizatórios com a manutenção da escravidão⁸. Além disso, o vasto histórico de episódios de insurgência envolvendo escravizados e libertos, como Palmares, estava presente na mentalidade das autoridades e senhores de engenho.

    As revoltas e formações de quilombos se caracterizaram como as mais importantes ou impactantes formas de resistência coletiva sob a escravidão. As revoltas tornaram-se mais frequentes a partir do final do século XVIII, sendo favorecidas pela expansão das áreas dedicadas à agricultura de exportação e a consequente intensificação do tráfico escravo, que fez crescer a população cativa e em particular o seu contingente africano⁹. As rebeliões escravas podem ser consideradas a mais direta e inequívoca forma de resistência em âmbito coletivo. Entretanto, tinham várias facetas e não se limitavam à ideia de destruição da instituição escravista ou de liberdade imediata dos escravizados, muitas visavam apenas corrigir excessos de tirania, diminuir até um limite tolerável a opressão, reivindicando benefícios [...] ou punindo feitores particularmente cruéis¹⁰.

    Alagoas também foi palco desses episódios que contestaram a escravidão, em especial nas primeiras décadas do século XIX. O intenso tráfico de africanos ao longo da primeira metade do oitocentos transformou o campo próspero e as cidades maiores em pequenas Áfricas, [...] o que causava temores e às vezes rumores de conspiração, sobretudo depois da Revolta de 1835 na Bahia¹¹. Nesse período, a herança do ônus econômico lançado pelos Palmares ainda estava presente¹², temia-se que revoltas e quilombos afetassem a economia senhorial. Apesar de todo o controle impetrado pelas autoridades, a escravidão era vulnerável.

    A primeira metade do século XIX, portanto, foi a época dos movimentos por independência e de revoltas regionais, ocasionando a difusão de ideias liberais e, posteriormente, abolicionistas. Essa conjuntura criou um ambiente favorável à rebeldia escrava, quando não a envolvia de forma direta.¹³ Neste livro, busca-se estudar episódios de insubordinação protagonizados por escravizados, libertos e livres pobres que abalaram a instituição escrava. Será problematizada aqui a revolta dos malês na comarca de Alagoas, em 1815, e a Guerra dos Cabanos, entre 1832 e 1835, que ainda teria desdobramentos na década seguinte. Será abordado o movimento dos Marimbondos entre 1851 e 1852, que se constituiu de vários motins contrários à lei do registro civil, à lei do cativeiro e, em menor medida, ao censo geral do Império. A ideia é recuperar o conteúdo político desses episódios, esvaziado por uma historiografia tradicional, rompendo assim com o discurso antimultitudinário proveniente dela.

    Também serão abordadas as comunidades de quilombos e/ou os coutos de malfeitores que se estabeleceram nas matas alagoanas, os bandos de ladrões de cavalos atuantes na década de 1880 e, por fim, a Maceió da década da abolição, uma cidade negra que recebeu um grande contingente de escravizados fugidos, que aspiravam sua liberdade, travando no dia a dia várias batalhas contra a instituição escrava. A proposta é refletir sobre os últimos anos da escravidão em Alagoas, a partir das experiências de escravizados e libertos, sem perder de vista suas articulações com os movimentos abolicionistas, bastante atuantes em Maceió.¹⁴

    Isto posto, dentro das lutas políticas contra o esquecimento ou ao que escapa da consciência individual ou histórica¹⁵, o tema que permeia esta pesquisa são as práticas para a constituição de uma hegemonia senhorial e a maneira como os escravizados resistiram e procuraram, de diferentes formas, combater a instituição escravista na Alagoas oitocentista. Aqui há um comprometimento com uma história contra o esquecimento¹⁶, não entendendo a história palmarina como um passado fossilizado, sem relações com a resistência à escravidão no século XIX. Como eixo norteador são tomadas as experiências de vida dos sujeitos históricos marginalizados do poder, dando ênfase às vozes dissonantes dos escravizados, mas também atentando às redes de solidariedade e sociabilidade estabelecidas com libertos e livres pobres.

    A relação entre hegemonia e contra-hegemonia constitui o fio condutor da pesquisa.¹⁷ Variadas práticas de dominação foram exercidas pela hegemonia senhorial buscando conter a existência de quilombos e combater outras formas de insubordinação escrava. Produziu-se um excesso de leis, recomendações e medidas, legais e ilegais, para reprimir a resistência dos escravizados.¹⁸ A população escrava, por sua vez, procurou resistir à hegemonia posta de variadas maneiras. Segundo Stuart Schwartz,

    Recalcitrância no dia a dia, diminuição do ritmo de trabalho e sabotagem foram provavelmente as formas de resistência mais comuns, enquanto autodestruição através do suicídio, infanticídio ou tentativas manifestas de vingança foram, em sentido pessoal, as atitudes mais extremas. Os exemplos mais dramáticos de ação coletiva foram uma série de revoltas de escravos ocorridas na Bahia no início do século dezenove; entretanto, revoltas como a dos malês, em 1835, foram episódios verdadeiramente extraordinários. A fuga foi, de longe, a forma mais comum de resistência escrava no Brasil colonial e um problema característico do regime escravista brasileiro foi a existência das comunidades de fugitivos denominadas diversamente mocambos, ladeiras, magotes ou quilombos.¹⁹

    No Brasil oitocentista, foram inúmeros os debates acerca da escravidão: ao mesmo tempo que criaram mecanismos para sua manutenção²⁰, discutiram como a população cativa poderia, de forma legítima, mudar o status jurídico e conquistar a liberdade. Nessa conjuntura, o direito contribuiu, de forma simultânea, para a perpetuação do poder de proprietários e para que escravizados e libertos desafiassem o poder senhorial.²¹ Assim, o direito foi algo fundamental para manter a instituição escravista e, ao mesmo tempo, um meio para a garantia da cidadania.

    Depois da independência, em 1822, o Estado brasileiro tornou-se o responsável por cuidar de promover o bom tratamento dos escravos e propor arbítrios para facilitar sua lenta emancipação²². Todavia, nas décadas seguintes, a classe senhorial brasileira se serviu do Estado Imperial para construir uma unidade²³ e consolidar uma "dupla expansão: horizontal, em relação aos demais plantadores escravistas [...], e vertical, em relação às pessoas que só detinham a si mesmas como

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