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Sobrevivi: Meu Livro de memórias
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Sobrevivi: Meu Livro de memórias
E-book234 páginas3 horas

Sobrevivi: Meu Livro de memórias

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Sobre este e-book

Sobrevivi, livro de memórias do Bispo Clodomir Santos, não é simplesmente uma história de aventura, mas o relato de uma vida perdida, sofrida e angustiada de um jovem que, cansado de ver a miséria se alastrar em sua casa, decide largar os estudos e ingressar na criminalidade. O que ele não imaginava é que, nessa caminhada marcada por violência e mortes, seria vítima da perseguição de ex-amigos sedentos por vingança, de policiais e de perigosos grupos de extermínio da época. Sem saber o que fazer para sobreviver a esse caos, ele entra em desespero. Com o cerco se fechando cada vez mais e vendo os seus amigos sendo brutalmente assassinados, ele toma uma atitude que mudará para sempre a sua vida. Sobrevivi mostra que as nossas escolhas podem levar a diferentes caminhos, mas apenas um conduz à vida. Leia este livro e descubra como.
IdiomaPortuguês
EditoraUnipro
Data de lançamento2 de set. de 2020
ISBN9786586018547
Sobrevivi: Meu Livro de memórias

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    Pré-visualização do livro

    Sobrevivi - Clodomir Santos

    Capítulo 1

    A origem do caos na minha vida

    Uma família desestruturada

    O meu pai chegou a ganhar na loteria, mas dizia que não ia deixar nada para os desgraçados dos filhos.

    Meus pais não foram um bom exemplo para mim e para os meus irmãos; apesar disso, não posso culpá-los pelo meu ingresso no mundo do crime. Isso seria injusto. Me tornei marginal por vários motivos, entres eles: dificuldade financeira, influência do mal e falta de noção do perigo.

    Meu pai não era uma pessoa ruim, embora tenha causado muito sofrimento à minha mãe e a humilhado demais. Eu e meus irmãos nunca aceitamos isso. Às vezes, do nada, ele batia nela, e nós tomávamos as suas dores. Ele era caladão, sério, creio até que puxei a ele no temperamento, menos no seu jeito exagerado. Quando entrava em casa, parecia que um clima pesado invadia o lugar. A sensação que tínhamos era de que ele andava com uma nuvem escura sobre a cabeça, como se vivesse em trevas, por isso não demorava muito para que uma briga acontecesse. Bastava uma faísca, uma palavra dita de forma errada, e um simples desentendimento se transformava em uma terrível briga. Eu não sabia o porquê disso, mas hoje sei que era a influência do mal.

    Uma vez, aos gritos, acompanhado de palavrões e acusações, ele disse à minha mãe:

    — Você só serviu pra parir!

    Para o meu pai, a minha mãe era culpada pela vida que ele levava, como se o fracasso dele fosse resultado da incompetência dela. E ela jogava na cara dele que havia se arrependido por não ter dado ouvidos à mãe dela, quando lhe dizia para não se envolver com ele. Como isso parecia não o atingir, ela revidava mais agressivamente:

    — Miserável! Desgraçado!

    Isso era suficiente para que ele partisse pra cima dela. Quando isso acontecia, gritávamos na tentativa de protegê-la.

    — Pelo amor de Deus, pai, não!

    Assim que essas brigas se desencadeavam, minha mãe corria para a casa da minha avó, que não podia abrigá-la com tantas crianças no quarto simples onde morava.

    Minha mãe teve sete filhos. A minha avó e as minhas tias não entendiam como ela concebia, praticamente, um filho atrás do outro, mesmo enfrentando, com meu pai, dificuldades financeiras por longos anos.

    Por ter sido uma jovem muito bonita, logo minha mãe despertou o interesse do meu pai. Minha avó nunca o viu com bons olhos. Primeiro, porque sabia que ele era contraventor do ramo do jogo do bicho; e, segundo, porque ele era boêmio. Minha avó não aceitava o fato de sua filha, uma jovem tão esforçada e trabalhadeira, se envolver com um homem de vida relativamente fácil, dado a bebidas, a mulheres e a crimes. Por isso, ela não concordava com aquela relação. O problema é que a minha mãe, aos 17 anos e muito ingênua, se apaixonou por ele e acabou caindo nos encantos de um homem 13 anos mais velho e que sabia muito bem o que queria. Para conseguir conquistá-la, ele sempre a seguia, a cortejava e lhe dava presentes. Com isso, ela acreditou ter encontrado uma oportunidade de formar a própria família; porém, nem imaginava que iria enfrentar tanto sofrimento ao lado dele.

    Em certa ocasião, quando eu já era integrante de uma quadrilha de bandidos, entrei em casa armado e presenciei os meus pais brigando. Percebi que o meu pai estava a ponto de bater na minha mãe e entrei na frente para tentar impedir. Tivemos uma discussão tão feia que ele me deu um soco no rosto. Graças a Deus, e só por Ele mesmo, não dei um tiro no meu próprio pai. Eu tinha tudo para acabar com a vida dele, mas não o fiz. Ele me colocou para fora de casa e minha mãe foi atrás de mim, mas eu não quis voltar. Retornei apenas à noite para dormir.

    Essas brigas constantes eram provocadas, entre outros motivos, pelo egoísmo que o meu pai passou a ter. Minha mãe dizia que ele era muito bom para os outros, mas estava deixando a desejar dentro de casa.

    Para se ter uma ideia dessa fase egoísta, ele chegou a ganhar na loteria, mas dizia que não ia deixar nada para ninguém porque senão os desgraçados dos filhos iriam se matar. Ele falava essas palavras especialmente quando estava alterado pelas drogas ou pela bebida. Fora isso, dentro de casa, ficava no mundo dele.

    Apesar dos problemas do meu pai, ele tinha algo bom. Às vezes, tentava acertar, mas não conseguia. Se ele tivesse conhecido o Senhor Jesus e se entregado a Ele, com certeza teria sido um pai, um marido e uma pessoa melhor. E a minha mãe, mesmo vivendo dias conturbados, xingando o marido e os filhos quando ficava nervosa, lá no fundo, possuía uma bondade que ficava escondida atrás de tanta amargura. Mesmo com toda a sua aflição, ainda era possível ver uma luz, um raio de esperança pairando sobre ela. Por isso, creio que havia realmente um mal por trás, porque os meus pais, ainda que tentassem, não conseguiam se dar bem.

    Às vezes, me vinha à mente aquela pergunta: por que não se separam? Se brigam tanto, se odeiam e não se suportam, por que permanecem juntos? Não seria mais fácil se separar? Não era tão simples assim. Se a minha mãe quisesse, podia se separar, mas era aquela velha história: ruim com ele, pior sem ele! Naquela época, não havia, como há hoje, um espaço para que a voz da mulher fosse ouvida. Além do mais, como ela ia conseguir se sustentar sozinha, com sete crianças pequenas, sendo uma delas enferma e totalmente dependente? Era muito difícil para a minha mãe tomar a atitude de se separar do meu pai; por isso, ela preferia se submeter a um casamento infeliz a ter que sacrificar ainda mais os seus filhos. Mas ainda havia outro fator: ela queria fugir do próprio histórico familiar.

    A minha avó teve quatro filhos com um homem e três filhos com outro. Essa divisão no seio da família fez a minha mãe desejar o oposto. Embora ela tivesse concebido sete filhos também, o problema não era a quantidade de filhos, mas de maridos.

    Ela não suportava a ideia de se casar pela segunda vez. Então, permanecia com o meu pai, que, apesar dos pesares, era o único pai da sua prole. A primeira filha, Cláudia, nasceu quando minha mãe tinha 24 anos. Logo depois, nascemos o Cláudio e eu. Em seguida, respectivamente, vieram o Luiz Carlos, a Mônica, o Marco Antônio e a Janaína. Com relação à caçula, foi o meu pai quem escolheu o nome dela. Ele tinha ido a uma casa de encostos para fazer um determinado trabalho, por um motivo que não me recordo, e voltou de lá dizendo que chamaria a filha de Janaína, pois era um nome que fazia referência ao mar.

    A Janaína era uma menininha branquinha, de cabelos pretos e muito carinhosa, que nasceu com retardamento motor e paralisia. Por essa razão, não falava direito e não andava. O seu estado de saúde trazia um enorme sofrimento à minha mãe, que toda semana a levava ao Hospital Federal do Andaraí para fazer tratamento. Mas, segundo a medicina, não havia solução para ela. Mesmo assim, no afã de vê-la livre daquele drama, tentamos fazer alguma coisa para mudar aquele cenário. Foi quando minha mãe procurou a cura da minha irmã na umbanda, na quimbanda e nos centros espíritas. Além disso, participou de procissões na Igreja Católica e fez promessas para ver a Janaína curada, mas nada adiantou.

    Todos nós tínhamos muito carinho pela nossa irmã, nos dedicávamos muito a ela; eu, inclusive, cheguei a ajudar a minha mãe a levá-la a todos esses lugares, crendo que a situação poderia ser mudada. No entanto, houve um momento em que a minha família ficou de mãos atadas, pois não havia mais o que fazer a não ser crer em um milagre. Até que chegou a hora em que nos conformamos, porque já havíamos tentado tudo para reverter aquele quadro considerado irreversível. A situação dela ainda foi agravada pela nossa falta de recursos, já que, com o tempo, o meu pai foi perdendo o que possuía e a miséria foi aumentando como uma bola de neve em nossa casa.

    A caminho do abismo

    Quando não se conhece a Verdade, é muito difícil se conduzir pelo caminho certo.

    Até o meu nascimento, minha família teve uma vida relativamente boa. Minha mãe contava com a ajuda de uma empregada doméstica e havia dinheiro para viver bem; mas, como o meu pai gostava muito de jogar, foi perdendo o que ganhava nas corridas de cavalo. Esse era um dos motivos pelos quais eles brigavam absurdamente; e os problemas no relacionamento deles se agravaram ainda mais com a chegada dos outros filhos, a ponto de os dois praticamente pararem de se falar. Quem intermediava os atritos entre eles era a minha irmã Cláudia, a mais velha. Ela era a ponte entre eles quando precisavam trocar palavras um com o outro, assumindo uma postura que não lhe cabia, quando deveria estar na posição de filha protegida e cuidada por eles.

    Dentro desse ambiente conturbado, crescemos praticamente sem receber amor e atenção. Não tivemos, portanto, uma família harmoniosa, principalmente por conta dos vícios do meu pai em jogos, bebidas e drogas. Para se ter uma ideia da situação, ele ia alterado ao cartório registrar os filhos quando nasciam. Por confundir o sobrenome dele com o da minha mãe, os meus irmãos, com exceção de um, possuem o nome trocado.

    Hoje sei que quando não se conhece a Verdade, como era o nosso caso, é muito difícil se conduzir pelo caminho certo, por isso não culpo o meu pai. Ele também era uma vítima das forças malignas que fazem tudo para destruir as famílias.

    Acredito ainda que era essa influência espiritual que fazia o meu pai dificilmente demonstrar alguma alegria, a não ser que estivesse sob o efeito da droga ou do álcool. Nessas ocasiões, ele até brincava, dava, inclusive, uma sambadinha para nos ver sorrir, ou nos presenteava com moedas do troco dele; mas, fora isso, entrava em casa mudo e saía calado, ou então já entrava brigando com a minha mãe pelo fato de não ter comida ou por outro motivo qualquer, como se a falta de dinheiro dele fosse culpa da família e nunca do seu vício e da sua vida libertina. Aliás, o seu envolvimento com outras mulheres também era uma das razões do fracasso no relacionamento deles.

    Um dia, quando eu estava passando de carro por Madureira com uma tia e o marido dela, vi o automóvel do meu pai estacionado. Surpreso, me ergui para ver se conseguia avistar ele. Para minha decepção, ele estava acompanhado de uma mulher, o que me chateou muito.

    Quando o carro dos meus tios passou e seguiu viagem, fiquei com aquela sensação de frustração, tristeza, raiva e indignação dentro de mim. E, como eu ainda era um menino, aguardei ansiosamente chegar em casa para contar tudo à minha mãe.

    Assim que desci do carro e a vi, soltei:

    — Mãe, vi o meu pai com uma mulher dentro do carro dele.

    Minha mãe empalideceu e se encheu de raiva. Parecia que não via mais nada na frente dela. Quando o meu pai chegou, a briga já estava engatilhada e os xingamentos começaram. Aí foi um inferno! O meu pai ainda tentou se defender, mas era inútil, pois sabia que o filho tinha visto ele na rua. Por causa disso, ele ficou vários meses sem falar comigo.

    Sutilmente, toda essa situação foi me conduzindo, pouco a pouco, para o abismo do crime.

    A vida dupla do meu pai

    Ninguém toma uma atitude radical simplesmente do nada. Algo alimenta o seu interior dia após dia, até que, completamente contaminada, a pessoa sai da sua rota.

    Fora as desavenças familiares, havia a desconfiança de que o meu pai possuía uma vida dupla no crime.

    Certa vez, ele estava saindo para o trabalho quando foi enquadrado pela polícia na esquina da nossa rua. Nunca soubemos o motivo disso. Então, ficou pairando no ar o que ele poderia ter feito para que a polícia fosse atrás dele.

    O que sabíamos sobre a vida do meu pai era mais do que suficiente para que o deixássemos em paz. Tínhamos conhecimento de que ele possuía uma banca de jogo do bicho e que até chegou a ser o segundo homem de um dos principais bicheiros do Rio de Janeiro, o Natal. Depois que esse chefão morreu, ele passou a trabalhar com o Piruinha e com o Raul Capitão. Nesse tempo, não nos faltava nada, porém percebíamos que alguma coisa estava errada. Embora o meu pai trabalhasse com jogo do bicho, que sempre deu muito dinheiro, ele sempre conseguia valores a mais do que ganhava na banca. Como? Não sei. Para nós, ele era apenas funcionário dos bicheiros.

    Desconfiamos ainda mais de que pudesse existir algo comprometedor com o meu pai quando, um dia, ele chegou todo enfaixado. Ele disse, sem entrar em detalhes, que sofreu um acidente de carro. Por causa desse incidente, ele ficou com sequelas no braço e precisou operar as costelas.

    Dias depois, vimos em um jornal da televisão que um bando havia tentado realizar um assalto em Madureira, Zona Norte do Rio. Não tínhamos certeza, mas tudo indicava que o meu pai tinha participado disso. É por isso que acreditávamos que o dinheiro que ele conseguia a mais vinha diretamente de roubos, assaltos e tráfico. Na época em que o meu pai trabalhava como contraventor, crimes como tráfico de drogas e homicídios ficavam encobertos pela cortina do jogo do bicho. Por isso, é bem provável que ele se envolvesse também com algumas dessas armações que proporcionavam o pouco conforto que possuíamos nesse período.

    Embora o meu pai nunca tivesse levado bandido à nossa casa e nunca tentasse deixar transparecer a vida que levava na criminalidade, não era possível encobrir tudo. Lembro que, quando pequeno, por volta dos meus 5 ou 6 anos, cheguei a visitá-lo com a minha mãe no Cândido Mendes, um presídio considerado de segurança máxima na Ilha Grande, no Rio.

    Outra vez, certo tempo depois, fui vê-lo no presídio Evaristo de Moraes, outro presídio de segurança máxima, também chamado de Galpão da Quinta da Boa Vista.

    Nessas duas ocasiões, apesar de ser bastante pequeno, guardei na memória aqueles ambientes de pessoas marginalizadas, sem imaginar que, lá na frente, eu iria me tornar como aquelas que vi nas prisões.

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