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Fogo Proibido
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E-book189 páginas2 horas

Fogo Proibido

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Sobre este e-book

Ambientada na cidade do Rio de Janeiro, a narrativa de Fogo Proibido acompanha a vertiginosa trajetória de Rita Pessoa, uma jovem jornalista cujo sonho é ser uma escritora de sucesso. Mas um encontro perfeito no momento e lugar errados faz sua vida passar por uma verdadeira revolução, desencadeando uma série de acontecimentos que envolvem paixão, amor, sexo e dinheiro (e muito calor!).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de set. de 2020
ISBN9786558201731
Fogo Proibido

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    Fogo Proibido - Cláudia Castanheira

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    Não cobre amor

    Que amor não é cobre

    – é ouro

    Não peça amor

    Que amor não é peça

    – é todo

    Mas chama, chama amor

    Que amor é chama

    – é fogo!

    (C. Lemos)

    FUGINDO DO SISTEMA

    Ser crítico do contemporâneo não implica o endosso da ordem que o antecedeu

    Antonio Carlos Secchin

    A boa qualidade literária de Fogo proibido não me surpreende, pois conheço a trajetória da escritora Cláudia Castanheira pela sua atividade acadêmica na UFRJ e, sobretudo, por seu primeiro romance, A casa depois da festa (2011). Cláudia tem um estilo próprio, recheado de símiles criativos, sempre envoltos pelo seu fino humor. Mas Fogo proibido supera o primeiro livro em virtude da criação de Rita Pessoa, personagem narradora que nos seduz desde a primeira linha. Muito bem construída, carrega o leitor com ela por uma vida tumultuada pelos mais diferentes conflitos. Vivendo nos dias de hoje, em uma Copacabana cheia de surpresas e perigos, mora em uma pensão para moças, lembrando a situação das personagens de Lygia Fagundes Telles, em As meninas. Aliás, percebe-se várias vezes a influência da autora paulista na construção das personagens. Representações masculinas e femininas povoam o universo ficcional em grande quantidade. Desde a boboca ingênua que se deixa enganar pelo pastor evangélico, até o dono todo poderoso de uma editora, que usa o dinheiro para dobrar a dignidade artística de Rita. Mas ela sempre acaba dando a volta por cima nesse espaço urbano degradado pelo sistema. Copacabana funciona como um microcosmo, onde personagens de todas as classes sociais lutam para sobreviver. As domésticas, moradoras das favelas, são as maiores sofredoras neste mundo cão. Um mundo de mentiras, embustes e chantagens, devassado pelo olhar crítico da narradora que, apesar da ambição, é uma criatura ética e generosa, que não se deixa dominar pelo sistema. O final diz tudo!

    Elódia Xavier

    Professora de Literatura Brasileira da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Sumário

    I

    II

    III

    IV

    V

    VI

    VII

    VIII

    I

    Quando cheguei a esta cidade fazia um calor assim. De novo um verão infernal sob a influência satânica de El Niño. Seja bem-vinda! Vera, minha prima, me recebeu na rodoviária e chamou um táxi. Segui para a casa dela como agora sigo para a casa de Olavo, ansiosa e apertada para fazer xixi. Fico ansiosa e viro uma torneirinha aberta, é horrível. Já diante do prédio em que Vera morava, lembro que parei para contemplar, extática, a paisagem arquitetônica da construção luxuosa, o equilíbrio perfeito entre linhas e formas, a imensidade de concreto de onde saltavam medonhas janelas em mogno circuladas de granito. Aquela seria a minha nova morada. Sim, Vera estava rica. Súbito, uma freada do táxi sacudiu minhas lembranças. Nervoso, o motorista retirou do porta-luvas um pedaço de pano infecto para enxugar o suor da testa, e o calor me pareceu ainda mais insuportável.

    – Não tem ar-condicionado, moço?

    – Deu pau na semana passada.

    Pensei em pegar outro táxi, mas não quis perder tempo.

    – É do verão carioca que o diabo leva o fogo pra abastecer o inferno durante o resto do ano! – tentei puxar conversa.

    Ele virou o pescoço pra trás, torceu a boca, balançou a cabeça e murmurou alguma coisa incompreensível. Porco, murrinha e mal-educado, não há de ser carioca, pensei. Mal sabia ele que eu acabara de parafrasear uma norueguesa que, anos atrás, desembarcou desavisada no aeroporto do Galeão em pleno fevereiro. Usava um casaco de pele e virou a vedete dos noticiários ao despir às pressas o indesejado no saguão do aeroporto e exibir a alvura polar do seu corpo nórdico, não usava nada por baixo. Quer fazer sucesso! Piranha! Exibida!, foi o que mais se ouviu da turma da oposição. Não, ela só queria se livrar de um pesadelo, defendi, o escândalo foi apenas consequência do desespero, o mesmo que leva uma pessoa a se atirar do alto de um prédio em chamas.

    Quando saltei do táxi, anotei a placa do carro e o número do telefone fixado na lataria.

    – Vou ligar pra sua cooperativa e te denunciar por crime de tortura! – era o que eu deveria ter feito.

    *

    – Seu Olavo acabou de sair, mas disse que voltava logo – o porteiro do prédio onde Olavo morava era um pernambucano magriço, baixo e de bigode fino. Apontou para o elevador:

    – Pode subir.

    – Não vai me anunciar?

    – Não precisa – eu já era figurinha repetida por ali. Perguntei por Lurdes, a empregada.

    – Já foi embora. Mas tem gente em casa... – voltou a apontar para o elevador.

    Subi sem pensar, arrisquei. Não avisei ao Olavo que viria. O excesso de ansiedade me tornava invasiva e inconveniente. Esse papel agora era meu, quem diria. Para quem quer me incomodar: bote um homem voejando em torno de mim, como mosca de padaria. Essa mosca por muito tempo foi Olavo, dono de uma editora famosa e amigo do editor-chefe do jornal em que eu trabalhava, já então como profissional, depois que acabou o estágio. Olavo vivia metido lá. Para se aproximar de mim, vinha com um repertório eclético de conversa fiada: efeito estufa, aquecimento global, a expansão do universo, a subida do dólar e não sei mais o quê. Até que um dia tomou coragem e me convidou para sair. Recusei, era um homem culto, inteligente, mas não me interessava, além de esquisito, era casado.

    Quando veio anunciar o seu divórcio, Olavo tinha a mesma expressão de um garimpeiro resgatado com vida de uma mina que explodiu no Chile. Nasci de novo!, falou o chileno, a cara fuliginosa iluminada pelos flashes dos fotógrafos. Passei então a frequentar o apartamento dele, em geral durante a semana, como ele preferia. Um homem liberto de uma mina conjugal recém-detonada certamente precisava de oxigênio, e isso o tornava ainda mais condizente com aquilo que eu buscava no momento: papo legal, sexo e tchau.

    Mas esse lado liberal da minha personalidade cartesiana foi temporariamente desativado nessa noite em que, pela primeira vez, quebrei o protocolo e bati à porta dele sem me anunciar. Depois de anos engavetando poemas e contos, eu havia colocado um ponto final no meu primeiro romance e estava ansiosa por um parecer. Olavo era um editor renomado e experiente, a opinião dele seria decisiva para mim. No dia em que lhe passei uma sinopse do enredo e mostrei as primeiras páginas digitadas, ele teve uma excelente impressão: você manda bem, garota! Se julgou que eu fosse mais uma dessas recém-formadinhas que, como dublês de secretária, digitam textos, tiram xerox e servem cafezinho, quebrou a cara, já ia dizer, mas não seria conveniente. E agora eu estava ali, no prédio de Olavo Brandão, atropelando acordos tácitos e rompendo os cordões de isolamento que até então garantiram a nossa privacidade.

    Toquei a campainha. Fui recebida por um moreno de estatura mediana e ar de boa gente. Apresentei-me. Muito prazer, Luís Mário, falou, me estendendo a mão e um arremedo de sorriso. Perguntei por Olavo. Foi tirar dinheiro num caixa eletrônico aqui perto, já deve estar chegando.

    Fazia um calor impublicável, jatos de vapor subiam dos subterrâneos do inferno e me faziam contemplar as mais indesejáveis miragens do deserto. Sentei no sofá e peguei um leque na bolsa. Ele também sentou. De repente, uma voz soou do apartamento vizinho: Basta, Marcelo! Tô cheia das suas grosserias, das suas traições! Pensou que eu não soubesse, né? Pois fica com a vagabunda, não é isso o que você quer? Vocês se merecem!, Histérica!, Galinha!, Psicopata!, Viado! Tive a impressão de que alguém vomitou. Alguma tevê ligada? Não, não, algum casal em crise.

    – Triste isso, não? – ele lamentou, mal me encarando.

    – Muito – respondi.

    Idiota!, Filho da puta! Ao último xingamento seguiu-se um estrondo. Tiro ou porta batendo? Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia... Porta batendo. Ufa! Qual dos dois ficou para acabar de morrer na letra da canção? Guardei o leque na bolsa e peguei um caderno de palavras cruzadas. – Oceano que separa a Europa e a África da América... – sussurrei entre os dentes.

    – Atlântico! – Luís Mário respondeu antes que eu pudesse pensar. Essa era mole.

    Fechei o caderno, me debrucei na janela, reclamei:

    – Olavo está demorando... – eu começava a ficar irrequieta.

    – É possível que tenha ido a outro caixa, às vezes o sistema sai do ar, o saque fica indisponível... – ele justificou, enquanto mexia em alguns papéis que tirou de dentro de uma pasta de couro.

    De onde saíra aquele sujeito? Bonitão. Seria possível que ele e Olavo... não, não.

    – Você conhece Olavo há muito tempo? – ele iniciou o diálogo, quebrando o silêncio e soprando a pulga que ameaçou se insinuar atrás da minha orelha.

    – Conheço – fui lacônica – e você?

    – Mais ou menos... – uma resposta evasiva sustentada por um novo arremedo de sorriso.

    Entediado, passou a bater com os pés no chão de forma ritmada: tum, tum, tum. Daí a pouco, consultou o relógio, levantou-se, foi até a estante e remexeu em alguns livros.

    – Gosta de ler?

    – Muito.

    – Então já temos algo em comum.

    A conversa passou a girar sobre escritores e livros, e ele se admirou quando contei que havia lido A maçã no escuro, de Clarice Lispector.

    – Na íntegra?

    – Sim, na íntegra.

    – É formidável, é formidável – ele vibrava.

    Eu já estava ficando aflita. Cadê Olavo? O que ainda faria na rua depois de tanto tempo? O celular dele tocou dentro da pasta. Ele atendeu, assumiu uma expressão preocupada, ficou repetindo ok, ok, ok, e desligou.

    – Algum problema?

    – Olavo avisou que recebeu um telefonema... a ex-mulher dele, o nome dela é Teresa, sofreu um acidente de automóvel. Ele pegou um táxi e seguiu às pressas para o hospital, vai fazer uma doação de sangue. Só o dele serve, é do tipo AB positivo.

    – É o mais raro de todos, não?

    – Ah, você entende disso? Enfim, Olavo desculpou-se muito e disse que me ligava amanhã. Pediu que eu saísse e batesse a porta. Curioso... não tocou no seu nome. É seu namorado?

    – Não, é meu editor. Sou escritora e vim trazer os originais de um romance pra ele avaliar – aproveitei para brincar de faz de conta.

    – Escritora? Não acredito!

    Retomamos A maçã no escuro.

    Luís Mário, talvez impressionado com a minha cultura geral, foi emendando um assunto no outro. Quando dei por mim, já andava lá pelo mundo árabe, religiões islâmicas, burca, chador, niqab, petróleo, globalização. Conversamos tanto e era tão agradável a pessoa que, lá pelas tantas, eu nem lembrava mais o que viera fazer ali. Boa conversa, boa aparência, sólida formação cultural, perfume Clive Christian e sapatos Berluti. Etiquetei: rico e de bom gosto.

    O celular dele voltou a tocar dentro da pasta. Ele atendeu sem vontade. Fiz cara de ponto de interrogação.

    – Era Olavo novamente, queria reforçar o pedido de desculpa e saber se eu bati a porta ao sair – falou e sorriu sem graça. – Vai passar a noite no hospital, parece que a coisa foi grave, Teresa está em coma, a família toda está lá. Pena que não tiveram filhos, né? Mas voltando ao seu romance... – apontou para a adega climatizada estilo retrô que Olavo mantinha num pequeno bar, ao fundo da sala – Bebe? – perguntou.

    – Dependendo da ocasião...

    Passamos ao vinho branco, uma taça, duas, três. Ele levantou-se de novo do sofá, dessa vez dirigindo-se ao aparelho de som.

    – Gosta de música?

    – Muito, desde que não sejam esses bate-estacas que andam violentando nossos tímpanos – agora ele riu de verdade.

    E passou a falar de Bach, Strauzzer, Mozart, Beethoven, Chopin... Citei Rachimaninoff. Mexendo nos DVDs de Olavo, ele descobriu, todo contente, o de um cara chamado Demmis Roussos.

    – Fez grande sucesso nos anos de 70 e 80, meu pai adorava!

    – E você adora o seu pai, é claro. Ou... adorava?

    – Adoro. Dança?

    Quando colou seu corpo no meu, fui subitamente engolfada por uma onda de alto teor alienatório. Entrei num tubo de luz e fui dar num lugar qualquer onde uma nuvem louca me levava pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, a coreografia selvagem dos ventos repentinos e indomesticáveis. Sumiu a

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