O dia Mastroianni
De J. P. Cuenca
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Sobre este e-book
Em O Dia Mastroianni, de J.P. Cuenca, o mesmo autor do livro de crônicas Qualquer lugar menos agora (Record, 2021), acompanhamos as 24 horas da aventura de Pedro Cassavas e Tomás Anselmo, que flanam pela cidade em encontros com mulheres e bebidas, marcando presença em festas para as quais não foram convidados e saboreando os privilégios e as angústias de sua condição existencial e social.
Cuenca usa habilmente os artifícios da metalinguagem para criar uma narrativa questionadora de si mesma, que retrata os clichês de uma geração de jovens de classe média cheia de informações e pretensões artísticas, mas incapazes de criar algo original, e que teme os lugares-comuns, mas que não consegue se desvencilhar deles.
O jornalista e escritor Paulo Roberto Pires acrescenta, na orelha desta nova edição: "Na ficção contemporânea, O Dia Mastroianni tem lugar tão indefinido quanto sua trama. A léguas do que ainda hoje se espera de um Brasil supostamente profundo, é também um deboche com a literatura urbana e burguesa à qual o próprio Cuenca se vinculara em Corpo presente, seu livro de estreia."
"Leve, engraçado e absurdamente cítrico. Um dos melhores livros da última década." – Fabrício Carpinejar, Estadão
"Enfim, o romance da não geração." – Bolívar Torres, Jornal do Brasil
"Cuenca supera o desafio de escrever o sempre complicado segundo livro depois de uma estreia promissora." – Adriano Schwartz, Folha de S.Paulo
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O dia Mastroianni - J. P. Cuenca
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Cuenca, João Paulo
C972d
O dia Mastroianni [recurso eletrônico] / J. P. Cuenca ; ilustração Christiano Menezes. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Record, 2022.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5587-566-9 (recurso eletrônico)
1. Ficção brasileira. 2. Livros eletrônicos. I. Menezes, Christiano. II. Título.
22-78053
CDD: 869.3
CDU: 82-3(81)
Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643
Copyright © J. P. Cuenca, 2007, 2022
Capa: Design de Leticia Quintilhano | Imagens: Leticia Quintilhano (cacto e tridente) e iStockphoto.com (bananeira: joakimbkk; porta em bronze: McKevin; lagosta e abacaxi: thepalmer; martíni: LightFieldStudios; cachaça: Milton Rodney Buzon; banana: Oleksandr Perepelytsia)
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Direitos exclusivos desta edição adquiridos pela
EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: (21) 2585-2000.
Produzido no Brasil
ISBN 978-65-5587-492-1
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O verdadeiro herói é o que se diverte sozinho.
Charles Baudelaire
Eu fui o maior onanista do meu tempo.
Oswald de Andrade
Sumário
Abertura
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Agradecimentos
Dia Mastroianni [Exp. Adj.]: Segundo o panléxico, é denominado Mastroianni
(de Marcello, at. it., 1924-1996) o dia gasto em pândegas excursões a flanar na companhia de belas raparigas, à brisa das circunstâncias e alheio a qualquer casuística. Para o Dia Mastroianni
clássico, faz-se mister o uso de terno, óculos escuros e, preferencialmente, chapéus. Alguns lexicógrafos ainda incluem em suas definições o compulsivo autopanegírico, a ingestão de dry martini e/ou gim-tônica, apostas em corridas de cavalos, ligeiras crises metafísicas e a presença em rodas e festas para as quais não se foi previamente invitado.
— O SENHOR SE SENTE CONFORTÁVEL?
— Onde estou? Que lugar é esse?
— EU FAÇO AS PERGUNTAS AQUI.
— Onde você está?
— SOU APENAS UMA VOZ. E VOCÊ, ONDE ACHA QUE ESTÁ?
— Sonhando. Ou talvez morto. Veja! Lá embaixo, uma nuvem com formato de caramujo.
— EU NÃO POSSO VER NADA. FALE MAIS DA NUVEM.
— O caramujo desapareceu. Agora são peitos. Um céu de peitos jorrando leite para o planeta Terra…
— VÊ-SE QUE É UM JOVEM.
— É triste isso de ser jovem! Eu mesmo detesto essa palavra.
— POR QUÊ?
— Acho que os velhos deveriam se levantar nos ônibus para nos dar lugar… É que já viveram muito. E nós, em desvantagem, podemos morrer amanhã, e sem ter visto nada.
— QUAL É SEU NOME?
— Cassavas. Pedro Cassavas.
— QUAL É SUA IDADE?
— Tenho vinte e um, a idade mágica.
— QUAL É SEU TAMANHO?
— Um metro e setenta e seis centímetros.
— QUANTO VOCÊ PESA?
— Não me peso desde a oitava série.
— QUAL É A COR DOS SEUS CABELOS?
— Você é cego?
— POR ENQUANTO E PARA TODOS OS EFEITOS, SIM. RESPONDA À PERGUNTA.
— São pretos, como os de todo mundo.
— O QUE VOCÊ VEIO FAZER AQUI?
— Não faço ideia. Sou seu convidado?
— EU FAÇO AS PERGUNTAS.
— Esse jogo está ficando monótono.
— ISSO NÃO É UM JOGO.
— Certo. E quando poderei ir pra casa?
— JAMAIS. NÃO HÁ RETORNO POSSÍVEL.
— Você só pode estar brincando. E por que está gritando?
— O EFEITO DRAMÁTICO DAS MAIÚSCULAS É NORMALMENTE SUBUTILIZADO EM LITERATURA. MAS, AQUI, ATRAVÉS DELAS, DEMONSTRO MEU PODER SOBRE VOCÊ.
— …
— NÃO PERCA SEU TEMPO TENTANDO. VOCÊ NÃO PODE USÁ-LAS.
— Isso não é justo!
— EM COMPENSAÇÃO, VOCÊ PODE VER TUDO O QUE QUISER. EU NÃO POSSO.
— E por quê?
— PORQUE TUDO O QUE VEJO É ATRAVÉS DOS SEUS OLHOS.
10:32
—Quantos foram os minutos da sua vida em que você pôde dizer que realmente aconteceu alguma coisa?
— Alô? Quem é?
— Acorda que é hoje!
Bateu o telefone e tentou imediatamente voltar a dormir, colando o lençol à cabeça como uma muçulmana de hijab. O aparelho não demorou a tocar de novo, e, depois do quinto toque, Tomás Anselmo desistiu.
— Hoje o quê?
Saiu do banho gelado e vestiu-se. Ganhou a rua, a essa hora com ar amarelado, e caminhou entre batalhões de anônimos. Desviou-se de valas abertas nas rugas das mãos estendidas, filas indígenas nas portas de onipresentes lotéricas, ciganos ululando pontos de macumba, fuzileiros navais em marcha, freiras de sombrinha, caminhões paquidérmicos despejando garrafas e engarrafando cruzamentos. Depois do caminho de casebres empilhados (caixas de fósforo com janelas
) e becos malcheirosos (nós, o cancro do mundo!
), alcançou-me num bar de esquina.
O encontro de dois palitos queimados:
— Tira esse focinho da cara, Tomás. Começamos agora, incontinenti!
— Mas ainda não deu nem onze horas.
— Já? — peço dois.
Esvaziamos os troféus dourados num gole enquanto o garçom, sem que precisemos pedir, desliza da bandeja para nossa mesa um par de sanduíches de abacaxi e filet mignon, conforme anunciado pelo cardápio.
Nas primeiras mastigadas, surge em meu amigo remoto flashback: durante os barulhentos almoços dominicais da sua infância, entre colunas ascendentes de fumaça e cínicas conversações adultas, a criança que costumava ser Tomás Anselmo mordia as bordas de plástico azul costuradas no menu desse preciso bar até a desintegração total, para irritação dos garçons e vergonha da mãe, que sempre o castigava com um tapa agudo sobre as costas da mão. E talvez fosse aquele o mesmo cardápio semidestruído que tem agora debaixo do copo, o que faz Tomás, um cavalinho xucro usando retrovisores como antolhos, pensar secretamente em cravar os dentes no menu.
Mas olha para mim, relincha sacudindo a carne das bochechas e, num invisível encolher de ombros, desiste. Esvazia um paliteiro e, com os palitos quebrados, forma desenhos geométricos sobre a toalha da mesa.
Rayo nuestro epitafio
Con un escarbadientes
En la mesa del café
La alcantarilla sorbe
Otro día
Resbalando la vida
De las calles
Que amanecen sin apuro
Mientras canto