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Psicologia sócio-histórica e educação: tecendo redes críticas e colaborativas na pesquisa
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Psicologia sócio-histórica e educação: tecendo redes críticas e colaborativas na pesquisa
E-book356 páginas2 horas

Psicologia sócio-histórica e educação: tecendo redes críticas e colaborativas na pesquisa

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Sobre este e-book

O livro é fruto do trabalho de pesquisa e debate teórico metodológico que acontece dentre grupos de pesquisa de 4 universidades (PROCAD) UFAL, UERN, UFPI e PUCSP. Todos os pesquisadores trabalham com psicologia sócio-histórica e estão, no livro, abordando diversos aspectos da pesquisa nesta abordagem.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de out. de 2020
ISBN9786555550214
Psicologia sócio-histórica e educação: tecendo redes críticas e colaborativas na pesquisa

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    Pré-visualização do livro

    Psicologia sócio-histórica e educação - Wanda M. Junqueira de Aguiar

    P

    ARTE

    I

    Referências teóricas e metodológicas na pesquisa

    1

    MATERIALISMO

    HISTÓRICO-DIALÉTICO:

    reflexões sobre pensar e fazer pesquisa em educação

    Wanda Maria Junqueira de Aguiar

    Maria Vilani Cosme de Carvalho

    Eliana de Sousa Alencar Marques

    Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência

    seria desnecessária. (Marx, 1983)

    INTRODUÇÃO

    Considerando que a realidade³, segundo proposições de Marx, não se manifesta imediatamente aos nossos olhos, recorremos a esse pressuposto com o intuito de chamar a atenção para a necessidade de produzirmos conhecimento fundamentado no método científico, que nos permita chegar à essência da realidade social. Ir além da aparência imediata, isto é, da forma de manifestação fenomênica da realidade social, em direção a sua essência, significa compreender os inúmeros nexos e mediações que a constituem como um todo complexo. Nesses termos, o Materialismo Histórico-dialético é teoria e método de investigação científica a ser adotado, porque dá condições de apreensão radical da realidade investigada, o que implica conhecer sua estrutura e sua dinâmica e, logo, desenvolver estratégias para uma transformação que se dirige à emancipação humana.

    Se tomarmos como referência para nossa discussão a realidade social que estamos vivendo em pleno século XXI, em especial a educacional, visto que é sobre essa realidade que temos centrado esforços cognitivos e afetivos para conhecer, precisamos apreender os aspectos históricos, sociais, econômicos, políticos, institucionais, entre outros, que a constitui como uma totalidade multideterminada, isto é, concreta. É a relação dialética entre esses aspectos que define o movimento que constitui essa realidade e suas possibilidades de mudança e de transformação. É por isso que Netto (2011, p. 53) é enfático quando afirma: [...] O método implica, pois, para Marx, uma determinada posição (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na sua relação com o objeto, extrair dele as suas múltiplas determinações.

    Apreender esse movimento que constitui, por exemplo, uma dada realidade educacional e, assim, poder explicá-la, requer do pesquisador esgotar ao máximo suas múltiplas conexões estudando suas mediações. Kosik (1976), ao tecer considerações sobre a dialética do concreto, argumenta que a possibilidade de se chegar à essência oculta da realidade e proceder à destruição do mundo da pseudoconcreticidade está no esforço sistemático e crítico de se aproximar dos nexos que a constituem como coisa em si. Para esse autor, a dialética é: O pensamento que quer conhecer adequadamente a realidade, que não se contenta com os esquemas abstratos da própria realidade, nem com suas simples e também abstratas representações, tem de destruir a aparente independência do mundo dos contactos imediatos de cada dia. (Kosik, 1976, p. 20)

    Na busca pela produção do conhecimento, o Materialismo Histórico-dialético (MHD)⁴ parte inicialmente do real imediato, o todo a ser conhecido e, mediante os processos de abstração, apreende suas conexões internas, o que resultará na produção de uma síntese denominada por Marx de concreto pensado. Ao explicar esse processo, no qual o pesquisador vai do concreto caótico, isto é, o empírico representado por suas manifestações fenomênicas, ao concreto pensado, mediado por abstrações teóricas, Marx (1987, p. 16) afirma:

    O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.

    Assumindo tais posições metodológicas, vislumbramos um grande desafio, que é produzir conhecimento sobre a realidade educacional tendo como ponto de partida as representações caóticas do todo, avançando em direção às abstrações e destas ao todo como síntese de múltiplas determinações. Sem dúvida, esse desafio teórico e metodológico, que pretendemos debater, nos coloca diante de uma tarefa extremamente complexa e que demanda muito esforço, tempo e rigor, o que nos indica o perigo de cairmos em armadilhas, simplismos ou mesmo incorreções, ao tentarmos cumprir esse intento nas linhas destinadas a este artigo.

    Desse modo, considerando nossos estudos sobre o MHD, especialmente as pesquisas desenvolvidas no âmbito do Projeto PROCAD⁵, neste capítulo discutiremos alguns dos seus princípios, as leis básicas e as categorias Historicidade, Totalidade, Mediação e Contradição, estabelecendo relação com a realidade educacional.

    EM DISCUSSÃO, O VALOR HEURÍSTICO DOS PRINCÍPIOS, DAS LEIS E DAS CATEGORIAS PARA PENSAR E FAZER PESQUISA SOBRE A REALIDADE EDUCACIONAL

    Sendo teoria e método, o MHD tem conteúdo expresso em princípios, leis e categorias que consistem nas mediações abstratas de interpretação da realidade, de modo a produzir conhecimento com o fim de orientar as práticas sociais e suas possibilidades de mudança e de transformação. Por isso, Ferreira (2017, p. 61), ao estudar esse método, esclarece que ele [...] se fundamenta em uma estrutura lógica que expressa as leis da natureza e da vida social, à base de princípios, leis e de categorias que orientam o movimento do pensamento no sentido da produção do conhecimento e da prática social como processos de desenvolvimento.

    Os princípios, com os enunciados gerais, são a base explicativa da materialidade da realidade social. De modo geral, os princípios explicam que a realidade social tem base material, visto que esta tem existência fora do pensamento dos homens, está sempre em movimento, visto que é processo e, como tal, desenvolve-se ao longo da própria existência⁶. Com esses princípios, o método dialético [...] Ensina que todos os processos e fenômenos do mundo sejam analisados em movimento e desenvolvimento (Krapivine, 1986, p. 143), [...] Ou seja, como acontecimentos concretos historicamente vivos (Vigotski, 1996b, p. 210).

    Se tomarmos como referência das nossas reflexões a dimensão subjetiva da realidade escolar, que é o objeto de estudo do Projeto PROCAD, precisamos compreender que sua base material é produzida na relação objetividade e subjetividade, que determina sua existência como processo histórico-social. Investigá-la requer do pesquisador se aproximar ao máximo da totalidade das relações concretas que constituem o pensar, o sentir e o agir do professor, do gestor e demais atores sociais do espaço escolar, considerando o movimento dialético que realiza e constitui a realidade escolar. Para fundamentar esse argumento, recorremos a Vigotski (1996b, p. 386) quando explica que: [...] Em ontologia, o que parece não existe em absoluto. Ou os fenômenos psíquicos existem e então são materiais e objetivos, ou não existem e não podem ser estudados [...].

    Iniciamos pela relevância que têm, para a proposta em questão, os princípios da materialidade, do movimento e da historicidade, porque nos dão condições de compreender e explicar que:

    [...] No mundo não existe matéria sem movimento, da mesma forma que não pode existir o movimento sem matéria. O movimento manifesta-se de diferentes maneiras e existe em diversas formas.

    [...] No mundo não existe matéria sem o espaço e o tempo e, pelo contrário, não existe o espaço e o tempo sem a matéria. (Burlatski, 1987, p. 46-50)

    Pela importância na explicação das formas de existência da matéria, sobretudo no seu devir, esses princípios da lógica dialética ganham força na elaboração das suas leis e alcançam até status de categorias. A título de exemplo, o princípio da historicidade é considerado como categoria por dar condições ao pesquisador de investigar a realidade educacional, considerando o movimento histórico-social que a constitui, de modo a distinguir as etapas do seu processo de desenvolvimento.

    As leis da dialética são fundamentais para mediar pesquisas sobre esse processo de constituição histórica da realidade educacional, na medida em que são leis que regem o movimento da matéria, isto é, o desenvolvimento da realidade, seja ela a natureza, a sociedade ou a consciência humana. Como explica Kopnin (1978, p. 65): [...] A dialética materialista reflete, deste modo, as leis do movimento dos objetos e processos do mundo objetivo, incluindo o homem e sua sociedade, que atuam como princípios e formas da atividade subjetiva dos homens, inclusive a atividade do pensamento.

    Dentre as leis que explicam o movimento do mundo material, há aquelas que são básicas, vez que são de caráter objetivo e estabelecem as relações essenciais que caracterizam e explicam o desenvolvimento de todos os aspectos da realidade. Kopnin (1978, p. 103) explica quais são essas leis básicas e seu valor na explicação da realidade quando afirma:

    A dialética materialista tem as suas leis, entre as quais costumamos distinguir as chamadas leis básicas: 1) lei da unidade e luta dos contrários, 2) lei da transformação das mudanças quantitativas em qualitativas, 3) lei da negação da negação. Todas elas são indispensáveis e no conjunto são suficientes para, no fundamental, opor a teoria dialética do desenvolvimento à teoria metafísica. As leis da dialética ocupam posição especial na concepção dialética do desenvolvimento, penetram todo o conteúdo dessa concepção.

    A despeito de cada uma dessas leis terem sua especificidade, elas formam uma unidade na explicação do desenvolvimento histórico da realidade como um todo. Por isso, elas podem explicar, de modo geral, que a luta de contrário entre as mediações que constituem a realidade social provocam as mudanças quantitativas e qualitativas que irão possibilitar a negação do velho e a emergência do novo.

    A lei da transformação das mudanças quantitativas em qualitativas explica o processo de transição de sucessivas mudanças de um dado da realidade, sua evolução, em transformação, sua revolução em termos de estrutura e dinâmica. Burlatski (1987), ao estudar o valor dessa lei, explica que as mudanças quantitativas têm caráter contínuo, ao passo que nas qualitativas o caráter é de descontinuidade e surgimento de novas relações. Em poucas palavras, a transformação qualitativa dos objetos ou fenômenos realiza-se aos saltos. Um salto é a interrupção da continuidade, no processo do qual se realiza a substituição dos elementos duma qualidade por elementos duma outra qualidade (Burlatski, 1987, p. 84). Um exemplo patente de transformação radical da estrutura interna da educação brasileira que indicaria um salto, ou melhor, uma revolução, mesmo que em muitas etapas, seria a reforma de uma educação que historicamente tem desumanizado para uma educação que humaniza a todos. Contudo, essa revolução, a passagem de uma qualidade para outra qualidade nova, acontece somente em determinadas condições! Mas, como criar essas condições? Segundo Politzer (1970, p. 78), [...] pela luta e suas características concretas.

    A lei da unidade e luta de contrários explica esse processo de transformação radical da realidade pela luta dos contrários que lhe são internos. Essa lei é considerada o núcleo da dialética porque explica todos os momentos de emergência das contradições que vão engendrar a transformação do velho em novo, revelando, assim, a fonte do desenvolvimento da realidade, que é luta constante de contrários. Politzer (1970) nos faz compreender a luta dos contrários e, assim, a contradição quando esclarece:

    [...] a dialética parte do ponto de vista de que os objetos e os fenômenos da natureza supõem contradições internas, porque todos têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro; todos têm elementos que desaparecem e elementos que se desenvolvem; a luta desses contrários, a luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que perece e o que evolui, é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, da conversão das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas. [Stalin, II, p. 7] (Politzer, 1970, p. 70-71)

    Consoante essa lei, a transformação da educação que desumaniza, o velho, em educação que humaniza, o novo, está nas possibilidades de reorganização do processo como um todo. Nessa reorganização, o motor da mudança e da transformação é a luta entre manter o status quo da educação e a necessidade e os motivos que temos para sua superação. A contradição tem, portanto, caráter interno. No caso da Educação, a contradição é relativa às múltiplas relações, sejam elas sociais, políticas e institucionais, que a constituem no momento histórico social de surgimento e desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esse caráter interno da contradição nos faz entender que: [...] Nenhuma transformação qualitativa pode ser resultado direto de uma intervenção exterior (Politzer, 1970, p. 73); ao contrário, a transformação é produzida na luta dos contrários: a educação que aliena e a educação que emancipa os homens à sua condição de humanos.

    A lei da negação da negação revela o caráter progressivo e cíclico do desenvolvimento da realidade, porque retrata sua estrutura e dinâmica. Para tanto, essa lei engloba as outras duas leis básicas para explicar que todo e qualquer fato da realidade tem a sua gênese, desenvolve-se, caduca e depois desaparece, cedendo lugar ao novo. Podossetnik e Yakhot (1967, p. 68-69) esclarecem o valor dessa lei quando destacam:

    É evidente que a essência da negação consiste no fato de que surge no mundo um processo constante de renovação, a negação, a morte dos velhos fenômenos e o aparecimento de novos. Consequentemente, a negação implica o desenvolvimento de fenômenos, sua passagem para uma fase nova, superior.

    O que os autores explicitam é que o processo de negação dialética do que perece e de criação do que se desenvolve progressivamente se faz continuamente de uma fase inferior a uma superior, do simples para o complexo, mas sem perder as conexões entre o que é velho e o que é novo, em tão alto grau que o novo preserva traços do velho, representando assim a sequência do desenvolvimento. São essas leis, portanto, que, juntamente com os princípios descritos anteriormente, têm nos conduzido a compreender que no movimento da pesquisa orientado por esse método, a realidade é sempre processo histórico e como tal é devir.

    Apreender esse processo de transformação da realidade pode parecer simples, mas não é, e, por isso, requer do pesquisador apropriação não apenas dos princípios e leis do MHD, mas também das categorias, porque são elas que dão a essa teoria e método caráter histórico, sistemático e estrutural. Essas categorias são inúmeras, mas discutimos aqui Historicidade, Totalidade, Mediação e Contradição.

    Antes de introduzirmos a discussão sobre cada uma dessas categorias, ressaltamos, com Marx (1977, p. 224), que as categorias [...] são formas de ser, manifestações da existência. E o que isso quer dizer? Lukács (1978, p. 3) interpreta essa concepção marxista da seguinte forma:

    Em primeiro lugar, o ser em seu conjunto é visto como um processo histórico; em segundo, as categorias não são tidas como enunciados sobre algo que é ou que se torna, mas sim como formas moventes e movidas da própria matéria: formas do existir, determinações da existência.

    As categorias, portanto, não são produtos do pensamento do pesquisador, não são emanações ou elucubrações; são feições do real, existem necessariamente, são parte constitutiva da realidade e, por essa razão, podem ser apreendidas pelo pensamento, possibilitando ao pesquisador o conhecimento acerca do conjunto onde todos e cada um dos elementos constituintes se integram numa unidade e totalidade (Prado Júnior, 2013, p. 2). Desse modo, são as categorias que nos permitem a representação e reprodução do concreto por via do pensamento.

    Em razão das categorias retratarem as leis mais gerais do desenvolvimento da realidade, iniciamos pela Historicidade. Essa categoria, ao guiar o pensamento para a gênese, a caducidade e a emergência de novas formas de existência, cria as condições para fazermos uma crítica radical à dicotomia objetividade-subjetividade, negando a naturalização dos fenômenos, permitindo que compreendamos a realidade social, educacional e, em especial, o ser humano no seu processo histórico de formação e transformação. No entanto, o movimento histórico jamais poderá ser entendido como mera sucessão cronológica de fatos, num movimento sem rumo, em que não existe correlação de forças políticas, sociais, econômicas (Lukács, 1979); ao contrário, o movimento histórico precisa ser entendido como surge e resiste no processo recursivo e contraditório que lhe é próprio Em outras palavras, recorrer à categoria Historicidade para conhecer o desenvolvimento de um dado da realidade social significa investigar seu movimento de evolução, mas também de revolução. Em conformidade com Hahn e Kosing (1983, p. 83), a Historicidade:

    [...] exige que se analise sempre a forma e a origem de cada fenômeno, de cada processo, o estádio de desenvolvimento em que se encontra e como se apresentam as suas outras perspectivas de desenvolvimento. Só isso é que permite penetrar mais profundamente na essência, nas leis, do fenômeno em questão.

    Frente a esse desafio, os processos educacionais por nós analisados, por meio das significações produzidas pelos colaboradores das pesquisas, só poderão ser efetivamente apreendidos quando analisados no movimento histórico que os constituiu. Seguindo a lógica dialética, Vigotski, ao discutir a necessidade de um método em Psicologia para analisar o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, preconiza a necessidade de se apreender a gênese social constitutiva do individual. Para explicar como proceder para dar conta desse intento, o autor elabora três princípios que indicam a necessidade de focarmos nosso olhar de pesquisador para os seguintes aspectos:

    [...] (1) uma análise do processo em oposição a uma análise do objeto; (2) uma análise que revela as relações dinâmicas ou causais, reais, em oposição à enumeração das características externas de um processo, isto é, uma análise explicativa e não descritiva; e (3) uma análise do desenvolvimento que reconstrói todos os pontos e faz retornar à origem o desenvolvimento de uma determinada estrutura". (Vigotski, 1996a, p. 86)

    Em suma, para analisar historicamente a realidade educacional, faz-se necessário considerá-la como processo, buscando as múltiplas e diversas mediações que a constituem em todas as etapas que demarcam suas mudanças e suas transformações. Desse modo, estamos nos referindo a um processo histórico entendido como um constante vir a ser, no qual homens e mulheres se tornam sociais, históricos e individuais, ao mesmo tempo que objetivam sua subjetividade historicamente constituída e subjetivam a objetividade. Finalizando as reflexões sobre a categoria Historicidade, chamamos Lefebvre (1991, p. 21-22) para argumentar que:

    Não se poderia dizer melhor que só existe dialética (análise dialética, exposição ou síntese) se existir movimento: e que só há movimento se existir processo histórico: [...] A história é o movimento de um conteúdo, engendrando diferenças, polaridades, conflitos, problemas teóricos e práticos, e resolvendo-os [ou não].

    Seguindo a lógica da categoria Historicidade, temos investigado a realidade escolar considerando seu processo histórico, o que significa compreender o pensar, o sentir e o agir dos professores, dos gestores e dos alunos em movimento; movimento que os constitui continuamente e que demarca um processo que permanece continuamente em aberto e, por isso, com possibilidades de mudanças, mas também de resistência.

    Considerando que todas as categorias estão imbricadas e se constituem mutuamente, trazemos a categoria Totalidade. Segundo Lukács (1978), a totalidade expressa, de um lado, que a realidade social é um todo coerente, em que os seus elementos estão, de uma maneira ou de outra, em relação; e, de outro lado, que essas relações formam, na própria realidade objetiva, relações concretas, conjuntos, unidades ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas. Essa categoria permite ao pesquisador compreender que nada, absolutamente nada, seja no plano natural, seja no plano social da existência humana (e aqui se incluem as produções simbólicas da cultura humana e os elementos subjetivos que medeiam as existências individuais), sobrevive de forma isolada, desconectada do todo existente. Por meio dessa categoria é possível compreender que os objetos de pesquisa (singularidades) existem no interior de relações objetivas preexistentes, dentro de uma malha de relações, de influências recíprocas, de nexos causais que compõem o tecido social (universal); em outras palavras, totalidades que exprimem a forma concreta e particular de existir dessa sociedade (Lessa, 2016).

    A Totalidade, portanto, é a categoria que permite afirmar que qualquer transformação social envolve a transformação das relações causais que estão no interior das relações objetivas de existência desse ser. Em termos objetivos, compreendemos que se a singularidade se constitui na relação com a universalidade e a universalidade configura a singularidade, todas as possibilidades de transformação e produção de novas singularidades requerem a transformação das relações sociais que medeiam a constituição dessa singularidade.

    Mészáros (2013), em seu livro O conceito de dialética em Lukács, considera que a realidade social deve ser compreendida como totalidade social, posto que sem as mediações que a constituem se torna esvaziada, ideal. Frente a essa explicação, em nossas investigações, nas quais focamos a realidade educacional, temos que, ao explicitar o nosso objeto de estudo, entendê-lo como totalidade. Considerando essa categoria, todo processo educativo (como, por exemplo, a prática docente) deve ser compreendido na sua totalidade; um todo contraditório composto por partes, ou seja, pelas suas mediações constitutivas. A formação acadêmica, as vivências educacionais, as normas e regras institucionais, as políticas educacionais e, ainda, as significações produzidas ao longo da vida, em especial, no exercício da profissão, entre outras, são as mediações que, ao mesmo tempo em que constituem o todo da prática docente, são por ele constituídas. Todo e parte constituem-se mutuamente sem manterem relação de identidade.

    A Mediação é, assim, a categoria que, na esteira da Totalidade, explica a constituição do real. E o que vem a ser a categoria da Mediação?

    Mediação é considerada um construto teórico que explicita e explica a impossibilidade de pensarmos a totalidade social sem considerarmos as mediações que a constituem. Isso significa que é impossível pensarmos a realidade como imediaticidade, pois ela só pode ser apreendida pelas mediações que a constituem. Caso contrário, teremos que nos contentar com a opacidade do real, com sua aparência enganosa.

    Com isso, afirmamos que as significações, por nós tomadas como ponto de partida para a análise e interpretação do fenômeno estudado, jamais poderão ser compreendidas desarticuladas do processo de sua produção histórica, e isso implica que esse processo não pode ser compreendido esvaziado, idealizado, sem as mediações sociais, econômicas, políticas, institucionais, raciais, de gênero, entre outros, que o constituem. A realidade por nós estudada não poderá ser aprendida como se fosse composta de fatos isolados, desconectados da realidade social, sem considerar as mediações que historicamente a constituem. Lembrando que as relações de mediação jamais poderão ser compreendidas como dicotômicas, de causa e efeito, fundadas na lógica formal. Estamos nos referindo, assim, a relações dialéticas entre elementos que mesmo não mantendo relações de identidade, se constituem mutuamente, não existem sem o outro.

    Recorremos à produção de Ciavatta (2009) sobre mediação para explicar que a história só é possível por intermédio das mediações, e a história como movimento do próprio real implica o movimento das mediações. Assim, elas são históricas e, nesse sentido, superáveis e relativas. Isso acarreta a negação da ideologia dominante que, ao tratar como natural o que é histórico e como permanente o que é passageiro, reifica o real, retirando-lhe o movimento e a

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