Em carne viva
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Em carne viva - Maria da Glória Cardia de Castro
Lennon
Imagem1. O bando da pesada
– Eu mato! Eu mato! Eu mato! – gritavam Pedro e David, excitados, assustados, correndo pra dentro da casa de Pedro, fugindo do bando de rapazes que os perseguia lá fora.
– O que é isso, meu Deus! O que está acontecendo? – correu Maura, mãe de Pedro, a acudir os dois, esfolados, com hematomas pela testa e rosto, vermelhos de raiva.
O bando de moleques, jovens em torno de quinze e dezesseis anos, uns dez ou mais, permanecia na frente da casa gritando, provocando:
– SAIAM, SEUS MARICAS! VENHAM SE FOREM HOMENS!
Maura correu à janela e de lá, com grandes gestos desordenados, as palavras tropeçando-lhe na boca, mandava-os embora, ameaçando chamar a polícia.
Pedro e David, exaustos da correria por vários quarteirões, do medo de serem apanhados, despencaram sobre o sofá da sala, molhados de suor, ofegantes.
– Agora vão me dizer direitinho o que aconteceu! Que bordel é esse na frente de casa? Por que essa tropa de delinquentes está atrás de vocês? – Maura, furiosa, emendava uma pergunta na outra sem dar tempo aos meninos de responderem. – Andem logo com isso! Expliquem-se! – continuou, correndo de novo à janela para espantar o bando que ainda tumultuava na calçada. Uma pedra voou em sua direção, por milagre não a acertou. Os moleques saíram correndo pela rua, desaparecendo na esquina.
– O que vocês aprontaram? – explodia de novo junto aos meninos. – Parecem dois delinquentes!
Os dois se olharam, vencidos. David respondeu:
– É que esses carinhas provocaram a gente…
– Como provocaram? Como provocaram? – Maura parecia querer esganá-los.
– Eles deram um soco no David… e eu… – tentou Pedro.
– E por que deram um soco no David? Como vocês se meteram com um bando desses? Maiores do que vocês…
– Eles acertaram uma bolada na minha cara – dizia David –, eu peguei a bola e… – olhou Pedro como a pedir-lhe socorro.
– Aí eles avançaram no David e eu fui em cima – completou Pedro, certo de que esse argumento irrefutável encerraria a inquisição.
– Muito bonito! Muito bonito! Quanto mais crescem parece que menos juízo têm! Antes de falar com sua mãe, David – olhava-o ameaçadora – quero saber onde se meteram pra cruzarem com esses… com esses… caras aí!
– A gente passou no campinho pra bater uma bola, lá perto da escola… – começou David.
– E desde quando tem campinho perto da escola? – Maura não estava pra brincadeira. – Que campinho é esse?
– Não, mãe! Na verdade… – interveio Pedro, vendo sua mãe assim transtornada, sem olhar para o lado de David.
– É que a gente passou, de brincadeira, por uma espécie de lan house, ali perto da Marginal. Não quiseram deixar a gente entrar, começou um bate-boca…
David fechou os olhos, afundou-se no sofá e esperou.
– Tudo bem! Tudo bem! – dizia Maura indignada. – Essa é a verdade verdadeira, Pedro? E por que "uma espécie de lan house" se vocês têm computador em casa?
– É, mãe… pra ver se era legal, oras! Tem lanchonete e tudo…
– Será que agora, aos treze anos de idade, terão de ser levados e apanhados na escola como dois garotinhos? – continuou Maura. – Vou ligar pra sua mãe, David! – disse, já apanhando o telefone.
– Ela não está, dona Maura! – avisou David, levantando-se, desapontado. – Ela foi pro Rio com meu pai. Ele vai participar de um rali, aquelas maratonas de que ele sempre participa…
– Maratona! – repetiu Maura entre dentes. – Teu pai tem cada uma! E você está com quem?
– Com a Zica, a empregada, a senhora conhece ela, né? É melhor não dizer nada pra ela, dona Maura, por favor… ela fica nervosa. A gente não vai fazer mais isso, né, Pedro? – olhou desolado pro amigo.
Este confirmou com a cabeça, quase a chorar. Maura subitamente sentiu pena dos dois, ali meio desamparados como dois bebês, certamente arrependidos e amedrontados. Seu filho nunca a assustara dessa forma antes.
– Está bem. Desta vez vou deixar passar. Mas aviso aos dois que se mais uma vez se meterem em encrencas…
– Nunca mais, dona Maura! – disse David.
– Nunca mais, mãe, nós prometemos! –