Resiliência & habilidades sociais
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Resiliência & habilidades sociais - Luciana Campos
autores
CAPÍTULO 1
HABILIDADES SOCIAIS NA TRANSIÇÃO DO SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Fátima de Almeida Maia e Adriana Benevides Soares
Muito se tem discutido no Brasil sobre as dificuldades encontradas pelos estudantes em se sustentarem em ambientes escolares com toda a autonomia e segurança nas situações que vivenciam no interior delas. O grande desafio, segundo Perrenoud (2011), tem sido organizar o trabalho de modo a engajar a maioria dos alunos em tarefas desafiadoras, provocando novas situações de aprendizagem, estimulando a iniciativa dos grupos, fazendo evoluir um trabalho que visa democratizar e desenvolver suas competências e atingir as atividades com uma presença e uma participação mais autônoma.
Este estudo discute a transição e o ingresso de estudantes no segundo segmento do Ensino Fundamental, chamando a atenção para um tema que está presente nas escolas e envolve uma complexa relação entre o processo de desenvolvimento pessoal com a passagem da infância para a adolescência e mudanças que acontecem a nível social e acadêmico dentro deste novo ambiente escolar. O que se espera sempre é que os estudantes consigam atingir diferentes domínios nas relações sociais e no desempenho acadêmico. Segundo Cloutier e Drapeau (2012) as necessidades pelas quais passam os adolescentes nesta fase não são supridas pelas escolas de Ensino Fundamental, principalmente neste período em que necessitam de apoio, valorização e as relações sociais são bem mais distantes e desconhecidas.
Muitas dessas dificuldades vêm se revelando nos altos índices de evasão, reprovação e fracasso escolar. O não reconhecimento da diversidade dessa população a ser atendida recai muitas vezes sobre o aluno, deixando de ser encarado como um desafio por parte da equipe escolar. Com isso, tem-se o fracasso, podendo acontecer a exclusão escolar (PCN, 1998), principalmente quando se trata de mudanças que são peculiares entre segmentos dentro do próprio Ensino Fundamental.
Conhecendo a relevância de situações que se dão no interior da escola, o estudo em questão traz à tona realidades de um cotidiano carregado de desafios que vão desde a entrada do aluno na escola até a permanência nela. A inserção do adolescente no processo educacional, num grupo heterogêneo, com todas as diversidades encontradas neste momento de transição, não deve ser de tentar adaptá-lo as situações novas, mas integrá-lo de forma estimuladora, enfatizando suas habilidades, ampliando sua interação com todos e redesenhando um novo processo que auxilie na construção de homens mais confiantes, justos, solidários, social e academicamente competentes. Encarar a escola hoje com todos os seus problemas requer dos profissionais que nela atuam uma capacidade redobrada de competências para poder dar conta e responder as exigências trazidas pela sociedade.
Competências sociais na transição para o segundo ciclo do Ensino Fundamental
A organização do sistema escolar traz, em determinados períodos de vida acadêmica dos estudantes, uma difícil relação entre o desenvolvimento humano e as mudanças que ocorrem ao longo do seu crescimento pessoal. Um dos objetos de estudo da psicologia do desenvolvimento baseia-se nas transformações que acontecem na história dos indivíduos. O fato é que o indivíduo desenvolve-se a partir de um conjunto de estruturas que interagem entre si e que compõem uma dinâmica dos aspectos biológicos, cognitivos, afetivos e sociais (Mota, 2005).
Quando a criança entra na escola enfrenta novos desafios, e um mundo cheio de oportunidades e expectativas fora da família. Algumas crianças trazem um forte conjunto de habilidades, motivações e percepções que podem provocar boas aprendizagens, ampliando seus relacionamentos. Outros podem trazer problemas e expectativas negativas para si mesmo e para os outros, emperrando o processo de aprendizagem e de estabelecimento de novas amizades. Masten e Coatsworth (1998) dizem que o desenvolvimento do indivíduo apresenta interações complexas que podem mudar à medida que vão incorporando novos conceitos do ambiente e participando dos desafios estabelecidos pela família e escola, em diferentes níveis do contexto social.
A passagem que se estabelece na transição do Ensino Fundamental ajusta-se de forma bastante próxima com a passagem de vida, quando o aluno sai do 5º ano e ingressa no 6º. O rito de passagem é um dois conceitos mais estudados na Antropologia, pois estabelece rituais simbólicos convencionais para organizar certos aspectos da vida social, ocupando esse ambiente no dia a dia do cotidiano da escola. Os rituais têm uma marca comum que é a repetição em que as pessoas se identificam, sentem segurança, se solidarizam, partilham sentimentos, tendo uma sensação de coesão social (Rodolpho, 2004). Portanto, os alunos que passam por mudanças nos diversos agrupamentos sociais, não apenas passam pelas situações especiais, mas constroem seu novo ambiente, fazem outros amigos, fortalecem suas relações de amizade, alcançando estágios positivos que repercutem na superação dos conflitos, podendo alcançar um bom repertório de habilidades sociais e passar pelas novas exigências sociais (Aspesi, Dessen, & Chagas, 2005).
As demandas que ocorrem na passagem de uma escola para outra, bem como de um segmento a outro, exigem uma adaptação complexa para o estudante, necessitando incorporar ou desenvolver habilidades sociais ao seu repertório para entender o seu papel no mundo (Del Prette & Del Prette, 1999). Quando a criança amplia suas experiências sociais e passa grande parte do tempo no convívio com o outro, precisa aprender a manter um lugar aceitável no grupo para uma maior adaptação. Por outro lado, a aceitação por seus pares torna-se importante para a construção do conceito sobre si, ampliando sua capacidade de considerar pontos de vistas diferentes. Nesta fase surge uma estrutura social que vai delimitando as posições que ocupa com os companheiros, a experimentação e as estratégias para exercer o poder, produzindo comportamentos que são apreciados pelos outros, que apresentam pouca popularidade ou que são antipáticos para a maioria do grupo (Cole & Cole, 2003).
Para uma sociedade em constante transformação, é cada vez mais importante perceber que os indivíduos precisam desenvolver um repertório de habilidades sociais, preparando-os para uma vivência e uma competência social, trazendo desdobramentos positivos em sua vida futura. A competência social desempenha um papel fundamental na transição do adolescente para a idade adulta. A falta de domínio dessa competência impede que o indivíduo mantenha bons relacionamentos, além de experimentar problemas em diversas áreas sociais. Apresentar pobre relacionamento e pouca habilidade social afeta o mundo acadêmico, considerado uma parte importante do desenvolvimento de uma criança, incapacitando-o de interagir adequadamente em situações diferentes (Ruegg, 2003). Portanto, a transição do primeiro para o segundo ciclo do Ensino Fundamental, neste contexto, traz uma preocupação na passagem das séries iniciais para as séries finais do Ensino Fundamental, pois o aluno passa a demonstrar uma tensão no que se refere à mudança de ambiente, no estabelecimento de novos espaços de convivência e conquistas, reestruturando sua relação e interação com outros alunos e professores, além de privá-lo de suas próprias referências, no momento em que tudo ao seu redor apresenta-se como novo, podendo gerar conflitos em seu desenvolvimento (Cloutier & Drapeau, 2012). Nas séries iniciais, observa-se um diálogo mais frequente entre professor/aluno e aluno/aluno, pois vivenciam apenas um único professor para as diversas áreas de estudo, o que favorece as relações interdisciplinares que podem integrá-los ao processo de conhecimento (Cainelli & Oliveira, 2012).
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394/1996, em seu artigo 32, diz: O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove anos), gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão
. Apesar de a legislação tratar o Ensino Fundamental de forma contínua, na prática a ausência de uma relação entre as duas etapas, reforça a ideia de uma ruptura, deixando de ser uma passagem natural dentro do mesmo nível de ensino (Hauser, 2007), para ser um processo que causa bastante ansiedade para os alunos, educadores e pais, apontando para uma distância nessas relações e uma crise de ruptura que causa transtornos e sofrimentos (Barbosa, 2008).
Este distanciamento, além de provocar perdas de suas referências, faz com que o estudante se depare com um ambiente escolar com características bastante diferenciadas a nível social, emocional e físico. Seus professores são especialistas, trabalham em várias turmas mais adiantadas e a estruturação das aulas impede um maior conhecimento e uma relação individual mais aproximada (Oliveira & Bisinella, 2011). Emerge assim, uma gama de variáveis e de circunstâncias que, de forma mais ou menos direta e inter-relacionada, influenciam vários aspectos da aprendizagem e do rendimento escolar dos alunos, bem como apresentam situações difíceis no relacionamento social (Bento, 2007). A transição do adolescente para o segundo ciclo do Ensino Fundamental é tema de interesse da Psicologia na interface com os conceitos educacionais. Muitas transformações e provocações desta faixa etária apontam para sinais presentes de mudanças que são acompanhadas por outros não tão visíveis, mas que causam muitas variações nos aspectos físicos, cognitivos e psicossociais (Cloutier & Drapeau, 2012).
As relações sociais vividas na Escola Fundamental também são entendidas como estimuladores da vida e do desempenho escolar do aluno, demonstrando que estão altamente relacionadas com a realização acadêmica. Para Caprara, Barbaranelli, Pastorelli, Bandura e Zimbardo (2000), quando o estudante apresenta características sociais e acadêmicas positivas é maior o aumento de comportamentos pró-sociais, facilitando as transições escolares, aumentando sua autoestima, melhorando seu desenvolvimento para concluir com êxito sua trajetória acadêmica. Assim, segundo os autores, parece que o desenvolvimento de comportamentos e padrões pró-sociais não só leva em conta a aceitação de amizades, como também facilita o desempenho dentro do espaço acadêmico.
Os estudos relativos às relações de amizade conduzidas atualmente pela Psicologia Positiva foram organizados para construir e promover uma leitura do ser humano, valorizando os seus aspectos mais saudáveis. Segundo Souza e Hutz (2012), a amizade se constrói pela relação afetiva e de interação entre dois ou mais indivíduos, de forma recíproca, começando pela livre escolha de seus pares. A relação de amizade entre os indivíduos contribui para o crescimento social e cognitivo, desenvolvendo capacidades de resolver situações conflituosas, sendo muito importante o desenvolvimento de habilidades sociais como cooperação, comunicação, maior controle dos impulsos agressivos, internalizando valores morais e resolvendo problemas.
Em termos gerais, o desenvolvimento do indivíduo é visto como um processo historicamente determinado, apresentando perspectivas socioculturais de transformações progressivas (Vogler, Crivello, & Woodhead, 2008). Essas mudanças são conduzidas pelas interações entre os processos de maturação e de reestruturação de suas experiências. Dependendo da natureza e a forma como a transição é vivenciada, a vulnerabilidade ou resiliência das pessoas afetadas podem gradualmente dar continuidade a novas experiências, aumentando a possibilidade de crescimento a cada dia em seu ambiente escolar (Vogler et al., 2008). A partir daí, cabe à educação melhorar e incentivar no aluno outras descobertas, afim de resgatar sua autoestima
, ressignificado seu papel social e sua relação com as demais pessoas.
Para caracterizar as habilidades sociais no âmbito das relações sociais, é necessário perceber como o indivíduo é envolvido, influenciado e como se relaciona com as pessoas, a fim de compreender como se dá a construção do sujeito a partir das interações sociais vividas (Rodrigues, Assmar, & Jablonski, 2009). O ajustamento social depende em grande parte da capacidade de um indivíduo iniciar, facilitar e manter uma relação interpessoal de forma significativa. Essas relações positivas, por sua vez, conduzem a aceitação pelos pares de maneira gratificante, favorecendo uma duradoura amizade. Dentro desta avaliação, as habilidades sociais são entendidas como comportamentos aprendidos e socialmente aceitáveis que permitem uma pessoa interagir eficazmente com os outros, inibindo e evitando comportamentos socialmente inaceitáveis (Gresham, Cook, Crews, & Kern, 2004), atingindo objetivos de uma interação saudável e melhorando a qualidade dos relacionamentos.
Habilidades sociais e agentes educativos
O desenvolvimento garante ao indivíduo e seus pares uma significativa aprendizagem social. Os estudos contemporâneos sobre o desenvolvimento humano se caracterizam por estabelecer relações significativas entre os processos de relacionamentos dos indivíduos, proporcionando condições essenciais para as mudanças que ocorrem tanto nas características pessoais como os diversos e integrados níveis do ambiente no qual o ser humano se constrói (Cole & Cole, 2003). A capacidade de interação entre os pares proporciona uma aprendizagem de habilidades sociais, melhorando o rendimento escolar, ajustando o comportamento às expectativas do ambiente, aprendendo a ter bons relacionamentos e a experimentá-los no grupo (Del Prette & Del Prette, 2003).
O desenvolvimento das habilidades sociais dos estudantes na escola de Ensino Fundamental sugere uma participação direta do professor com o aluno, considerando que a criança constrói novos conhecimentos expandindo relações com companheiros da mesma idade ou idades diferentes, ampliando sua percepção e conhecimento social (Del Prette & Del Prette, 2004). Isto demanda a aquisição de desempenhos novos e diferenciados como seguir regras, participar de brincadeiras e jogos, aceitar as normas estabelecidas pelo grupo, se envolver nos trabalhos solicitados pelo professor, enfim, atender aos diferentes papéis que terão demandas crescentes ao longo do Ensino Fundamental (Cia & Costa, 2012).
Uma diversidade de fatores influencia a forma como o aluno interage com o conhecimento. A sala de aula é um espaço intenso de articulação de saberes e precisa se apresentar ao estudante como fonte prazerosa de aprendizagem. Estabelecer um clima de realização e envolvimento dos estudantes torna-se um grande desafio para a escola de Ensino Fundamental (Cloutier & Drapeau, 2012). Ainda segundo os autores, a autoconfiança que o estudante expressa ao desenvolver seu trabalho, pode facilitar e fazê-lo envolver-se cada vez mais nas tarefas. Caso isso não ocorra, é importante que o professor tente estabelecer novos vínculos com a aprendizagem organizando melhor seus estudos, definindo objetivos claros, dando feedback nos progressos educacionais, valorizando suas conquistas.
A interação do aluno com o professor pressupõe intervenções em que este se sinta estimulado a usar o pensamento para alcançar resultados na resolução de problemas, enfrentando situações do cotidiano e melhorando seu desempenho nas relações com o outro (Gonçalves &Trindade, 2010). A dinâmica da sala de aula vem sendo caracterizada como um sistema constituído por um conjunto de elementos – os alunos, os professores, os conteúdos, as atividades de ensino, os materiais, as práticas e instrumentos de avaliação, que interagem entre si e se constroem à medida que respondem pela aprendizagem e conseguem concretizá-la (Cole & Cole, 2003). As habilidades sociais educativas promovem o processo de aprendizagem e segundo Del Prette e Del Prette (2004) se definem como aquelas intencionalmente voltadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do interlocutor, em situação formal ou informal
(p. 95). Ter um caráter intencional demonstra como o agente educacional define seu objetivo e desempenha seu trabalho escolar de forma mais eficaz.
Neste contexto, a partir de programas de habilidades sociais educativas realizadas com professores, foi possível atribuir quatro classes de habilidades sociais educativas, segundo Del Prette e Del Prette (2004). A primeira classe integra as Habilidades de Apresentação das Atividades que propõe um trabalho dialogado, enfatizando os objetivos, desafiando o estudante no despertar de sua curiosidade e interesse, promovendo a participação e dispondo de metodologias em que apresente desempenhos, demonstrando aprendizagem. A segunda classe trata das Habilidades de Transmissão de Conteúdos. A exposição dos conteúdos com clareza e sendo problematizados, abrem maiores possibilidades de aprendizagem, porque geram conflitos cognitivos e levam o estudante a criar novos parâmetros de conhecimento. Com isso, podem construir e reconstruir sua aprendizagem de maneira significativa e com feedback positivo, auxiliando-o na organização de novas aprendizagens.
A terceira classe inclui Habilidades de Mediação de Interações Educativas entre os alunos. No universo acadêmico, principalmente no segundo segmento do Ensino Fundamental, é muito importante que o professor esteja atento ao conjunto dos estudantes, valorizando e chamando atenção para o desempenho do outro, bem como chamando atenção para o desempenho de cada um em particular. Valorizar as perguntas e direcioná-las entre os colegas de turma incentiva a cooperação e traz para o espaço escolar o respeito entre os pares, expandindo relações com os companheiros da turma, ampliando sua percepção e conhecimento social. Ainda segundo Del Prette e Del Prette (2004), a quarta e última classe inclui Habilidades de Avaliação da Atividade como fonte vital do processo. É importante esclarecer os critérios avaliativos e garantir também ao estudante que desenvolva habilidades de autoavaliação, deixando-o analisar sobre sua participação e envolvimento no estudo. A reflexão sobre seu desempenho é um caminho eficiente e uma medida importante para tomada de consciência de sua trajetória acadêmica, identificando os seus erros, responsabilizando-se em retomá-los para garantir novos avanços. Ainda consideram importante que os professores incentivem o trabalho de grupo, oportunizando habilidades para estabelecer regras e critérios democráticos de respeito às ideias do