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Mika - Os Olhos da Serpente: 1, #1
Mika - Os Olhos da Serpente: 1, #1
Mika - Os Olhos da Serpente: 1, #1
E-book661 páginas10 horas

Mika - Os Olhos da Serpente: 1, #1

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Sobre este e-book

Thriller sobrenatural de ação, aventura, terror, ficção científica e romance,

Em um futuro indeterminado, Mikaela vive seus próprios pesadelos sem entender o que acontecem. Desesperada e tentando proteger sua família, ela esconde de todos e busca uma solução para voltar a sentir-se normal. Um amigo fiel e um grupo de gênios adolescentes a ajudam, mas será difícil todos saírem bem dessa situação.

Mistério, intriga, terror, aventura, ação e romance acompanham essa heroína insensata e impulsiva, que luta com todo seu coração.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de nov. de 2020
ISBN9781071573310
Mika - Os Olhos da Serpente: 1, #1

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    Pré-visualização do livro

    Mika - Os Olhos da Serpente - ghesia morett

    MIKA

    Os Olhos da Serpente

    A filha do açougueiro

    Ghesia Morett

    COMEÇANDO O DIA

    Quando abriu os olhos, percebeu que não estava em seu quarto e se assustou ao notar um braço sobre seu corpo. Ao olhar e ver que era Patrick Harris, seminu ao seu lado, quase vomitou. Não pode ser, pensou, pulando da cama e percebendo com pavor que estava nua, com exceção das calcinhas.

    — Merda...merda... — Sussurrava nervosa e entredentes, enquanto procurava desesperadamente sua roupa. Não queria acordá—lo, só queria sair dali o mais rápido possível. — Puta que o pariu! Droga de comprimidos verdes!

    Não lembrava quase nada da noite passada, desde que tomara a droga do comprimido—teste. Então se deu conta de uma coisa: tinha misturado com os comprimidos marrons, que sempre tomava. Lembrou também de algo ainda mais importante: não havia sonhado. Dormiu e não teve pesadelos nem nada que pudesse lembrar.

    Pegou o jeans que estava embaixo da cama e o vestiu correndo, rindo de felicidade. Colocou a camiseta, que ainda estava jogada no meio do caos que era aquele quarto, e colocou os tênis que estavam jogados de lado, embaixo da camiseta do Patrick. Toda sua roupa estava suja, cheia de terra e barro seco, e ela não tinha ideia do motivo. Fazia muito frio e não encontrava a sua jaqueta. Acabou pegando um moletom com capuz, branco com listras negras que formavam quadrados, e saiu correndo do quarto. Desceu as escadas correndo enquanto colocava o capuz e, ao passar pela porta de entrada da casa, ouviu um grito da mãe do rapaz:

    — Tchau querido, até mais tarde!

    Isso a fez correr ainda mais rápido. Não fazia ideia de que horas eram, muito menos que dia, mas isso não importava. Tinha que voltar ao instituto e falar com o professor Scott e com os rapazes do clube de ciências. Ela finalmente tinha conseguido o que queria, só precisava de umas pequenas melhorias e então poderia ter uma vida quase normal.

    Mais do que correr pelas ruas, ela voava, pensando que depois acertaria tudo com Harris, quando ele estivesse calmo e acordado. Não sabia como ela tinha ido parar em sua cama, nem como Steve tinha deixado isso acontecer, mas tinha certeza de que não havia sido por vontade própria. Patrick era um gato, mas um completo idiota e bem tosco. Se ele contasse o que aconteceu a alguém, ia levar um belo tapa. Ela nem sabia onde havia encontrado com ele. Tudo aquilo era uma loucura, mas, se tivesse sorte, tudo acabaria logo.

    Andava pelas ruas molhadas e cheias de poças d’água naquele dia nublado, alegre pela sua descoberta, desejando confirmar com seus amigos gênios.

    Ao chegar no instituto, as portas estavam fechadas e tudo estava vazio e silencioso. Pensou desolada que podia ser sábado ou domingo, não tinha certeza. Tinha passado a semana toda tomando os remédios que os rapazes tinham preparado e estava totalmente perdida. Não sabia o que fazer. Não podia procurar Steve, sua mãe a expulsaria de lá depois da última briga, quando a chamou de vagabunda e coisas ainda piores.

    Tenho que voltar pra casa, pensou com pesar. Teria que aguentar a merecida bronca e aceitar o castigo que lhe dariam. Com certeza seu pai a estava procurando por todo lugar. Seu maior medo se transformou em realidade ao passar de novo pela rua do instituto. Viu a velha e pequena van verde do seu pai virando a esquina. Já não sabia se era melhor começar a correr ou deixar que a visse e então aguentar o furacão que a esperava quando ele a encontrasse.

    De qualquer maneira, estava faminta, e começou a sentir—se bem cansada, então ficou parada na calçada, esperando que a van se aproximasse. Seu pai logo reduziu e parou ao seu lado, encarando—a seriamente, com cara de preocupação, que se transformou em raiva quando a viu de perto.

    — Mika, sobe — ele mandou, aparentemente calmo. Mas o conhecia o suficiente para saber que a gritaria começaria assim que fechasse a porta de casa.

    Subiu sem coragem de encará—lo. Apertou o cinto de segurança e olhou para a frente. Se sentia culpada demais para dar qualquer desculpa, ou contar alguma mentira piedosa. Ela já tinha dado muito desgosto e ele não acreditaria em nada mais que ela pudesse dizer. Seu pai não era burro e deveria estar imaginando muitas coisas. Talvez estivesse certo. Nem ela mesma sabia se podia ou o que precisava explicar. Seu pai também não a olhava e dirigia com cara de poucos amigos.

    Quando já estava chegando em casa, ele a olhou por um segundo e reduziu a velocidade, e ela previu um sermão chegando.

    — Dois dias, Mika — disse aborrecido, contendo—se para não gritar. — Estamos há quase dois malditos dias sem saber nada de você. Sua mãe está à beira de um ataque de nervos, e eu estou sem dormir todo esse tempo, pensando que alguém ia te encontrar morta em alguma sarjeta.

    Mikaela se afundou ainda mais dentro do capuz, sentindo—se como um animal asqueroso, enquanto seu pai continuava falando.

    — Sei que você não vai nos contar nada, mas isso acabou. E nem pense em fazer como da última vez e começar a gritar. Quando chegar, dê um beijo na sua mãe e na sua irmã, que estão nervosas, e vai para o seu quarto. Não saia de lá o dia todo ou juro que dessa vez te levo para a reabilitação à ponta pé! Daqui por diante eu vou te deixar no colégio e ninguém além de mim poderá te buscar. Vou falar com a diretora para que fiquem de olho para que você não falte em nenhuma aula. E nada de computadores ou comunicador. Entendeu?

    Seu pai estacionou em frente à casa e ela balançou a cabeça, sem olhar para ele. Não tinha vontade de discutir o óbvio. Além disso, agora que tinha encontrado a cura, poderia começar a ter a sua família de volta. Tinha que compensar por todas as suas birras e rompantes de mal humor. Não sabia como, mas precisava tentar. Mas ainda era cedo para ter certeza, os remédios batiam forte demais. E não tinha certeza dos efeitos colaterais. Com sorte, era domingo e só teria que esperar um dia.

    Desceu da van e viu sua mãe, com olheiras profundas e cara de preocupada, que se iluminou ao vê—la chegar. Abraçou—a e beijou—a, enquanto reclamava do seu comportamento. Sem dizer nada, ela se soltou e subiu rapidamente as escadas indo direto para seu quarto, sem querer ver sua irmã. Já estava se sentindo muito mal para ter que aguentar o seu próprio reflexo em um outro corpo, muito mais perfeito e encantador, com cabelos loiros e os olhos azuis—violeta do seu pai, recriminando—a e castigando—a com seu amor. Fazendo com que ela se sentisse de novo como um resto que tinha saído do corpo da sua mãe, como se tudo que fosse ruim tivesse ficado com ela. Quem dera pudesse odiá—la, mas sua irmã era muito teimosa e continuava empenhada em tentar compreendê—la. Não podia deixar que isso acontecesse, era muito perigoso. Faltam só alguns meses para completar dezoito anos e então poderia ir embora e deixar sua família viver em paz.

    Tirou a roupa, deixando—a no chão. Não queria misturar o cheiro delas com as roupas do seu guarda—roupas. Muito menos o cheiro da jaqueta do Patrick, que lhe dava vontade de vomitar. Colocou o roupão e pegou a lingerie para tomar banho. Quando foi pro corredor a caminho do banheiro, encontrou sua irmã, saindo de lá, com seu pijama azul de veludo, linda e encantadora. Ficou encarando—a com surpresa e então correu para beijá—la e abraçá—la. Mikaela não sabia o que fazer, emocionada. Achou que sua irmã iria lhe dar um sermão pior do que o dos seus pais, mas não esperava aquilo. O que a fazia sentir—se ainda pior.

    — Ah, Mika — falava com alívio, sem soltá—la. — Chegamos a pensar que você tinha fugido de verdade, pensei que tinha nos abandonado de vez.

    Mika a encarou sem saber o que dizer. Parecia um anjo, mesmo que tivesse acabado de acordar, como agora, com os cabelos em suaves ondas douradas, tão comprido que chegava quase na cintura. Sua irmã era puro cuidado e delicadeza, enquanto ela parecia mais um arbusto selvagem. Ela deu um beijo em sua bochecha, como prometeu a seu pai, e se afastou para entrar no banheiro. Sua irmã a olhou de cima a baixo, com uma expressão de desgosto.

    — Você tá horrível, — disse um pouco mais tranquila e enojada — vai saber por onde andou. Vamos, tome um banho e pode usar o meu shampoo, pra você aparecer melhor pra mamãe.

    — Ela já me viu quando cheguei, não se preocupe tanto. — Respondeu contrariada, principalmente pela generosidade em oferecer seu precioso e caro shampoo, o que fazia com que sua irmã deixasse de sair muitas vezes para guardar dinheiro para comprá—lo.  — Só preciso de uma chuveirada.

    — Sério? — Sua irmã respondeu indignada, cruzando os braços na frente do corpo — mas...você viu bem sua cara?

    — Não...— Mika já estava começando a ficar irritada e impaciente com ela, ainda que soubesse que sua irmã deveria estar coberta de razão. — Não fico o dia todo me adorando na frente do espelho. — E entrou correndo no banheiro antes que sua mãe as escutasse porque, sem perceber, ela já tinha começado a gritar. Deixou sua irmã chateada e decepcionada, como sempre. Não podia consertar isso, era um ressentimento entre elas. Falou sem pensar e agora se sentia muito baixa por utilizar um recurso tão mesquinho.

    Não podia acreditar no seu azar. Ainda bem que tinha entrado com o capuz na cabeça. Ficou se encarando no espelho grande, acima do lavabo. Estava com um roxo na bochecha e com o cabelo todo emaranhado e cheio de barro. Não tinha nenhuma ideia do que podia ter acontecido e nem o que ela tinha feito. Precisava contar ao seu amigo, se é que conseguiria falar com ele, já que estava proibida de usar o comunicador e o notebook.

    Ela olhou mais de perto no espelho para ver a mancha roxa e começou a pensar como ia fazer para esconder aquilo. Teria que recorrer à maquiagem da sua irmã — suspirou entediada. Abriu a água quente e tirou o roupão. Então ficou se olhando no espelho, assustada. Tinha roxos e arranhões por todo o corpo. Não podia entender. Não fazia ideia do que tinha feito. Mas o mais estranho é que não sentia dor nenhuma. Entrou debaixo do chuveiro sem pensar mais nisso.

    Voltava a pensar enquanto lavava o cabelo comprido com o shampoo da Elena e ainda não entendia. Não lembrava nada de nada. Como podia ter todos esses hematomas e não sentir dor nenhuma? Estava enlouquecendo. Precisava falar com Steve, de qualquer maneira. Só restava um último recurso que seu pai não tinha mencionado: o velho telefone fixo da cozinha. Seu pai não sabia que na casa do Steve também tinha um. Deixaram lá, por via das dúvidas. O pai do Steve era um veterano de guerra e não confiava em redes móveis, por isso, na maioria das vezes, usava o telefone para fazer seus negócios ilegais. Nunca teria pensado nisso, mas não havia outro jeito, e tinha que aproveitar o momento em que a cozinha estivesse vazia. A água quente lhe devolvia o ânimo e fechava suas feridas. Não acreditava, mas estava se sentindo mais feliz e grata nesse momento.

    Quando acabou o banho, se secou e voltou a se olhar no espelho. As manchas já haviam quase desparecido e só restavam os arranhões. Limpa e com a toalha nos cabelos, parecia a Elena de olhos escuros.

    Por que com ela? Pensou mais uma vez. Por que essas coisas aconteciam com ela? Sua irmã tinha nascido no mesmo dia e na mesma hora. Como podiam ser tão idênticas e tão diferentes? O que havia dentro dela que destruía tudo em que tocava? Por que esses pesadelos horríveis a perseguiam? Que tipo de criatura ela era? Parecia que Elena possuía toda a luz do universo, enquanto pra ela tinha restado só um espaço vazio e escuro. Se sentia um monstro, esperando o momento de sair de algum armário e devorar uma criancinha. Era difícil se controlar e, talvez, essa voz estridente na sua cabeça tivesse razão. Ela era só caos: começo e fim de tudo.

    Afastou aquele pensamento, como seu psiquiatra a tinha ensinado quando era criança, concentrando—se em algo mais urgente que tivesse que fazer. Um passo de cada vez. Colocou a roupa de baixo e tirou a toalha da cabeça, deixando cair o cabelo preto e embaraçado. Pegou a escova e o condicionador de Elena na penteadeira e começou a se pentear. Precisava cortar o cabelo. Ele estava mais comprido do que o da Elena, e menos cuidado. Seria uma boa desculpa para poder visitar a Pris. Fazia muito tempo que não iam até o bar. Ela sabia exatamente como cortar seu cabelo e não confiava em mais ninguém pra isso, só nas mãos da ex—namorada do irmão do seu amigo. Saiu do banheiro e foi até o quarto de Elena, que estava acabando de se arrumar.

    — Elena, me desculpa.  — Disse ainda da porta, arrependida de verdade.  — Não queria te magoar, é só que...não sei o que eu tenho.

    — O que você tem é que está drogada com tudo o que anda tomando. Você acha que não comentam por aí? — Respondeu com raiva.  — Não tô nem aí que você brigue comigo. É quase natural. Mas fazer isso com o papai e a mamãe, me dá nos nervos. — Encarou—a por um momento e se acalmou um pouco. — Vamos, entre. Acha que não sei porque você veio?

    Mikaela se sentia um verme, sabendo que sua irmã tinha toda a razão, mas o que podia dizer? Me drogo para não precisar ver nem ouvir o monstro dentro da minha cabeça? Me leva de novo no médico de loucos ou me interna direto no manicômio, porque os remédios que me mandaram tomar não servem pra nada? Não podia colocar esse peso na sua família de novo, mesmo que tivesse certeza de que eles prefeririam assim.

    Entrou e se sentou na cama de Elena, que estava muito bem—feita, como tudo o que ela fazia, controlando cada dobrinha no tecido. Enquanto isso, sua irmã olhava a penteadeira, escolhendo a maquiagem com seu pincel.

    — Cadê?  — Dizia pra si mesma, revirando na maleta pequena que estava em cima da penteadeira.  — Aqui, uns tons mais escuros que o meu, acho que vai ficar bem em você. Mas a mamãe vai ficar impressionada quando te vir. Não acho que você vai conseguir enganá—la. — Preveniu, virando e começando a aplicar a maquiagem com cuidado.

    — Tanto faz, é só por hoje — respondeu confiante e deixando que sua irmã a espalhasse — direi que estava entediada e quis experimentar como era ser você. — Sorriu, para não a aborrecer de novo. — Sua irmã a encarou com uma certa irritação, mas continuou calada. — Que mais dizem de mim? — Perguntou curiosa, depois de um tempo.

    — Agora você se importa? — Respondeu fazendo pouco caso, sem deixar de lhe aplicar a maquiagem com uma esponja suave e quadrada. Mika deu de ombros. Não se importava muito, era só curiosidade e para conversar um pouco sobre algo que não fosse o que ela tinha feito esses dias. — Além de falarem que está louca, dizem que você e seu amigo ET andam em más companhias.

    — Ahhh, — se tranquilizou. Se só dizem isso, então a coisa não tá tão feia.  — Te prometo que de agora em diante vou me comportar melhor com o papai e a mamãe.

    — O que você tem que fazer é parar de colocar essas merdas no seu corpo.  — Pegou seu rosto com uma mão e a encarou fixamente. — A jaqueta jogada no seu quarto é do Patrick Harris?

    Ficou paralisada, quase morta. Não esperava que ela tivesse visto a jaqueta, e muito menos que a reconhecesse.

    — Caralho! — Gritou sua irmã ao ver a cara de espanto que ela fez. Sua irmã largou seu rosto e se virou, nervosa, com a maquiagem e a esponja na mão, pisando fortemente o chão. Depois se virou e a olhou novamente. — Não acredito que você transou com o cara mais idiota e convencido de todo o instituto! Era só o que faltava.

    — Não transei com ele, eu roubei a jaqueta, só isso. — Se explicou rapidamente e se fez de ofendida para tranquilizá—la.

    Pareceu que sua irmã havia gostado mais dessa hipótese, e se acalmou.

    — Está mais parecida comigo, — sorriu mais tranquila, e aplicou mais maquiagem na bochecha esfregando com a esponja.  — É só não deixar ninguém chegar muito perto, a não ser seus amigos mais estranhos.

    — Tá, chega! — se mostrou irritada por ela chamar seus amigos de estranhos. — Meus amigos não são estranhos, eles são...diferentes.

    — Sabe como vocês são conhecidos? — Sua irmã deu uma risadinha — A bruxa negra e seu Coven.

    Elena riu. Mikaela ficou um momento sem saber se ficava brava ou não, e logo começou a rir também. Esperava coisas piores. Já o seu grupinho de superdotados, sendo tratado como um grupo de bruxas... não ia achar muita graça.

    — Mas eu não sou negra.  — Falou depois de pensar por um instante. — Essa gente é louca.

    — Bom, quando você anda com o Steve é pior, chamam vocês de o ET e a louca. Só isso. — Elena já não dava risada nem achava graça. Ficou triste que tivessem colocado esse apelido em seu amigo, mesmo que ela reconhecesse suas esquisitices.

    — Eles não o conhecem.  — Se levantou com raiva.  — São um bando de imbecis. Algum dia vão beijar o chão onde meus bruxos pisam, você vai ver.  — Terminou, confiante.

    — Tá, mas enquanto isso, eles riem e muito.  — Assegurou Elena, acabando de lhe arrumar.  — E com respeito a Steve... — suspirou — nem sei o que te falar, ele é estranho de verdade.

    — Tanto faz, — ela respondeu decidida a acabar com a conversa — eu sei como ele é e pronto. Melhor que atletas e líderes de torcida.

    Sabia que isso era um golpe baixo, mas sua irmã tinha começado primeiro. Ela era chefe das líderes de torcida e só saía com capitães de equipe. Este ano era o da equipe de natação e o ano passado foi o capitão do time de Rugby. Pouco cérebro e muito músculo, mais convencidos impossível. Mas fáceis de manipular. Pelo menos para a Elena.

    Sua mãe apareceu à porta e ficou encarando—a, um pouco surpresa.

    — Mika, tem um garoto na porta perguntando por uma jaqueta. — Disse, olhando para as duas.

    Ficou congelada. Não imaginava que o idiota do Harris pudesse fazer algo assim por causa de uma jaqueta.

    — Elena, entrega pra ele, por favor. Você sabe qual é. — Disse, tentando conter a raiva.  — Papai não quer que eu saia do quarto.

    — Elena bufou de raiva e saiu do quarto sem falar nada.

    — Não vai descer? — Sua mãe perguntou, olhando—a ainda mais surpreendida.  — Pra que essa maquiagem toda então?

    — Só estava passando o tempo com a Elena.  — Disse quase sem pensar, como fazia quando eram crianças. A desculpa que sempre colava.

    — Filha, por um instante me iludi, pensei que tudo tinha sido por algum garoto. — Disse com tristeza. Depois se virou — Levei algo pra você comer no quarto — disse, já perto da porta.

    Nada doía mais do que ver a tristeza nos olhos da sua mãe. Retorcia sua alma, dando um nó no estômago difícil de desfazer. Quase nem tinha mais fome. Saiu do quarto da sua irmã e viu Patrick subindo a escada, seguido de Elena dizendo que Mika não queria vê—lo e tentando impedi—lo. Sua mãe ficou no corredor, olhando surpresa como o garoto subia tão decidido as escadas. Mikaela pensou que ia ganhar outro castigo, porque ela estava a ponto de dar um belo soco na cara dele que iria deixá—lo desacordado.

    — Mika, tenho que falar com você.  — Ele disse assim que a viu, indo em sua direção. — Me desculpe, senhora Guzman.  — Se dirigiu à mãe de Mika ao passar por ela.  — De verdade.

    — Pois eu não tenho nada pra falar com você, — disse na defensiva. — Vai embora com sua jaqueta, eu não a quero. Só peguei porque estava com frio.

    Patrick era o cara mais cool de todo o instituto, mas tão idiota e convencido que nenhuma garota queria mais sair com ele. Ele se achava um desvirginador e Don Juan. Sua irmã o odiava porque ele conseguiu fazer com que ela desmanchasse do antigo namorado, um jogador de Rugby, contando mentiras sobre ela. Ele parou na frente de Mika e, encarando de forma irônica, disse bem tranquilo: 

    — Certeza? Talvez você precise refrescar a memória.  — Seu olhar malicioso a fez temer que fosse dizer algo idiota na frente da sua mãe. Mas ele tinha razão, ela precisava ser lembrada sobre o que tinha acontecido. Fazendo das tripas coração, olhou para sua mãe e sua irmã, que observavam sem saber o que fazer.

    — Mãe, vou deixar a porta aberta, não se preocupe, esse idiota vai embora logo. — Ela lançou um olhar para que ele soubesse que só ia ter uma oportunidade. — Vamos.

    Ela o pegou pelo braço e o empurrou para dentro do quarto, enquanto sua mãe falava para a sua irmã ficar vigiando no corredor. Seu quarto continuava escuro e então ela abriu as cortinas para deixar entrar um pouco de claridade. Algo de que ela se arrependeu. Estava como ela deixou: tudo no meio do caminho, roupas por todos os lados e a cama desarrumada. Harris ficou olhando os pôsteres na parede. Havia o último sucesso Cheyenne e o de um grupo de gótico digital, com roupas pretas e caras pintadas como se fossem demônios.

    — O que você quer? — Ela perguntou assim que entraram, nervosa e autoritária.

    — Vamos querida, já passamos por muita coisa para você falar assim comigo. — Ele respondeu cinicamente.

    — Eu e você não passamos por nada, para deixar claro. — Ela disse categoricamente.

    — Sério? — Tirou da mochila um sutiã e uma carteira com alguns comprimidos verdes e outros roxos. Jogou o sutiã por cima dela, em direção à cama, e mostrou a carteira para ela. — Isso não te lembra nada?

    Mikaela ficou tonta. Tentou pegar a carteira e ele a puxou depressa.

    — Nada disso, linda.  — Ele sorriu desconfiado. — Me diga onde você arranjou esses comprimidos e eu te deixo em paz. Eles dão uma injeção de adrenalina, todo mundo quer mais.

    — O quê? — Ela ficou chocada. — Como assim, todo mundo quer mais?

    — Ah, qual é? Você praticamente jogou os comprimidos pela rua — ele começou a rir, mas logo a olhou mais sério. — Disse que tinha mais de onde saiu.

    — Não é pra dar barato! — Ela respondeu tentado fazer com que ele compreendesse.  — Eu tenho uma...doença. Eles são pra isso, eu misturei sem querer.

    — Sim, você me disse, estava toda tagarela e alegre.  — Ele a olhou fazendo charme. — Até me surpreendi quando você falou comigo e me ofereceu, então eu tomei. Uns caras tentaram roubá—los de você e a gente deu uma boa surra neles. Seu amigo ficou brigando com eles e me mandou tirar você de lá, — disse sorrindo maliciosamente — eu não podia te trazer pra sua casa daquele jeito, e como meus pais estavam viajando, te levei pra minha. Garota, nunca vi ninguém chutar do jeito que você chuta. Você me deu trabalho. Ainda queria ir na floresta uivar pra lua. Nunca, em toda a minha vida, me diverti tanto. — Harris começou a rir.  — Ficamos quase o dia todo na floresta, tomando comprimidos sempre que o barato passava.

    Mikaela não podia acreditar no que ele estava contando. Mas algumas imagens iam aparecendo na sua cabeça, enquanto ele narrava os acontecimentos. A briga na rua com os caras embaixo da chuva, a lua branca entre as árvores e entrar na floresta depois do temporal.

    Patrick ficou sério e a encarou.

    — Você é demais, de verdade, mas... — olhou a carteira. — Uns caras foram na minha casa, querem me pagar até 50 pilas por comprimido.  — Sabe o que isso quer dizer? — Ele sorriu enquanto a olhava com confiança — você deve achar que sou burro, mas não sou tão idiota para não imaginar onde você arrumou isso.

    MIka sentiu o céu despencando. O projeto não era fazer uma droga nova, era só pra conseguir que os pesadelos acabassem e esse cretino estava estragando tudo. Bom, na verdade, ela mesma tinha estragado tudo. Mas não ia transformar seus amigos em traficantes ilegais. O circo estava armado. Ela escondeu o rosto com as mãos para tentar pensar e evitar olhar para o Patrick e seus olhos gananciosos.

    — Os olhos da serpente — escutou ele dizer. Ficou gelada ao ouvir aquelas palavras, como se tivessem saído de um dos seus pesadelos. — Abaixou as mãos e o encarou, atordoada.

    — O quê? — Ela perguntou quase assustada, esperando que tivesse ouvido errado.

    — É assim que você se referiu a eles. Ou foi algo parecido, não sei. Mas lembro que foi algo assim.  — Ele disse sério. — Antes que o barato tivesse passado de vez.

    Impetuosamente ela avançou depressa e tirou a carteira das mãos dele, colocando—a no bolso do roupão e segurando—a forte com a mão. Ele continuou olhando para ela nervoso, mas quieto, sabendo que não era uma boa ideia arrumar briga com ela em sua própria casa.

    — Vai embora, Patrick, — ela disse com toda a firmeza que podia. — Não se brinca com isso, e nem se negocia também.

    — Tá bom, mas aguente as consequências, — ele a olhou com raiva — porque todo mundo no instituto vai saber a vagabunda que você é e as coisas que você faz na cama, nos mínimos detalhes.

    — Se você abrir a boca, eu estouro seus dentes, tô avisando. — Ela ameaçou, enojada, principalmente porque agora ela não tinha certeza do que aconteceu. Só de pensar, o estômago se revirava.

    — Menina, você não sabe como é boa.  — Ele brincou, para saber até onde poderia ir.  — Nunca fizeram as coisas que você fez comigo ontem.

    A raiva estava tomando conta, mas ela não queria uma briga em casa. Ela o pegaria no colégio.

    — Vai embora, seu mentiroso de merda, ou eu te mato. — Ela falou, controlando a vontade de dar um chute nas suas partes baixas.

    Ele sorriu calmamente e se virou, indo devagar até a porta. Então ele virou e disse:

    — Você vai ver. A partir de amanhã você terá muitos pretendentes.  — Ele sorriu maliciosamente, piscando para ela.

    — Papai!  — Ela chamou desesperada, para que ele fosse embora de uma vez.

    Ele saiu rápido e deu de cara com o pai dela, que já estava subindo as escadas, enquanto Elena corria para junto da irmã. Patrick passou por eles, descendo as escadas correndo e vermelho de raiva. O pai dela observou Patrick indo embora e depois olhou para a filha, nervoso e decepcionado. Bufou e voltou a descer as escadas, gritando com Patrick, exigindo que ele não voltasse e muito menos que se aproximasse de sua filha. Sua irmã a olhava curiosa. Talvez ela tivesse ouvido tudo, mas não tinha certeza. Elena então entrou no quarto antes que Mika tivesse a chance de fechar a porta.

    — Do que esse idiota convencido tava falando? Você vai socar a cara dele amanhã, né? — Perguntou, se divertindo. — Já estou até vendo. O papai nem vai ter tempo de falar com a diretora, vão te suspender de novo.  — Sentenciou, mas ainda dando risada. Depois, ficou mais séria. — No que você se meteu agora?

    — Melhor você não saber. — Ela respondeu, mal—humorada. — Dei uma de idiota, como sempre.  — Reclamou, ainda apertando a carteira no bolso do roupão. Viu então um prato com algumas torradas com manteiga e geleia de morango, exatamente como ela gostava, junto a um copo de leite, e sentiu—se a pior e mais mal—agradecida filha do mundo.

    No dia seguinte, só precisava prestar atenção para não fazer uma coisa: encontrar com Harris. Não queria ter que partir a cara dele quando o visse. Teria que lhe dar um belo soco na frente de todo mundo, para ninguém acreditar no que ele pudesse ter falado. Primeiro ela tinha que falar com os meninos, mas não achou Steve em nenhum lugar e tinha que entrar na aula de literatura, o que era um pesadelo real, mas pelo qual precisava passar antes de ter a aula de ciências.

    O lugar do Steve estava vazio, o que a deixou realmente preocupada. Talvez ele tivesse se machucado durante a briga com aqueles caras do fim de semana. Mas quando ela falou com ele, Steve garantiu que só teve algumas contusões. Eles não puderam falar muito, porque a mãe dela entrou na cozinha para preparar o jantar e ela fingiu que o telefone tocou e era engano.

    O professor Donelli iria fazer novamente o recital de Romeu e Julieta, e obrigava cada um a ler um pouco, e falava sem parar sobre o autor, que continuava maravilhando e iluminando o mundo até este século e em todos os outros que estão por vir com a história de amor mais bonita que já foi escrita. Ela estava quase cochilando quando percebeu que ele, sentando na mesa, a estava chamando.

    — Senhorita Guzman, — ele disse, sentado displicentemente com meia bunda sobre a mesa, em frente aos estudantes. Algo que pare ela pareceu muito estranho, vindo de um gordinho careca de óculos grandes.  O comunicador da mesa mostrava um texto que se mesclava com imagens de um teatro, onde a peça se apresentava.  — Já que o que eu estava dizendo parece que deixou a senhorita entediada, talvez prefira ler em voz alta um parágrafo e mostrar para a classe que poderia ser uma extraordinária Julieta.

    Ela o encarou meio perdida, sem saber bem onde ele tinha parado a explicação, e se deu conta de que todo mundo estava rindo da sua cara.

    — Na verdade, — ela disse. olhando para a cadeira e com todo o mau humor que estava vindo do estômago — Preferia arrancar meus próprios dentes a ter que ler essa bobagem.

    O rosto do professor ficou vermelho, e ele a olhou em um misto de desconcertado e furioso.

    — O amor trágico entre dois adolescentes é uma bobagem pra você? — Continuou encarando—a, nervoso.

    — O que é trágico é todo esse monte de estupidez que vem da mente de um pedófilo. Sinceramente, neste século, alguém comprometeria crianças de quatorze e dezesseis anos? Todo mundo sabe que não faz sentido.

    Todos a encararam, alguns surpresos, outros divertindo—se.

    — Senhorita Guzman. — Donelli agora estava variando de cor, de tanta raiva. — Saia dessa classe e vá para a diretoria. Pedófilo!? Como você pode distorcer assim?

    Mikaela pegou a mochila e saiu o mais rápido que pôde, enquanto sua irmã escondia o rosto entre as mãos, não sabendo se era para rir, ou de vergonha.

    Saiu da aula e se dirigiu até a classe de ciências. Nem passava pela sua cabeça ir encher a diretora por uma coisa tão boba. O professor Donelli que fizesse o que queria, ela tinha problemas mais graves, que precisava resolver o quanto antes. Ela já estava com medo que talvez tivesse que ir para a diretoria mais tarde...

    Quando ela chegou na classe onde estava acontecendo a aula de ciências, ficou gelada. Harris estava lá, junto com o professor Scott e os meninos. Ela ficou olhando com a porta aberta, sem saber o que estava acontecendo. Scott estava de costas para a porta e os meninos ao seu redor. Até de costas Scott era atraente, ela pensou, mas logo tirou a ideia da cabeça. Preston, o ruivo, com seu rosto magro, quase cadavérico, parecia ter vontade de vomitar. Tony, o mais gordinho, com óculos de fundo de garrafa e Sansón, o mais alto e moreno, com óculos marrons, também a viram.

    Eles e encararam seriamente. Scott virou, a olhou e fez um gesto com a mão para que ela entrasse e se aproximasse deles, no fundo da classe, perto de um projetor de imagens em 4D. Ao chegar perto ela percebeu que o professor estava mais do que incomodado. O fofoqueiro do Harris devia ter contado tudo, ou quase tudo, porque ele a olhava maliciosamente e muito confiante.

    — Bom dia Mikaela, — disse o professor Scott, tranquilamente.  — Dormiu bem?

    Mikaela olhou admirada, mas ele estava olhando para Patrick. Ela não sabia o que tinham dito para ele, por isso, respondeu ao professor.

    — Na verdade sim. É só não misturar os comprimidos que não dá merda. Só me deixam um pouco tonta, como os outros, mas se a gente os misturar...é uma bomba de forte. Melhor enfraquecê—los um pouco.

    — E a sua intenção era contar isso de primeira mão para todo mundo que estivesse por perto? — Seus olhos azuis se fixaram nela, e ele parecia bem nervoso. — Nós te falamos para você tomar em casa, antes de dormir.  — Parecia que ele ficava cada vez mais nervoso, conforme falava. — A gente deixou claro ou vamos precisar te amarrar da próxima vez? — Disse, levantando a voz.

    — Eu tomei na cozinha, com um copo de água. Eu não tenho ideia do que aconteceu depois. Perdi o controle, saí correndo para a rua, é tudo o que me lembro. — Disse, começando a se irritar também com o tom do Scott, que a repreendia como se ela fosse burra. — E já disse que elas são muito fortes e que precisam ser ajustadas.

    — Quem mais sabe? — Perguntou a Harris, acalmando—se um pouco. Este deu de ombros.

    — Não sei, quando encontrei com Mika, ela já estava com um grupo tão alucinado quanto ela.

    — E Steve? — Ela perguntou a Patrick, se arriscando a encará—lo e com mais medo de dar um soco na cara dele, do que por outra coisa.

    — A gente vai ser preso. — Disse Preston, aterrorizado.

    — Não, vocês são menores, vão para um Centro, mas eu vou ser proibido de dar aulas, vão me colocar na cadeia e jogar as chaves fora. — Disse Scott, triste, mas seguro. — Bom, que isso não saia daqui. Vamos destruir os estudos e acabou. Desculpe, Mika, mas vamos parar por aqui.

    — Ah não.... — Disse Harris, olhando para todos. Nada disso. Me deem a receita ou eu vou contar tudo para a polícia.

    — Você tá louco? — Gritou Sansón, amedrontado.

    — Só vou dizer uma coisa, — respondeu Harris, abraçando Sansón, sorrindo e cheio de confiança — vinte mangos por cada comprimido. Tem uma ideia do que é isso?

    Continuou olhando para eles, como se estivesse mostrando o céu.

    — Vocês são burros ou o quê? — Olhou então para o professor. — Quase todas as drogas estão legalizadas e nosso amado governo controla todas. Mas isso aqui é único. Eles não vão tirar isso aqui da gente.

    — Eu não quero saber nada disso. — Disse Tony, prudente.

    — Nem eu. — Preston assegurou, e Sansón concordou.

    O que deixaria Mika sem a sua cura dos pesadelos. O professor Scott encarava a Harris.

    — Está bem, Harris, a gente te dá a receita e aí é com você. Se alguém te perguntar algo, é coisa sua e só sua. Entendeu?

    Mikaela ficou muda. Não só estava ferrada, como também a tinham jogado para os leões. Esse idiota do Harris não ia aperfeiçoar nem reduzir fórmula nenhuma. Tanto esforço e sacrifício para nada. Ela não estava disposta a passar por isso.

    — Vai dar a receita e é isso? — Ela disse ainda desorientada. — Tanto esforço e trabalho, quando estamos tão perto?

    O professor a olhou sério, mas com algo no olhar que dizia para ela ficar quieta, que ele já tinha pensado em tudo.

    — Sim, é o que vamos fazer, Mika. — Disse com calma, enquanto Harris ria de felicidade e os outros suspiravam aliviados. — Acabou, é isso. Preston, entregue a fórmula para ele dar o fora daqui.

    Preston olhou para o professor e depois foi pegar a sua mochila. Pegou um caderno e entregou algumas folhas soltas a Harris. Este as pegou feliz, e ficou perplexo quando viu os símbolos escritos. Coçou a cabeça e depois olhou com cuidado um por um. Então olhou para Scott.

    — Não entendo nada disso. — Reclamou. — Vocês vão ter que me ajudar.

    — Nada disso, cara. Se vira. — Respondeu o professor, sorrindo. — Se você sabe fazer chantagem, com certeza também sabe encontrar um bom químico que te ajude com esse negócio tão lucrativo.

    Harris xingou. Dobrou as folhas e as colocou no bolso do moletom.

    — Tem razão, — fixou os olhos no professor, muito nervoso. — Vou me virar. Pensei que podia dividir os lucros, mas tô vendo que vocês são uns perdedores.

    — Sai daqui, Harris. —  Exigiu Scott, perdendo a paciência. Harris foi embora rogando praga e, quando estava perto da porta, o professor ainda gritou: — Nem preciso dizer que você está suspenso das aulas de ciências.

    Harris se virou e mostrou o dedo do meio, furioso, saindo rapidamente. O sinal tocou e o barulho de gente saindo das classes era bem alto.

    — Quero só ver quando avisarem que a fórmula que ele tem é de um xarope para tosse. —  Disse Preston, começando a rir.

    — Você não deu a fórmula? — Perguntou Mika, olhando agradecida e dando risada também.

    — Claro que não, — ele respondeu orgulhoso, — pra um inútil como ele eu não dou nem a hora.

    — Bem, — disse o professor, depois que parou de rir — agora temos tempo de sobra para ajustar a dose da Mikaela e destruir o restante, está claro? — Ele disse isso mais baixo, porque alguns alunos já estavam entrando.

    Todos concordaram satisfeitos e foram para os seus lugares. Mikaela nunca se sentiu tão orgulhosa deles, completamente aliviada. Estava claro que eles não a deixariam sozinha.

    — Você não achou que a gente ia te deixar perdida com sua insônia, não é?  — Disse o professor, dissimuladamente, enquanto passava ao seu lado, em direção à mesa.

    Mikaela agradecia aos céus, e ao que quer que existisse, por ter amigos tão bons. Dos seus respectivos assentos, os garotos sorriram satisfeitos para ela. A aula até pareceu mais leve e estava quase acabando quando o professor Donelli e a diretora entraram na classe. O clima mudou novamente e uma tempestade se aproximou. Não podia acreditar que a diretora levou a sério seu comentário estúpido sobre Romeu e Julieta.

    — Mikaela Guzman, por favor, nos acompanhe.  — Disse a diretora, uma mulher séria e acostumada a dar ordens, sem dar nenhuma explicação ao professor. Todos voltaram a encará—la, e até o Scott a encarou surpreendido, suspirando depois de um momento, com bastante reprovação, balançando a cabeça.

    — O que você fez agora, criatura? — Ele perguntou curioso, quando ela passou.

    — Só dei a minha opinião sobre Romeu e Julieta. — Ela respondeu, dando de ombros.

    Scott levou a mão à boca, para esconder a risadinha que ele soltou.

    Ela saiu da classe seguindo a diretora, que andava muito rígida, com Donelli ao seu lado, ainda consternado e com cara de juiz. Pensou que, para uma mulher de meia idade ela andava bem rápido. Era quase difícil acompanhá—la. Com certeza a diretora estava com tanta pressa de acabar com aquela bobagem quanto ela.

    Ao chegar na diretoria ela entrou na sala e sentou—se na sua cadeira favorita. Ela já tinha se apegado, pois suportou muitos sermões sentada ali. A diretora sentou—se em sua poltrona atrás da mesa e Donelli permaneceu em pé atrás dela, como um policial.

    — Senhorita, isso é inadmissível. Um professor a envia aqui e você não o obedece. Mesmo que, em sua defesa, o motivo que a trouxe aqui seja bem besta, — a diretora olhou para Donelli, desconsolada — esta desobediência é intolerável. Desta vez eu só vou repreendê—la. Já falei com seu pai essa manhã e não acho que devamos aborrecê—lo por isso, mas, de agora em diante, fique sabendo que vamos controlar você bem de perto. É uma advertência muito séria e espero que você a leve assim. Está claro?

    — Claro como água. — Ela respondeu aliviada que a bronca tinha sido mais leve do que esperava.

    — Agora pode ir e, por favor, de agora em diante, guarde suas opiniões sobre obras clássicas para você mesma, não precisa dividir com seus colegas de classe. — Recomendou a professora, enquanto se levantava da poltrona. Ficou um momento olhando divertidamente para Mikaela.

    Mikaela se levantou da cadeira e foi até a porta, enquanto o professor Donelli se resignava, saindo do lugar para deixá—la passar.

    — Eu darei minha opinião sempre que a peçam. — Disse, já saindo, querendo deixar a coisa clara, para que o professor não voltasse a incomodá—la na aula.

    O dia passou sem mais problemas, porque Harris cabulou aula e ninguém o encontrou. Seu pai a pegou na saída, como disse que faria.

    Como Elena preferiu ir embora com suas amigas, as Vips, Mikaela voltou para casa em silêncio, já que seu pai ainda não estava falando com ela. Ela sentia falta de Steve. Ele teria gargalhado com o que aconteceu, principalmente com o Donelli vermelho de raiva. Seu pai a deixou na entrada de casa e foi embora para o trabalho. Ter que buscá—la tomava tempo das entregas dos pedidos do açougue. Isso não aconteceria se ele a tivesse deixado ajudá—lo, ao invés de perder tempo no instituto. Não tinha nenhuma intenção de ir à universidade, seu pais já haviam gasto muito dinheiro com ela. Precisava começar a devolver alguma coisa. De certa forma, o dia tinha terminado muito melhor do que esperava. Mais alguns dias e ela poderia ter a solução que precisava. Tinha muita sorte de ter amigos assim. Na verdade, ela nunca imaginou que eles pudessem se preocupar mais com ela do que com os seus experimentos.

    O professor Scott a surpreendera de verdade. Que pena não ter dez anos a mais e ser tão bonita quanto a professora de música, aquela que vivia se insinuando pra ele, pensou chateada. Ele era o único espécime masculino que tinha chamado a atenção dela.

    Depois do jantar, quando sua irmã perguntou porque ela tinha respondido daquele jeito pro professor, ela só disse que não queria ler em voz alta. Mas a verdade é que ela estava muita vergonha de ver todo mundo rindo porque ela tinha dormido na classe. Não sabia porque, mas sabia exatamente o que fazer para atingir cada um. Devia ser um dom, porque deu certo com Donelli, mesmo que fosse bem fácil irritá—lo.

    COISAS DE FAMÍLIA

    No sonho, ela caminhava vestida de preto, forte e poderosa, pisando nos cadáveres espalhados pelo chão com sua carne escurecida, enrugada e podre. Sentindo cada centímetro de terra embaixo dos seus pés como que fosse dela. Podia mover a terra a seu bel prazer e abrir caminhos para liberar o fogo que ardia a quilômetros de distância, no centro do mundo. Tudo fazia parte dela. Os ventos estavam na ponta dos seus dedos, e os fazia girar e girar enfurecidos ao seu redor. A água estava tão dentro dela que podia sentir os oceanos se movimentando e se elevando em ondas furiosas, que se lançavam contra as costas e arrasavam cidades inteiras. A ira aumentava a cada passo que dava e a terra se elevava acima de todas as chamas que ardiam debaixo da terra, saindo das rachaduras que se abriam, explodindo e consumindo tudo por perto. Os ventos giravam levantando o fogo e lançando bombas explosivas, enquanto a chuva torrencial não parava, provocando vapores cáusticos ao seu redor, sem acabar com sua dor, enquanto carregava a irmã morta em seus braços. A serpente, negra e enorme, a olhava do alto da montanha que ela mesma havia erguido. Orgulhosa e impaciente, com olhos de fogo e dentes afiados. Sua língua viperina sibilava satisfeita e regozijava—se com toda a destruição ao redor. Não podia chorar, nem sentir mais do que dor misturada a uma fúria tão poderosa que arrastava tudo; impotente por não poder preencher o vazio que existia dentro dela. Sentia uma profunda escuridão, tão grande quanto todo o universo, em meio a um caos total e absoluto.

    A voz da serpente seguia em sua cabeça, sussurrando estridentemente. Com uma voz grave, exigia e gritava em uma língua estranha — mas que ela entendia — que a libertasse, que abrisse a porta com as espadas. Olhou suas mãos, o corpo da sua irmã havia desaparecido e em seu lugar estavam umas espadas compridas e pretas, parecidas com catanas, que cantavam com vozes metálicas o seu nome de demônio: Mezaquiel.

    Furiosa, apertava as espadas em suas mãos, pulava e gritava desesperada, enfiando—as nos olhos da serpente maldita que a torturava com visões de sangue e fogo, fazendo com que tudo desaparecesse; o fogo daqueles olhos passava através das espadas até o seu corpo, enquanto seus olhos se transformavam nos olhos da serpente, furiosos e em chamas.

    Acordou assustada e coberta de suor, como sempre, com os olhos da serpente ainda em sua mente. Esses olhos em chamas com uma nebulosa escuridão no centro que a deixava em pânico. Se levantou e procurou a carteira dos comprimidos, lembrando que a havia deixado em uma caixinha na penteadeira, escondida debaixo de uns lenços de papel. Olhou as horas em um pequeno comunicador que estava pregado embaixo do espelho. Marcava três horas em números roxos luminosos. Pegou um comprimido verde da carteira e desceu desesperada até a cozinha. Não queria acender a luz, então abriu a geladeira e com a ajuda da luz fraca encheu um copo de água e engoliu o comprimido rapidamente. Sentou—se mais calma em uma cadeira, ao lado da geladeira, mas ainda tremia. Só de lembrar da sua irmã morta em seus braços, lhe deu um frio na espinha que percorreu suas costas. A quantidade de cadáveres a seus pés, o fogo engolindo tudo...quando isso acabaria? Se perguntou amargamente. Cada vez que fechava os olhos via coisas horríveis e não podia viver assim, dormindo apenas algumas horas. Os meninos tinham que correr ou ela ia parar de novo em um psiquiatra.

    — Mika, querida, o que você tá fazendo? — Sua mãe estava parada na porta da cozinha, olhando—a.

    — Nada, estava com fome. — Inventou uma desculpa e olhou dentro da geladeira aberta, pensando ironicamente que se comesse algo, ia vomitar. Pegou uma maçã e fechou a porta da geladeira. — Já subo pra me deitar.

    Sua mãe a olhou preocupada ao ver seu rosto quando ela acendeu as luzes.

    — Você teve algum pesadelo? — Perguntou delicadamente, parecendo preocupada.

    — Não, mãe.  — Ela se levantou rápido, deu um beijo em sua mãe e saiu da cozinha.  — Só estou um pouco cansada. — Saiu o mais rápido que pôde, para sua mãe não continuar olhando sua cara de cansada.

    Subiu depressa a escada torcendo que sua mãe estivesse mais tranquila. Não conseguiria dormir até que o comprimido fizesse efeito, e enquanto isso, não conseguiria esquecer as coisas horríveis que tinha visto.

    Não queria ficar sozinha, assim que entrou no quarto limpíssimo da sua irmã, colocou a maçã na penteadeira e se aconchegou ao seu lado. Sua irmã reclamou um pouco, ainda dormindo, mas deixou que ela puxasse as cobertas. Quando dormia com ela, os pesadelos desapareciam, ou pelo menos eram menos reais, e a voz da serpente evaporava da sua cabeça. E depois do pesadelo que havia tido, precisava sentir o calor do corpo de Elena.

    Ela voltou a dormir, se lembrando de quando eram pequenas e viviam se metendo em problemas. Sua mãe as vestia iguais, o que nenhuma das duas gostava. Ser gêmea não—idêntica era muito ruim. Não podiam trocar de identidade, como faziam os gêmeos idênticos. Elas adorariam fazer isso alguma vez. Tentaram várias vezes, compraram perucas loiras, mas não conseguiram as lentes azuis. Estava visitando a família do seu pai, e sua avó se divertiu muito. Era muito esperta e logo descobriu o que elas estavam aprontando. Mesmo assim, se fez de surpresa.

    Ficou triste de lembrar da sua avó. Adoravam aquela mulher, pequena e decidida, que sempre conseguia reunir os filhos em ocasiões especiais. Desde que ela faleceu, não haviam voltado àquela cidadezinha minúscula perto do lago. Seu pai conversava às vezes com a família, mas não era a mesma coisa. Mas era a única família que ela conhecia. A da sua mãe, nem sabia se existia. Ela só conhecia pelo que a sua mãe falava. Tinha somente uma meia—irmã, que às vezes mandava um cartão de natal, se não estivesse fora do país. Pelo que escrevia, viajava muito. Pensando em tudo isso, começou a sentir a cabeça pesada devido ao remédio e foi adormecendo.

    Elena a acordou, dando um tapa no seu braço.

    — Mika, — ela gritou — já faz tempo que eu tô te chamando. — Você vai chegar tarde e vai fazer o papai se atrasar.

    Ela ainda sentia a cabeça tonta e mal conseguia abrir os olhos. Ainda sentia os efeitos do remédio. Tentou se levantar e sentiu tontura.

    — Fala que estou doente e não vou. — Disse ainda com os olhos fechados, meio tonta.

    — Nada disso. — Disse Elena decidida e a pegou pelo braço, puxando—a da cama.

    — Elena, sério, não estou bem para ir. — Disse tentando ficar sentada.  — Eu estou tonta e ...

    Sua irmã não a deixou falar. Veio do outro quarto segurando suas roupas.

    — Se veste logo e vai pro instituto. Não quero que mamãe a veja de novo assim. — Disse, nervosa. — Queria saber no que você se meteu.

    — Elena, deixa ela, — disse sua mãe na porta — Eu já a tinha visto assim. Então vai tranquila e fala pro seu pai ir também. Eu me encarrego dela. — Disse a mãe, decidida.

    Elena olhou com vontade de matar sua irmã, pegou sua mochila e foi em direção à porta.

    — Fala para o seu pai que ela está com febre, nada mais. — Avisou sua mãe antes que ela saísse do quarto. Depois, olhou para Mikaela, suspirou cansada e triste. — Anda, vamos pro seu quarto para você deitar.

    Ela a ajudou a levantar—se e a apoiou passando um braço pela sua cintura. Mikaela parecia muito cansada e tonta. Sua mãe a colocou na cama e a cobriu. Depois, deitou a seu lado. Mikaela se virou para a parede, ficando de costas para a mãe. Não queria encará—la.

    — Eu também estou cansada, Mika.  — A abraçou e suspirou. Mesmo atordoada, a ouviu chorar um pouco depois. Sentiu—se um bicho repugnante, mas não podia fazer nada, a não ser o que estava fazendo. Desejava com todas as suas forças sair dali, nem que fosse só para evitar que a sua mãe sofresse ainda mais. Desaparecer totalmente e acabar com todo esse sofrimento inútil. As lágrimas começaram a escorrer também dos seus olhos, sem saber o que dizer a sua mãe. 

    — Não é sua culpa, — escutou ela falar—, minha irmã Cloe me enviou um convite d casamento.

    Mikaela se virou e a olhou surpresa. Sua mãe limpou as lágrimas com a mão e também limpou as lágrimas de sua filha. Elas se abraçaram sentindo—se melhor. De uma forma egoísta, ela estava aliviada porque, pelo menos uma vez, não era a causa. Sua mãe a apertou um pouco mais forte.

    — Você não é o centro do meu universo, sabia? — Sorriu e lhe acariciou o cabelo. — Não é a única causa do meu sofrimento. — Então a beijou na testa e suspirou. — Tudo bem meu amor, só precisava desabafar um pouco.

    — Você sente falta dela? — Ela perguntou um pouco depois, ao sentir sua cabeça menos atordoada. E percebendo que as duas estavam acordadas.

    — Demais. Para mim, é como se fosse minha irmãzinha. — Pensou por um momento. Eu sei que nunca falamos da minha família, mas é que é muito doloroso. Seu pai prefere que vocês não saibam de nada, aliás, conhecendo a Elena, ela iria correndo visitá—los. É melhor assim.

    — Por que, mãe? — Ela perguntou, curiosa. Talvez encontrasse alguma explicação para o que acontecia com ela, o que nunca tinha pensado em fazer.

    Sua mãe suspirou. Dava

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