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Mães na quarentena: 40 relatos dos primeiros 40 dias de isolamento na pandemia da Covid-19
Mães na quarentena: 40 relatos dos primeiros 40 dias de isolamento na pandemia da Covid-19
Mães na quarentena: 40 relatos dos primeiros 40 dias de isolamento na pandemia da Covid-19
E-book191 páginas4 horas

Mães na quarentena: 40 relatos dos primeiros 40 dias de isolamento na pandemia da Covid-19

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Sobre este e-book

O livro "Mães na quarentena" reúne 40 relatos escritos exclusivamente por mães, onde cada autora conta a sua visão de como foram os primeiros 40 dias do isolamento social na sua vida, e na vida de sua família, a partir do advento da pandemia da Covid-19, em março de 2020. Os relatos foram escritos em primeira ou terceira pessoa; procuraram refletir os receios e tristezas desse período, além de apontar descobrimentos e alegrias; alguns citaram outras pessoas e alguns falaram apenas das experiências das próprias mães; alguns são mais longos, mas a maioria são relatos curtinhos; muitos apontaram as ações e colaborações mais objetivas, no caso de mães que trabalham no enfrentamento direto da Covid-19, e outros tantos focaram apenas no âmbito pessoal.O conjunto dos relatos serve, no final, como um canal de expressão das mães, mostrando que os sentimentos são semelhantes e a maternidade é muito potente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de fev. de 2021
ISBN9786587347028
Mães na quarentena: 40 relatos dos primeiros 40 dias de isolamento na pandemia da Covid-19

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    Mães na quarentena - Editora Timo

    coisas!"

    Voltando pra casa

    ALESSANDRA GAIDARGI, 36 anos, mãe do Alexei Ian, santista que mora em São Paulo/SP, é jornalista e PhD em Educação.

    MINHA AVÓ costumava dizer, entre outras coisas bem sábias, que só conhecemos uma pessoa de verdade quando moramos com ela. Eu sempre achei um exagero, mas só por esses tempos entendi isso direito. Só conhecemos de verdade quem coabitamos, conhecemos uma pessoa quando moramos nela. E só conhecemos a nós mesmas quando nos permitimos morar em nós.

    Eu, que já vinha de um princípio de burnout, me vi sem casa e sem chão antes mesmo da quarentena ser decretada. Quando as notícias de outros países começaram a chegar eu já estava sofrendo pelo outro, o sofrimento do mundo me afetou de tal forma que deixei de atender compromissos profissionais já no final de fevereiro. Mas não bastava estar em casa, eu precisava convencer aqueles que amo, especialmente aqueles que estavam em grupos de risco, que precisavam ficar em casa e essa se mostrou uma tarefa hercúlea. A um certo ponto, depois de muitos pedidos para que ficassem em casa que se tornaram discussões ou risadas, e tendo à minha volta um marido que não parava de viajar entre aeroportos, uma mãe idosa com uma doença autoimune e uma tia-avó de quase noventa anos que se recusavam a deixar suas atividades de lado, me vi como uma pessoa sozinha tentando parar um trem. Tentando parar um trem com um vidro de álcool gel numa mão e um rolo de papel toalha na outra. Nem preciso contar o que aconteceu, certo?

    Na primeira semana de quarentena decretada, eu me vi atropelada pelo meu trem particular, aquele que leva tudo que tenho de mais precioso. Eu precisava sair de onde estava, mas não via caminho seguro por onde pudesse ir. Eu estava presa em um lugar das minhas sombras, de medo, que não me deixava chegar em meu próprio coração. Me perdi de mim em mim mesma. E quando a gente não sabe onde quer chegar, qualquer caminho parece bom e ruim ao mesmo tempo, essa é a verdade. O marido, que ficou assustado com o descontrole de quem costuma lhe dar colo na falta de controle, sugeriu que saíssemos de casa. Ele achava que eu precisava de outros ares, e eu já estava mesmo sem me sentir em casa, então viemos para o interior. Para uma casa de onde eu não tinha as melhores memórias, e onde eu definitivamente não me sentia segura, por ser muito afastada da minha cidade e também do meu mar, dos meus lugares.

    Cheguei meio anestesiada, com aquela mala que não tem nada que a gente precisa, mas eu tinha esse sentimento que estava com meu filho e tudo ficaria bem. Trouxe algumas roupas, livros e lápis, minha Nossa Senhora das Graças, uma concha grande caso eu precisasse muito do mar. E foi assim que logo eu, que não era a mulher do campo, encontrei aqui a segurança de me achar em mim.

    Foi um caminho e ainda estou nele, mas estou caminhando. O caminho é o lance, não a chegada. Tentei me acalmar, fiz terapia, recebi indicação de medicação que não tomei — num resquício de força em me escutar que me restava. E com o passar dos dias, no silêncio, fui começando a ouvir de novo meu corpo, a ouvir de novo meu coração. Eu achei o caminho pra me encontrar dentro de mim e, ainda que o medo e a ansiedade volta e meia retornem, eu consigo recorrer à minha fé e volto pra minha casa, onde consigo ver tudo de maneira mais clara e amorosa.

    É evidente que o relacionamento com meu marido mudou, estou morando mais nele também, o que tem seus altos e baixos, visto que nunca tínhamos efetivamente passado tanto tempo juntos. Nunca quis tanto me separar, nunca me senti tão grata por estar casada com ele. Depois de quarenta e cinco dias de confinamento eu entendo que temos tantas diferenças que poderiam ser um abismo, que gritam e questionam minhas decisões, mas construímos uma ponte interessante para atravessá-las, e essa ponte é mais engenhosa que eu imaginava, permanecendo firme em sua flexibilidade.

    E, sendo mãe, estar em casa com minha cria 24x7 é desafiador. Até eu, que defendo a criação com apego, que diversifiquei minha atividade profissional para poder estar com ele quase que o tempo todo, que optei pela escola só após os três anos, que não dormi nenhuma noite separada do meu filho desde que nasceu (e não pretendo fazê-lo por, pelo menos, mais uns dois ou três anos), senti o impacto da quarentena com filho, quando temos que aprender a morar ainda mais neles e a nos fazermos ainda mais casa. Nossa rotina não mudou muito, salvo as visitas aos avós que tem nos feito muita falta, e ao mesmo tempo ficou completamente diferente. Não porque estamos em outra casa, mas porque estamos limitados em nossos desejos. Não poder ir e vir quando queremos nos fere em nosso mais profundo enquanto seres humanos, o amor pela liberdade é irracional. E as crianças, ainda que mais tolerantes, sentem isso à flor da pele, porque ainda não são conscientes de que estamos constantemente enredados em algum aspecto nessa vida. Eles são realmente livres, por isso o confinamento os deixa angustiados e precisando de mais espaço na casa-mãe. Acolher meu filho é me acolher.

    Ontem eu disse ao Alexei que ele era o grande amor da minha vida, e o marido/pai olhou com aquele olhar de quem foi espetado por uma agulha fininha. Foi bom que tenha acontecido, porque tive a oportunidade de explicar aos dois a grande verdade dessa afirmação: meu filho é o maior amor da minha vida, porque nele eu o amo, e amo também seu pai que é parte dele, e amo ainda a mim mesma, que também faço parte do que ele é. Os filhos representam o melhor de nós, amá-los é também autoamor.

    Agora, de todos os meus relacionamentos, o que teve de ser revisto com mais atenção e cuidado foi o que tenho comigo mesma. E percebi que não estava morando muito em meu próprio coração há um tempo. E que voltar pra nossa casa de verdade requer tempo, vontade e fé.

    Descobri, depois de muito chorar, que lar é onde a gente se sente protegida e esse lugar não é físico, está dentro de nós. Continuo ligada à minha casa/residência, que foi planejada com tanto carinho pra nossa família, mas hoje a vejo como o que é, um lugar onde descansar minha casa de verdade, que carrego comigo pra onde eu for. E estou ligada também, de certa forma, a estas paredes de tijolinhos que me trouxeram serenidade, me mostrando que no silêncio poderia estar a música da minha alma, que canta no barulhinho das folhas de árvore quando se encontram com as estrelas das noites frias e escuras daqui. Mas minha casa mesmo está em

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