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Ser Mãe é... - A Maternidade Normalizada Pelo Discurso Jornalístico
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E-book303 páginas4 horas

Ser Mãe é... - A Maternidade Normalizada Pelo Discurso Jornalístico

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Sobre este e-book

O livro Ser mãe é... é resultado de inquietações da pesquisadora Ariane Pereira a partir de suas leituras, enquanto mãe, de revistas voltadas para quem espera ou tem um bebê. Vendidas como manuais de puericultura — destinados, por exemplo, a ensinar a cuidar do umbigo, a melhor hora e forma de desmamar, como fazer papinhas nutritivas —, essas publicações, em suas páginas, demonstram ser muito mais do que isso. Configuram-se como definidoras de condutas condizentes com a maternidade, com o ser boa mãe em oposição àquelas que não são próprias ao exercício de amor desmedido, tipificador da maternidade nas sociedades ocidentais contemporâneas. É essa direção das condutas maternas que interessa a este estudo, que se desdobra em duas partes, cada uma contendo dois capítulos. Na primeira são analisados como dois dos imperativos contemporâneos, o aquecimento global/efeito estufa e o trinômio felicidade-autoestima-sucesso, repercutem diretamente no que concerne à maternidade. Nos dois casos, os discursos jornalísticos evidenciam uma responsabilização da mulher-mãe, que deve assumir dois papéis, o de paladina do verde e o de heroína da performance. Movida pelo superpoder do amor-materno, a mulher-mãe, respectivamente, seria a única capaz de reverter o caos climático e teria papel ímpar na formação dos capitais humano e social de seu filho. A maternidade, assim, é pontuada por uma série de atos de heroísmo, mas também por um contínuo exercício de superação, tema da segunda parte desta reflexão. Corresponder ao esperado social e individualmente quando se é mãe implica em colocar-se em combate pelo restabelecimento da criança enquanto indivíduo confiante e empreendedor. Portanto entre as responsabilidades maternas estão o zelo pelo bem-estar físico e psíquico da criança e a atuação para reverter problemas que podem levar à desvantagem competitiva, como a hiperatividade, a tristeza/depressão e a timidez. Empreitada marcada pela busca pela perfeição que, não atingida, leva à culpa. Essa culpabilidade, característica da maternidade contemporânea, é analisada no último capítulo, que busca mostrar por que a sensação de estar sempre em falta é fundamental para a manutenção da mulher-mãe responsável e responsabilizada pelo desenvolvimento físico e psíquico da criança.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de ago. de 2019
ISBN9788547319434
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    Ser Mãe é... - A Maternidade Normalizada Pelo Discurso Jornalístico - Ariane Pereira

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

    Ao meu filho, Gabriel, que, ao chegar sem pedir permissão, levou-me não só ao exercício da maternidade, mas, também, indiretamente, a estranhamentos múltiplos e a novas possibilidades de reflexão.

    (Y tú, y tú, Y solamente tú

    Hace que mi alma se despierte com tu luz

    Y tú, y tú, y tú

    Pablo Alborán)

    Eu tô botando dúvida

    Eu tô botando defeito

    Eu tô prestando pra nada

    Tô ficando obsoleto de mim

    Ficando absolutamente não afim

    Eu tô na crista da onda

    Eu tô fazendo sucesso

    Tô no topo do cristo

    Sou motor do progresso

    Faço tudo pra chegar no primeiro lugar

    Que eu nem sei onde é

    Mas deve ser melhor do que aqui

    Eu fico frio de medo

    Eu fico cheio de dedo

    Eu tô prestando pra nada

    Tô querendo me livrar de mim

    Eu fico transparentemente não afim

    Eu sou o herói do momento

    Eu sou a capa da veja

    Eu sou tampa de crush

    Sou a loira da cerveja Schin

    Eu sou a nova coqueluche do inverno

    Pobre feliz de mim!

    Eu fui tirado do time

    Tô em regime de fome

    Eu tô prestando pra nada

    Tô perdendo a validade de mim

    Eu fico aparentemente não afim

    Eu tô na crista da onda

    Eu tô fazendo sucesso

    Tô no topo do cristo

    Sou motor do progresso

    Topo tudo pra chegar no primeiro lugar

    Que eu nem sei onde é

    Mas deve ser melhor do que aqui

    Eu tô botando dúvida

    Eu tô botando defeito

    Eu tô prestando pra nada

    Tô ficando obsoleto de mim

    Ficando absolutamente não afim

    Eu tô nadando em dólares

    Eu fiz o gol da vitória

    Eu sou o centro da história

    Eu sou o aço da votorantim

    Eu sou Jesus tirando férias no inferno

    Pobre feliz de mim!

    (Luiz Queiroga e Yuri Queiroga)

    APRESENTAÇÃO

    Dos olhares inquietos e das movências...

    Novembro de 2005. Uma notícia transformadora: estava grávida. Como muitas mulheres que esperam um bebê e/ou são mães de primeira (e mesmo segunda ou terceira) viagem, comecei a me interessar por publicações especializadas para gestantes e para quem tem um bebê, como Claudia Bebê, Crescer, Meu Nenê e Pais & Filhos. Revistas que eram lidas com muita avidez e curiosidade. Inicialmente, como gestante/mãe, depois, como jornalista e pesquisadora. E, assim, a cada edição, surpreendia-me com a gama de temas tratados e como estes, mesmo não tendo, aparentemente, nenhuma relação com a maternidade, eram ligados à figura materna.

    Assim, surpreendi-me inquieta... Não podia olhar sem estranhamento para as imagens da mulher-mãe enunciadas por tais publicações. Identidades maternas que ora remetiam à mulher submissa, dependente do marido e que tinha como único anseio o bem-estar dos filhos; ora tratavam daquela nascida na luta pela emancipação feminina, esposa talvez, mãe por escolha, mas certamente trabalhadora, dona de sonhos (pelos quais batalha) relacionados à realização profissional; ora tais discursos caracterizavam-se como uma mistura aleatória de tudo isso.

    Desassossegos suscitados, marcadamente, no momento em que se cruzaram, no início da segunda metade da primeira década deste novo século, dois acontecimentos – um em âmbito mundial e outro essencialmente pessoal. Afinal, em meados de 2006, o mundo era confrontado, a partir da perspectiva do ex-presidente norte-americano Al Gore e das lentes de seu documentário Uma verdade inconveniente, a um desastre ambiental de proporções colossais chamado aquecimento ambiental/global. Concomitantemente, em julho de 2006, nascia Gabriel, meu primeiro e único filho. Dois acontecimentos aparentemente sem ligação, mas que em minha vida se cruzaram, justamente a partir dessas leituras voltadas para a mulher-gestante e/ou para a mulher-mãe. Isso porque essas publicações segmentadas passaram a abordar, e com muita frequência, a temática ambiental. E mais do que isso, suas reportagens tratavam das relações entre o caos climático, tão propalado pela mídia a partir do alarme soado por Al Gore, e o papel da mulher-mãe na reversibilidade dos efeitos do aquecimento global.

    Assim, num primeiro momento, debrucei-me sobre a temática (do caos) ambiental ligada ao efeito estufa e ao aquecimento global. E, dessa forma, fui surpreendida pela gestação da super-heroína da contemporaneidade, pelo nascimento da paladina do verde: a mãe que, por amor (o incondicional, aquele que – dizem – só as mulheres são capazes de sentir) aos seus filhos, é capaz de tudo, inclusive de reverter os problemas ambientais. Afinal,

    [...] vai ser muito triste ver nossos filhos sofrendo o desconforto de não conseguir respirar (portanto, de não conseguir correr, rir), com o calor insuportável, o oxigênio escasso, esperando enquanto minguam, como plantas sem água e sem adubo, a hora do apagão final. Não vai ser triste. Vai ser muuuuuito triste! (Pais & Filhos, edição 444, março de 2007, p. 74).¹,²

    A figura da mulher-mãe-paladina-do-verde, entretanto, gerou, em mim, inquietações outras... Por que a mídia é capaz de construir práticas discursivas identitárias? Quem é essa mulher-mãe representada (e/ou) discursivizada por Pais & Filhos e que papéis ela desempenha? Quais memórias discursivas (interdiscursos) sobre a maternidade são (re)colocadas em circulação pela mídia? Perguntas que levaram a reflexões múltiplas que têm como pano de fundo a produção e a circulação de sentidos pelo jornalismo. Assim, as tessituras aqui alinhavadas têm como objeto privilegiado os modos de subjetivação/objetivação da mulher, bem como as práticas contemporâneas que a constituem mãe. Ou seja, os processos pelos quais se efetuam a transformação da mulher em mulher-mãe e a divisão entre mulheres-não-mães e mulheres-mães são, definitivamente, a essência desse olhar inquieto que brota em letras impressas. Assim, o que se propõe aqui é fazer um diagnóstico do presente, seguindo Foucault, a partir da premissa de que os discursos jornalísticos, ao produzir e reproduzir enunciados, legitimam modos de ver e estar no mundo. Ou seja, refuta-se o lugar-comum de que o jornalismo retrata, reflete ou refrata a realidade e afirma-se que os acontecimentos discursivos jornalísticos (re)elaboram a realidade na medida em que apontam para a sociedade maneiras tanto de ler o mundo quanto de se posicionar nele, de ser – a partir das relações de poder que o perpassam – por ele subjetivado.

    Dessa maneira, acredito que os discursos jornalísticos moldam a sociedade de uma determinada época, ao mesmo tempo que – seguindo o pensamento neokantiano de Foucault (2002) – essas práticas jornalísticas são esculpidas a partir do solo epistemológico desse momento. Assim se dá, então, por exemplo, a constituição da maternidade, da mulher-mãe nas páginas da revista Pais & Filhos ao longo de suas mais de 450 edições, publicadas em quatro décadas. Enunciados que, mês após mês, ano após ano, década após década, orientaram, geração após geração, os modos de subjetivação da mulher em mãe, do que é ser mãe, de que comportamentos concernem a e se esperam da mulher que é mãe.

    Nosso caminho, então, tem início por dois temas excessivamente discutidos neste século XXI e que, na perspectiva da revista, são determinantes na constituição da mulher-mãe dos anos 2000. Essa primeira parte, intitulada Ciranda – Conduzindo mães, que conduzem filhos..., terá dois desdobramentos. Seu primeiro capítulo tratará da gestação da paladina do verde, aquela capaz (até) de reverter o caos climático provocado pelo efeito estufa e pelo aquecimento global. Mãe-heroína movida por amor, o materno, aquele dito incondicional, indiscutível, indelével. Afinal, para elas, não há como não agir e já. Isso porque os efeitos do aquecimento global para o planeta e sua população – formada em parte pelas crianças, filhos dessas mulheres-mães-heroínas – seriam semelhantes aos da criptonita para outro herói. Em Paladinas do verde (ou ‘algumas coisas que as mães podem fazer para mudar o mundo’) proponho olhar para a subjetivação da mulher-mãe em heroína ambiental, já no segundo capítulo, Mãe: heroína da performance, tratarei da obrigação – de modo algum encarada dessa maneira pelo indivíduo contemporâneo, que a vê, e nisso acredita, como opção, como escolha, como livre-arbítrio – de ser feliz e de obter sucesso. Imperativo esse que é inerente não apenas aos adultos, mas também às crianças, desde bebês. Uma infância feliz que passa pelo bem-estar físico e psíquico, que devem ser garantidos pela mãe, que também deve zelar pelo desenvolvimento intelectual e afetivo da criança. Afinal, deles dependerá a autoestima, a felicidade e o sucesso desses filhos quando adultos.

    Filhos felizes, mães bem-sucedidas! Mas, e quando a mulher-mãe não consegue desempenhar com sucesso esses dois papéis – o de heroína da performance e o de paladina do verde? O insucesso como empreendedora-da-felicidade-dos-filhos, como solução para o caos climático e no desempenhar de muitas outras responsabilidades, conferidas pela sociedade à mãe, são o foco das análises tecidas nos dois capítulos que compõem a segunda parte: Nos acertos e nos erros... A maternidade como exercício de superação. No primeiro deles, intitulado Ao combate! Pelo restabelecimento do indivíduo confiante e empreendedor, será evidenciada a questão da superação materna a partir das teias discursivas alinhavadas nas reportagens sobre os momentos em que tanto o filho quanto a mãe se encontram em posição de desvantagem. Isto é, comporão o corpus de análise os textos jornalísticos publicados por Pais & Filhos que abordarem a hiperatividade/TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), a tristeza infantil convertida em depressão, a depressão pós-parto e a timidez das/nas crianças. E, nessas situações, mais uma vez, as mulheres-mães são chamadas a se superarem de modo a, sempre, restabelecerem senão a vantagem competitiva da criança, pelo menos, a recolocarem em posição de igualdade de oportunidades com as demais. Já no último capítulo – Culpa, substantivo feminino – tratarei do como, dos modos em que a culpa é colocada como parte da identidade da mulher que também é mãe e seus por quês. Analisarei, assim, as reportagens que tratam da culpabilidade e da culpabilização materna, bem como das que abordam outras temáticas, mas que recorrem ao sentimento de culpa, apontando-o como inerente à maternidade, com vistas a evidenciar as descontinuidades e as repetições nessa trajetória da culpa(bilização) materna que é desenhada nas páginas de Pais & Filhos ao longo de seus 40 anos.

    Desejo que a aventura da leitura seja fascinante. Como foram os instantes em que vi brotando diante de mim estranhezas sobre imagens cristalizadas, comumente aceitas, vistas sem serem notadas. Que esse livro mostre-se um pequeno gesto de deslocamento do olhar (FOUCAULT, 2011, p. 246).

    A autora

    PREFÁCIO

    Maternidade no discurso midiático sob escrutínio

    Quando Elisabeth Badinter – uma das autoras da base teórica do presente livro de Ariane Pereira – publicou a obra L’amour en plus: histoire de l’amour maternel (XVII-XX siècle), traduzido por Waltensir Dutra com o título O mito do amor materno: um amor conquistado e publicado no Brasil pela Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro, ainda na década de 1980, provocou um verdadeiro tsunami na mídia francesa com repercussão internacional. Essa filósofa trouxe à tona uma questão cara às mulheres tanto da época quanto de hoje, que é o conflito entre maternidade e ser mulher, explicitando, a partir de pesquisas documentais dos acervos parisiense, na esteira das investigações empreendidas por Michel Foucault (1926-1984), o quanto o amor materno como algo inato no ser humano vem sendo construído ao longo da história.

    A reação à obra de Badinter foi tamanha que muitos intelectuais e formadores de opinião vieram a público tanto para criticar as principais proposições do livro quanto para apoiá-las. Um dos apoiadores mais destacados, até porque se tratava de um homem que opinava do outro lado do Atlântico, a partir de solo norte-americano, foi o psicanalista vienense Bruno Bettelheim (1903-1990). Bettelheim confessou que em seu consultório recebia muitas mulheres em conflito por se sentirem cobradas a serem mães, sem, todavia, desejarem isso. Esse pronunciamento veio endossar a pertinência das investigações de Badinter e deu fôlego a outras investigações nesse campo. Muitas foram as temáticas relacionadas à mãe e à mulher que se abriram ao debate, oxigenando as relações sociais e buscando construir um mundo mais participativo de homens e mulheres em relação às crianças.

    Mas os discursos direcionados à conformação de comportamentos não deixaram de existir. Considerando esse quadro, Ariane Pereira empreendeu uma investigação de fôlego ao se propor a analisar – do ponto de vista da Análise do Discurso – a revista Pais & Filhos, nos seus 40 anos de publicação desde o primeiro número, como projeto de seu doutorado em Comunicação e Cultura, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Escola de Comunicação. O resultado desse empreendimento está neste livro, Ser mãe é... A maternidade normalizada pelo discurso jornalístico.

    A autora, que é pesquisadora e professora universitária, jornalista, mãe e esposa, evidencia os enunciados mais frequentemente produzidos pela Pais & Filhos como a responsabilização do futuro do planeta, uma vez que a conscientização ecológica das crianças e os comportamentos de sustentabilidade são tarefas das mães. A esse enunciado, Pereira denomina ironicamente de Paladinas do verde. Outro enunciado aderido às mães é a responsabilização do sucesso futuro dos/das filhos/as. O sujeito confiante e empreendedor é, segundo os enunciados circulantes em muitos segmentos da revista, resultado das ações da mãe presente, atuante. Várias temáticas são levantadas por Pereira ao longo das análises das páginas da revista como crianças hiperativas, culpa materna, cesariana x parto normal, mercado de trabalho para a mulher grávida e, depois, mãe, entre muitos outros. Aponta, ainda, a autora, que nos anos finais o papel do pai começa a ser evidenciado. São novos ventos por aí.

    A pesquisa realizada por Ariane Pereira, cujo resultado aqui se publica, não se restringiu ao registro escrito. A trajetória de vida da autora bem demonstra o quanto a pesquisa acadêmica é propulsora de ações de intervenção social em busca de um mundo mais justo, mais humano, melhor, enfim. Sua formação acadêmica vem servindo de base para ações concretas na região de atuação universitária – Guarapuava/PR – como o projeto de extensão Florescer – produção e utilização de audiovisuais no combate à violência contra a mulher, em parceria com a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior o Paraná (Seti) e com a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres de Guarapuava, que busca ajudar mulheres vítimas de violência a se reconhecerem como tal, vislumbrarem uma nova vida sem dor e, assim, buscarem ajuda e realizarem a denúncia. Isso mostra que – muito contrariamente ao que pensam os tecnocratas que dirigem órgãos de fomento à pesquisa ou de administração universitária no Brasil – a pesquisa acadêmico-científica traz benefícios ao País.

    Prof.ª Dr.ª Silvia Ines Coneglian Carrilho de Vasconcelos

    Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da

    Universidade Federal de Santa Catarina

    Sumário

    Sobre maternidade e jornalismo e/ou sobre jornalismo e processos de subjetivação da mulher em mulher-mãe

    PARTE 1

    Ciranda: Conduzindo mães, que conduzem filhos...

    Paladinas do verde (ou algumas coisas que as mães podem fazer para mudar o mundo)

    Mãe: heroína da performance

    PARTE 2

    Nos acertos e nos erros... A maternidade como exercício de superação

    Ao combate! Pelo restabelecimento do indivíduo confiante e empreendedor

    Culpa, substantivo feminino

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Referências

    INTRODUÇÃO

    Sobre maternidade e jornalismo

    e/ou sobre jornalismo e processos de subjetivação da mulher em mulher-mãe

    Geração após geração tem se repetido a escolha, por parte das mulheres-gestantes e mulheres-mães, por Pais & Filhos – a mais longeva publicação brasileira voltada a esse público, em circulação desde setembro de 1968, pela Bloch Editores e, depois, pela Editora Manchete. Uma demonstração de que a revista, embora seja voltada para um público com características muito específicas e voláteis (afinal, a gestação termina em nove meses e a infância, ou melhor, o período de dúvidas e incertezas acerca dos cuidados com o bebê e a criança por parte das mães também passa rápido), conquistou a fidelização dos leitores.

    Quem lê Pais & Filhos hoje – diferentemente do que ocorre, por exemplo, com Veja ou IstoÉ –, provavelmente, não a lerá daqui a cinco anos (a menos que ocorra outra gravidez). Assim, a revista, com suas características de manual da maternidade e da infância, ao longo das últimas décadas, ensinou muitas mulheres a serem mães. Exercício da maternidade que se deu a partir de condições de possibilidades distintas. E essas, por exemplo, vão do lugar exclusivo da mulher na família à participação dela no mercado de trabalho, de uma sociedade abertamente a uma sociedade veladamente machista, transformações sociais que, concomitantemente, interferem nas e são reflexos das mudanças políticas e econômicas.

    E é essa mesma longevidade, que é fruto de uma fidelização, que faz de Pais & Filhos objeto desta obra. Afinal, nesse ano de 2018, a revista completa 50 anos em circulação, dos quais os 40 primeiros fazem parte do corpus deste estudo. São 450 edições analisadas buscando evidenciar como os discursos colocados e recolocados em circulação pela publicação são transformados, silenciados, apagados... Como na arqueologia foucaultiana, procurando não as ideias, mas os próprios discursos enquanto práticas descontínuas, evidenciando quem é a mulher-mãe da e na contemporaneidade.

    A então revista mensal da família moderna, slogan estampado logo na primeira edição, nascia como uma iniciativa inovadora do empresário Adolpho Bloch por ter como propósito orientar, mensalmente, a emergente família moderna, aquela que estava em mutação acompanhando as transformações do mundo. Mudanças essas que, para serem lidas, compreendidas e, assim, suscitarem um posicionamento em relação às mesmas, precisavam da mediação de Pais & Filhos, moderna como o mundo e como a família deveria ser. Dessa forma, logo em seu primeiro exemplar, a revista trazia reportagens que ensinavam/orientavam,³ questionavam,⁴ alertavam⁵ e diagnosticavam.⁶

    Após esse primeiro exemplar, Pais & Filhos só deixa de circular 22 anos depois, em agosto de 2000, quando a Bloch Editores tem sua falência decretada. A revista, porém, volta às bancas em janeiro de 2001 como uma publicação da Massa Falida de Bloch Editores S.A., como enunciava seu expediente, após uma decisão judicial em favor dos funcionários da empresa. Assim, foi montado um conselho curador responsável pela volta das revistas da Bloch Editores, sendo que Pais & Filhos, como explicita o editorial da edição 381, de janeiro de 2001, é primeiro título recolocado em circulação. Vale ressaltar que, nesse primeiro exemplar, como nos seguintes desse segundo momento, o conselho curador procurava reforçar as origens da revista e sua tradição. Assim, trazia em seu expediente que Pais & Filhos havia sido "fundada em 1968 por

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