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Ideal e Luz: Pensamento, espiritualidade, mundo unido
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Ideal e Luz: Pensamento, espiritualidade, mundo unido
E-book656 páginas8 horas

Ideal e Luz: Pensamento, espiritualidade, mundo unido

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Sobre este e-book

Chiara Lubich é considerada uma das grandes lideranças dos tempos atuais, conhecida por sua vigorosa espiritualidade e por ser a fundadora do Movimento dos Focolares. Seu pensamento – todo embasado num ideal de unidade e fraternidade – tem estimulado reflexões nos vários campos da atividade humana, como a política, a economia, a cultura, os meios de comunicação etc. Com este livro, pela primeira vez, o pensamento e a espiritualidade de Chiara Lubich são apresentados ao grande público de maneira orgânica e articulada, por meio de uma antologia de textos que abarca mais de meio século de sabedoria e experiência fascinantes. Em sua variedade de gêneros literários (poemas, cartas, conferências), a presente obra oferece a mística de Chiara Lubich, a sua novidade ao pensar a fé e sua visão do mundo aplicada em diferentes âmbitos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de fev. de 2021
ISBN9786588624111
Ideal e Luz: Pensamento, espiritualidade, mundo unido

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    Ideal e Luz - Chiara Lubich

    Lubich

    Aos leitores

    Se algum valor tiverem as palavras deste livro, deve-se atribuí-lo ao carisma que a bondade de Deus quis a mim confiar: uma dádiva do Espírito que, como outras derramadas sobre a humanidade, é destinada por sua própria natureza a todos aqueles que a queiram abraçar no mundo.

    Desejo que alguma centelha de sua luz e algum fulgor do amor verdadeiro, que dele promana, possam dar novo impulso a quantos já foram por eles beneficiados; e tocar, iluminar, estimular, confortar, levar a metas dignas homens e mulheres do nosso tempo, de toda idade, povo, fé e cultura. Estou certa, particularmente, de que o povo brasileiro, tão rico de coração e de inteligência, acolherá com a máxima abertura estas palavras, de modo que sejam muito frutíferas.

    Chiara Lubich

    Nota dos editores brasileiros

    A Editora Brasiliense e a Editora Cidade Nova uniram seus esforços e aceitaram o desafio de publicar a presente obra, por apostarem no valor e na oportunidade que ela representa para o público brasileiro. Coedição e participação ganham neste trabalho contornos novos, que, acreditamos, o próprio conteúdo do livro inspira.

    Para os editores, a publicação conjunta da obra se enriquece ainda de um particular significado comemorativo: há sessenta anos, Chiara Lubich dava início ao Movimento dos Focolares, com sua mensagem de paz, de fraternidade, de unidade dos povos; e também há sessenta anos, a Brasiliense iniciava sua atividade editorial, revigorando a cultura brasileira em suas perspectivas de um Brasil fraterno e igual para todos. É nessa feliz coincidência de datas e de intentos que as duas editoras acreditam na contribuição desta obra para a construção de um País – e também de um mundo – justo e solidário.

    Significação da obra de Chiara Lubich

    André Franco Montoro

    ¹

    Discurso pronunciado por ocasião da entrega a Chiara Lubich da Medalha de Honra ao Mérito da Universidade de São Paulo, em 30 de abril de 1998.

    Quando vemos o Movimento dos Focolares presente em cento e oitenta e duas nações dos cinco continentes, com o apoio de milhões de pessoas; quando tomamos conhecimento das homenagens que lhe são prestadas por católicos e ortodoxos, por igrejas protestantes e sinagogas judaicas, por mesquitas muçulmanas e monges budistas; quando vemos os inúmeros títulos e condecorações que lhe são conferidos por universidades de todos os continentes; quando vemos a Unesco conferir-lhe o Prêmio de Educação para a Paz; nós tomamos consciência de que estamos diante de um movimento de significação histórica.

    Século das guerras

    Alguém previu que o século XX seria o século das guerras. Realmente duas guerras mundiais marcaram este século, que está terminando. Mas a guerra não é apenas luta armada entre nações. Ela tem consequências sociais e culturais imprevisíveis.

    A guerra de 1914 correspondeu ao fim de uma época histórica, marcada pela perspectiva otimista de que a ciência, a tecnologia e os progressos materiais iriam trazer felicidade ao mundo.

    Mas, nas trincheiras de batalha, enterrou-se a belle époque e ruíram as grandes esperanças do século XIX, alimentadas com as descobertas do automóvel, do telefone, do avião. A Exposição Mundial de Paris, em 1900, mostrava orgulhosamente ao mundo todas as conquistas daquele século e foi o coroamento da época do otimismo burguês. O pensa- mento filosófico dominante era o positivismo de Auguste Comte, que reduzia toda a sabedoria humana à ciência positiva, físico-matemática. E pretendia ser o estado definitivo da humanidade.

    Com a guerra, a ciência e a técnica passaram a produzir armamentos terríveis, metralhadoras, tanques, aviões de bombardeio. A euforia da belle époque transformou-se em pesadelo. Milhares de jovens perderam a vida de forma estúpida. as novas gerações tomaram consciência da falência dos ideais do século XIX e ergueram-se em protesto. A manifestação artística dessa revolta eclodiu em plena guerra, em 1915, com o dadaísmo e outros protestos contra os valores da burguesia, do dinheiro, do progresso material e da moral de aparências. Surge, em seguida, em Paris, o movimento surrealista: o que a sociedade civilizada chama de realidade é apenas aparência. É preciso ver além das aparências e ir à realidade profunda das coisas. Dadaístas e surrealistas procuravam desmistificar uma sociedade que acreditava na ciência e no progresso, mas produzia destruição e tragédias. É nesse quadro histórico que surgem A náusea, de Sartre, e as diferentes manifestações do existencialismo, com a consideração pessimista da tragédia existencial. O ser e o nada. A guerra provocou um clima de negativismo, de desânimo e negação de valores.

    Nesse clima prosperou a prepotência totalitária que deflagrou a Segunda Guerra Mundial. O desastre da Segunda Guerra e a experiência totalitária, com os horrores do nazismo e do estalinismo provocaram não apenas uma reação negativa de protesto, mas, pela primeira vez na história, uma resposta afirmativa de valores éticos em escala mundial: a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

    Contra os céticos, os neutros e os negadores da significação objetiva da ética e da justiça, a declaração universal é a afirmação solene do valor que é o fundamento da vida social: a dignidade inerente a todos os membros da família humana. As pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades concretas e vivas.

    No campo do direito, essa tomada de consciência levou ao reconhecimento de que a força das leis e o poder dos governos têm limites marcados pelos valores éticos, que todo direito tem seu fundamento na justiça. Ao contrário das pretensões de formalismo e de positivismo jurídico, uma consideração do direito cega aos valores é inadmissível. Se o direito se reduzisse a um imperativo da força coercitiva da sociedade, os atentados à dignidade humana praticados nos campos de concentração seriam juridicamente inatacáveis.

    No campo da ciência e da tecnologia, os horrores da guerra, as atrocidades nos campos de concentração e o surgimento da era atômica, com as tragédias de Hiroshima e Nagasaki, revelaram ao mundo um quadro dramático. Atônitos e desiludidos, os homens passaram a não acreditar que a ciência e a técnica possam garantir por si só o progresso e a felicidade humana. O drama dos homens de ciência pode ser sintetizado na angústia de um cientista de gênio como Einstein: Nós, cientistas, cujo trágico destino tem sido ajudar a fabricar os mais hediondos e eficazes métodos de aniquilação, devemos considerar nossa missão solene e fazer tudo o que estiver em nosso poder para evitar que essas armas sejam usadas para propósito brutal. E acrescenta: Por uma penosa experiência, aprendemos que o pensamento racional não é suficiente para resolver os problemas de nossa vida social. O intelecto tem um olho aguçado para os métodos e ferramentas, mas é cego quanto aos fins e valores.

    A ciência pode apenas determinar o que é, não o que deve ser. Esse é o campo da ética e da religião.

    São ainda de Einstein as seguintes considerações: A função da educação não pode limitar-se à transmissão de conhecimentos. Ela deve ajudar o jovem a crescer num espírito tal que os princípios éticos fundamentais (de honradez, veracidade, respeito ao próximo, solidariedade) sejam para ele como o ar que ele respira. O mero ensino não pode fazer isso.

    Os exemplos arrastam

    É dentro desse quadro de afirmação de valores éticos, de sede de justiça e de paz que ganha significação histórica o movimento lançado por Chiara Lubich.

    Os artigos da Declaração Universal, os pronunciamentos dos homens de ciência e a consciência cada vez mais clara dos valores humanos representam notável avanço no campo da cultura e da história.

    Mas, como lembra a velha sabedoria, as palavras voam, os escritos permanecem, os exemplos arrastam. Não basta ensinar direitos humanos. É preciso vivê-los. E dar testemunho de sua prática.

    É no exemplo, na vivência de todos os dias que está a contribuição histórica de Chiara Lubich e dos Focolares para o movimento universal de renovação de valores no mundo contemporâneo.

    Em plena Segunda Guerra, na cidade de Trento, entre as ruínas e a destruição, Chiara Lubich decide abraçar um ideal. Contra o totalitarismo, ela vem proclamar a dignidade inviolável das pessoas humanas. Contra o nacionalismo estreito dos que declaram a guerra, vem defender o entendimento pacífico de todos os povos e religiões para que todos sejam um. Contra a violência e o ódio, vem pregar o amor, que é a vida do mundo.

    Esse calor humano tem seu lugar privilegiado na família, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama como núcleo natural e fundamental da sociedade. Calor humano, fogo do lar, focolares.

    Caminho da paz

    Essa é a mensagem que o mundo quer ouvir. Mas, particularmente em nossa cidade de São Paulo — que é um microcosmo de nacionalidades, raças e religiões —, ela evoca à mensagem do arcebispo de São Paulo durante a Segunda Guerra, dom José Gaspar de Afonseca e Silva. Seu lema episcopal revelava a mesma aspiração: Que todos sejam um, "Ut omnes unum sint".

    Na mesma linha, outro episódio de nossa história latino-americana merece ser lembrado. Quando caía uma das últimas ditaduras de nosso continente, no Chile, por ocasião da posse do novo presidente, Patrício Aylwin, foi celebrado um Te Deum ecumênico. Na porta da catedral estavam presentes um bispo católico, um rabino judeu, um pastor protestante, um imã muçulmano e um monge budista. De mãos dadas, numa oração em comum, depois de darem graças a Deus pelo retorno do país à democracia, assumiam o compromisso de trabalhar, dentro de suas comunidades, pelo fortalecimento do valor comum a todas as religiões: a fraternidade. Se somos filhos de Deus, somos irmãos.

    Esse sentimento de fraternidade, essa ética da solidariedade é o caminho para a construção de um mundo mais justo e mais humano.

    Em lugar dos braços cruzados da indiferença burguesa e dos gestos de ódio dos pregadores da violência, precisamos oferecer ao mundo os braços abertos da fraternidade. […]

    Esse mundo de fraternidade e justiça é apenas um sonho?

    Como lembra um grande líder de nosso continente, dom Hélder Câmara: Quando sonhamos sozinhos, é só um sonho; mas, quando sonhamos juntos, é o começo de uma nova realidade.


    1 André Franco Montoro (1916-1999) foi governador de São Paulo, senador da República e deputado federal, membro do Conselho da República e presidente do Conselho Consultivo do Parlamento Latino-Americano.

    Um carisma e uma obra de Deus

    Piero Coda

    Como o pincel na mão do pintor e a pena entre os dedos do poeta, assim é quem Deus escolhe para realizar uma obra sua. Sob diferentes formas, é possível encontrar amiúde essa mesma comparação nos testemunhos dos místicos. E, de fato, em sua desconcertante simplicidade, ela traduz bem o que o místico capta claramente na relação com aquele a quem consagrou a sua existência e, simultaneamente, traduz a consciência que ele possui de seu próprio papel em comparação com a obra que jorrou de seus atos mas que, ao mesmo tempo, tem alhures, como ele reconhece sem hesitação, o seu verdadeiro inspirador e autor. A comparação, num primeiro instante, parece anuviar a contribuição que vem da criatividade do homem. Na verdade, o pintor precisa do pincel para pintar e o poeta, da pena para escrever os seus versos. Mais ainda, a graça de Deus — ensina santo Agostinho — nada pode fazer sem a liberdade da pessoa. A teologia do Oriente cristão fala até mesmo de sinergia, isto é, de obra comum dos dois, em que a iniciativa e o primado são de Deus, mas nada aconteceria no mundo humano se não houvesse quem se abre para Ele e a Ele se confia, com decisão e perseverança.

    Por isso, o fiat que Maria pronunciou em resposta à anunciação do anjo é o arquétipo de toda ação divina e de toda cooperação autêntica da criatura com tal ação. Maria, escreve Tomás de Aquino, disse o seu sim loco totius naturæ humanæ, em nome e na pessoa de todos nós, e nesse sim da parte humana está apensa a maior e mais maravilhosa obra que Deus jamais realizou: a encarnação do seu Filho, Jesus Cristo. Portanto, no fiat que Maria pronunciou encontra-se de algum modo pré-formado qualquer outro fiat dito a Deus para preparar — se antes de Jesus — ou para estender no tempo e no espaço — se depois dele — o acontecimento da vinda do seu Verbo entre os homens.

    Sinergia, portanto, em que a criatura humana, dispondo-se a seguir Deus para o bem de todos, experimenta o significado e o destino da sua liberdade e da sua identidade pessoal, numa coincidência paradoxal, mas vitalmente imediata, de passividade e atividade. Nos primórdios de 1900, o filósofo Henri Bergson tentava descrever assim a psicologia interior e a nova e inesperada personalidade sobrenatural que desabrocha no místico que recebeu por graça, e alcançou em liberdade plena e conquistada, a união transformante: Agora é Deus quem atua por meio dele e nele; a união é total e, consequentemente, definitiva […] é para a alma, a esta altura, uma superabundância de vida, um imenso arrebatamento, um impulso irresistível que a lança nos empreendimentos mais vastos. Uma calma exaltação de todas as suas faculdades faz com que ela goze de uma visão ampla e alcance realizações portentosas, por mais fraca que seja. Sobretudo, ela enxerga de modo simples, e esta simplicidade, que fascina tanto em suas palavras como em sua conduta, a guia por entre as complicações que ela nem parece perceber. Uma ciência inata, ou, antes, uma inocência adquirida, sugere-lhe assim, à primeira vista, o melhor caminho, o ato decisivo, a palavra que não tem réplica. Contudo, o esforço continua indispensável, bem como a resistência e a perseverança. Mas estas vêm sozinhas, explicam-se por si mesmas numa alma que ao mesmo tempo age e é agida, cuja liberdade coincide realmente com a atividade divina (Bergson, 1973, p. 197).

    Em casos como os que Bergson descreveu, há certamente uma graça especial e uma missão específica a realizar, mas a mística cristã, na sua essência — no já e ainda não da História — não é senão o conseguimento da vocação a que cada cristão é chamado na fé, e que de fato ele pode alcançar na caridade: a incorporação em Cristo que lhe é participada pelo Espírito Santo no batismo, para obter a sua perfeição na comunicação pessoal de si que Jesus opera na Eucaristia. A surpreendente exclamação do apóstolo Paulo: "Fui crucificado junto com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (Gálatas 2,19-20), diz o sentido da existência cristã como dádiva e chamado à identificação com o Cristo, em que cada um se transforma, de verdade, em si mesmo como membro do seu Corpo Místico.

    Apresentar uma seleção consistente e arrazoada de escritos de Chiara Lubich, em sua maioria já publicados, é oferecer a qualquer um, que sinta o desejo e a oportunidade, a ocasião de encontrar face a face, em nosso tempo, uma experiência semelhante, rica de extraordinária atualidade. Nessa experiência, deveras original, sem dúvida, e ainda em andamento, não é difícil reconhecer os traços de uma inspiração mística límpida e arrebatadora, e de uma sua encarnação histórica em nosso tempo, igualmente incisiva e eficaz. Nas páginas aqui propostas, ressoa efetivamente o eco cristalino da Palavra de Cristo, que é a mesma ontem, hoje e sempre, mas pronunciada, acolhida e oferecida com aquele tom peculiar que a torna inesperadamente contemporânea, justamente na atualidade.

    O Deus que outrora falou, escreve o Concílio Vaticano II, mantém um permanente diálogo com a Esposa de seu dileto Filho, e o Espírito Santo, pelo qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja e através dela no mundo, leva os crentes à verdade toda e faz habitar neles abundantemente a Palavra de Cristo (Dei Verbum, n. 8). Deus fala também hoje à Igreja e, por intermédio dela, à humanidade inteira, porque a Igreja, embora possuindo fronteiras visíveis, é, segundo o coração de Deus, aberta a todos e convocada a ser a casa de todos. Hoje a humanidade entrou numa era nova de sua história, fascinante e a um tempo dramática, como ressaltou João Paulo II mais de uma vez: a época da aldeia global que a chama a ser uma única família. Portanto, não é mera casualidade que a Palavra de Jesus, da qual Chiara Lubich se sente chamada a se tornar eco e testemunho hoje, seja ut omnes unum sint, que todos sejam um. Uma Palavra entre as muitas ditas pelo Cristo, mas que é, ao mesmo tempo, o coração e a síntese de sua mensagem e de sua vida, porque é o sonho do Pai, a oração suprema do Filho feito carne, o anseio mais do que qualquer outro pungente e decisivo na vida de todo homem, e o grande sinal do nosso tempo.

    Ela não investe Chiara numa teofania fulgurante. Ao contrário, Chiara a descobre pela leitura daquele pequeno mas inexaurível livro que é o Evangelho, na escuridão de um abrigo em Trento (Itália), durante a fúria dos bombardeios da Segunda Guerra Mundial. É como se uma luz — conta ela — se acendesse sob aquelas palavras do capítulo 17 do Evangelho de João, em que Jesus se dirige ao Pai, antes da hora da paixão e morte: palavras ricas de um significado arcano e de decifração não fácil e imediata para uma jovem com pouco mais de vinte anos como ela, embora — poder-se-ia dizer — em tudo providencialmente preparada para isso.

    Veja, escrevia ela numa carta no começo dos anos quarenta, "eu sou uma alma que passa por este mundo. Vi tantas coisas belas e boas e sempre fui atraída somente por elas. Um dia (dia indefinido) vi uma luz. Pareceu-me mais bela do que as outras coisas belas e a segui. Percebi que era a Verdade. Nessas breves linhas se encerra, talvez, o segredo da história de Chiara: uma abertura sincera e apaixonada, de todo transparente, para a luz de Deus que se anuncia na verdade, na bondade e na beleza do mundo que a circunda, e que um dia se revela e resplende aos seus olhos, toda nova, no mais belo dos filhos do homem, aquele Jesus que disse de si mesmo: Eu sou a verdade" (João 14,6). Uma luz que não se concentra somente nele, mas dele se irradia em todo o redor e reveste de si pessoas e coisas, acontecimentos e situações, lançando Chiara e quem de pronto a segue, por ela fascinado, na divina aventura de descobrir e tecer o fio de ouro que, por Jesus e nele, liga em um todos e tudo. Essa luz é o amor de Deus, aliás, é Deus mesmo que é amor e que assim se mostra doando de si aos homens o que tem de mais caro e seu, o Filho unigênito.

    Crer nesse amor é a base e, ao mesmo tempo, de imediato, o vértice e a síntese da fé cristã assim descoberta por Chiara Lubich. Para ela, como para o testemunho evangélico e a tradição unânime da Igreja, a luz e o amor do Pai têm, de fato, um nome e um semblante: Jesus Crucificado. Chiara Lubich, desde os primeiros passos de sua extraordinária aventura espiritual, e graças àquela sua radical e espontânea atitude de abertura, destituída de toda expectativa humana diante da manifestação da luz de Deus, é guiada para intuir e escolher, entre as dores de Cristo, a mais escondida e íntima e, no entanto, mais abismal e trágica: a solidão extrema e absurda da cruz, o abandono por parte daquele Deus Pai que, no entanto, Jesus indubitavelmente sabe que é Amor. É o grito da nona hora — Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste? — que testemunha até que abismo foi o amor de Cristo por nós. Chiara não tem dúvidas nem hesitações. Se Jesus nos amou assim, até esse ponto, até sofrer o sentimento de separação de Deus para se tornar nosso próximo e nos unir novamente ao Pai e entre nós como irmãos, então o seu grito e a sua face de Abandonado serão o ideal, o único, de sua vida.

    Portanto, que todos sejam um encontra o segredo de sua realização no grito do abandono. Somente quem, com Jesus e Nele, estiver pronto para viver, na fé do amor que tudo vence, a formidável e muitas vezes humanamente impossível provação do abandono nas mil formas e nos mil aspectos em que ela vai ao encontro da existência humana, somente ele poderá fazer do ut unum sint o ideal da sua vida. Graças a Jesus Abandonado, reconhecido e aceito como único bem, a unidade não é mais uma utopia, a unidade se torna história apaixonante e concreta da humanidade. Aqui está o núcleo iniciante e o princípio vivo de todo o pensamento e a espiritualidade de Chiara Lubich que emanam justa- mente da opção gratuita e exclusiva por Jesus Abandonado, graças à qual Ele próprio pode derramar no coração dela aqueles rios de água viva e de luz que Ele, como Verbo do Pai feito homem, traz do Céu à terra em si para comunicá-los plenamente a todos os homens.

    A história de Chiara Lubich e de sua obra contemplam, de fato, nos primeiros tempos, um período de intensa iluminação, o verão de 1949² — conforme ela mesma conta — em que, entre outras coisas, pareceu que Deus nos quisesse fazer intuir algum desígnio seu sobre o nosso Movimento. Compreendemos melhor também muitas verdades da fé e, em particular, quem era Jesus Abandonado para os homens e para a Criação, Ele que sintetizara tudo em si (Lubich, 2000, p. 57). Foi um momento fundacional, cujas analogias são encontradiças na história dos grandes carismas e dos grandes movimentos espirituais, surgidos ao longo dos séculos na Igreja de Cristo.

    De todo original, porém — ao menos na sua intensidade e nos seus frutos específicos —, é o fato de que se tratou de uma experiência radicalmente comunitária, conforme a unidade almejada por Cristo da qual Chiara Lubich e a sua obra eram chamadas a serem os testemunhos e os arautos no mundo. Juntos é que se vai para Deus, e os cristãos são chamados a ser em Cristo um só coração e uma só alma: é esse o ensinamento que Jesus mestre imprime na alma de Chiara com divino e infrangível toque escultural. Não se deve fugir do próximo para estar na presença de Deus, mas amá-lo como a si mesmo reconhecendo nele o rosto de Cristo, especialmente se ele for pobre, sozinho e, de algum modo, sofredor: Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes (Mateus, 25-40). Cumpre-se assim a vontade do Pai, e quando o amor se torna recíproco em Cristo até alcançar, por Jesus Abandonado, a unidade que é traduzida e se dá na Eucaristia, entramos com o irmão onde Jesus nos introduziu, no Reino de Deus que é o seio do Pai, onde tudo é amor e comunhão, luz e alegria, e cada coisa é de cada um: omnia mea tua sunt (todas as minhas coisas são tuas).

    Aqui — é espontâneo dizer — está o novo e o tudo do cristianismo: a revelação de Deus Trindade de amor, ou seja, comunicação inefável e inexaurível de si para si e à criação, daí, a vocação das criaturas humanas a serem — uma a uma e juntas — filhos no Filho. A verdade, a novidade e a beleza do pensamento e espiritualidade de Chiara Lubich consistem em fazer que sejam um evento hoje — pelo sopro do Espírito Santo — a luz e a graça da unidade que Cristo trouxe e deu à história humana. Uma doutrina, portanto, que é perfeitamente tradicional e, ao mesmo tempo, profeticamente inovadora. Tradicional, como ramo enxertado no tronco secular da experiência e da doutrina da Igreja que a leva a uma nova florescência. Inovadora, pelo ponto prospectivo original que se abre sobre a revelação de Cristo que se deu uma vez para sempre.

    Esse ponto, como foi mencionado, é o próprio Jesus Abandonado, reconhecido e aceito pelo que ele é: a revelação do que é o amor e, portanto, a chave da unidade. esse olhar dirigido ao centro da fé — diria Hans Urs von Balthasar — é tal que faz plasmar novamente a verdade e a vida cristã de cima a baixo. Reconheceu isso, desde os anos cinquenta, o cardeal G. B. Montini, mais tarde Paulo VI, quando Chiara Lubich lhe apresentou a sua intuição evangélica. O novo, mas antigo como o Evangelho, dessa doutrina espiritual é, de fato, a compreensão existencial e prática, à luz de Jesus Abandonado, do amor trinitário entre o Pai e o Filho na comunhão livre, inexaurível e excedente do Espírito Santo, como modelo e dinâmica da existência humana. Em todas as suas expressões: eclesiais, sociais, culturais; e com todas as consequências, no plano pessoal, comunitário e social que isso comporta. Em particular, um amor que torna tangível e eficiente na história a presença e a ação de Cristo ressuscitado. De fato, Ele prometeu: Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos (Mateus 28,20). Mas é preciso fazer a nossa parte para que a sua presença no mundo se expanda: viver unidos em seu nome (cf. Mateus 18,20), cumprindo a sua vontade que resume todas: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei (João 15,12). Assim Ele se manifesta por aquilo que se tornou na plenitude dos tempos instalando a sua tenda entre os homens: o Emanuel, o Deus conosco.

    É a partir daqui, penso, que se pode intuir a razão profunda da coincidência, embora na distinção, do aspecto religioso e eclesial e do aspecto leigo e social da obra fundada por Chiara Lubich: o equilíbrio dinâmico, em outros termos, entre contemplação e ação. Não é por acaso que um dos seus escritos talvez mais conhecidos parta da grande atração do tempo moderno, assim incisivamente descrita: Atingir a mais alta contemplação e manter-se misturado com todos, lado a lado com os homens. As páginas aqui agrupadas documentam com riqueza de expressões a síntese bem-sucedida dessas duas dimensões essenciais e correlatas do espírito cristão.

    Isso — dirá alguém — é comum a toda espiritualidade verdadeira, embora prevaleça ora o momento da contemplação, ora o da ação. Mas Chiara, tendo captado a centralidade do abandono de Jesus como chave não apenas da união com Deus, mas também, e ao mesmo tempo, da unidade com os irmãos, detectou com isso o ponto arquimediano que une, sem baralhá-las, a verticalidade divina e a horizontalidade humana da experiência de Cristo e de quem se põe comunitariamente a segui-la, com radicalidade séria e irrevogável. É nessa perspectiva que se pode falar de uma mística para esse raiar do terceiro milênio, que nos conduz juntos à mística mais genuína das origens cristãs: a de Jesus e de Maria, onde o vértice da união com Deus é vivido entre os irmãos, e com eles, a serviço de todos na cotidianidade da vida.

    O cristão do futuro — já afirmava Karl Rahner há algumas décadas — ou será um místico, isto é, alguém que vive a experiência de Deus no mundo, ou simplesmente não será. É fácil intuir como e por que uma doutrina espiritual como a que jorra do carisma de Chiara Lubich seja por si só adequada, e sem concessões ou diminuições, para todos os estados de vida e as vocações no seio da Igreja e no serviço à sociedade. Talvez também por isso tenha sido escolhida uma pessoa leiga, uma mulher. Não é por acaso que — antecipando o ensinamento do Concílio — homens e mulheres, sacerdotes e bispos, religiosos e religiosas pertencentes a inúmeras famílias espirituais, virgens e pessoas casadas, crianças, jovens e adultos, em todas as nações do mundo, desde o início, e em modo crescente e cada vez mais amplo, tenham bebido do pensamento e da espiritualidade de Chiara Lubich e aderido à obra por ela suscitada. uma escola moderna de santidade aberta a todos. E uma santidade de povo que tudo resume na fidelidade ao amor como súmula do Evangelho e, nele, à própria vocação específica como realização da vontade de Deus sobre cada um. Uma santidade em que o empenho pela santificação do outro é igual ao empenho pela própria santificação. Em que tudo acontece na comunhão vivida com todos, indo além de toda diversidade de cultura, classe social e estado de vida, vistos antes como dádiva a ser oferecida e posta em comunicação com aquilo de que cada um é portador.

    Aliás, o imperativo evangélico do ut unum sint, de um lado, e a paixão pelo semblante desfigurado de Jesus Abandonado, de outro, não podiam reter um impulso carismático de tal porte dentro dos limites da Igreja Católica. E o fato é que, em sintonia com o movimento ecumênico, a espiritualidade da unidade logo penetrou no mundo ortodoxo, luterano, reformado, anglicano… Ainda hoje sensibiliza a sintonia espontânea e peculiarmente intensa que ligou Chiara Lubich ao patriarca ecumênico Atenágoras I de Constantinopla. Ele — como aconteceu, de maneiras diversas, com outros representantes e dirigentes eminentes de diferentes Igrejas — reconheceu na doutrina espiritual de Chiara o húmus comum do evangelho do amor, e vivendo-o com o olhar fixo no Crucificado que esteve pronto a dar tudo para restabelecer a unidade entre o Pai e os irmãos, é possível acelerar a hora do único cálice — como profeticamente gostava de dizer esse Padre da Igreja dos nossos tempos.

    Mais inesperado e até por isso ainda mais fascinante, nos últimos decênios, foi o encontro com as grandes tradições religiosas da humanidade e os seus líderes mais prestigiosos, que viu Chiara Lubich embaixadora de paz, de diálogo e de fraternidade no mundo inteiro, de Jerusalém a Tóquio, de Chiang Mai, no norte da Tailândia, à mesquita de Malcom X do Harlem, dos contatos com o hinduísmo aos contatos com o islã. O que abre os caminhos, até os mais impensáveis e inacessíveis, é sempre o mesmo espírito que encoraja a olhar Jesus Abandonado, que soube esvaziar-se a si mesmo de toda riqueza (cf. Filipenses 2,7) para tornar-se tudo para todos, segundo o ensinamento de Paulo (cf. 1 Coríntios 9,22). Quem modela a sua existência por Jesus Abandonado torna-se Nele testemunho vivo — primeiro com o ser e depois com a palavra — daquilo que de mais peculiar existe no Evangelho: o amor que sabe vir a ser o outro, a fim de que também o outro, livremente, possa receber a dádiva preciosa que os discípulos de Cristo são conscientes de ter recebido gratuitamente e de carregar em frágeis vasos de barro, para, por seu turno, doá-la a quem dela estiver à espera.

    O pensamento e a espiritualidade de Chiara Lubich parecem feitos sob medida para dar impulso e substância ao aggiornamento (atualização) da vida da Igreja, conforme expressão usada por João XXIII ao anunciar o Concílio Vaticano II, que a nova época em que a história humana entrou hoje exige. Não é à toa que João Paulo II, ao encontrar pela primeira vez, como bispo de Roma, o Movimento dos Focolares em seu centro de Rocca di Papa, após ter ouvido uma apresentação sintética do seu espírito e da sua estrutura e atividade, reconheceu nele, em miniatura, a fisionomia da Igreja traçada pelo Concílio. uma Igreja não entrincheirada em si mesma com a síndrome da cidadela sitiada, mas ciente de sua identidade e missão de sinal e instrumento de unidade universal, e, por isso, aberta ao diálogo em todas as frentes, no testemunho alegre e crível de Jesus crucificado e ressuscitado por meio da via áurea do amor ao irmão. Uma Igreja que, como auspicia a Novo Millennio Ineunte, está empenhada em viver, acima de tudo, a espiritualidade da comunhão.

    Mas o pensamento e a espiritualidade de Chiara Lubich não testemunha apenas uma mudança de paradigma na história da espiritualidade cristã — do primado do indivíduo ao equilíbrio entre pessoa e comunhão — conforme as expectativas do Concílio e as exigências apresentadas pelos sinais dos tempos. Ela, justamente por enraizar-se na mística de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que revive hoje pela unidade entre os seus, põe ao mesmo tempo todas as premissas para uma contribuição significativa à mudança de paradigma cultural que nossa era, de forma angustiada e por vezes até mesmo trágica, exige agora com urgência e começa a prognosticar e a configurar, de formas diversas e até contraditórias. Essa também não é uma coisa nova na história da espiritualidade cristã. Um grande carisma gera por si um estilo cultural e dá uma marca às expressões do humano e do social em que é chamado a se inserir e agir. Basta pensar no que aconteceu com o ora et labora de são Bento e o nascimento da Europa; ou com o ideal de senhora pobreza de Francisco de Assis e o florescimento da cristandade medieval; ou com o ad maiorem Dei gloriam de Inácio de Loyola e o delinear-se da era moderna: teologia, filosofia, práxis social, economia política, arte e até a abordagem científica da natureza, foram influenciados e, às vezes, até vitalmente impregnados pela inspiração mística desses grandes santos.

    A comparação não é ousada, pois a original observação da revelação cristã e, por ela, da visão do mundo que o carisma da unidade manifesta não pode deixar de ter também ela revérberos de luz em todos esses planos. Disso é testemunho a terceira parte da presente antologia, onde são apresentadas as primeiras intuições provenientes do carisma, e atestadas no campo, a respeito dos diversos âmbitos do saber e do agir humano. Não é por acaso que se tem reunido em volta de Chiara Lubich, já faz anos, um grupo de estudiosos e pesquisadores peritos em diversas disciplinas (a Escola Abbá) com a finalidade de explicitar a que poderíamos definir potencialidade cultural da espiritualidade de Jesus Abandonado e da unidade. O objetivo e o método de trabalho são ambiciosos e vanguardeiros: no tempo da crise do sujeito descoberto pela modernidade e da fragmentação das ciências que ela propiciou; no tempo da explosão do pluralismo e da complexidade e, simultaneamente, da globalização que toma corpo e pressiona, com as suas oportunidades e os seus perigos; encontrar o ponto central que ilumina e dá verdade à festa do multíplice que se recolhe no Uno que é Trino porque é Amor, sem sufocá-la na uniformidade massificante e sem deixá-la esmorecer no nada da dispersão e do contrassenso. Até a sombra extensa da ausência de Deus que pesa sobre boa parte da cultura contemporânea, vista sob a luz de Jesus Abandonado que Chiara Lubich não hesita em reconhecer como o Deus do nosso tempo, pode ser assim decifrada e iluminada como uma noite escura epocal e coletiva que prepara o alvorecer de uma civilização nova do amor que vê como protagonista a humanidade inteira em todas as suas expressões e riquezas multiformes.

    Uma coisa, entre tantas, me parece necessário, afinal, relembrar. A obra oriunda do carisma da unidade é universalmente conhecida como Movimento dos Focolares, mas recebeu da Igreja Católica o nome oficial de Obra de Maria, e isso é explicado nos seus Estatutos Gerais, aprovados pela Santa Sé, da seguinte maneira: A Obra de Maria tem esse nome porque a sua típica espiritualidade, a sua fisionomia eclesial, a variedade de sua composição, a sua difusão universal, as suas relações de colaboração e amizade com cristãos de diferentes Igrejas e comunidades eclesiais, com pessoas de diferentes credos e de boa vontade e a sua presidência leiga e feminina, demonstram o particular vínculo existente entre a Obra e Maria santíssima, mãe de Cristo e de cada homem, de quem a Obra deseja ser — na medida do possível — uma presença e como que uma continuação na Terra. Obra de Maria, portanto, é, de certo modo, sinônimo de Maria que atua hoje.

    É aqui, com toda probabilidade, que se deve perscrutar a inspiração mais profunda e mais simples de um carisma tão rico, tão novo, tão universal. Ele é presença de Maria. É quase natural reconhecer nele os traços fundamentais daquilo que Hans Urs von Balthasar descreveu por primeiro como o perfil mariano da Igreja, tanto quanto, senão mais fundamental e característico do cristianismo do que o apostólico e petrino (cf. João Paulo II, 1983, pp. 1671-1683). Maria — dizíamos no começo destas linhas — deu Jesus ao mundo, e para tanto lhe serviu de pano de fundo, para que Ele unicamente irradiasse a sua luz sobre os homens, e pudesse realizar a maior revolução de todos os tempos, cantada profeticamente por ela no Magnificat. Chiara segue esse mesmo caminho, para que Jesus possa continuar hoje, e levar a cabo, a sua obra: ut omnes unum sint.


    2 Trata-se do verão no Hemisfério Norte. O período referido aconteceu no mês de julho. [N.d.T.]

    Uma espiritualidade que une o vértice do divino e do humano

    Jesús Castellano

    O nome de Chiara Lubich já entrou na história da espiritualidade dos séculos XX e XXI, entre os mestres mais prestigiosos e ouvidos, pela sua genuína inspiração evangélica e pela dimensão de universalidade humana e cultural que caracteriza a sua doutrina e a sua obra. Nela converge a solidez de uma doutrina plenamente católica que resume as exigências mais vivas da espiritualidade de todos os tempos, mas com o tom moderno e atualíssimo de uma abertura a todo o humano, ao cosmo, à história, como em um novo e renovado projeto de pensamento e de espiritualidade, aberto a todos, como é o desígnio de salvação de Deus em Cristo, novamente revelado no mundo de hoje.

    Na base de tão alta dimensão da espiritualidade, que encontra em Chiara Lubich um vértice sólido como as rochas da região de Trento, Itália, elevado como as suas montanhas, está a intuição fundamental de um retorno ao Evangelho, isto é, a Jesus, Filho de Deus e Irmão nosso, que na sua sabedoria divina e na sua doutrina simples e luminosa, em que o divino e o humano convergem, viveu uma experiência de vida, transmitiu uma sabedoria e propôs uma doutrina encarnada, capaz de trazer o Céu para a terra. Intuição que fala desse peregrino da Trindade, o qual, vindo do Céu para a terra, trouxe consigo o modo de ser e de viver de Deus, para aqui implantar uma nova cultura, a divina, no tempo e na história do homem. E, como Jesus é o homem por excelência, essa vida, sabedoria, doutrina, têm uma dimensão de universalidade que abraça todo o homem, tudo quanto é humano, inclusive no plano social, planetário e cósmico.

    Essa intuição fundamental, colhida na fonte viva do Pai, como numa escola oferecida a Chiara pelo Abbá, por uma dádiva de predileção da sabedoria divina, teve uma primeira irradiação na experiência coletiva de um viver juntos desde o início, com algumas companheiras e companheiros, a verdade-vida do Evangelho. Um Evangelho que se redescobria inédito, belo, dinâmico e revolucionário, por intermédio de uma amorosa, sábia e prática releitura vital, capaz de renovar toda a vida pessoal e social. Uma experiência que logo se revelou luminosa e fecunda, aberta a todos, possível em todos os lugares, pois no Evangelho existe a dimensão humana essencial, capaz de iluminar todas as culturas, fecundadas pelo Espírito Criador, e onde se encontram as sementes da verdade, da bondade e da beleza, comuns a todos, resplandecentes em plenitude no semblante do Filho de Deus, homem universal.

    Por isso, como resulta dos escritos de Chiara Lubich, encontramo-nos diante de uma espiritualidade nova e original.

    Essa descoberta inicial permitiu-lhe não apenas elaborar, com forte inspiração do alto, uma doutrina espiritual esplêndida que transpira em seus escritos com divino toque escultural e beleza, qual sabedoria divino-humana, mas também uma pedagogia para um itinerário espiritual, para a aventura de uma santa viagem, para uma santidade de povo, que se irradia e contagia através da estrada coletiva do Evangelho, aberta a todos os que se aproximam de tal fonte de vida. e, consequentemente, dado que se trata de uma espiritualidade a ser vivida no mundo e para o mundo, com uma ação de grande abrangência que inunda de verdade e de vida todos os aspectos da sociedade e da história.

    Nesse sentido, é possível afirmar que o pensamento e a espiritualidade de Chiara Lubich são um dos vértices originais e uma das sínteses da espiritualidade cristã de todos os tempos.

    Talvez a afirmação possa parecer excessiva, mas é possível prever que um dia os historiadores da espiritualidade e da mística, os teólogos e os mestres, haverão de reconhecer nela uma testemunha eminente da espiritualidade de todo o período cristão, uma pessoa em que os caminhos espirituais surgidos ao longo da História convergem e se harmonizam, se enriquecem e se relançam na direção de um futuro de luz. Assim, o Espírito Santo impele para a consumação a história da salvação, com a ajuda de uma especial revelação e doação do carisma da unidade que, certamente, como reconheceu também a autoridade suprema da Igreja em várias ocasiões, é dádiva peculiar e serviço de Chiara Lubich, com toda a sua Obra no atual momento da Igreja e do mundo.

    Como esteio de tal perspectiva, que certamente pode parecer ousada, é oportuno tecer algumas considerações sobre a especificidade da espiritualidade da unidade.

    Chiara Lubich tem consciência, e esse discernimento transparece de seus escritos, que as duas palavras da espiritualidade recebida de Deus são a unidade e Jesus Abandonado, ambas convergentes e interdependentes a ponto de não se poder entender uma palavra sem a outra, uma realidade sem conexão com a outra.

    Entre tantos carismas, doutrinas e caminhos da espiritualidade da Igreja, a ela foi dado contemplar, entender, transmitir e encarnar duas realidades de vida e de doutrina, no ápice da comunicação de Deus com o homem.

    A unidade, que se inspira naquela página para a qual nascemos, o capítulo 17 do Evangelho de João, a oração sacerdotal de Jesus, redescoberta à luz de vela nos abrigos da Segunda Guerra Mundial, qual novo Cenáculo, nos leva ao limite do divino, ao manancial da vida da humanidade e do universo. É a vida de Deus, uno e trino, em comunhão recíproca, na dádiva mútua de amor e por amor, na unidade do pensar e do agir que leva as três Pessoas divinas, Pai, Filho e Espírito Santo, a serem uma para a outra, uma com a outra e na outra; numa divina dialética do não ser para ser, ou seja, do ser de tal modo uma para a outra, a ponto, quase, de se esquecerem de si mesmas; tal é a capacidade da doação e do acolhimento, que é o

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