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Função Social da Sucessão: tutela e limites à autonomia privada na sucessão causa mortis
Função Social da Sucessão: tutela e limites à autonomia privada na sucessão causa mortis
Função Social da Sucessão: tutela e limites à autonomia privada na sucessão causa mortis
E-book262 páginas3 horas

Função Social da Sucessão: tutela e limites à autonomia privada na sucessão causa mortis

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Sobre este e-book

A transmissão sucessória cumpre uma função social que se revela tanto na tutela como na limitação à autonomia privada. As bases jurídicas do direito de herança são a dignidade humana e o direito de propriedade. A base firmada na dignidade humana é ainda mais expressiva quando se considera que, no contexto da Constituição de 1988, a herança é um direito fundamental. Já a base no direito de propriedade funciona como um pressuposto para a transmissão sucessória e serve principalmente para que se analise a função social da sucessão tendo por base, também, a função social da propriedade. Destaca-se, assim, a relação da função econômica exercida tanto pela propriedade como pela herança, e a função social se revela diante das possibilidades de transcendência dessa função econômica por meio da compatibilização do ordenamento civil com a ordem constitucional. Portanto, a função social da sucessão se origina tanto da constitucionalização do direito como da superação das funções econômicas tradicionalmente atribuídas aos institutos de direito civil. As manifestações da função social da sucessão se dão interna e externamente, ou seja, não abrangentes apenas às partes da transmissão sucessória, como também a toda a sociedade. Nas manifestações internas, percebe-se a tutela da autonomia privada, enquanto, nas externas, a sua limitação. Como manifestações da tutela, destaca-se a possibilidade de planejamento sucessório, apontando os instrumentos do testamento e da instituição de pessoa jurídica sob a forma de holding patrimonial. Já nas manifestações dos limites à autonomia privada, destaca-se a progressividade das alíquotas do imposto de transmissão de heranças, com foco na distribuição de riquezas. Adotam-se Carlos Nelson Konder, Pietro Perlingieri, Ana Luiza Maia Nevares e Thomas Piketty como marcos teóricos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de mar. de 2021
ISBN9786559560967
Função Social da Sucessão: tutela e limites à autonomia privada na sucessão causa mortis

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    Função Social da Sucessão - Ricardo Alves de Lima

    privada.

    1. O FENÔMENO SUCESSÓRIO

    1.1 DIREITO DE HERANÇA E SEUS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

    O tratamento da sucessão parte do evento morte, ou seja, se inicia pelo fim da vida. E, em que pese o fato de ser a morte uma questão delicada¹, justamente por escapar ao controle humano, a regulamentação das suas consequências é levada a cabo pelo Direito². Ajusta-se, assim, desde o primeiro parágrafo deste livro, o enfoque do debate ao direito sucessório, todo ele dedicado àquela transmissão que se dá em razão da morte, e não àquela que se opera entre pessoas vivas. De fato, Clóvis Beviláqua, desde o início dos seus comentários ao último livro do Código Civil de 1916, já fizera esse mesmo ajuste, esclarecendo, no entanto, que a ideia de sucessão não é exclusiva do direito hereditário³.

    Assim, as sucessões que se referem a outros ramos do próprio Direito Civil ocorrem entre pessoas vivas. Essa hipótese se faz presente na transmissão da propriedade por meio contratual – em sede de compra e venda, doação, cessão etc. – de modo que um sujeito sucede o outro na propriedade daquele determinado bem em vida. Já a sucessão causa mortis demonstra a continuidade das relações jurídicas em decorrência da morte do seu titular⁴.

    É esta última o objeto de interesse do direito das sucessões e que o estrutura como disciplina autônoma, sendo definido por Clóvis Beviláqua como o complexo de princípios, segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir⁵. Francisco José Cahali traz conceito tributário àquele de Clóvis: conjunto de regras e complexo de princípios jurídicos pertinentes à passagem da titularidade do patrimônio de alguém que deixa de existir aos seus sucessores.⁶

    Por sua vez, Arnaldo Rizzardo parte da ideia da finitude da vida humana em um plano corporal ao qual o patrimônio é ligado, de forma que é necessário que outras pessoas venham e assumam a titularidade, de modo a se recompor a ordem ou a estabilidade no patrimônio⁷.

    Percebe-se, nesta perspectiva, que o direito sucessório se presta à regulamentação do destino das relações jurídicas transmissíveis do autor da herança, no que não se pode olvidar do que estabelece a Constituição. O direito à sucessão, consagrado – e não há palavra melhor do que essa – no art. 5º, XXX⁸ da Constituição Federal de 1988, se eleva à categoria de direito fundamental e, ainda, por força do que estabelece o art. 60, § 4º, à categoria de cláusula pétrea.

    Partindo dessa diretriz, deve-se investigar os fundamentos do direito de herança. Para tanto, recorre-se ao seu enquadramento em um contexto, o que se faz inobstante o fato de não ser o direito uma ciência taxionômica⁹, mas pelo costume didático das classificações. Assim, o direito de herança se regula no campo do Direito Civil, mais especificamente em seu último livro da parte especial, o do direito das sucessões, com repercussões também de natureza administrativa e tributária.

    Inserida predominantemente nesse campo do Direito Privado, a normativa sucessória se inspira, inevitavelmente, naqueles mesmos valores que influenciaram a evolução e a transformação desta área, mas parece resistir ainda às últimas ressignificações do civilismo, o que contrasta com o fundamento maior dos direitos fundamentais: a dignidade da pessoa humana. Para a sustentação dessa afirmação devem ser lançados seus arrimos.

    Primeiramente, deve-se afirmar a dignidade como fundamento. Nessa tarefa é possível que se lance mão, inclusive, do próprio texto constitucional, mais especificamente o art. 1º, em seu inciso III. Assim, constitucionalmente, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República. Esse fundamento se torna o centro em torno do qual gravitam todos os direitos fundamentais e, entre eles, o direito de herança.

    A dignidade humana, no entanto, tem fundamentos históricos e filosóficos próprios, como será demonstrado.

    1.1.1 O fundamento da dignidade da pessoa humana

    Em observação marcada pelo cuidado técnico, Ana Paula de Barcellos afirma que [u]m dos poucos consensos teóricos do mundo contemporâneo diz respeito ao valor essencial do ser humano¹⁰. De fato, esse valor essencial é o núcleo estruturante do fundamento aqui debatido.

    Luiz Edson Fachin¹¹ define a dignidade da pessoa humana como imperativo ético existencial, além de princípio e regra inserida na Constituição como fundamento da República. Salienta, ainda, que em virtude desse enquadramento – como fundamento –, a dignidade perpassa toda a racionalidade da ordem jurídica por meio de sua força normativa.

    Ingo Wolfgang Sarlet¹², por sua vez, a define como qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade. Dessa significação, o autor aponta como desdobramento uma série de direitos e deveres fundamentais para proteção da pessoa contra atos degradantes e desumanos, e ainda para a garantia das mínimas condições existenciais para uma vida saudável.

    Os fundamentos históricos, por sua vez, são indicados por Ana Paula de Barcellos¹³ em quatro momentos fundamentais: o Cristianismo; o Iluminismo-humanista; a obra de Immanuel Kant e os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial. A esta tese interessam as bases históricas da dignidade humana com especial atenção à função da historiografia jurídica, o que vai muito além de construir uma espécie de retrospectiva capaz de apresentar o momento presente como um ponto de chegada inevitável, segundo assevera Ricardo Marcelo Fonseca¹⁴, a história do Direito passa a ter uma função crítica, desmistificadora do formalismo jurídico que busca sempre ‘isolar’ o Direito de seu tempo, funcionando desse modo como ‘consciência crítica’ dos demais juristas.

    Nesse sentido, o destaque ao Cristianismo se deve à originalidade da valorização do indivíduo nessa doutrina. Ora, a salvação se anuncia como um projeto individual, decorrente de uma decisão pessoal. No entanto, além dessa noção individual, a mensagem de Cristo contém aspectos de valorização do outro, sobretudo aquele plasmado no segundo mandamento (Amarás o teu próximo como a ti mesmo). Apesar desse consenso e dessa originalidade revolucionária da mensagem de Cristo, há divergências teóricas fundamentais entre a doutrina jurídica e a doutrina social da Igreja. O ponto principal dessa divergência é, sem dúvida, o fundamento último da dignidade¹⁵.

    É justamente essa compreensão centrada na religião que é combatida pelo pensamento iluminista, profundamente baseado na razão humana. O desenvolvimento teórico do humanismo acabará por redundar em um conjunto de consequências relevantes para o desenvolvimento da ideia de dignidade humana, como a preocupação com os direitos individuais do homem¹⁶.

    A terceira base histórica, por sua vez, é, também, a base filosófica apontada como raiz do pensamento sobre a dignidade da pessoa. É o pensamento kantiano, centrado na ideia de que o homem é um fim em si mesmo, ou seja, a pessoa não pode ser tomada como um meio. Desse pensamento, ainda, destaca-se:

    No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade¹⁷.

    As coisas têm, assim, uma medida de valor que pode ser dada por um preço, enquanto as pessoas têm, na verdade, dignidade.

    A quarta e última base histórica do fundamento da dignidade é, também, a que mais profundamente marcou e chocou a humanidade. Com o desenrolar dos conflitos da Segunda Guerra e o início da derrocada das forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), os horrores dos campos de concentração e de extermínio foram revelados ao

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