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Planejamento Familiar: Limites e liberdade parentais
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Planejamento Familiar: Limites e liberdade parentais
E-book356 páginas4 horas

Planejamento Familiar: Limites e liberdade parentais

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Sobre este e-book

A palavra 'cinema' foi cunhada em meados de 1890, pelos irmãos franceses Lumière, a partir do termo grego 'kinema', que significa 'movimento'. É com movimento que se desenvolvem ideias. Veja-se que a criação de um filme demanda técnicas específicas para montagens, seleções de falas e imagens, edições e reedições, até que o resultado seja satisfatório e ganhe as telas. Movimento. por em movimento. estar em movimento. Essa é uma premissa que não se restringe ao cinema, ainda que essa arte tenha sido herdeira direta da Modernidade. O Direito também se beneficia da palavra e a utiliza para construir reflexões normativas em um contexto democrático, marcado pela diversidade. E não poderia ser diferente porque não há como refletir sobre autonomia privada tendo como pano de fundo o isolacionismo dos séculos XVIII e XIX, mas, sim, projetá-la "como fruto de autodeterminação, agregada a um vínculo de interdependência social, em que individualidades se constituem e se reconstituem.' Renata de Lima Rodrigues inicia seu livro Planejamento familiar: limites e liberdades parentais atenta ao movimento de ideias, a partir do cinema e da literatura. A largada se dá com a lembrança do filme Gattaca e da obra de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, pelos quais a autora nos convida a refletir sobre os rumos da reprodução humana e da eugenia. E, se a vida imita a arte, de fato, Huxley foi profético e o filme Gattaca também, ao nos colocar de frente com as possibilidades de práticas eugênicas por meio do diagnóstico genético pré-implantatório. Da ficção para a realidade. Os avanços da biotecnologia abriram a caixa de Pandora, mostrando outras possibilidades na conformação do planejamento familiar e a autora pergunta: 'Quanta liberdade podemos ter? Até aonde podemos ir?' Renata lança três premissas que acompanharão o desenvolver a obra, necessárias para a construção da hipótese: '(i) a secularização da cultura ocidental implicou a descentralização ética- -cultural-religiosa de nossa sociedade'; (ii) a possibilidade de cada um edificar sua pessoalidade conforme melhor lhe convier, desde que a subjetividade seja inserida 'em um contexto de intersubjetividades correferidas e compartilhadas' e [...] '(iii) o avanço da biotecnologia tem ampliado paulatinamente as possibilidades de escolha dos indivíduos no momento de idealizar e concretizar o projeto parental suscitando, por exemplo, como questão premente quais seriam os limites entre uma autodeterminação reprodutiva, que se revela como legítimo exercício da autonomia privada, e a prática de uma eugenia liberal condenada por nosso sistema jurídico'. A partir de tais compreensões, a autora buscou revisitar 'velhos e tradicionais direitos e categorias jurídicas' para a necessária releitura num 'contexto marcado por novas mundividências'.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jul. de 2021
ISBN9786555153187
Planejamento Familiar: Limites e liberdade parentais

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    Planejamento Familiar - Renata de Lima Rodrigues

    Capítulo 1

    ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – PLURALISMO JURÍDICO, INDIVIDUALIZAÇÃO DE ESTILOS DE VIDA E O MOSAICO DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS

    No romance Stiller, Max Frish faz o promotor público perguntar: O que o homem faz com o tempo de sua vida? Uma questão da qual eu mal tinha consciência, ela simplesmente me irritava. Frish faz essa pergunta no indicativo. O leitor reflexivo, inquietando-se consigo mesmo confere-lhe uma versão ética: O que devo fazer com o tempo de minha vida? Durante muito tempo, os filósofos acharam que dispunham de meios adequados para tal pergunta. No entanto, hoje, após a metafísica, a filosofia já não se julga capaz de dar respostas definitivas a perguntas sobre a conduta pessoal ou até coletiva. (HABERMAS, 2004, p. 03).

    A séria releitura pela qual passa o direito privado nas últimas décadas é tomada pelos doutrinadores como fruto da necessidade de adequação dos institutos jusprivatísticos ao paradigma do Estado Democrático de Direito.

    A densificação normativa dos dispositivos presentes na Constituição de 1988, que num primeiro momento atingiu apenas o direito público e as questões de ordem pública atinentes ao direito privado, provoca agora uma reestruturação desse ramo do Direito como um todo, conformando não só os parâmetros de interpretação e aplicação da norma, mas sua própria fundamentação (RODRIGUES, RÜGER; 2004, p.12-13).

    A consequência de tal fenômeno é que o Estado Democrático de Direito passa a ser o marco teórico para o estudo de movimentos que preconizam a constitucionalização do direito civil¹, forçando a instrumentalização de institutos basilares, como a propriedade, o contrato e a família, os quais se encontram atualmente funcionalizados ao desenvolvimento pleno da pessoa humana, com fincas no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

    Desta feita, não sem razão, a evolução do regime político brasileiro – uma república que se apresenta como Estado Democrático de Direito e que tem como fundamentos primordiais a defesa do pluralismo e a promoção da dignidade da pessoa humana, dentre outras causas, é reiteradamente citada pelos doutrinadores de direito privado como substrato da crise do direito civil² experimentada nas últimas décadas.

    Ao lado do fundamento da dignidade da pessoa humana, que marca a conotação de nosso Estado como personalista, o pluralismo se apresenta em nosso texto constitucional como outro fundamento da república. A conjugação destes dois pressupostos força uma revolução estrutural e hermenêutica nas instituições de direito privado, que pode ser resumida através da afirmação de que, no Estado Democrático de Direito brasileiro, as tradicionais dicotomias oitocentistas entre ser e dever-ser, e ainda entre público e privado, cedem espaço a um sistema que se operacionaliza a partir de uma necessária complementariedade entre público-privado e entre ser e dever-ser para reduzir a tensão entre faticidade e validade.

    Assim sendo, as instituições jurídicas passam a se revelar sempre como instrumentos garantidores e promotores do princípio da dignidade da pessoa humana, aqui, inexoravelmente, compreendido como norma que comanda a garantia de iguais espaços de liberdade de atuação indistintamente distribuídos a todos para a realização de seus projetos de vida boa ou de vida digna na maior medida possível, em um ambiente de intersubjetividades compartilhadas, que devem coexistir de forma harmônica e pacífica:

    Por todas as questões colocadas até aqui, não fica difícil compreender que o reconhecimento da pluralidade se coloca de maneira central e determinante desde os primeiros passos de construção da Modernidade. Esta é a questão que marca de maneira inafastável o processo de modernização social: o desafio de nos organizarmos socialmente, nos mais variados setores da vida, sem com isso fazer prevalecer a nossa concepção ética, nossa visão em torno de vida boa, sobre os demais de maneira naturalizada ou mesmo materializada, mas tão somente por meio de entendimento comunicacional, único capaz de garantir a todos igual respeito, o que em domínios funcionalmente institucionalizados, como no caso do Direito, há que implicar o respeito, nas mais variadas esferas, do ideal de imparcialidade. (CHAMON JUNIOR, 2010, p. 29).

    Diante de um mundo eticamente fragmentado, é importante despir o princípio da dignidade da pessoa humana de qualquer carga valorativa naturalizada, que, por sua subjetividade intrínseca, não poderia ser universalizada em um mundo que se pretenda plural, por princípio democrático.

    1.1 O pluralismo enquanto fundamento político e a tutela da pluralidade como proposta jurídica

    Diferentemente de seus antecessores, o Estado Democrático brasileiro lida com as geografias pública e privada de forma absolutamente inusitada. O Estado Liberal, justificado por seu contexto histórico, econômico e cultural, não limitava liberdades individuais, por julgar que a intervenção do Estado na vida privada seria contraproducente e arbitrária; o Estado social, no afã de combater as mazelas herdadas do liberalismo, suprimiu liberdades individuais em nome daquilo que ousou denominar bem comum ou coletivo. Por sua vez, o atual Estado Democrático de Direito, para superar as sequelas do socialismo, que se desnaturou em tirania e em totalitarismo em muitas partes do mundo, previu a limitação de liberdades individuais, mas nunca em nome do chamado interesse coletivo. Habilmente, conseguiu se articular de tal forma que qualquer limite às liberdades individuais só existe mesmo em nome de iguais liberdades individuais.

    Nesse sentir, cumpre frisar que a noção de interesse dentro do Direito precisa ser cuidadosamente assumida e tratada. Bruno Torquato de Oliveira Naves elaborou construções teóricas sobre a noção de interesse como (não) categoria jurídica que aqui se apresentam de enorme utilidade. Segundo o autor, o sistema jurídico contém uma série de instrumentos para a proteção dos mais variados interesses, mas estes mesmos não são elementos legítimos de aplicação do Direito, pois não consistem em elementos normativos formados a partir de um discurso de justificação que sobrevive ao teste da tensão entre facticidade e validade (NAVES, 2009, p. 308-309). Desta feita, o autor critica a ideia tão bem difundida de que, por exemplo, a função social dos contratos seria a subordinação dos interesses individuais dos contratantes aos interesses públicos ou coletivos.

    Todo esse arcabouço teórico é facilmente observável ao analisarmos o perfil contemporâneo da tríade institucional que compõe o direito civil: contrato, propriedade e família. Ao contrato e à propriedade impõe-se a ideia de função social, que nunca poderia se confundir com a submissão dos interesses individuais do proprietário ou contratante ao interesse público, mas tão somente a garantia de instrumentos que irão permitir que a relação entre proprietário e não proprietários e a relação entre contratante e contratado se estabeleça no respeito à garantia de iguais liberdades de atuação a todos os envolvidos, de modo que cada um tenha os mesmos espaços de autorrealização e afirmação de seus direitos³.

    Na família, a revolução se apresenta ainda mais contundente a ponto de encontrarmos na doutrina especializada a discussão se a família tem função social ou se é função social. Quanto às suas transformações, por interessarem de modo particular ao desenvolvimento deste estudo, elas serão analisadas de modo particular no tópico

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