Diagnostico e destino
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Sobre este e-book
Sobre doenças e estar doente já se escreveu muito. Bem menos se escreveu sobre diagnósticos e sobre ser diagnosticado. Menos ainda sobre o autodiagnosticar-se, sobre cybercondríacos exploradores do corpo e de seus sintomas. Os diagnósticos não são sentenças e as doenças não têm um "sentido", não são metáforas ou culpas. Podem, no entanto, habitar as nossas vidas como narrativas pessoais e mitologias.
"Da Escarlatina ao Alzheimer, todos receberemos um diagnóstico, mais cedo ou mais tarde. É possível que diga respeito à saúde física ou mental, ou mesmo à personalidade, que pode ser diagnosticada como obsessiva, borderline, narcisista, e assim por diante. Em suma, um dia chegará alguém – médico, psiquiatra, psicólogo – e nos dará um diagnóstico. Pronunciará uma palavra que vai acompanhar e modificar o rumo de nossas vidas. Por um período ou para sempre".
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Diagnostico e destino - Vittorio Lingiardi
pacientes
Diagnóstico e destino
Por que sempre acontece de a relação entre médico e paciente ser pouco satisfatória e até mesmo motivo de infelicidade, não obstante os mais sinceros esforços por parte de ambos?
Michel Balint, Medico, paziente e malattia, 1961
Algumas páginas dos capítulos II e III foram reelaboradas a partir de escritos anteriores de minha autoria, indicados na bibliografia final.
I. Diagnóstico e tormento
Ἰατρέ, θεράπευσον σεαυτόν.
(Médico, cura-te a ti mesmo)
Lucas, 4: 23
Doentes segundo Sontag
No final dos anos 1970, Susan Sontag escreve um livro em que se insurge contra a ideia de doença como metáfora, afirmando que «não há nada mais primitivo do que atribuir um significado a uma doença , uma vez que tal significado será inevitavelmente moralista». Um livro importante, que influenciou todos os estudos posteriores no campo da medicina social e da psicologia médica. «Uma referência obrigatória», declara Rita Charon, diretora do curso de medicina narrativa da Universidade de Columbia, à revista The Lancet . «Assim como estamos habituados a fazer referência a Hipócrates e a Osler, agora devemos fazer referência também a Sontag.»
Ao reconhecer o impacto social das representações psicológicas da doença, Sontag defende que sejam mantidas bem apartadas e que não contagiem a realidade científica da medicina. Tuberculose, câncer e aids foram e, em certa medida, continuam sendo metáforas culpabilizadoras de estilos de vida errados. Metáforas que ela conhece bem. Tinha cinco anos quando o pai morreu de tuberculose. Tinha 45 quando foi diagnosticada com um tumor no seio, e depois no útero, dos quais se curou. Morreu de leucemia em 2004, fotografada no leito de morte pela amiga e amante de uma vida, Annie Leibovitz. No início dos anos 1980, quando a aids apareceu como uma misteriosa epidemia que atingia as pessoas homossexuais (a ponto de inicialmente ser chamada de GRID, Gay-related Immune Deficiency, ou, mais impacientemente, «peste gay»), a perda de tantos amigos e o clima social de segredos, mentiras e condenações lhe inspiraram um belíssimo conto, Assim vivemos agora:
E foi enquanto ele ainda estava em casa [...] que chegou a má notícia a respeito de dois conhecidos distantes [...] Stephen argumentava que era errado mentir para ele, que era tão importante para ele viver com a verdade; aquela tinha sido uma de suas primeiras vitórias, que ele era sincero, que ele estava até disposto a fazer piadas sobre a doença.
Em 1989, ela expande seu ensaio de 1978, Doença como metáfora, para Aids e suas metáforas.
Pensei em Sontag ao ver 120 batidas por minuto, de Robin Campillo, filme indispensável para compreender o impacto de um diagnóstico sobre o corpo e a sexualidade, sobre a política e as culturas. Toda doença rompe com um equilíbrio. De um indivíduo, de sua família. A aids rompeu com o equilíbrio do mundo. Quem viveu aqueles anos não consegue esquecê-los. A morte irrompia no leito dos jovens de vinte anos, circulavam doenças oportunistas de nomes hipnóticos e de efeitos cruéis: sarcoma de Kaposi, pneumocystis carinii. Eram os anos da azidotimidina, o AZT, dos impiedosos efeitos colaterais. Ainda era impensável o advento das terapias hodiernas que, pelo menos nos países que podem se dar o luxo, minimizaram os efeitos indesejados e exaltaram os esperados, transformando uma doença letal, que ainda contagia e à qual não convém baixar a guarda, em uma condição sorológica compatível com a vida. Foram anos em que lutar contra a aids significava tomar consciência dos limites entre um corpo são e um corpo doente, cartografar suas dimensões e incertezas, seus sintomas e terapias. Tornar-se sujeitos de cuidado, não somente objetos. O corpo era explorado cotidianamente. Angústia e esperança, medo e conhecimento reuniam-se nas pontas dos dedos que se dirigiam para a parte de baixo das mandíbulas e para dentro das axilas, para o pescoço e para a virilha, à procura de glândulas inchadas. Com a aids, difundia-se um estigma historicamente associado ao câncer, mas então agravado pelo fato de que, ao lado de cada um dos substantivos – culpa, segredo, vergonha –, se podia colocar o adjetivo sexual. A aids tornava-se uma categoria sociomoral habitada por metáforas punitivas.
Sontag nos alerta sobre o perigo de metaforizar a doença, mas, ao endereçar seu pensamento afiado a doenças muito diversas entre si, corre o risco de generalizar. Quando afirma que todas as doenças temidas e misteriosas são sentidas como «moralmente, se não literalmente, contagiosas», colhe uma verdade psicológica sempre viva; mas, mesmo tendo escrito há trinta anos, vai longe demais quando defende que
Assim um número espantoso de pessoas com câncer se dá conta de que parentes e amigos as evitam e de que são objeto de procedimentos de descontaminação, levados a efeito pela família, como se o câncer, a exemplo da tuberculose, fosse uma enfermidade contagiosa.
No entanto, Sontag tem razão quando diz que «os próprios nomes de tais doenças são tidos como portadores de um poder mágico». No primeiro romance de Stendhal, Armance, a mãe do protagonista se recusa a pronunciar a palavra «tuberculose» porque, pronunciando-a, teme apressar o curso da doença no filho. Armance se passa na época da Restauração, mas também no início dos anos 1980, quando minha mãe adoeceu de câncer, muitos preferiam dizer que ela tinha «um problema muito ruim».
As palavras, sabe-se, são habitadas de fantasmas. Se procuramos as origens dos termos «câncer» ou «carcinoma», do grego καρκίνος e do latim cancer, isto é, caranguejo, o velho dicionário Tommaseo nos remete a «cànchero», com definições deste tipo:
Tumor ou úlcera de péssima condição, ordinariamente de cor roxa; dói assaz, e vai corroendo ou lentamente, ou rapidamente. É assim chamado porque costuma ser circundado de varizes, dispostas como pernas de caranguejo, que se dizia também Cancro.
De pessoa não só enferma, mas que, mesmo com saúde, se mostra inepta naquilo sobre o que se discute. Há políticos e acadêmicos gorduchos e presunçosos que são também cânceres.
Também a Pessoa tediosa e incômoda é um câncer.
Outros dicionários da época mostram-se ainda mais cruéis:
Gênero de doença grave e dolorosa, em forma de tumor ulcerado e roxo, que ataca de preferência as partes do corpo dotadas de maior sensibilidade, como a língua, os lábios, os olhos, os mamilos etc. É assim denominado porque costuma ser circundado de veias túrgidas e varizes que parecem pernas e garras de caranguejo, ou mesmo pelo fato de este animal ser tenaz para com sua presa: uma vez que a prende com suas garras, nunca mais a abandona.
Não surpreende que seja difícil pronunciar a palavra «câncer». As palavras evocam imagens e constroem nossas representações. É importante que se ajustem aos sucessos da oncologia das últimas décadas, que testemunham um crescimento nos índices de sobrevivência. Segundo Umberto Veronesi,
[...] a palavra câncer deveria ser eliminada devido a seu poder paralisante. Tumor já é melhor. Ou neoplasia. No IEO, Instituto Europeu de Oncologia, quase não usamos a palavra