Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

A filha de Hagar: uma história sulista de preconceito de castas, com Vênus Johnson
A filha de Hagar: uma história sulista de preconceito de castas, com Vênus Johnson
A filha de Hagar: uma história sulista de preconceito de castas, com Vênus Johnson
E-book364 páginas5 horas

A filha de Hagar: uma história sulista de preconceito de castas, com Vênus Johnson

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Pauline Hopkins foi pioneira em várias de suas obras e foi a primeira negra a publicar uma história de mistério nos Estados Unidos. Vênus Johnson é a primeira personagem negra – e mulher – a desempenhar um trabalho de investigação, e somente por isso já merecia estar aqui neste resgate que a coleção se propõe. Mas vai muito além...

Neste livro há uma série de mistérios, investigação e julgamento, e claro, a figura da detetive feminina que tanto buscamos em nosso recorte, mas nem ela, nem os crimes podem ser considerados o epicentro da importância da trama.

Abordando as questões políticas que se agravaram com a Guerra Civil, A filha de Hagar traz uma história familiar com duas linhas relativamente distintas: a da família do senhor e do escravo e entre elas a marcação mais clara em seus discursos.

Vênus sozinha não é a personagem central dessa trama, mas ouso dizer que o universo dela (e não de Jewel, a mocinha) é o real foco de Pauline. Afinal, é essa personagem que pratica as reais ações que definem a coisa toda.
IdiomaPortuguês
EditoraUrso
Data de lançamento15 de jul. de 2021
ISBN9786599435751
A filha de Hagar: uma história sulista de preconceito de castas, com Vênus Johnson

Relacionado a A filha de Hagar

Títulos nesta série (4)

Visualizar mais

Ebooks relacionados

Filmes de suspense para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de A filha de Hagar

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    A filha de Hagar - Pauline Elizabeth Hopkins

    O livro fora da curva

    Quando pensamos a coleção Senhorita Detetive tínhamos bem clara a ideia: trazer textos seminais do gênero detetivesco escrito e protagonizado por mulheres. E assim seguimos. Entretanto, é necessário avisar; este livro está um pouco fora da curva.

    Sim, há nele uma série de mistérios, investigação e até mesmo um julgamento, e claro, há a figura da detetive feminina que tanto buscamos em nosso recorte, mas nem ela, nem os crimes podem ser considerados o epicentro da importância da trama.

    Trata-se na verdade de um livro, banal à primeira vista, sobre uma série de dramas e tramas familiares, um formato muitíssimo conhecido como romance sensacionalista – muitas vezes criticados por suas autoras mulheres, de quem se esperava um comportamento exemplar e casto, escreverem sobre escândalos sociais –, mas não se deixem levar por essa primeira camada. Também não se deixem enganar pelo fato de nossa Vênus Johnson (que aparece lindamente na capa) só se fazer notar depois da metade da história como motivo para diminuir sua importância.

    O livro que tem em mãos é uma das histórias criadas por uma das mais influentes escritoras afro-americanas. Pauline Hopkins foi pioneira em várias de suas obras e foi a primeira negra a publicar uma história de mistério nos Estados Unidos. Vênus Johnson é a primeira personagem negra – e mulher, isso é importante! – a desempenhar um trabalho de investigação, e somente por isso já merecia estar aqui neste resgate que a coleção se propõe. Mas Pauline vai muito além...

    Usando uma linguagem popular que entretém e até parodia outras obras da época, ela traz à tona discussões muito sérias sobre como a sociedade se formou em volta da escravidão e do escravo; das castas sociais mantidas pelo poder e dinheiro, e principalmente questiona como as pessoas se veem e dão valores a si e ao próximo.

    Abordando as questões políticas que se agravaram com a Guerra Civil, Pauline traz uma história familiar com duas linhas relativamente distintas: a da família do senhor e do escravo e entre elas a marcação mais clara em seus discursos.

    A velha escrava da casa, tia Henny, tem um discurso difícil de ser compreendido por conta de sua linguagem que denota simplicidade e falta de estudo (não confundir com burrice ou ingenuidade, ela é muito sagaz e sabe das coisas) que por si só marca a diferença que existe entre brancos e negros. Não era somente uma questão racial: somam-se aí casta, poder e dinheiro. Existe um abismo entre eles. No entanto, a filha de tia Henny, Marthy, cresce e se muda para a cidade, onde tem seus filhos Vênus e Oliver. É aqui que vemos a diferença. Marthy possui uma fala mais clara (embora na primeira parte da obra, seu discurso seja mais próximo ao de tia Henny, na segunda parte é perceptível que houve uma transição, basicamente do rural ao urbano), mas ainda com alguns solecismos. No entanto, Vênus, que é uma moça estudada (ainda que os tenha abandonado para dar suporte ao irmão), tem um discurso claro. Seu irmão caçula, que está na faculdade, fala e sabe tanto quanto qualquer filho da aristocracia branca. Não é uma questão de distância de sua origem, mas de domínio e adaptabilidade à nova sociedade que se forma, onde começa-se a perceber que brancos e negros (neste momento na narrativa, não mais escravos) têm exatamente as mesmas capacidades, porém, não as mesmas oportunidades, e isso é frisado em vários momentos, situações e comportamentos das personagens.

    Tia Henny representa uma tradição que ainda se mantém (o arco dela vai do começo ao fim do livro), Marthy representa a transição do passado ao futuro, ou seja, o momento presente e a mudança do rural ao urbano; e, por fim, Vênus representa o futuro. As três figuras femininas estão imbricadas e se apoiam, assim como uma não pode viver sem a outra, representativamente, creio que há uma demonstração de que para os afrodescendentes não há futuro sem carregar o passado e entender o presente.

    Por isso Pauline é tão certeira; ao marcar esses discursos ela mostra o quanto a palavra é poderosa e se perpetua para manter o status quo. E talvez por isso mesmo ela começa essa história de forma rebuscada e por vezes melosa, fingindo-se tão inocente quanto qualquer autora de romances bobos com suas frases feitas e juras de amor e honra. Enquanto você se encanta com a vida dos senhores, cheias de reviravoltas, dramas e decepções, há ali aqueles personagens de fundo que não vão permitir que você esqueça de que são eles que compõem o mundo real, e que essa realidade não poderá ser ignorada pelos senhores para sempre.

    Vênus sozinha não é a personagem central dessa trama, mas eu ousaria dizer que o universo dela (e não de Jewel, a mocinha) é o real foco de Pauline. Afinal, são essas duas personagens; Vênus (a jovem) e Henny (a velha) que praticam as ações reais que definem a coisa toda. Vênus desvenda e revela os vilões (mesmo sob a supervisão do grande detetive do serviço secreto), e tia Henny enquanto guardiã da sabedoria define, como testemunha ocular da história, o destino dos brancos.

    Mas isso você poderá decidir por si ao ler este livro. No entanto, relembro: o diabo – ou o terrível – está nos detalhes (ou entrelinhas).

    Lua Bueno Cyríaco

    Editora

    Hagar’s daughter: a story of southern caste prejudice

    Primeira publicação em forma de série, na Colored American Magazine

    Volume 2 (1901); Volume 3 (1901); Volume 4 (1901-1902)

    Capítulo I

    No outono de 1860, um estranho, em visita aos Estados Unidos, teria pensado que nada menos que um milagre poderia preservar a união dos Estados tão orgulhosamente proclamada pelos signatários da Declaração de Independência, e tão gloriosamente mantida pelo galante Washington.

    A nomeação de Abraham Lincoln para a presidência pelo Partido Republicano era inevitável. A Democracia pró-escravagista estava embriagada com a perspectiva de perder o controle da situação que, até então, quase não precisava de esforço para se prender em grilhões impenetráveis tanto ao poder do homem quanto às carrancas da Divindade; eles haviam inaugurado um sistema de agitação e terrorismo contra todos os simpatizantes do partido desprezado. As colunas dos jornais partidários se enchiam a cada dia do ano com descrições de cenas vergonhosas, protagonizadas no Norte e no Sul por homens pró-escravatura, devido mais à prolongada subserviência do povo do Norte aos senhores de escravos do que a um ódio real e pessoal ao Negro¹.

    Os negros livres do Norte e do Sul, e aqueles escravos com o coração de homens livres que haviam tomado corajosamente a liberdade negada pelo homem, sentiram o espírito geral de agitação e incerteza que se espalhava pelo país a uma velocidade tão alarmante. O tom moderado da parte liberal da imprensa, as ofertas humilhantes de compromisso dos líderes políticos do Norte e os numerosos casos de entrega de escravos fugitivos a seus antigos senhores, produziram uma sensação de medo mortal no coração de muitos lares, onde a paz e o conforto haviam reinado por muitos anos. O escravo fugitivo, talvez, tivesse conquistado o coração de alguma mulher livre do Norte; eles haviam se casado, prosperado, e eram felizes. Agora, vinha o pavor assombroso de um andar furtivo, uma batida sinistra, um grito abafado à meia-noite, e a luz do sol do novo dia sorria para uma mulher de coração partido, com as mãos de um bebê agarradas às saias e as vozes das crianças pedindo, em vão, por seu pai perdido para sempre. O negro sentiu que não havia segurança para ele sob as Estrelas e Listras e, assim percebendo, sacrificou sua casa e seus pertences pessoais, fugindo para o Canadá.

    Os sulistas estavam irredutíveis, e não ouviram nenhuma proposta a favor de sua permanência na União pelas condições existentes; isto é, Lincoln e o partido Republicano. A vasta riqueza do Sul fazia com que se sentissem independentes do mundo. O algodão não era meramente rei; era Deus. As considerações morais não eram nada. Embriagados de poder e deslumbrados com a prosperidade, monopolizando o algodão e elevando-o à condição de um verdadeiro fetiche, os autores da Rebelião não admitiram uma dúvida sequer sobre o sucesso de seu ataque ao governo federal. Eles sonhavam em perpetuar a escravidão, embora toda a história mostre o declínio do sistema à medida que a indústria, o comércio e o conhecimento avançam. Os escravistas propuseram nada menos que reverter as correntes da humanidade e fazer florescer a barbárie no seio da civilização.

    O Sul argumentava que o princípio do direito não teria influência sobre os trabalhadores famintos; e a Inglaterra e a França, assim como os Estados do Leste da União, ficariam pasmados e cederiam ao golpe de mestre, que deveria privá-los de seu material de trabalho. Milhões da classe trabalhadora dependiam dele em todos os grandes centros da civilização; era apenas necessário acenar com este cetro sobre as nações, e todos eles reconheceriam o poder que o empunhava. Mas, que tragédia! O erro supremo dessa antecipação estava em omitir do cálculo o poder de princípio. O direito ainda tinha autoridade nos conselhos das nações. As fábricas podiam estar fechadas, homens e mulheres desempregados, mas a verdade e a justiça ainda exigiam respeito entre os homens. Os homens pró-escravagistas do Norte encorajavam os rebeldes antes do início da guerra. Eles prometeram ao Sul que a Guerra Civil reinaria em todos os estados livres, no caso de uma revolta da oligarquia sulista, e que os homens não deveriam ser autorizados a ir para o Sul para derrubar seus irmãos revoltosos.

    Embora o povo do Sul fosse fraco em número e em poder político se comparado ao povo do Norte, eles facilmente se convenceram de que poderiam fazer frente com sucesso, em termos de armas, ao inimigo, um tanto desprezado por eles, devido a sua disposição covarde e mercenária. Eles se entregaram à crença, orgulhosamente, de que seu grande prestígio político continuaria a servi-los entre os associados do partido no Norte, e que os conselhos do adversário seriam confundidos e seu poder enfraquecido pelos efeitos da dissensão.²

    Quando a bandeira republicana, com os nomes de Abraham Lincoln para Presidente e Hannibal Hamlin para Vice, lançou suas dobras à brisa, em 1860, houve pânico e apreensão por essa manobra tão ousada; a lei do mais forte reinou em Boston, Utica e Nova York, que testemunhou a maior destruição de propriedade na tentativa de derrubar o crescente desejo público de abolir a escravidão. O sangue inocente de Elijah Lovejoy³ falou em tons de trombeta ao reformador de seu túmulo tranquilo, junto ao rio caudaloso. A masculinidade ultrajada de William Lloyd Garrison⁴ trouxe o rubor da vergonha ao rosto do americano honesto que amava a honra de seu país, mais do que qualquer instituição individual. A memória do brutal espancamento de Charles Sumner⁵ por Preston Brooks⁶ vincou as paixões descontroladas da hora de maneira indelével na página da história. O debate no Senado se tornou inflamado e perigoso, à medida que a crise se aproximava, na absorvente questão da perpetuação da escravidão.

    No Sul, novas leis foram promulgadas, abreviando a liberdade de expressão e de imprensa; era difícil para os nortistas viajarem aos estados escravagistas. O Reverendo Charles T. Torrey⁷ foi condenado à penitenciária de Maryland por ajudar os escravos a escapar; Jonathan Walker⁸ tinha sido marcado com um ferro em brasa pelo mesmo delito. Em meio ao tumulto veio a Decisão Dred Scott⁹, e o fogo ardente irrompeu com vigor renovado. Cada lado esperou impacientemente pelo resultado da votação.

    Em novembro, o Rubicão foi atravessado, e Abraham Lincoln foi devidamente eleito Presidente, contrariando os desejos e desafiando a vontade do Sul altivo. Falou-se muito de uma conspiração para evitar por fraude ou violência uma declaração do resultado da eleição pelo Vice-Presidente perante as duas Câmaras, como previsto por lei. À medida que o dia se aproximava, os corações patrióticos estavam doentes de medo ou cheios de presunção. Se os certificados não aparecessem; se eles fossem arrancados pela violência das mãos ordenadas para levá-los através da rotunda da Câmara do Senado para a sala da Câmara, ou se eles fossem suprimidos pelo único oficial que poderia abri-los, John C. Breckenridge¹⁰, do Kentucky, ele próprio um candidato e em plena simpatia com a rebelião.

    Um silêncio sufocante, dolorosamente intenso, reinou na sala lotada, quando o Vice-Presidente se levantou para declarar o resultado da eleição. Um metro e oitenta, postura altiva, jovem, arrojado, ele se apresentou diante deles pálido e nervoso. As galerias estavam lotadas de conspiradores hostis. Era o momento supremo da vida da República. Com uma declaração firme, sua voz quebrou o silêncio opressivo:

    Declaro, portanto, Abraham Lincoln devidamente eleito Presidente dos Estados Unidos para o mandato de quatro anos a partir do dia 4 de março próximo.

    Foi o sinal para a secessão, e o Sul soltou os seus cães de guerra.

    Capítulo II

    Durante a semana que antecedeu o memorável 20 de dezembro de 1860, as ruas de Charleston, na Carolina do Sul, estavam repletas de cidadãos entusiasmados que tinham vindo de todas as partes do Sul para participar dos preparativos para a secessão da União. Os hotéis estavam cheios; cada espaço disponível era ocupado nas casas dos cidadãos particulares. As bandas desfilavam pelas ruas encabeçando procissões de políticos entusiasmados que vinham como delegados de cada seção ao sul de Mason e Dixon; havia gritos e cânticos da população, misturados livremente com discursos improvisados¹¹ feitos por oradores entusiasmados com mais zelo do que valor; havia vivas para o Sul e juramentos para o governo em Washington.

    Espalhados em meio à multidão, os negociantes podiam ser vistos viajando para o extremo Sul com bandos de escravos acorrentados como animais indefesos destinados ao matadouro. Esses escravos foram enviados apressadamente por seus senhores, em obediência às ordens do quartel-general, que exigiam a retirada de todos os bens humanos de cena, ante a imediata ameaça de invasão. Os negociantes interromperam sua jornada apressada, para participar das festividades que davam início ao nascimento dos gloriosos Estados Confederados da América. Palavras não poderiam descrever a cena.

    "A asa anuncia por comando

    De poder soberano, em cerimônia horrível

    E o som da trombeta, proclamado

    Um conselho solene breve realizado

    Em Pandemônio, o alto capital

    De Satanás e seus pares"¹²

    O mais notável entre os negociantes era um homem conhecido, de St. Louis, chamado Walker. Ele era o terror de todo o Sudoeste entre a população negra, escrava e livre; pois, muitas vezes, acontecia que pessoas livres eram sequestradas e vendidas ao extremo Sul¹³. Rude, malcriado, de coração duro, analfabeto, Walker tinha começado em St. Louis como carroceiro e agora se tornara um homem rico. Ele era uma pessoa de aparência repulsiva, alto, magro, com as bochechas salientes e o rosto marcado pela varíola, olhos cinzentos, sobrancelhas vermelhas e bigodes arenosos.

    Walker, ao chegar em Charleston, ocupou seus aposentos com seu bando de gado humano, em um prédio de dois andares, rodeado por uma parede de pedra com cerca de três metros de altura, cuja parte superior estava coberta com pedaços de vidro, de modo que não se poderia saltá-lo sem o risco de grandes ferimentos pessoais. As salas desse edifício pareciam celas de prisão e, no escritório, podiam ser vistos colares de ferro, grilhões, algemas, anjinhos¹⁴, chicotes, correntes, mordaças e cangas.

    O criado do Walker, Pompey, se encarregou de preparar a mercadoria para venda. Pompey tinha ficado tanto tempo sob as ordens do especulador desalmado que parecia perfeitamente indiferente às cenas de sofrimento que o confrontavam diariamente.

    Nesta manhã em particular, Walker trouxe uma série de clientes para ver sua mercadoria; entre eles, um notório puritano, que era considerado profundamente religioso. Os escravos estavam reunidos em um quintal fechado pelo alto muro antes mencionado. Havia balanços e bancos, o que tornava o lugar muito parecido com um pátio escolar da Nova Inglaterra.

    Entre si, os negros falavam. Havia uma mulher que fora separada de seu marido, e outra cuja aparência expressava a angústia de seu coração. Havia o velho Pai João¹⁵, com seus bigodes aparados, seu rosto raspado e seus cabelos completamente brancos alisados, prontos para serem vendidos, por dez anos a menos do que tinham. Havia Tobias, um camareiro educado em Paris, versado em medicina, de acordo com seu falecido dono, vendido ao especulador por conta de sua inteligência e que, devido à tentação que a confusão dos tempos apresentava, tentara uma fuga da escravidão.

    Oh, meu Deus!, gritou uma mulher, manda teu anjo pra baixo di novu, diz c’ocê vai mantê a palavra, Senhor.

    Oh Senhor, tivemo vigiano e cuidano, ma’os fié fur’isquicido! gritou outra, enquanto balançava seu corpo violentamente para frente e para trás.

    Eram agora dez horas, e o exame diário do estoque começou com a entrada da Walker e de vários clientes.

    Por que você está esfregando os olhos? perguntou um homem gordo, de rosto vermelho, com um chapéu branco colocado de um lado da cabeça e um charuto na boca, à mulher sentada em um banco.

    Purqu’eu deixei meu omi lá.

    Oh, se eu te comprar, vou te dar um homem melhor do que o que você deixou. Tenho um monte de rapazes na minha fazenda, respondeu o homem.

    Num querotr’ome, patrão, nunca vô tê otr’ome.

    Qual é seu nome? perguntou um homem com um chapéu de palha, a um negro em pé com os braços cruzados no peito e encostado à parede.

    Aaron, sinhô.

    Quantos anos você tem?

    Vinti’cincu.

    Onde você foi criado?

    Em Virginia, sinhô.

    Quantos donos já teve?

    Quatru.

    Você goza de boa saúde?

    Sim sinhô.

    Apanhou muito?

    Não sinhô. Achu qui num mereci, sinhô.

    Deixa eu ver suas costas, pra saber o quanto você apanhou, antes de fazer negócio.

    Anda logo, rapaiz, nu’moviu qui’o cavalhero dissi qui qué ti izaminá?, disse Pompey.

    O especulador, por sua vez, dedicava particular atenção ao médico mais conhecido e influente de Charleston. O médico escolheu um homem e uma mulher como artigos que ele desejava para sua plantação, e Walker procedeu a examiná-los.

    Bem, meu rapaz, fale e diga ao médico qual é o seu nome.

    Sam, sinhô, é u meu nomi.

    Quantos anos você tem?

    Desd’inqui nasci, tenhu vinti i seti, ou trinta, ou trinta e cincu, num sei direito.

    Há, há, há, há! Bem, doutor, este está verdinho. Você é de confiança?

    Sim sinhô, achu qui sô.

    Abra sua boca e deixe-me ver seus dentes. Eu sempre julgo a idade de um negro pelos seus dentes, assim como eu julgo um cavalo. Você come direito?

    Sim sinhô.

    Suba nesta mesa e dance. Quero ver se você é flexível.

    Eu num gostu di dançá, patrão; tenhu religião.

    Você tem religião, tem? Tanto melhor. Eu gosto de lidar com o evangelho, doutor. Ele vai lhe servir. Agora, minha garota, qual é o seu nome?

    Sô a Jane Gorda, sinhô.

    Quantos anos você tem?

    Num sei, sinhô; mas eu nasceu nos tempo da batata doce.

    Bem, você sabe quem te criou?

    Eu ouvi quem foi na Bíblia, mas isquici o nomi.

    Bem, doutor, este é o lote mais fresco de negros que já tive, você pode ter Sam por mil dólares e Jane por novecentos. Eles valem cada centavo.

    Bem, Walter, eu acho que vou levá-los, respondeu o médico.

    Já ponho as algemas neles e então você me paga.

    Olha só, comentou o médico, lá vem o Reverendo Pinchen.

    É o Sr. Pinchen, tão certo como estou vivo; me alegro muito, é justo o homem que queria ver. Assim que o elegante reverendo entrou no recinto, o negociante apertou sua mão, dizendo: Salve, como vai Sr. Pinchen? Veio a Charleston para a convenção, eu suponho? Tempos gloriosos, senhor; serão mais gloriosos quando o novo governo se espalhar pelo Norte conquistado. Algum encontro religioso, nascimento, enterro, ou que outra coisa o ocupa por aqui? Como anda a religião, Sr. Pinchen? Eu sempre gosto de escutar sobre religião.

    Bem, Sr. Walker, a obra do Senhor vai bem, em todos os lugares agora. Sr. Walker, estou no ministério do evangelho há treze anos e sei que o coração do homem está cheio de pecado e desespero. A religião é uma coisa boa para se viver, e nós a queremos quando morrermos. E um homem em seu negócio de comprar e vender escravos precisa mais da religião do que qualquer outra pessoa, pois, ela faz com que você trate bem seu povo. Veja, há o Sr. Haskin — ele é um negociante de escravos como você. Bem, eu o converti. Antes de ter religião, ele era um dos piores homens para seus negros que eu já vi; seu coração era duro como uma pedra. Mas, a religião tornou seu coração tão macio quanto um pedaço de algodão. Antes de eu o converter, ele separava maridos de suas esposas e se deliciava em fazê-lo; mas, agora, ele não separará um homem de sua esposa, se conseguir que alguém os compre juntos. Eu lhe digo, senhor, a religião tem feito um trabalho maravilhoso para ele.

    Eu sei, senhor Pinchen, que eu deveria ter religião e que sou um grande pecador; e sempre que fico com pessoas boas e piedosas, como você e o doutor, sinto-me desesperadamente perverso. Sei que eu seria mais feliz com a religião, e o primeiro tempo livre que tiver, eu vou conseguir. Vou frequentar o culto, e não vou parar até conseguir religião.

    Walker então convidou os senhores para seu escritório, e Pompey foi despachado para comprar vinho e outros refrescos para os convidados.

    ***

    Dentro do magnífico Salão do Hotel St. Charles, uma cena muito diferente foi encenada à tarde. Os principais políticos do Sul estavam reunidos ali para discutir a eleição de Lincoln, o candidato seccional, e para dar o devido peso e ênfase aos atos futuros do novo governo. Houve exaltação em cada movimento dos delegados, e eles foram cercados pelo brilho de uma assembleia rica e poderosa, em um alto estado de excitação reprimida, embora essa reunião tenha sido apenas preliminar aos atos decisivos da semana seguinte.

    O vasto Salão, comumente usado para dançar, estava cheio de mesas que espalhavam suas asas brancas de neve para receber a massa cintilante de vidro, pratos e flores. As espaçosas galerias estavam lotadas e sufocadas pelas beldades do sul em trajes festivos. Palmeiras e arbustos perfumados estavam por toda parte; grinaldas de flores decoravam as paredes e caíam em cascata, misturadas com a nova bandeira — as estrelas e as listras¹⁶ — elegantemente acima do assento do presidente. Na galeria em frente à mesa do púlpito, uma banda estava posicionada; servos negros em librés de linho branco se apressavam em ir e vir sem ruído. Os delegados tomavam seus lugares à mesa, ao som dos acordes retumbantes do Dixie¹⁷; alguém ergueu a nova bandeira e a acenou furiosamente; toda a assembleia se levantou em massa e aplaudiu ensurdecedoramente, e as senhoras acenaram com seus lenços. Júbilo e alegria reinaram. A primeira atenção dos comensais foi dada às coisas boas que tinham diante de si. Depois que os charutos foram servidos, a música parou, e os assuntos do dia começaram de verdade.

    Havia o presidente, Honorável Robert Toombs, da Geórgia; havia John C. Breckenridge, do Kentucky, Stephen A. Douglas, Alexander H. Stevens, e Jefferson Davis.

    Silêncio! alguém gritou, quando se levantou o Honorável Robert Toombs¹⁸, o presidente.

    "Colegas Delegados e Colegas Cidadãos: eu me encontro em uma situação notável, e sinto que todo cavalheiro sulista simpatiza comigo. Aqui estou eu, presidente de uma reunião do mais leal, animado e patriótico corpo de homens e seus convidados e amigos, que jamais se reuniu para discutir os direitos da humanidade e o progresso cristão, e ainda incapaz de propor um único brinde com o qual estamos acostumados a sancionar uma reunião como esta. Com o pesar que consome minha alma, sou obrigado a enterrar no silêncio da mortificação, do desprezo e da execração o nome do governo em Washington.

    "Só posso aconselhar-vos, amigos, a não ouvirem nenhum balbuciar vaidoso, nenhum jargão traiçoeiro sobre atos ostensivos; eles já foram cometidos. Defendam-se; o inimigo está à sua porta; não esperem ele chegar na soleira, — encontrem-no na soleira da porta, e o escorracem do templo da liberdade, ou derrubem seus pilares e o envolvam em uma ruína comum. Nunca permitam que este governo federal passe para as mãos traiçoeiras do partido negro Republicano.

    "Minha linguagem pode parecer forte; mas é suave quando consideramos a tentativa de nos arrancar o poder exclusivo de fazer leis para nossa própria comunidade. O descanso de nossas casas, a honra de nossa cor e a prosperidade do Sul exigem que resistamos à inovação.

    "Eu me alegro de ver ao meu redor companheiros de trabalho dignos de liderar a gloriosa causa de resistir à opressão, e defender nossos antigos privilégios que foram estabelecidos por uma mão Todo-poderosa. Denunciamos de uma vez por todas as práticas propostas por entusiastas loucos, secundadas por patifes notórios, e destinadas a serem executadas por demônios na forma humana. Sairemos vencedores no final desta luta; subjugaremos o Norte e exigiremos os documentos de nossos escravos sob a própria sombra de Bunker Hill. É o desejo consumado da devoção.

    "E, agora, eu convoco todos os verdadeiros patriotas a provarem sua fé, bebendo à merecida felicidade do único, — o guarda e salvador do Sul, Jefferson Davis¹⁹".

    Aplausos vociferantes irromperam e abalaram o edifício. A multidão ao redor do hotel o repercutiu, e o nome Davis! Davis! foi repetido inúmeras vezes. Ele se levantou de seu assento e fez uma profunda vênia; a banda tocou See the Conquering Heroes Comes²⁰; uma senhora, na galeria atrás dele, deixou cair habilmente uma coroa de louros sobre sua cabeça. A multidão enlouqueceu; eles rasgaram as decorações das paredes e ovacionaram seu herói coroado de louros, até que ele pediu educadamente que elas parassem; mas tal é o preço da fama. Quando os aplausos diminuíram um pouco, disse o Sr. Davis:

    "Devo reconhecer, meus concidadãos, a verdade das observações feitas por nosso ilustre amigo, o Senador Toombs. Nunca estive tão satisfeito com a história futura de nosso país como estou atualmente. Acredito nos direitos do Estado, na escravidão, e na Confederação que estamos prestes a inaugurar.

    "O princípio da escravidão é em si mesmo correto, e não depende da diferença de compleição. Faça do homem trabalhador escravo de um só homem, em vez de escravo da sociedade, e ele será muito melhor. A escravidão, negra ou branca, é necessária. A natureza fez o fraco na mente ou no corpo para ser escravo".

    "Em cinco dias, seus

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1