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Lady Molly da Scotland Yard
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E-book348 páginas5 horas

Lady Molly da Scotland Yard

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Sobre este e-book

Se nos contos de Sherlock Holmes é o doutor Watson quem narra as aventuras de seu genial parceiro, Lady Molly tem em Mary Granard, sua assistente de investigação, a contadora oficial dessas histórias. É pelos olhos da jovem que descobrimos a dinâmica dos casos que atraem Molly para as situações mais arriscadas de sua profissão.
Mary Granard é, como o leitor, frequentemente surpreendida pela astúcia de sua mentora. É sempre com argumentos lógicos e racionais que Molly explana situações inicialmente impossíveis de compreender. Talvez Molly seja só o reflexo de sua criadora sagaz e desbravadora. A Baronesa Emma Orczy utilizou recursos narrativos que ditaram moda antes mesmo de eles se tornarem pilares importantes da ficção policial. Personagens que se disfarçam e truques de ilusão de ótica, por exemplo, apareceriam em histórias consagradas por Agatha Christie e Dorothy L. Sayers décadas depois, estabelecendo as bases da Era de Ouro dos Romances Policiais.
IdiomaPortuguês
EditoraUrso
Data de lançamento27 de set. de 2021
ISBN9786587929019
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    Lady Molly da Scotland Yard - Baronesa Emma Orczy

    Copyright da Tradução © 2021 Editora Urso.

    Direitos reservados e protegidos pela lei 9.601 de 19.02.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, da editora.

    Editora responsável

    Lua Bueno Cyríaco

    Assistência editorial e Tradução

    Ana Cláudia Fagundes da Cunha Casagrande Ramuski

    Revisão de tradução e ortográfica

    Vinicius Keller Rodrigues

    Projeto Gráfico

    Laboralivros

    Capa

    Lua Bueno Cyríaco

    Ilustração da Capa

    Charles Dana Gibson (com alteração)

    Diagramação

    Daniél Silvestre

    OL Orczy, Emmuska Orczy, Baroness, 1865–1947.

    Lady Molly da Scotland Yard / Baronesa Emma Orczy; tradução de Ana Claudia Ramuski; prefácio de Ana Paula Laux; ilustrações de Charles Dana Gibson e Cyrus Cincinatto Cuneo. – São José dos Pinhais: Urso, 2021.

    (Senhora Detetive ; 3)

    ISBN 978-65-87929-01-9

    1. Ficção policial e de mistério (literatura inglesa). I. Ramuski, Ana Claudia. II. Laux, Ana Paula. III. Gibson, Charles Dana. IV. Título.

    CDD 813

    Catalogação elaborada por Márcio F. O. Vasques – CRB-8/10292

    Editora Urso

    editora.laboralivros.com

    editoraurso@laboralivros.com

    Setembro, 2021

    São José dos Pinhais – PR

    Sumário

    Lady Molly da Scotland Yard,

    musa da inteligência e intuição

    O mistério de Ninescore

    As miniaturas Frewin

    O casaco de tweed irlandês

    O mistério do Castelo de Fordwych

    Uma loucura de um dia

    Um castelo na Bretanha

    Uma tragédia de Natal

    O saco de areia

    O homem do casaco de inverno

    A mulher do chapéu grande

    O testamento de Sir Jeremiah

    O fim

    Notas de Rodapé

    Agradecimentos

    Lady Molly

    da Scotland Yard,

    musa da inteligência e intuição

    Sempre que olhamos para personagens da ficção policial, é fácil lembrar daqueles grandes precursores do gênero. Detetives como Sherlock Holmes, Hercule Poirot e até Arsene Lupin (que não era detetive mas que carregava um mistério como ninguém) são populares até hoje no cinema e em séries de TV. Já as mulheres detetives, pioneiras dos romances policiais, salvo raras exceções, não são tão lembradas pela história. Mas elas existiram e abriram portas para as protagonistas da ficção policial nas décadas seguintes, despontando em um passado que sobrevive não tão distante de nós.

    Exemplo disso é a detetive conhecida como Lady Molly da Scotland Yard, personagem criada pela baronesa Emma Orczy e que deu as caras na literatura no começo do século 20. O ano era 1910, quando acontecia a coroação do rei George V (avô da rainha Elizabeth) e bem antes de Agatha Christie sonhar em ganhar a vida com mistérios da ficção. Naquele tempo, a baronesa Emma Orczy já era uma autora popular e reconhecida pelos leitores. Sua obra ecoava nos palcos londrinos com a adaptação de Pimpinela Escarlate, primeiro livro de uma série que desembarcou com incrível sucesso no teatro em 1905.

    Emma Orczy acabou escrevendo doze contos, hoje clássicos, com sua detetive Lady Molly da Scotland Yard. Todos estão presentes nesta caprichada e exclusiva edição da editora Urso, que traz ainda as ilustrações originais publicadas com as histórias. O livro é inédito no Brasil, um resgate indispensável para quem ama descobrir clássicos da literatura, conhecer histórias que marcaram uma época e uma maneira de viver em sociedade. Se essas histórias se perderam no tempo, agora é a chance de recuperá-las.

    Mas quem é essa detetive da Scotland Yard?

    Lady Molly é uma investigadora da polícia britânica, heroína que presta serviços em casos envolvendo homicídios e desaparecimentos. Sua obstinação pela justiça se dá após seu noivo ter sido acusado injustamente de um assassinato. Ele recebe como punição uma longa sentença na cadeia, e ela faz de tudo para tirá-lo de lá.

    Provar a inocência dele passa a ser o principal objetivo da vida de Lady Molly, e por esse motivo ela se junta à força da Scotland Yard para colaborar em investigações oficiais. Suas principais armas são a inteligência, o raciocínio rápido e a intuição, virtude que a autora indica como uma vantagem sob policiais do sexo oposto. Ela consegue, sobretudo, elucidar casos considerados indecifráveis pela opinião pública.

    Perspicaz, Molly sabe interpretar olhares e expressões, e aposta em pistas inicialmente descartadas para entender a dinâmica de um caso. Muitas vezes, nem tudo é o que parece ser, como em O Mistério de Ninescore, conto que abre esta coletânea sobre um misterioso assassinato que acontece em um cidadezinha do interior. Há situações em que ela parece saber o que aconteceu antes mesmo do problema se mostrar por completo, tamanha a sua capacidade de elucidação de quebra-cabeças. Seu grande desafio, afinal, é solucionar um crime quase perfeito.

    Trabalhando na Scotland Yard, nome pelo qual ficou conhecido o edifício-sede da Polícia Metropolitana inglesa criada em 1829, Lady Molly acumula experiências que a levam a reconhecer a engenhosidade do mal. São poucas as mulheres que integram o Departamento Feminino de investigação na Yard, e elas certamente não são levadas muito a sério pelos sisudos policiais. Molly é uma exceção.

    Sua voz se destaca imersa em um universo predominantemente masculino, com uma inteligência que supera a de seus colegas. Quem não gostaria de ter uma detetive assim ao seu lado? Em um ano como o de 1910, quando mulheres ainda não tinham nem direito de votar na Inglaterra, histórias como as de Lady Molly acabam sendo pioneiras e verdadeiramente revolucionárias. Seus contos ajudam nos processos de emancipação feminina, criam modelos a serem seguidos, e inspiram meninas e mulheres a resolverem mistérios. À medida que essa envolvente personagem cai no gosto popular, barreiras culturais e sociológicas são dinamitadas, e um universo de intrigas se descortina para os leitores.

    A fiel narradora das histórias

    Se nos contos de Sherlock Holmes é o Doutor Watson quem narra as aventuras de seu genial parceiro, Lady Molly não fica atrás. Ela também tem uma assistente de investigação que atua como contadora oficial dessas histórias. Seu nome é Mary Granard, e é pelos olhos da jovem e intrépida detetive que descobrimos a dinâmica dos casos que atraem Molly para as situações mais arriscadas de sua profissão.

    Isso porque Mary Granard é, como o leitor, frequentemente surpreendida pela astúcia de sua mentora. É sempre com argumentos lógicos e racionais que Molly explana situações inicialmente impossíveis de compreender. Talvez Molly seja só o reflexo de sua criadora sagaz e desbravadora. A baronesa Emma Orczy utilizou recursos narrativos que ditaram moda antes mesmo de eles se tornarem pilares importantes da ficção policial. Personagens que se disfarçam e truques de ilusão de ótica, por exemplo, apareceriam em histórias consagradas por Agatha Christie e Dorothy L. Sayers décadas depois, estabelecendo as bases da Era de Ouro dos romances policiais.

    Para a astuta Lady Molly, situações incompreensíveis nada mais são do que tramas engenhosas e arquitetadas para enganar o olhar comum. Quando a gente treina este olhar para enxergar além do óbvio, estamos a dois passos à frente do criminoso. A solução vai consistir, frequentemente, em ter paciência e exercitar o poder da observação. Parece fácil? Para uma mente brilhante e especialmente moldada para dissipar névoas e encaixar peças, é fácil.

    Uma baronesa na era vitoriana

    Nascida na Hungria em 1865, a baronesa Emma Orczy era filha de um nobre compositor e de uma condessa. Em 1880, sua família se mudou para Londres após morar em outras capitais da Europa e, logo depois, a jovem Emma passou a estudar na West London School of Art.

    Emma Orczy ficaria conhecida pela primeira vez em 1905 pela série Pimpinela Escarlate, com o protagonista Sir Percy Blakeney, um artista que salvava aristocratas franceses da guilhotina durante a Revolução Francesa. Antes disso, a autora também publicou histórias de detetive em revistas populares. Seu primeiro romance, The Emperor’s Candlesticks, foi lançado em 1899, fechando o século com glamour e inteligência.

    Foi por causa do sucesso de seus livros que Emma Orczy conquistou um lugar no famoso Detection Club, coletivo de escritores formado em 1930 que reunia os principais nomes da literatura de mistério na Inglaterra. Entre os associados, estavam nomes como Agatha Christie, Dorothy L. Sayers, R. Austin Freeman, E.C. Bentley e GK Chesterton. A mente que criou Lady Molly, cavando um espaço merecido entre os melhores investigadores, está mais do que à vontade entre criadores tão célebres.

    Vanguarda da literatura policial

    A Era de Ouro da Literatura Policial foi um período compreendido entre as décadas de 1920 e 1930 principalmente na Inglaterra, quando romances de mistério viraram uma febre entre os leitores. Vendiam como pão quente e eram consumidos por homens e mulheres das mais diferentes classes sociais. Os silêncios cerimoniosos nos jantares de luxo eram quebrados com comentários sobre os casos mais intrigantes e as soluções mais rocambolescas. Nas ruas, as publicações mais baratas também levavam a arte de decifrar crimes para massas que tentavam sobreviver à pobreza do período entre guerras.

    É um período habitado por best-sellers como Agatha Christie, Margery Allingham e Dorothy L. Sayers entre os britânicos. Nos Estados Unidos, Ellery Queen ocupa um trono de destaque semelhante ao do belga Georges Simenon no Velho Mundo. Engenhosos, charmosos e muito produtivos, esses autores surfam a onda de um gênero que já havia conquistado o mundo pelos contos de Sherlock Holmes no final do século 19. Mais do que isso: esses escritores alimentam um consistente mercado consumidor de literatura que iria desafiar todos os modismos de época.

    No meio de tanta gente fina e elegante estava a baronesa Emma Orczy, que tinha berço e tradição, mas apresentava credenciais que lhe estendiam o tapete vermelho para além de seu nome. Com seus enredos criativos, fez de sua Lady Molly uma personagem desbravadora não só nas artes da escrita, mas sobretudo na vida e nos costumes. Sua detetive foi uma das primeiras a despontar com autonomia na ficção policial, superando desafios através da inteligência e raciocínio. Havia outras barreiras a serem quebradas como trabalhar fora, ter carreira e profissão, e impor-se em ambientes marcados pelo patriarcalismo conservador.

    Lady Molly combatia os criminosos que insistiam ficar incógnitos, sob o manto misterioso da ignorância. Lady Molly desafiava seus colegas da Scotland Yard por sua incômoda presença. Enfrentava problemas lógicos e sociológicos, esbanjando classe e autoconfiança. Com a naturalidade de ser quem é, numa época em que existir e se colocar no mundo já era um gesto de ousadia e força. Pioneira na audácia, a baronesa Emma Orczy enxergava para além de seu seleto grupo social. Naquela época, já via o que hoje estamos acostumados a ver...

    Os contos que você vai encontrar nesta coletânea são todos no melhor estilo whodunnit (ou Quem fez?), um estilo que nos convida a descobrir quem afinal matou a vítima, como a armadilha foi plantada, como o assassino conseguiu enganar a polícia, e como não percebemos nada disso...

    Em cada conto, somos levados a tentar desvendar o que Lady Molly, muitas vezes, já desconfiava desde os primeiros instantes.

    O diferencial é sempre o ponto de vista de Lady Molly, a forma como ela enxerga um enigma. Foi uma personagem que se antecipou ao seu tempo, e que hoje se percebe como abriu caminho para outras tantas na literatura. Suas aventuras são um tesouro que está, hoje, ao alcance de qualquer fã de um bom clássico do mistério. Basta virar a página. Mas um aviso: abra bem os olhos e tente enxergar a cena do crime com foco e paciência. É assim que Lady Molly faz, e ela sempre leva a melhor.

    Por Ana Paula Laux

    Jornalista, criadora de conteúdo e editora do site Literatura Policial. Sob o pseudônimo Chris Lauxx, lançou com Rogério Christofoletti o e-book Os Maiores Detetives do Mundo.

    Lady Molly of Scottland Yard

    O mistério

    de Ninescore

    ¹

    Bem, alguns dizem que ela é filha de um duque; outros, que nasceu na sarjeta, e que o seu nome foi forjado para lhe dar estilo e influência.

    Eu poderia dizer muito, claro, mas os meus lábios estão selados, como dizem os poetas. Durante toda a sua bem-sucedida carreira na Yard², ela honrou-me com a sua amizade e confiança, mas quando me levou em parceria, por assim dizer, fez-me prometer que nunca iria sussurrar uma palavra sobre sua vida privada, e isto jurei sobre a Bíblia — juro com a minha vida, e todo o resto.

    Sim, sempre a chamamos minha dama, desde o momento em que ela foi colocada à frente da nossa seção, e o chefe a chamava de Lady Molly na nossa presença. Nós, do Departamento Feminino, somos terrivelmente desdenhadas pelos homens, mas não ousem me dizer que as mulheres não têm dez vezes mais intuição do que o sexo errante e austero, a minha firme convicção é que não teríamos metade de tantos crimes não resolvidos se alguns dos chamados mistérios fossem postos à prova da investigação feminina.

    Suponha por um momento, por exemplo, que a verdade sobre esse caso extraordinário em Ninescore alguma vez teria vindo à luz se os homens tivessem sido os únicos a lidar com ele? Teria qualquer homem assumido um risco tão corajoso como o fez Lady Molly quando... mas eu estou me antecipando.

    Deixem-me voltar àquela manhã memorável quando ela entrou no meu quarto num estado selvagem de agitação.

    O chefe diz que posso descer a Ninescore se eu quiser, Mary, disse ela em voz alta, toda empolgada.

    Você! Eu falei. Para quê?

    Para quê, para quê? repetiu ela com entusiasmo. Mary, não compreende? É a oportunidade pela qual tenho esperado, a oportunidade de uma vida inteira? Estão todos desesperados com o caso na Yard, o público está furioso, e aparecem colunas de cartas sarcásticas na imprensa diária. Nenhum dos nossos homens sabe o que fazer; eles estão no seu limite, e por isso esta manhã fui até o chefe...

    Sim? perguntei avidamente, pois ela tinha de repente deixado de falar.

    Bem, não importa agora como o fiz – te contarei tudo no caminho, pois só temos tempo para apanhar o trem das 11 da manhã até Canterbury. O chefe diz que eu posso ir, e que posso levar comigo quem eu quiser. Ele sugeriu um dos homens, mas de alguma forma sinto que isto é trabalho de mulher, e prefiro ter você comigo, Mary do que a qualquer outro. Vamos rever os preliminares do caso juntas no comboio, pois suponho que ainda não os tem na ponta dos dedos, e agora só tem tempo para juntar algumas coisas e encontrar-se comigo no escritório de reservas de Charing Cross a tempo para aquele trem das 11h em ponto.

    Ela saiu antes de eu poder lhe fazer mais perguntas, e eu estava atônita demais para dizer muito de qualquer forma. Um caso de homicídio nas mãos do Departamento Feminino! Tal coisa não tinha sido vista até agora. Mas eu também estava toda entusiasmada, e podem ter a certeza de que estava na estação na hora certa.

    Felizmente, eu e Lady Molly tínhamos um vagão só para nós. Foi uma corrida sem parar até Canterbury, por isso tivemos muito tempo à nossa frente, e eu estava ansiosa por saber tudo sobre este caso, pode apostar, uma vez que eu ia ter a honra de ajudar a Lady Molly nele.

    O assassinato de Mary Nicholls tinha sido de fato cometido em Ash Court, uma antiga e bela mansão que fica na aldeia de Ninescore. A mansão está rodeada de magníficos bosques, a parte mais fascinante dos quais é uma ilha no meio de um pequeno lago, que é atravessado por uma minúscula ponte rústica. A ilha chama-se A Selva, e encontra-se no extremo mais afastado do terreno, fora da vista e do ouvido da própria mansão. Foi neste local encantador, na beira do lago, que o corpo de uma jovem foi encontrado no dia 5 de fevereiro passado.

    Vou poupar-lhes os detalhes macabros desta descoberta horrível. Basta dizer por agora que a infeliz mulher estava deitada sobre seu rosto, com a parte inferior do seu corpo no pequeno aterro coberto de relva, e a sua cabeça, braços e ombros afundados na lama da água estagnada logo abaixo.

    Foi Timothy Coleman, um dos jardineiros menores de Ash Court, quem fez pela primeira vez esta terrível descoberta. Ele tinha atravessado a ponte rústica e percorrido a pequena ilha na sua totalidade, quando reparou em algo azul deitado metade dentro e metade fora da água. Timothy é uma espécie de provinciano imprudente e sem emoção e, uma vez verificado que o objeto era o corpo de uma mulher num vestido azul com facetas brancas, abaixou-se calmamente e tentou tirá-lo da lama.

    Mas aqui até a sua estupidez cedeu perante a terrível visão que foi revelada diante dele. Que a mulher — quem quer que fosse — tinha sido brutalmente assassinada era óbvio, a parte da frente de seu vestido estava manchada de sangue, mas o que era tão horrível que deixou até o velho Timothy doente de horror, era que, devido ao corpo parecer ter permanecido na lama por algum tempo, estava em um estado avançado de decomposição.

    Bem, o que era necessário foi feito imediatamente, é claro. Coleman foi buscar ajuda no alojamento, e em breve a polícia estava no local e tinha levado os restos mortais da infeliz vítima para a pequena esquadra da polícia local.

    Ninescore é uma aldeia sonolenta e fora do caminho, situada a cerca de sete milhas de Canterbury e quatro de Sandwich. Logo todos no local tinham ouvido falar sobre o homicídio terrível cometido na aldeia, e todos os pormenores já tinham sido livremente discutidos em Green Man³.

    Para começar, todos disseram que embora o próprio corpo pudesse ser praticamente irreconhecível, o vestido de sarja azul brilhante com as facetas brancas era inconfundível, tal como o anel de pérolas e rubi e a bolsa de couro vermelho encontrada pelo Inspetor Meisures perto da mão da mulher assassinada.

    No espaço de duas horas após a descoberta terrível de Timothy Coleman, a identidade da infeliz vítima foi firmemente estabelecida como a de Mary Nicholls, que vivia com a sua irmã Susan no apartamento nº 2, Elm Cottages, em Ninescore Lane, quase em frente ao Ash Court. Sabia-se também que, quando a polícia telefonou para esse endereço, encontrou o local fechado e aparentemente desabitado.

    A Sra. Hooker, que vivia no n.º 1 ao lado, explicou ao Inspetor Meisures que Susan e Mary Nicholls tinham saído de casa há cerca de quinze dias, e que não as tinha visto desde então.

    Vai fazer quinze dias amanhã, disse ela. Estava mesmo na minha própria porta da frente a chamar o gato para entrar. Já passava das sete horas, e uma noite tão escura como nunca se viu. Mal se conseguia ver e, acima dos olhos, e havia uma desagradável garoa húmida vinda de todo o lado. Susan e Mary saíram da sua cabana, não consegui ver bem Susan, mas ouvi a voz de Mary bastante distinta. Ela disse: ‘Vamos ter de nos apressar’, dizia ela. Eu, pensando que elas poderiam ir fazer algumas compras na aldeia, chamei-lhes a atenção para o fato de que eu havia acabado de ouvir o relógio da igreja a bater as sete e que, sendo quinta-feira, e fechando cedo, elas encontrariam todas as lojas fechadas em Ninescore. Mas elas não perceberam, e foram em direção à aldeia, e foi a última vez que as vi.

    Outros questionamentos entre o povo da aldeia trouxeram muitos pormenores curiosos. Parece que Mary Nicholls era uma jovem mulher muito volúvel, sobre a qual já tinha havido bastante escândalo, enquanto que Susan, por outro lado — que se mostrava muito sóbria e firme na sua conduta — tinha se irritado consideravelmente sob a reputação questionável da sua irmã mais nova e, segundo a Sra. Hooker, muitas foram as amargas querelas que ocorreram entre as duas moças. Estas querelas, ao que parece, tinham sido especialmente violentas no último ano. sempre que o Sr. Lionel Lydgate visitava a casa de campo. Ele era um cavalheiro londrino, ao que parece — um jovem da cidade, como depois se revelou — mas que ficava frequentemente em Canterbury, onde tinha alguns amigos, e nessas ocasiões vinha a Ninescore na sua pequena carruagem com seu cão e levava Mary para passear.

    O Sr. Lydgate é irmão de Lord Edbrooke, o multimilionário, que foi homenageado com honras de aniversário no ano passado. O seu senhorio reside no castelo de Edbrooke, mas ele e o seu irmão Lionel tinham alugado Ash Court uma ou duas vezes, pois ambos eram golfistas entusiastas e os Sandwich Links⁴ ficam muito próximos. Lord Edbrooke, devo acrescentar, é um homem casado. O Sr. Lionel Lydgate, por outro lado, está apenas noivo da Sra. Marbury, filha de um dos cânones de Canterbury.

    Não admira, portanto, que Susan Nicholls se tenha oposto fortemente ao nome da sua irmã estar associado ao de um jovem de posição muito acima dela. Sem mencionar que ele estava prestes a casar com uma senhorita de seu próprio status.

    Mas Mary parecia não se importar. Era uma jovem mulher que só gostava de diversão e prazer, e encolhia os ombros à opinião pública, embora houvesse rumores feios sobre a ascendência de uma menina que ela própria tinha colocado sob os cuidados da Sra. Williams, uma viúva que vivia numa casa de campo um pouco isolada na estrada de Canterbury. Mary tinha dito à Sra. Williams que o pai da criança, que era seu próprio irmão, tinha morrido muito subitamente, deixando a pequena nas mãos dela e de Susan e, como não podiam cuidar dela adequadamente, desejaram que a Sra. Williams se encarregasse dela. Ela concordou prontamente em ajudar.

    A quantia para a guarda da criança foi decidida, e depois disso Mary Nicholls tinha vindo todas as semanas para ver a menina, trazendo sempre o dinheiro com ela.

    O Inspetor Meisures convocou a Sra. Williams, e certamente a digna viúva teve uma continuação muito surpreendente para relacionar com a história acima referida.

    Vai fazer uma quinzena amanhã, explicou a Sra. Williams ao inspetor, "um pouco depois das sete horas, Mary Nicholls veio correndo para a minha cabana. Foi uma noite horrível, muito escura e uma garoa desagradável. Mary diz-me que está com muita pressa, vai a Londres de trem saindo de Canterbury e quer despedir-se da criança. Ela parecia terrivelmente agitada, e as suas roupas estavam encharcadas. Eu trago o bebê, e ela a beija de forma muito selvagem e me diz: ‘Cuida muito bem dela, Sra. Williams’, diz ela; ‘Posso ficar fora algum tempo’. Depois ela me dá o bebê e duas libras⁵, o sustento da criança durante oito semanas."

    Depois disso, parece que Mary disse mais uma vez adeus e correu para fora da cabana, tendo a Sra. Williams ido até a porta da frente com ela. A noite estava muito escura, e ela não podia ver se Mary estava sozinha ou não até que, em um momento, ouviu a sua voz chorosa dizendo: Tive de beijar o bebê e então a voz desapareceu à distância, dizendo: a caminho de Canterbury, disse a Sra. Williams de forma muito enfática.

    Até agora, o Inspetor Meisures conseguiu solucionar a partida das duas irmãs Nicholls de Ninescore na noite de 23 de janeiro. Obviamente, elas deixaram a sua cabana cerca de sete horas, foram para a cabana da Sra. Williams, onde Susan ficou lá fora enquanto Mary entrou para se despedir da criança.

    Depois disso, todos os seus vestígios parecem ter desaparecido. Não era possível dizer se haviam ido a Canterbury, pegando o último trem; em qual estação haviam chegado, ou quando a pobre Mary regressou.

    Segundo o oficial médico, a infeliz moça deve ter estado morta doze ou treze dias no mínimo pois, embora a água estagnada possa ter acelerado a decomposição, a cabeça não poderia ter entrado num estado tão avançado em menos de quinze dias.

    Na estação de Canterbury, nem o agente de reservas nem os carregadores podiam lançar qualquer luz sobre o assunto. Canterbury West é uma estação movimentada, e dezenas de passageiros compram bilhetes e atravessam as barreiras todos os dias. Foi, portanto, impossível dar qualquer informação positiva sobre duas jovens mulheres que podem ou não ter viajado no último trem no sábado, 23 de janeiro — isto é, quinze dias antes.

    Só uma coisa era certa — se Susan foi para Canterbury e viajou ou não por aquele comboio, sozinha ou com a sua irmã Mary, tinha, sem dúvida, voltado a Ninescore na mesma noite ou no dia seguinte, uma vez que Timothy Coleman encontrou os seus restos mortais meio decompostos nos terrenos de Ash Court uma quinzena mais tarde.

    Teria ela voltado para se encontrar com o seu amante, ou não? E onde estava agora a Susan?

    Desde o princípio, portanto, como vê, havia um grande elemento de mistério sobre todo o caso, e era natural que a polícia local sentisse que, a menos que algo mais definitivo saísse no inquérito, gostaria de ter a ajuda de alguns dos colegas da Yard.

    Assim, as notas preliminares foram enviadas para Londres, e algumas delas caíram nas nossas mãos. Lady Molly estava profundamente interessada nisso desde o início, e a minha firme convicção é que ela simplesmente atormentou o chefe para permitir que ela fosse a Ninescore ver o que poderia fazer.

    •••

    No início, ficou entendido que Lady Molly só deveria ir a Canterbury após o inquérito, se a polícia local ainda sentisse que estava com necessidade da assistência de Londres. Mas nada estava mais longe das intenções da minha dama do que esperar até então.

    Não ia perder o primeiro ato de um drama romântico, disse-me ela quando o nosso trem entrou a vapor na estação de Canterbury. Pega a tua mala, Mary. Vamos levá-la para Ninescore — duas senhoras artistas numa excursão de traços, lembre-se — e nós vamos encontrar alojamento na aldeia, atrevo-me a dizer.

    Almoçamos em Canterbury, e depois começamos a andar as seis milhas e meia até Ninescore, levando as nossas malas. Instalamo-nos numa das cabanas, onde o letreiro Apartamentos para uma senhora ou cavalheiro respeitável nos tinha convidado de forma hospitaleira a entrar, e

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