A Atual Escravidão
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A Atual Escravidão - Caroline Lisboa Belo do Ó Ismael
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO DIREITO E CONSTITUIÇÃO
Aos meus pais, José Carlos e Maria Lúcia,
e aos amados Clayton e Josiane.
À Maria Helena, que alegra nossos dias
com sua doçura, seu carinho e seu amor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus Todo Poderoso, pelo dom da vida; a Jesus Cristo, por ser meu Salvador; e ao Eterno e melhor amigo Espírito Santo, pela grata inspiração.
Às queridas professoras Kelly Pauline Baran e Karime Smaka Barbosa Rodrigues, que me guiaram nesta jornada e me auxiliaram para que esta obra se tornasse realidade.
A todos os professores, funcionários e amigos que fiz na Faculdade Dom Bosco, onde desenvolvi a monografia de conclusão do curso de Bacharelado em Direito. Trabalho este que, agora, transmutou-se nesta obra.
A minha família, pelo apoio incondicional e pelo estímulo, sem os quais não seria possível concretizar este sonho.
À editora Appris; a todos que participaram do processo de contratação, revisão, editoração e publicação deste livro, tornando possível a realização deste sonho.
Por último, mas não menos importante, a você, caro(a) leitor(a), pela confiança a mim depositada ao adquirir esta obra. Assim, desejo que A atual escravidão, de alguma forma, contribua com sua jornada.
A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência.
(Hannah Arendt)
APRESENTAÇÃO
Busca-se, aqui, perquirir o conceito de escravidão na contemporaneidade. No entanto, o primeiro questionamento que se exsurge é: mas a escravidão não foi abolida no Brasil por meio da Lei Áurea? Ocorre que o ordenamento jurídico brasileiro prevê como crime a conduta de redução à condição análoga à de escravo
, no artigo 149 do Código Penal.
Ora, para que se compreenda o que vem a ser condição análoga à de escravo
, faz-se imprescindível compreender o conceito de escravo
.
Nesse sentido, é imprescindível a revisitação do passado, para que se possa compreender o presente e moldar o futuro. Não se deseja esgotar o tema, até porque isso é impossível, ante a complexidade e os meandros dele. Porém, esta obra visa lançar um novo olhar sobre o tema, com apoio no resgate histórico do conceito de escravidão, aliado à compreensão da estrutura da relação de subjugação do semelhante.
No que se refere ao conceito de escravidão, faz-se necessário o resgate da concepção de escravo e de suas diferentes acepções no percurso histórico, desde a Antiguidade até a contemporaneidade. Sem adiantar todo o aparato histórico desenvolvido neste livro, extrai-se que a essência do conceito de escravidão não está afeta à cor da pele ou à etnia de determinado grupo que se encontra subjugado por outro. A principal característica da escravidão, que se protrai no decurso da história da humanidade, é a relação de inferiorização ou de coisificação do semelhante julgado como inferior ao grupo dominante.
No que se refere ao desenvolvimento da relação de subjugação, colacionam-se os profícuos apontamentos da filósofa alemã Hannah Arendt desenvolvidos na célebre obra Origens do totalitarismo, publicada em 1951. Embora esse livro seja ambientado no contexto da Segunda Guerra Mundial e do extermínio de milhões de judeus, das lições expostas pela filósofa alemã podem ser apreendidas características que podem ser aplicadas às relações de subjugação, em geral.
Em apertada síntese, escolhe-se determinado grupo de indivíduos compreendidos como inferiores, elegendo-se algumas características que se compreendem como determinantes para essa inferioridade; posteriormente, passa-se a disseminar essa ideia de inferioridade na sociedade por meio da divulgação daquelas características reputadas como deletérias ou indesejáveis; e, por fim, com o apoio da sociedade, passa-se à dominação do grupo que se pretende subjugar.
Diante desse substrato histórico e diante do sistema de subjugação proposto por Hannah Arendt, pode-se compreender o que vem a ser condição análoga à condição de escravo
, na legislação brasileira.
Nesse sentido, o artigo 149 do Código Penal estabelece como modalidades do conceito de trabalho análogo à de escravidão
: a jornada exaustiva, as condições degradantes, os trabalhos forçados e a restrição da locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Após analisar cada uma dessas espécies e suas particularidades, faz-se o cotejo com as alterações no ordenamento jurídico pátrio. Destaca-se, por um lado, a Emenda Constitucional n.º 81, de 5 de junho de 2014, que alterou o artigo 243 do texto constitucional, para prever a expropriação de terras nas quais seja constatada a existência de trabalho escravo. Por outro lado, a Proposta de Lei do Senado Federal do Brasil n.º 432/13 pretendia revogar duas modalidades de trabalho escravo: as jornadas exaustivas e as condições degradantes.
Ocorre que essa proposta legislativa restringe o conceito de trabalho escravo à restrição da locomoção, da liberdade de ir e vir. Todavia, esse entendimento vai de encontro com o substrato histórico do conceito de escravidão e permite a proliferação de fraudes trabalhistas.
Por isso, convido-o a realizar esta incursão no percurso histórico e na formação da relação de subjugação ou de coisificação do semelhante para, ao cabo, compreender-se o que vem a ser a atual escravidão!
A autora
PREFÁCIO
Assim como foi quando a autora apresentou seu trabalho de conclusão do curso de Direito já há alguns anos, a leitura deste livro me trouxe tanto regozijo e satisfação. Caroline consegue expressar a profundeza de seus estudos e conhecimentos numa escrita completa e fluída. Alcança uma miscigenação de técnica e simplicidade, de modo que tanto um operador jurídico como um leitor consciente e curioso que não seja dessa área alcança pleno êxito nesta leitura.
Apesar de aparentar uma temática já ultrapassada, na realidade, o trabalho escravo, em suas diversas facetas, continua a macular as relações humanas. E o mais incrível deste livro é que ele não se resume ao passado, mas vai além. Depois de trilhar um rico esboço histórico da escravidão, a autora buscou retratar casos reais e atuais que nossos tribunais têm se deparado. E além de trazer julgados recentes, que demonstram claramente como o trabalho escravo ainda habita
no Brasil, a autora apresenta pacientemente como se deu o desenrolar processual de alguns casos, bem como explica os fundamentos da decisão judicial. Um verdadeiro primor para a prática jurídica.
Mais do que isso, como é próprio da escravidão, o livro permeia diversas áreas do Direito, trazendo a tipificação penal em todos os seus aspectos, bem como a configuração para fins de condenação na seara laboral. Demonstra como essas duas disciplinas, que aparentam tão estanques, vivem em diálogo quando se trata de combate ao trabalho escravo. A exploração foi tão completa, que a autora também trouxe toda a influência da legislação supranacional, em especial da OIT, que atualmente exerce um papel tão importante nessa luta num contexto mundial.
Sem menosprezar o primor da análise dogmática, outro brilho desse trabalho está na ênfase aos fundamentos principiológicos e constitucionais que são cruelmente violados. Enfatiza como a liberdade do homem está dentre os mais cruciais dos direitos humanos e como qualquer outro aspecto da dignidade da pessoa humana desaparece diante de uma realidade permeada pela escravidão.
Trata-se da obra mais completa que já tive oportunidade de ler a respeito da escravidão, que não se prendeu somente a um vértice da questão, como aos aspectos legais, a visão filosófica, ou as questões principiológicas, ou, ainda, a análise do posicionamento jurisprudencial atual. Ela conseguiu reunir, sem superficialidade, todas essas discussões.
E inaugurando uma abordagem moderna dos institutos jurídicos, a autora ainda apresenta as ferramentas atuais de combate ao trabalho escravo. Não me refiro aqui somente à legislação, mas aos programas e políticas públicas atualmente em execução e seus órgãos responsáveis. Ou seja, trata-se de uma leitura que desvenda a atuação do Poder Público em todos os seus sentidos: legislativo, jurisprudencial e da atuação pelo poder executivo.
Sem rodeios, este livro conscientiza e atualiza o leitor a respeito do trabalho escravo, do posicionamento legal, jurisdicional e político quanto ao combate dessa mazela de origem inescrupulosa e mercadológica que ainda rompe os nossos noticiários e que ainda respinga seu suor
nas nossas mais básicas relações comerciais.
Kelly Pauline Baran
Assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Mestra em Governança e Políticas Públicas pela UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Professora de graduações e especializações nas áreas de Direito e Gestão. Graduada em Direito pela Unibrasil. Especializações em Direito Tributário, pela ABDCONST e em Assessoramento na Jurisdição Trabalhista pela Escola Judicial do TRT 9ª Região.
LISTA DE SIGLAS
Sumário
1
INTRODUÇÃO 19
2
A CONCEPÇÃO HISTÓRICA DA ESCRAVIDÃO 23
2.1 A CULTURA ESCRAVAGISTA NO MUNDO 24
2.2 A ESCRAVIDÃO NA HISTÓRIA DO BRASIL 35
2.3 A CONSTRUÇÃO LEGISLATIVA 43
3
VALORES ORIENTATIVOS DA LIBERDADE 51
3.1 DIREITOS HUMANOS 53
3.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 60
3.3 A COISIFICAÇÃO DO SER HUMANO 64
4
A ABERTURA LEGISLATIVA NA CONFIGURAÇÃO DA CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO 73
4.1 CONDIÇÕES DEGRADANTES E JORNADAS EXAUSTIVAS 81
4.2 TRABALHOS FORÇADOS 91
4.3 RESTRIÇÃO DA LIBERDADE 96
4.4 MEDIDAS DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO 102
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS 119
REFERÊNCIAS 123
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 132
ANEXO: PROJETO DE LEI Nº 432/2013 133
ÍNDICE REMISSIVO 139
1
INTRODUÇÃO
Uma das grandes mazelas que assolam a humanidade é a dominação do semelhante no desempenho de atividades laborativas e de modo escravocrata. Saliente-se que se trata de um fenômeno que perdura na história da humanidade e assume peculiaridades distintas no tempo.
Costumeiramente, compreende-se o escravismo como um acontecimento histórico longínquo, próprio das civilizações antigas, como da Grécia, de Roma, da Mesopotâmia e do Egito, ou, ainda, da época das Grandes Navegações, nos séculos XV e XVI, que permitiram às então expoentes nações europeias, como Portugal, Espanha e Inglaterra, conquistar terras até então desconhecidas, bem como a introjeção da cultura