Valor aprisionado: crise, trabalho e cárcere desde o capitalismo brasileiro
()
Sobre este e-book
Relacionado a Valor aprisionado
Ebooks relacionados
Imputabilidade Penal: análises dos conceitos de compreensão e entendimento nos códigos penais brasileiro e argentino à luz das neurociências atuais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDicionário Contemporâneo de Criminologia: Elementos Essenciais para uma Crítica Criminológica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Atual Escravidão Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDesafios à Constitucionalização da Jurisdição Processual Civil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasManual do Benefício Assistencial de Prestação Continuada Nota: 0 de 5 estrelas0 notasConstitucionalismo político e a ameaça do "mercado total" Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSujeitos de Direito: ensaios críticos de Introdução ao Direito Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPessoa Humana, Direito Penal e o Cárcere Nacional: jusreflexões de 1824 a 2021 Nota: 5 de 5 estrelas5/5Mutação constitucional no Brasil: contornos doutrinários e jurisprudenciais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasControle de Convencionalidade - Novo Paradigma para a Magistratura Brasileira Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPrisão, educação e remição de pena no Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEnsaios sobre Direito Público contemporâneo: Temas sobre Direito Processual Civil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA tirania dos poderes coniventes: o Brasil na conjuntura Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito Penal & Ação Significativa Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDiscurso de ódio e Direito Penal: a tutela penal dos discursos potencialmente ofensivos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA delação premiada no Estado Democrático de Direito Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPolítica criminal de enfrentamento da macrocriminalidade: uma análise sob a perspectiva probatória Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRemição Da Pena Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireitos humanos em movimento: da (in) visibilidade à concretização Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO preso da fronteira: análise da situação prisional de imigrantes bolivianos sob a ótica da criminologia crítica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBreves considerações a respeito da remição da pena pelo trabalho, estudo e leitura Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA biopolítica e o paradoxo dos Direitos Humanos no sistema penal custodial brasileiro Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEncarceramento em massa x garantismo penal: o caminho para o estado social de direito Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA necessidade do Inquérito Policial nas Investigações Criminais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSegurança e Ordem Pública: uma comparação entre Brasil e México Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Direito para você
Direito Tributário Objetivo e Descomplicado Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBizu Do Direito Administrativo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCOMUNICAÇÃO JURÍDICA: Linguagem, Argumentação e Gênero Discursivo Nota: 5 de 5 estrelas5/5Introdução ao Estudo do Direito Nota: 4 de 5 estrelas4/5OAB Segunda Fase: Prática Penal Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFalsificação de Documentos em Processos Eletrônicos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Registro de imóveis Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDicionário de Hermenêutica Nota: 4 de 5 estrelas4/5Manual de Prática Jurídica Civil: para graduação e exame da OAB Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito constitucional Nota: 5 de 5 estrelas5/5Como passar em concursos CESPE: informática: 195 questões comentadas de informática Nota: 3 de 5 estrelas3/5Simplifica Direito: O Direito sem as partes chatas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasManual dos contratos empresariais Nota: 5 de 5 estrelas5/5Português Para Concurso Nota: 0 de 5 estrelas0 notasContratos de prestação de serviços e mitigação de riscos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Manual de direito administrativo: Concursos públicos e Exame da OAB Nota: 0 de 5 estrelas0 notasComo passar em concursos CESPE: língua portuguesa: 300 questões comentadas de língua portuguesa Nota: 4 de 5 estrelas4/5Lawfare: uma introdução Nota: 5 de 5 estrelas5/5Direito Previdenciário em Resumo, 2 Ed. Nota: 5 de 5 estrelas5/5Investigação Criminal: Ensaios sobre a arte de investigar crimes Nota: 5 de 5 estrelas5/5Como passar OAB 2ª fase: Prática civil Nota: 5 de 5 estrelas5/5Como passar em concursos CESPE: direito constitucional: 339 questões de direito constitucional Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCaminho Da Aprovação Técnico Do Inss Em 90 Dias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPsicanálise e Mitologia Grega: Ensaios Nota: 5 de 5 estrelas5/5Curso Básico De Sociologia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEstatuto da criança e do adolescente Nota: 5 de 5 estrelas5/5Manual de Direito Previdenciário de acordo com a Reforma da Previdência Nota: 0 de 5 estrelas0 notasConsolidação das leis do trabalho: CLT e normas correlatas Nota: 5 de 5 estrelas5/5
Avaliações de Valor aprisionado
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Valor aprisionado - Gabriel Abboud
CAPÍTULO 1 - CALABOUÇOS E PPPs: A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA E DA PESQUISA
Sabemos que a discussão, a polêmica, as críticas, são instrumentos indispensáveis no processo de aprofundamento de um pensamento vivo (BAMBIRRA, 1978, p. 103).
O que pode se chamar por tradição punitiva brasileira
encerra, no que possui de fundamental, características que são distintivas. No Brasil, em razão de seu processo de constituição histórica enquanto formação social, o funcionamento das esferas de controle social se encontra condicionado por marcadores políticos e sociais que, instituídos ao longo dos séculos, influem sobre sua atuação.
Pensá-la, portanto, implica em pensar determinações, bem como revisitar o significado que algumas instituições, como a própria prisão, produziram e modularam no seu discurso oficial perante o corpo legislativo brasileiro, independentemente de seu tempo.
Afirmar que toda a estrutura punitiva brasileiro é, de certa forma, autêntica, não leva invariavelmente à conclusão de que o seu funcionamento, alocação e publicização discursiva oficial jamais sofreram quaisquer influências externas. Isso seria um erro crasso, já que a própria prisão sofreu, e muito, influências significativas de culturas de países europeus na sua transformação e, posteriormente, em sua consolidação.
Esta linha deve levar a crer, no entanto, que o modo como a organização do controle social se afirmou no seio da sociedade brasileira, nascente à época, reflete no modo como se dá a formulação deste cenário em todos os momentos de nossa história e, como este estudo pretende demonstrar, contemporaneamente.
Os traços próprios da formação punitiva do Brasil que mencionamos, por seu turno, em muito se interligam a contextos específicos de suas épocas e que perpassam não só a compreensão subjetiva de determinados elementos e sujeitos sociais, mas também componentes objetivos que eram protagonistas nas relações sociais se constituiriam. Isto quer dizer que, inicialmente, é impossível imaginar uma análise como a aqui pretendida sem sejam antes aclaradas as condições materiais que eram, em última instância, determinantes daquele temo histórico, embora não tenhamos a pretensão de trazer uma análise de toda a situação, por óbvio.
O estudo do quadro sócio-histórico de um objeto é indispensável não somente para a sua explicação, mas também para a sua justa compreensão, ou seja, a análise dos fundamentos econômicos e sociais não é uma espécie de complemento ao objeto e/ou à pesquisa, mas uma condição fundamental para a apreensão do que é proposto¹⁹.
Exatamente por isso que a análise que se procederá atinge o seu estágio final na contemporaneidade. O que queremos dizer, em outras palavras, é que se os processos que conduzem ao panorama atual de complexidade do capitalismo se constituem, hoje, justamente na soma total de suas determinações, os elementos que circunscrevem nosso estudo, se analisados de forma isolada, sem suas respectivas conexões, tornam-se completamente desnaturados²⁰.
Tais condições do capitalismo, que são singulares, se conectam intimamente com o grau de seu desenvolvimento enquanto um sistema de reprodução, isto é, se ligam à possibilidade de afastamento de barreiras naturais e socialmente determinadas ao desenvolvimento humano, com as relações sociais de produção que são predominantes em determinadas épocas históricas e com as nuances intrínsecas a essa forma de sociabilidade.
Neste mesmo sentido, o agir
individual também é diretamente influenciado por condições que são historicamente determinadas. Ou seja, observar a história e apreendê-la implica compreender que fazer parte dela deságua invariavelmente em fazê-la, mas não em condições escolhidas livremente
, porque a história e tudo que nela é contido, como as ações humanas, se tornam históricas e, portanto, socialmente determinadas.²¹
Oportunamente pontuamos que delimitar os efeitos e roupagens que certos cenários e que certos contextos incorporam não significa, de forma alguma, isolá-los no tempo, até porque seria impossível a partir de uma análise comprometida com evidências históricas. Queremos dizer que é simplesmente inimaginável realizar o estudo do movimento específico de um determinado objeto sem que se perceba, de forma implícita, traços e resquícios de sua formação até aquele ponto histórico. Essa noção elementar de um conjunto determinante de contextos e de acumulação de influências compõe a totalidade
como categoria²² central e basilar.
Isso significa dizer que há uma interação entre distintos momentos da história²³. A totalidade das relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência²⁴.
A totalidade como componente central metodológico, portanto, pode ser tida como um contexto inserido em cenários que se interligam diretamente na composição de suas determinações, isto é, de suas tendências constitutivas.
Sendo assim, o objeto ao qual se propõe o estudo, é representado por essa totalidade em que cada parte deve ser complementada por outras, de modo que as suas relações internas tipificam o todo. Justamente por isso, para que exista uma relação entre objetos historicamente localizados, ambos devem ser uma condição necessária de suas respectivas naturezas. No entanto, o que cumpre à análise é a demonstração dessa articulação²⁵.
Marx muito bem explica alguma das mais profundas sínteses sobre o método do materialismo dialético em Método da Economia Política
, o terceiro dos quatro tópicos da Introdução à crítica da economia política
:
O concreto é concreto por ser uma concentração (Zusammenfassung = concentração, síntese) de muitas determinações, logo, uma unidade do múltiplo. Eis a razão por que aparece no pensamento (im Denken) como processo de concentração (síntese), como um resultado e não como um ponto de partida, embora ele seja o ponto de partida efetivamente real e, assim, também, o ponto de partida da intuição e da representação (der Ausgangspunkt der Anschauung und der Vorstellung). No primeiro caminho, toda a representação se desvanece em determinação abstrata, ao passo que, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto no plano (im Weg) do pensamento. [...]
Por exemplo, a categoria econômica mais simples, digamos o valor de troca: ele já pressupõe a população, uma população que produz sob relações determinadas; pressupõe igualmente certa espécie de família ou de comuna ou de Estado etc. Ele jamais pode existir a não ser como uma relação abstrata, unilateral de um todo vivo, concreto, já dado. E, sem embargo, como categoria (als Kategorie), o valor de troca tem, ao contrário, uma existência antediluviana. Por isso, para a consciência – e isto determina a consciência filosófica –, para a consciência, só o pensamento conceitual é o homem efetivamente real e somente o mundo conceituado possui, como tal, efetiva realidade. De sorte que, para a consciência, o movimento das categorias (die Bewegung der Kategorien) assume a aparência de um ato efetivamente real de produção – recebendo de fora apenas um empurrão, aliás, deplorável –, cujo resultado é o Mundo²⁶.
Nesse ponto, o antagonismo e a tensão entre o abstrato e o concreto salta aos olhos, dado que se o concreto é o conjunto de determinações, a abstração traduz-se na faculdade intelectiva de representar sem quaisquer condicionantes relacionados ao objeto. O concreto, portanto, está dado, mas não está percebido nem apreendido e, na formação contemporânea do capitalismo, a tensão entre o real e o abstrato, com prevalência desse último, transforma-se numa combinação autodestrutiva.
Assim, o trabalho pretende uma melhor compreensão das continuidades históricas que ressignificam o cárcere e suas formas de existir. A historicidade que interliga os pontos não será ignorada. No entanto, a compreensão que propõe a presente pesquisa, representa um elo, um caminho necessário à configuração da dita totalidade. Sendo assim, repensar a tradição punitiva brasileira para enxergar certos aportes tendenciais constitutivos – determinações, portanto – demanda, por parte de quem se propõe a tanto, um afã que, evidentemente, deve ser dosado.
Dentre tantas inconstâncias que compõem a historicidade das relações sociais brasileiras, tais como o modo de produção, a estruturação social, a influência gigantescamente dirigida das metrópoles coloniais, a modulação de sistemas de punição, o desenvolvimento de forças produtivas, o aumento ou a diminuição das taxas de lucro e de desemprego e a noção de escravismo como modo de produção específico, existe uma constante: a instrumentalização do corpo para fins produtivos como elemento central da funcionalidade social e constitutiva da punição ou de sua forma