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Valor aprisionado: crise, trabalho e cárcere desde o capitalismo brasileiro
Valor aprisionado: crise, trabalho e cárcere desde o capitalismo brasileiro
Valor aprisionado: crise, trabalho e cárcere desde o capitalismo brasileiro
E-book316 páginas4 horas

Valor aprisionado: crise, trabalho e cárcere desde o capitalismo brasileiro

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Sobre este e-book

O trabalho de Gabriel Abboud demonstra, a partir da análise do Complexo Penal Parceria Público-Privada de Ribeirão das Neves, como o movimento de privatização prisional é parte do avanço do capitalismo sobre as distintas instâncias da formação social brasileira. Gabriel costura, a partir da crítica do valor e de uma concepção radical de criminologia, as associações entre o escravismo, as relações de produção, a crise e as formas sociais para compreender como o direito, a política criminal e o valor se conectam, reproduzindo, na atual forma do trabalho prisional, a forma do capitalismo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de jun. de 2022
ISBN9786525243658
Valor aprisionado: crise, trabalho e cárcere desde o capitalismo brasileiro

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    Valor aprisionado - Gabriel Abboud

    CAPÍTULO 1 - CALABOUÇOS E PPPs: A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA E DA PESQUISA

    Sabemos que a discussão, a polêmica, as críticas, são instrumentos indispensáveis no processo de aprofundamento de um pensamento vivo (BAMBIRRA, 1978, p. 103).

    O que pode se chamar por tradição punitiva brasileira encerra, no que possui de fundamental, características que são distintivas. No Brasil, em razão de seu processo de constituição histórica enquanto formação social, o funcionamento das esferas de controle social se encontra condicionado por marcadores políticos e sociais que, instituídos ao longo dos séculos, influem sobre sua atuação.

    Pensá-la, portanto, implica em pensar determinações, bem como revisitar o significado que algumas instituições, como a própria prisão, produziram e modularam no seu discurso oficial perante o corpo legislativo brasileiro, independentemente de seu tempo.

    Afirmar que toda a estrutura punitiva brasileiro é, de certa forma, autêntica, não leva invariavelmente à conclusão de que o seu funcionamento, alocação e publicização discursiva oficial jamais sofreram quaisquer influências externas. Isso seria um erro crasso, já que a própria prisão sofreu, e muito, influências significativas de culturas de países europeus na sua transformação e, posteriormente, em sua consolidação.

    Esta linha deve levar a crer, no entanto, que o modo como a organização do controle social se afirmou no seio da sociedade brasileira, nascente à época, reflete no modo como se dá a formulação deste cenário em todos os momentos de nossa história e, como este estudo pretende demonstrar, contemporaneamente.

    Os traços próprios da formação punitiva do Brasil que mencionamos, por seu turno, em muito se interligam a contextos específicos de suas épocas e que perpassam não só a compreensão subjetiva de determinados elementos e sujeitos sociais, mas também componentes objetivos que eram protagonistas nas relações sociais se constituiriam. Isto quer dizer que, inicialmente, é impossível imaginar uma análise como a aqui pretendida sem sejam antes aclaradas as condições materiais que eram, em última instância, determinantes daquele temo histórico, embora não tenhamos a pretensão de trazer uma análise de toda a situação, por óbvio.

    O estudo do quadro sócio-histórico de um objeto é indispensável não somente para a sua explicação, mas também para a sua justa compreensão, ou seja, a análise dos fundamentos econômicos e sociais não é uma espécie de complemento ao objeto e/ou à pesquisa, mas uma condição fundamental para a apreensão do que é proposto¹⁹.

    Exatamente por isso que a análise que se procederá atinge o seu estágio final na contemporaneidade. O que queremos dizer, em outras palavras, é que se os processos que conduzem ao panorama atual de complexidade do capitalismo se constituem, hoje, justamente na soma total de suas determinações, os elementos que circunscrevem nosso estudo, se analisados de forma isolada, sem suas respectivas conexões, tornam-se completamente desnaturados²⁰.

    Tais condições do capitalismo, que são singulares, se conectam intimamente com o grau de seu desenvolvimento enquanto um sistema de reprodução, isto é, se ligam à possibilidade de afastamento de barreiras naturais e socialmente determinadas ao desenvolvimento humano, com as relações sociais de produção que são predominantes em determinadas épocas históricas e com as nuances intrínsecas a essa forma de sociabilidade.

    Neste mesmo sentido, o agir individual também é diretamente influenciado por condições que são historicamente determinadas. Ou seja, observar a história e apreendê-la implica compreender que fazer parte dela deságua invariavelmente em fazê-la, mas não em condições escolhidas livremente, porque a história e tudo que nela é contido, como as ações humanas, se tornam históricas e, portanto, socialmente determinadas.²¹

    Oportunamente pontuamos que delimitar os efeitos e roupagens que certos cenários e que certos contextos incorporam não significa, de forma alguma, isolá-los no tempo, até porque seria impossível a partir de uma análise comprometida com evidências históricas. Queremos dizer que é simplesmente inimaginável realizar o estudo do movimento específico de um determinado objeto sem que se perceba, de forma implícita, traços e resquícios de sua formação até aquele ponto histórico. Essa noção elementar de um conjunto determinante de contextos e de acumulação de influências compõe a totalidade como categoria²² central e basilar.

    Isso significa dizer que há uma interação entre distintos momentos da história²³. A totalidade das relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência²⁴.

    A totalidade como componente central metodológico, portanto, pode ser tida como um contexto inserido em cenários que se interligam diretamente na composição de suas determinações, isto é, de suas tendências constitutivas.

    Sendo assim, o objeto ao qual se propõe o estudo, é representado por essa totalidade em que cada parte deve ser complementada por outras, de modo que as suas relações internas tipificam o todo. Justamente por isso, para que exista uma relação entre objetos historicamente localizados, ambos devem ser uma condição necessária de suas respectivas naturezas. No entanto, o que cumpre à análise é a demonstração dessa articulação²⁵.

    Marx muito bem explica alguma das mais profundas sínteses sobre o método do materialismo dialético em Método da Economia Política, o terceiro dos quatro tópicos da Introdução à crítica da economia política:

    O concreto é concreto por ser uma concentração (Zusammenfassung = concentração, síntese) de muitas determinações, logo, uma unidade do múltiplo. Eis a razão por que aparece no pensamento (im Denken) como processo de concentração (síntese), como um resultado e não como um ponto de partida, embora ele seja o ponto de partida efetivamente real e, assim, também, o ponto de partida da intuição e da representação (der Ausgangspunkt der Anschauung und der Vorstellung). No primeiro caminho, toda a representação se desvanece em determinação abstrata, ao passo que, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto no plano (im Weg) do pensamento. [...]

    Por exemplo, a categoria econômica mais simples, digamos o valor de troca: ele já pressupõe a população, uma população que produz sob relações determinadas; pressupõe igualmente certa espécie de família ou de comuna ou de Estado etc. Ele jamais pode existir a não ser como uma relação abstrata, unilateral de um todo vivo, concreto, já dado. E, sem embargo, como categoria (als Kategorie), o valor de troca tem, ao contrário, uma existência antediluviana. Por isso, para a consciência – e isto determina a consciência filosófica –, para a consciência, só o pensamento conceitual é o homem efetivamente real e somente o mundo conceituado possui, como tal, efetiva realidade. De sorte que, para a consciência, o movimento das categorias (die Bewegung der Kategorien) assume a aparência de um ato efetivamente real de produção – recebendo de fora apenas um empurrão, aliás, deplorável –, cujo resultado é o Mundo²⁶.

    Nesse ponto, o antagonismo e a tensão entre o abstrato e o concreto salta aos olhos, dado que se o concreto é o conjunto de determinações, a abstração traduz-se na faculdade intelectiva de representar sem quaisquer condicionantes relacionados ao objeto. O concreto, portanto, está dado, mas não está percebido nem apreendido e, na formação contemporânea do capitalismo, a tensão entre o real e o abstrato, com prevalência desse último, transforma-se numa combinação autodestrutiva.

    Assim, o trabalho pretende uma melhor compreensão das continuidades históricas que ressignificam o cárcere e suas formas de existir. A historicidade que interliga os pontos não será ignorada. No entanto, a compreensão que propõe a presente pesquisa, representa um elo, um caminho necessário à configuração da dita totalidade. Sendo assim, repensar a tradição punitiva brasileira para enxergar certos aportes tendenciais constitutivos – determinações, portanto – demanda, por parte de quem se propõe a tanto, um afã que, evidentemente, deve ser dosado.

    Dentre tantas inconstâncias que compõem a historicidade das relações sociais brasileiras, tais como o modo de produção, a estruturação social, a influência gigantescamente dirigida das metrópoles coloniais, a modulação de sistemas de punição, o desenvolvimento de forças produtivas, o aumento ou a diminuição das taxas de lucro e de desemprego e a noção de escravismo como modo de produção específico, existe uma constante: a instrumentalização do corpo para fins produtivos como elemento central da funcionalidade social e constitutiva da punição ou de sua forma

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