A amplitude de um coração que bate pelo mundo
De Julia Coelho
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A amplitude de um coração que bate pelo mundo - Julia Coelho
1.
Na noite da minha ressurreição,
tive dolorosos
espasmos.
Queria que aquela batalha
terminasse.
Queria que o eu lírico calasse.
Queria que as fisgadas
que recebia em meu peito
cessassem.
Mas a vida me queria
fortalecida.
Pediu-me para
que suportasse.
2.
Na véspera do acaso
precisei substituir
as lembranças
pelo naufrágio.
Pobre barco,
que desconhecia
o mar.
Pobre coração,
que só sabia
sangrar.
Nos fiapos de um anoitecer
tive que trocar de pele,
e lidar com a minha sina.
Perdi as minhas asas.
Mas ganhei uma longa capa
para proteger-me
dos perigos
da nostalgia.
3.
Foi amor
quando chorei desesperadamente
naquela miraculosa
noite de sexta-feira.
Sentia tontura
e formigamento.
Eu estava
morrendo.
Porém carregava a certeza
de que veria o pôr do sol
novamente.
Nos braços dos deuses
eu sonhava com a
mudança.
E quando finalmente acordei,
testemunhei
uma nova versão
de mim mesma.
4.
Compartilho-me com a mudez
quando a música da consciência
interrompe meus passos.
Desapareço
nas brumas
do passado.
Viajo em pensamentos abstratos
e pinto um quadro
de memórias.
Não é possível envolver o genuíno leitor
em uma estória
sem nunca ter
chorado.
5.
Meus olhos soltaram
faíscas.
Lembro de cada pessoa que disse
você não consegue
mas o que realmente fere,
é acreditar nisso.
A luz derramava-se
em excesso;
tirei a máscara e mostrei meu rosto
como quem fica nu
nos próprios versos.
Comungando a minha descoberta,
quis que todos soubessem
do fogo que purifica e arde.
Mostrando a minha real face,
consagrei-me na arte,
experimentando dos pecados
para aperfeiçoar-me.
6.
Tive que plantar minhas
próprias árvores,
e não foi sozinha
que consegui.
Tive que olhar ao meu redor
e observar as incontáveis
abelhas que produziam mel.
Tive que ver os animais lutando
para sobreviver em uma era de
extinção.
Tive que ficar atenta
para notar os girassóis
que poderiam me inspirar
algum dia.
E que hoje me inspiram.
Demora um tempo
para descobrir
que o amor está
em cada canto deste planeta.
7.
Eu nunca quis que a
garrafa de vinho
acabasse.
Eu nunca quis que a guerra
tomasse a beleza da cidade.
Pois eu gosto de quadros de artistas
rurais sendo pendurados
e de gente se abraçando
ininterruptamente no
mesmo cenário.
Eu sempre quis
afeição no papel
e na vida.
8.
Perguntaram-me como criava os meus versos;
o que me inspirava,
qual era a função deles
e o que revelavam de mim.
Entrei em profundo estado
de investigação
e não disse nada.
Aparentemente, fiquei muda
por dez minutos.
Só o meu olhar introspectivo me denunciava
como a agrura do relógio
que conta os segundos do morticínio
nas criações vãs.
Escrever poesia se trata de esconder
alguma coisa; é um vício.
Deixo algo de subentendido.
Vocês nunca saberão se nestes versos
sou verdadeira ou apenas mais
uma mentirosa.
Em um verso
sou quem
eu quero;
despacho um infinito de seiva
das árvores desconhecidas.
É a linhagem dos meus fantasmas.
É o sonho que cresce dentro de mim.
Mas nada disso é possível
quando dito em voz alta.
9.
O tinto dos lábios
como a concupiscência da carne
enlouquece.
O despudor no castanho dos olhos
com a afoiteza dos que vivem como querem
persegue.
De tantas faculdades,
as mais irresistíveis
permanecem incólumes.
Os livros lhe apetecem
como as canções
e o cinema lotado.
Em praças, declamação.
Sua boca explana a paixão
dos prazeres incontroláveis.
O gosto pela cultura
como a atração pela novidade
foi a deixa para decidir-se;
Escolheu ser, para todo o sempre,
uma amante da arte.
10.
Tropeços meus,
assombrações
indefinidas.
As construções que observo
cautelosamente
em embarcações nas quais sou a única presente,
têm sido minhas melhores
amigas.
Pessoas correm desesperadas para os seus lares
e me pego fascinada pelas
luzes falhas das avenidas.
Piso em asfaltos
esburacados.
Perco a conta com tantas
esquinas percorridas.
As luzes dos postes piscam
amareladas e solitárias,
semelhantes à minha boca que seca,
aguardando a umidade de uma nova alma
para senti-la.
Mas eu já não consigo
mais ver.
Minha visão
está turva.
Tudo é opaco.
Não há saída alguma.
A chuva fina e silenciosa
beija minha pele
e deixa gotículas quase
imperceptíveis
nas ruas.
Como um sonho de perdição,
o ambiente me convida
para dançar.
Mas a música francesa já não
é a mesma de ontem.
De quando me encantava
imaginando bailarinas bêbadas
valsando nos horizontes.
E, também, com a lua cheia.
Que, agora, me aparece sorrateira.
Como um círculo de
luz pensante.
Rastejo até as beiras,
corujas se escondem.
Seus olhos são alucinantes.
Sei disso mesmo sem conseguir vê-las.
Os parques com árvores quietas
e suas belas silhuetas me obrigam
a sorrir.
Por um segundo estonteante
de tão curto
dissonante.
Momentos como esse nunca se quebram.
São cheios de tudo que meu
coração espera.
Nenhuma pessoa me vê.
Esgotaram-se as conversas.
Mas são em horas como essa,
que me entrego ao que interessa.
11.
Como café,
quis me
adoçar.
Por não suportar como
eu sou
de verdade.
De muitas maneiras
quis me mudar
por não conseguir
me engolir;
amarga
e forte.
12.
Tu ressequiste
minhas lágrimas quando eu
estava em ruínas.
Eu estava com as minhas mãos
tampando os olhos e lágrimas
desciam pelo meu rosto
enlouquecidamente.
Tu vieste ao meu encontro
mesmo quando não
me conhecias.
Tu deslocaste teu ser
para aliviar a
minha própria fúria.
Tu me disseste que eu nunca estaria só,
enquanto as minhas mãos
sacudiam em agonia.
Tu disseste palavras de amor
quando o carrasco me espionava.
O carrasco que me queria ébria,
temendo a vida
e amarga.
Tu quiseste me salvar de
mim mesma.
Isso ressoa como
um cântico angelical.
Contudo, meu sofrimento era
pessoal.
Tu não poderias me salvar.
Só eu mesma poderia,
se ao menos eu deixasse
de me enjaular.
Mas se tu soubesses o quanto me ajudaste.
Ah! Tu passaste como
um vislumbre de amparo.
Tu ainda nem sabia
que me amavas tanto
e me ofereceste socorro e conforto
através do teu desdobramento.
Mesmo com meu postergar recorrente,
tu buscaste me dar o auxílio
que tanto precisava.
Tu contaste da tua vontade
de segurar a minha mão
e quiseste em todas as horas difíceis
ver meu