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Um termômetro vivo da civilização: higiene pública e cólera-morbo na Gazeta Medica da Bahia (1866-1870)
Um termômetro vivo da civilização: higiene pública e cólera-morbo na Gazeta Medica da Bahia (1866-1870)
Um termômetro vivo da civilização: higiene pública e cólera-morbo na Gazeta Medica da Bahia (1866-1870)
E-book271 páginas3 horas

Um termômetro vivo da civilização: higiene pública e cólera-morbo na Gazeta Medica da Bahia (1866-1870)

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Sobre este e-book

"O médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe" é uma das traduções mais comuns para a célebre frase de Abel Salazar. Estendemos o alerta para todas as pessoas interessadas na história da saúde. Não há como pensar a medicina, suas práticas e seus representantes fora da rede de pessoas, sentimentos, técnicas, pactos e conflitos que dão forma às questões sociais, econômicas e políticas vigentes em determinado contexto ? ainda que este seja passível de transformações, influenciado por aquilo que influencia. O livro aqui apresentado exemplifica essa rede que torna a saúde e a medicina fenômenos necessariamente sócio-históricos. Na segunda metade do Oitocentos, um grupo de esculápios decidiu lançar uma gazeta médica na Bahia. As causas para tal, bem como a compreensão desse tipo de jornal e sua circulação entre 1866 e 1870, são cernes das três partes em que esta obra se divide. Na primeira, Vanessa Queiroz apresenta a Gazeta Medica da Bahia ao (à) leitor (a), ora dialogando, ora destacando pontos deixados no escuro pela historiografia tradicional. Na segunda, perscruta a higiene pública como mote da publicação. Na terceira, analisa as constantes aparições da cólera-morbo na folha médica baiana em sua primeira fase. A estrutura contribui para o entendimento de que a medicina, os médicos e a saúde nunca são uma coisa só, nem existem de forma isolada. A imprensa médica como conceito histórico e lugar de alteridade, conforme apresentada pela historiadora, ratifica a assertiva.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de nov. de 2021
ISBN9786525212371
Um termômetro vivo da civilização: higiene pública e cólera-morbo na Gazeta Medica da Bahia (1866-1870)

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    Um termômetro vivo da civilização - Vanessa de Jesus Queiroz

    PARTE I: GAZETA MEDICA DA BAHIA E IMPRENSA MÉDICA

    1. DECLINAMOS DE NÓS A RESPONSABILIDADE DO SILENCIO: A GAZETA MEDICA DA BAHIA

    [...]Auxiliem-nos os nossos dignos collegas do imperio; continue a imprensa medica estrangeira a prodigalizar-nos o forte appoio de sua benevola acceitação; e talvez um dia a Gazeta Medica, elevando se á altura de sua concepção, possa attingir o grau de aperfeiçoamento, que lhe ambicionamos, para honra de nossa classe, credito de nosso paiz, e proveito de nossos semelhantes.

    Assim terminava o artigo de aniversário do primeiro ano da Gazeta Medica da Bahia. Datado de julho de 1867, narrava os encalços e percalços dos 24 números até ali publicados. Além de ressaltar algumas dificuldades típicas do empreendimento de sustentar um jornal destinado à ciência, o autor apontava alguns sucessos já alcançados pelo periódico há pouco lançado.

    Medida do nível de fracassos e vitórias alcançados pela Gazeta era sua recepção por colegas do Império e por jornais médicos estrangeiros. Ainda que alguns consortes do Brasil não tivessem acolhido a folha como deveriam, o que ainda a impedia de apresentar a força esperada em seu lançamento, ela seguia viva. Já acolhida por uma série de nomes notáveis do Império teria sido, igualmente, muito bem recebida e apoiada pela imprensa médica estrangeira de nações onde o conhecimento e a civilização fulguravam.

    O texto⁹, que salientava dificuldades da empreitada devidamente encaradas pela força de vontade daqueles médicos, era finalizado por pedidos de apoio nacional e internacional. A guarida colaboraria ao aperfeiçoamento dos objetivos dos responsáveis pela folha, dentre os quais estavam os de honrar a classe médica e aumentar o status do país a partir da demonstração de conhecimentos médicos-científicos avançados. Além disso, serviria para a prestação de contribuições aos semelhantes, profissionais diplomados que poderiam se aproveitar das considerações ali publicadas.

    No editorial de aniversário surgem algumas figuras e questões que nos despertam a necessidade de reflexão sobre suas aparições no jornal. As figuras mais notórias são a tal classe médica e semelhantes, além da noção de imprensa médica. Quanto às questões, referem-se principalmente à ligação entre ciência médica e imagem de Brasil nos caminhos do progresso, além dos objetivos de melhoramento ambicionado pelos médicos da Gazeta. Todos fazem parte do problema central dos dois capítulos que formam a primeira parte deste livro: compreender porquês de criar uma gazeta médica na Bahia e do que se tratava este periódico.

    O panorama historiográfico de análises da GMB é relativamente parco. Em obras tradicionais¹⁰ sobre medicina na Bahia, a folha aparece como caminho para destacar a atuação da chamada Escola Tropicalista Baiana¹¹, grupo de doutores que a teriam fundado para registrar e publicizar os estudos realizados em suas reuniões.

    Nossas reflexões seguem um caminho algo diferente, que além de conceder maior lugar para a fonte e tipologia do jornal, está em consonância com debates historiográficos que alertam¹² para o cuidado com o termo escola. Este conceito tende a prestar homogeneidade ao que é diverso. Ainda que a Gazeta fosse um veículo de propagação de ideias e posicionamentos, é incorreto afirmar que detinha todas as opiniões daqueles que nela escreviam. Muitos dos colaboradores expressavam suas considerações em outros meios, como teses e folhas da grande imprensa. Devemos refletir, de igual modo, que nem todos os doutores diplomados publicavam textos em jornais.

    O periódico publicava, com frequência, correspondências e extratos da imprensa médica estrangeira, o que se caracteriza como mais um ponto da contestação da unidade sugerida pelo título escola e, por conseguinte, do jornal com única função de porta-voz do grupo. Ademais, o termo fornece aos médicos envolvidos com a folha baiana um papel de vanguarda que oculta os diversos conflitos por que passaram. Até a Gazeta Medica da Bahia se tornar aere perennius, o que se comprova de sua longa existência¹³, confrontos e debilidades fizeram parte de seus caminhos, sobretudo nos seus primeiros anos de circulação.

    Uma outra assertiva presente em parte da historiografia tradicional sobre o tema é a de uma tríade fundadora da Gazeta. Os nomes de John Ligertwood Paterson, Otto Henry Wucherer e José Francisco da Silva Lima compõem o presumido trio fundador¹⁴. Entretanto, sabemos que o grupo que a fundou era mais extenso. Em edição da GMB de fevereiro de 1910, encontramos, em artigo assinado por Antônio Pacífico Pereira, as seguintes palavras:

    A creação da Gazeta Medica da Bahia foi obra desse grupo de proceres da nossa clinica civil e hospitalar. A Wucherer, Paterson, Silva Lima e Pires Caldas, associaram-se outros profissionaes distinctos, no magisterio ou na clinica, entre os quaes – Januario de Faria, Marianno do Bomfim, Góes Sequeira, Demetrio Tourinho, Luiz Alvares e Virgilio Damazio, professores da Faculdade, e Almeida Couto, reputado clinico e mais tarde membro do corpo docente.¹⁵

    A tripla homenagem biográfica silencia alguns nomes. O texto menciona que o jornal foi obra de Wucherer, Paterson, Silva Lima e Pires Caldas, quarteto que ultrapassa a ideia de tríade, além de registrar outros nomes associados. O próprio Pacífico Pereira, seis anos depois, afirmava em esboço histórico da folha médica baiana que a mesma teria sido fundada por cinco doutores¹⁶. Nossa discordância em relação a uma trindade fundadora obedece a princípios da metodologia de trabalho histórico que implica buscar ouvir a fonte na formulação de conceitos a ela relacionados.

    Pós historiografia tradicional, alguns outros textos, com ênfase em artigos científicos, dissertações e teses, que se ocupam da Gazeta Medica da Bahia e dos médicos com ela envolvidos têm sido publicados. Trata-se de novas abordagens e perspectivas de trabalho e pesquisa. Neste livro, sem deixar de agradecer aos esforços iniciais do debate historiográfico tradicional, realizado em outra época com outros vieses e objetivos, nos juntamos aos intentos do segundo grupo.

    Publicada por uma associação de facultativos

    Em 10 de julho de 1866 foi lançado o primeiro número da Gazeta Medica da Bahia, um dos pioneiros e mais longevos periódicos médicos brasileiros. A ideia de sua publicação resultou de reuniões noturnas realizadas por um grupo de doutores que atuavam na Bahia:

    Um grupo, pequeno no numero, mas esforçado e capaz, concebeu e realisou o auspicioso tentamen. A Gazeta Medica teve uma origem das mais modestas. Descreve-a um dos seus mais prestantes fundadores e constante collaborador, o Dr. Silva Lima: "Em 1865 instituiu o provecto clinico,- referia-se ao Dr. Paterson,- umas amigaveis e interessantes palestras nocturnas; especie de conversazione periodica, em que duas vezes por mez tomavam parte em mui limitado numero alguns collegas das suas mais estreitas relações. Effectuavam-se estas palestras á vez, ora em sua casa, ora na de cada um delles; e os assumptos das sessões eram inteiramente facultativos e ás vezes fortuitos[...] Versavam os entretenimentos, de ordinario, sobre casos clinicos occorrentes, exames microscopicos ou ophtalmoscopicos, inspecção de algum doente affectado de molestia importante, ou sobre questões e novidades scientificas do tempo concernentes á profissão ou de algum modo relacionadas com ella[...]"¹⁷

    O trecho faz parte de um Esboço histórico da Gazeta Medica da Bahia¹⁸ de 1916, assinado por Antônio Pacífico Pereira, colaborador assíduo que por alguns anos também assumira a direção da folha. Ele nos conta que a fundação do periódico coube a cinco médicos principalmente: Otto Edward Henry Wucherer ¹⁹, John Ligertwood Paterson²⁰, José Francisco da Silva Lima²¹, Antônio Januario de Faria²² e Manoel Maria Pires Caldas²³.

    Proclamado como independente da Faculdade de Medicina da Bahia, o jornal médico era responsabilidade de uma associação de facultativos da qual muitos pertenciam ao corpo docente daquela instituição. Edições de 1866 a 1870 nos informam que de sua inauguração até dezembro de 1867, a Gazeta era dirigida por Virgílio Climaco Damazio²⁴; e que de janeiro de 1868 até a primeira pausa da publicação, em julho de 1870, por Antônio Pacífico Pereira²⁵. Quando aparecem, as assinaturas nos escritos publicados na folha nos permitem verificar quem eram seus colaboradores mais assíduos²⁶, muito embora tais identificações não nos possibilitem distinguir claramente entre facultativos diretamente responsáveis pelo sustento e logística da revista médica e aqueles, não menos importantes, sujeitos que apenas colaboravam com o envio de textos.

    Ainda que a GMB seja uma das principais fontes de estudo sobre os médicos a que muitos chamam de Escola Tropicalista Baiana, não se pode afirmar que o jornal traduzia a totalidade de pensamentos dos mesmos. De igual maneira, não é seguro declarar que a folha se restringia ao papel de instrumento do grupo, englobando apenas e exatamente os seus vieses e conhecimentos, visto que recebia publicações de outros

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