O padre Cícero e a Imaginação Coletiva
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O padre Cícero e a Imaginação Coletiva - Luiz Barros Pereira
Uma palavra
Diante de tantos livros, artigos, cordéis, documentários e filmes sobre o padre Cícero, não sei se ainda me resta algo a dizer sobre ele, porém me arrisquei e escrevi esta biografia em homenagem ao padre Cícero Romão Batista, em comemoração ao ano do jubileu dos seus 150 anos de vida sacerdotal.
Você que começa a folhear as primeiras páginas deste livro merece algumas explicações a respeito da obra que se encontra em suas mãos.
Trata-se de uma breve biografia da vida do padre Cícero, construída com base em referências bibliográficas renomadas que têm fé nos fatos e, ao mesmo tempo, discernimento crítico.
Além dos fatos oficiais de sua biografia, você encontrará, na medida do possível, dados sem comprovação científica, porque foram recolhidos da memória coletiva a respeito do padre Cícero ou de pessoas ligadas a ele.
Os fatos históricos aqui comprovados demonstram que tudo aquilo que foi construído no imaginário simbólico a respeito do padre Cícero, não é algo puramente lendário ou simplesmente fruto da imaginação coletiva, pois, no dizer popular, o povo aumenta, mas não inventa.
Este livro não busca desvendar o que se passa no imaginário simbólico a respeito do padre Cícero, pois as representações da imaginação coletiva ultrapassam as circunstâncias do mundo real, adquirindo a força e a beleza do mito e se tornam ícones de uma era, na história de um povo. Nesta obra, intentei fazer uma leitura aproximada da construção simbólica de uma pequena parte de tudo aquilo que já foi elaborado, para manter viva a memória do padrinho dos romeiros.
A história e a antropologia têm os seus métodos de averiguação dos acontecimentos do passado, buscando nas fontes documentais, orais e materiais, vestígios a respeito dos fatos e marcos históricos. A memória coletiva também tem a sua metodologia. Não nega os fatos, mas os considera e amplia atribuindo-lhes significados simbólicos, os quais se perpetuam na memória coletiva de um povo. As histórias, os contos, os casos passam de boca em boca, de pai para filho e, consequentemente, novos elementos de cunho simbólico são agregados à sua narrativa.
Aos olhos da história, da antropologia ou da imaginação coletiva, o padre Cícero ao longo do tempo foi ganhando faces que são lidas por defensores, acusadores, historiadores, antropólogos e pelos romeiros. Uma coisa ninguém pode negar: ele foi um marco histórico tatuado na vida do povo nordestino, por ser terno, cheio de compaixão, mas, sobretudo, por sua evangélica opção a favor dos pobres.
Sem dúvida, o padre Cícero foi um homem à frente do seu tempo. Ele encarnou o Evangelho e soube transmiti-lo ao povo, expressando sua fé através da piedade popular. No dizer do Papa Francisco, essa fé é uma verdadeira expressão missionária espontânea do Povo de Deus em todos os tempos. Uma realidade em permanente desenvolvimento, cujo protagonista é o Espírito Santo
.
1
Padre Cícero
Romão Batista
Cícero Romão Batista
Nasceu em quarenta e quatro
Antes do século passado
No lugar chamado Crato
De Joaquina e Joaquim Batista
Gente simples de bom trato.
Cícero Romão Batista nasceu no dia 24 de março de 1844, em Crato (CE), então Vila Real do Crato, situada na região do Cariri cearense que, devido a sua localização, ganhou ao longo da história dois apelidos: Princesa do Cariri
e Oásis do Sertão
. Esses dois nomes têm suas razões. A cidade tem o privilégio de fazer parte da região que possui a maior reserva florestal do Nordeste, a Floresta Nacional do Araripe-Apodi, a primeira implantada no Brasil pelo governo federal, em 2 de maio de 1946.
Segundo o pesquisador Heitor Feitosa,¹ o Padre Cícero nasceu na Rua Grande, atual Rua Dr. Miguel Lima Verde, nas proximidades da Praça Siqueira Campos, centro da cidade de Crato. Vale salientar que ainda não existe uma comprovação documental sobre o lugar exato da concepção do padre Cícero, pois as teses se baseiam na tradição oral. A mais famosa foi contada por Teresa do Padre.²
Cícero era filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Ferreira Gastão, que depois mudou seu nome para Joaquina Vicência Romana, sendo conhecida popularmente como Dona Quinô. Seu pai era comerciante da Vila do Crato e sua mãe, dona de casa segundo os moldes vigentes da época. Além de Cícero, o casal gerou duas filhas: Maria Angélica Romana, conhecida como Mariquinha (25/10/1842) e Angélica Vicência Romana (01/10/1849).
A narrativa acima é comum a todos os biógrafos do padre Cícero, mas para muitos romeiros que chegam a Meca do Nordeste a história começa assim.
Mais de 1800 anos após ter sido pregado numa cruz pelos soldados romanos no monte Gólgota, em Jerusalém, Jesus Cristo, o homem em cuja memória se fundou a Igreja Católica Apostólica Romana que congrega mais de 2 bilhões de fiéis espalhados por todo o mundo, voltou à Terra. Nasceu de novo, na cidade do Crato, interior do Ceará. Cristo retornou na forma de uma criança sertaneja, com traços nitidamente caboclos, mas de cachinhos dourados e olhos azuis. O Menino Jesus redivivo chegou dos céus em meio a uma explosão de luz, com a força de mil sóis, no meio do sertão nordestino. Foi trazido por um anjo de asas cintilantes, que na mesma hora levou embora a filhinha recém-nascida de uma católica fervorosa, a cearense Joaquina Vicência Romana, mais conhecida como dona Quinô. De tão intenso, o clarão deixou a mulher temporariamente cega, bem na hora do parto, o que a impediu de perceber a troca das duas crianças. Como sinal de que era um iluminado, o menino santo acabava de regressar ao mundo no dia 24 de março, véspera da data em que