Maceió de Outrora
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Maceió de Outrora - Félix Lima Júnior
Salgadinho
A Maceió de Félix
Poucos escritores nos presentearam com informações e fatos da Maceió de outrora como Félix Lima Jr. Em sua prosa memorialista, Félix nos apresenta a tímida cidade, com seus recantos e seus personagens. Brinda-nos o autor com a cidade provinciana e, por isso mesmo, sobressaltada pelos muitos choques culturais que a presença e a convivência estrangeira provocavam, então, nos estupefatos nativos. A presença de ingleses, de franceses, de portugueses, de turcos
, de italianos conferia à Maceió de outrora um colorido diferente e uns hábitos inusitados, que o leitor terá aqui a oportunidade de constatar.
Em sua crônica, aspectos pitorescos nos chegam e, com eles, uma espécie de história das mentalidades se revela. Em pouco mais de um século, tanto e tão pouco mudou! Através de Maceió de Outrora, o leitor tem elementos para refletir de que forma, para alguns segmentos sociais, o que vinha de fora era valorizado: a moda parisiense, copiada de revistas estrangeiras que aqui chegavam, os cortes de cabelos, a presença de atrizes que aqui permaneciam para temporadas teatrais. Através da crônica de Félix, um tanto de vida privada também é aqui revelado: os costumes, o teor das discussões, a moralidade da época – tudo sempre com uma pitada de humor, de nostalgia até.
Os espaços sociais, mas não apenas, também os lugares sociais são aqui descritos de maneira vivaz. A Maceió dos negros se insinua, as impressões do maceioense sobre essa realidade se revelam. Através da pena de Félix Lima Jr., conhecemos os caminhos da cidade buscando se civilizar
e a ideia de civilização que a norteava. A existência de professores de música e de dança na pequena Maceió deixa para o leitor a forte impressão de que a dança era uma importante forma de lazer e de convivialidade na pequena capital alagoana, lazer que atravessava as classes sociais, sendo prática observada em muitos ambientes. Igual espaço de socialização eram as igrejas e as festas religiosas, onde também as diferentes classes sociais se encontravam, embora não se misturassem. A Maceió do começo do século 20 dançava e orava.
A crônica nos descreve também as formas da decoração doméstica da Maceió de antigamente: os tipos de móveis, suas disposições, os objetos a demostrar as prendas femininas; o lugar que a família ocupava e que era tão bem demonstrado em retratos exibidos em consoles de madeira; os oratórios cheios de santos, as Santas Ceias colocadas na parede defronte à mesa de jantar; os mosquiteiros acima das camas, os baús, a máquina de costura Singer, as folhinhas de marca-mês.
Uma Maceió que ainda na primeira década do século 20 pôde se posicionar sobre a derrubada de gameleiras frondosas existentes na Avenida da Paz, embora com a vontade da maioria contrariada, pois as árvores foram derrubadas. Que somente no início da segunda década do século 20 teve, finalmente, a hora acertada com a inauguração do relógio oficial e que teve a primazia na instalação do primeiro farol de luz elétrica no Brasil, segundo nos informa o cronista.
Maceió de ruas tortas, de carros de boi e carroças, de vendedores ambulantes de frutas e peixes, de lampiões de antes da luz elétrica, das exaltações políticas em épocas de eleição, das lojas comerciais com horário até as 8 da noite, de mascates estrangeiros que vendiam tecidos baratos, agulhas, alfinetes, perfumes ordinários, de tocadores de realejo, de amoladores de facas e de canivetes, de procissão de mendigos aos sábados saindo de loja em loja, a pedir esmolas, das navegações a vapor nas lagoas Mundaú e Manguaba, das canoas carregadas de frutas, de pescado, de telhas e de tijolos que atracavam no canal da Levada.
Para os pesquisadores e estudantes das coisas da terra, de qualquer área do conhecimento, Maceió de Outrora é material precioso, pois nos oferece um instantâneo preparado pela testemunha, ora ativa, ora ocular, que foi Félix Lima Jr. Mas também para o leitor despretensioso, é leitura agradável, a ser feita de um fôlego só, pois certamente encontrará aqui as conexões com a Maceió de hoje.
Rachel Rocha de Almeida Barros
Antropóloga, pesquisadora da cultura alagoana
e professora do Instituto de Ciências Sociais da UFAL
Apresentação
Honrou-me Félix Lima Júnior com a incumbência de apresentar ao público leitor de Alagoas e do Brasil a sua obra Maceió de outrora.
E digo apresentar a obra e não o autor, pois a apresentação deste é inteiramente desnecessária e, para mim, tarefa acima de minhas possibilidades.
É que Félix Lima Júnior é um nome há muito admirado e querido na província, com público certo e fiel, dentro do qual, aliás, sempre me incluí. Acadêmico, membro do Instituto Histórico, colaborador assíduo dos suplementos literários dos jornais da terra, membro da Comissão Alagoana de Folclore, da Associação Alagoana de Imprensa e de outras instituições literárias e culturais, sua vida literária é uma das mais proveitosas e úteis à terra das Alagoas e particularmente a esta cidade de Maceió.
Fora do Estado é igualmente figura querida e acatada, com artigos e trabalhos publicados na imprensa de Recife e do Rio, plaquetas na Capital da República, colaboração em várias revistas cariocas.
Contista e historiador, já era destacado intelectual, membro da Academia dos Dez Unidos e colaborador de proa d’O Bacurau, velho órgão humorístico maceioense, nos idos de vinte, quando eu, apagado aluno do Colégio Diocesano, mal sonhava um dia chamá-lo de confrade e de colega.
Foi a Comissão Alagoana de Folclore, fundada há mais de 30 anos, da qual é membro operoso e destacado, que nos aproximou. E foi meu primeiro livro – Folclore de Alagoas – que, indiretamente, de certo modo deu ensejo a que apareça agora como apresentante do Maceió de outrora.
Explico-me. Ao editar aquela obra que iniciou a 2ª Série da Coleção de Autores Alagoanos, Joaquim Ramalho deu-me a incumbência de programar a série. Procurei vários amigos e intelectuais que sabia capazes de escrever, ou que já possuíam trabalhos e pesquisas originais sobre assuntos alagoanos e lhes distribuí a matéria.
A Mendonça Júnior, este cintilante espírito, que então, nas folgas de sua primeira passagem pela Caixa Econômica, começara a bisbilhotar nas velhas coleções de jornais e documentos do nosso Instituto Histórico, inscrevi para uma biografia da ilustre família de que descende e leva o nome: Os Mendonça (História de uma família alagoana).
De Aloísio Vilela, grande conhecedor do nosso folclore, obtive o compromisso de nos dar, sob o nome de Cantadores do Nordeste, o seu trabalho, há tantos anos em preparo, reunindo o seu vasto material sobre a poesia popular nordestina, coligido em mais de 30 anos de pesquisas e vivência acuradas e efetivas.
A Carlos Ramiro Basto, que ainda estudante de Direito, em Recife, já começara a fazer pesquisas sociais, antropológicas e etnográficas sobre o pescador de Alagoas, pedi ampliasse seus estudos para uma monografia maior, a respeito do Pescador de Alagoas.
Ao prof. Luiz Lavenère, já àquela época beirando os oitenta anos lúcido, sabedor, contemporâneo e atuante em vários sucessos da vida de nossa cidade, lembrei-lhe a possibilidade de nos dar um livro que se intitularia Maceió de outrora.
De Félix Lima Júnior, que apresentara na Comissão de Folclore um trabalho sobre alcunhas e tipos populares, consegui se inscrevesse com uma obra sobre tal matéria.
Eu mesmo me inscrevi com mais um livro de Folclore — Folclore infantil — e de meu tio, Alfredo Brandão, já falecido, programei um segundo volume de crônicas alagoanas e brasileiras, com o abundante material deixado em seu arquivo e quase esquecido nos jornais da época em que foram publicados.
Infelizmente, nem uma só das obras programadas veio a lume, até hoje.
Mendonça Júnior entrou para a política e disse adeus à história dos Mendonça. Prefere ser história a escrevê-la e não sossegará enquanto não conseguir ser o 4º senador Mendonça de Alagoas.
Carlos Ramiro Basto contentou-se em alugar uma casinha para as bandas da Jatiúca e, em vez de escrever sobre o pescador da Ponta Verde, preferiu comer as curimãs gordas e os xaréus dos currais, o que é incontestavelmente mais gostoso.
Aloísio Vilela, apesar do ser um compêndio vivo de folclore, parece que vai levar todo o seu conhecimento e sua sabedoria de folk para os sete palmos. Se conseguisse tornar-se imortal como o conde Fosca, do romance de Simone de Beauvoir, talvez nestes duzentos ou trezentos anos nos desse o Cantadores do Nordeste.
O prof. Luiz Lavenère prefere ouvir hoje suas maravilhosas coleções operáticas e nos contar os sucessos do fim de século passado e começos do atual, quando dirigiu o Evolucionista e editava Zefinha e O Padre Cornélio.
Eu mesmo, solicitado daqui e dali, até hoje não achei tempo para desengavetar as rondas infantis, as parlendas, as superstições, os jogos e brincadeiras de criança e muito menos para passar a limpo as velhas crônicas do tio e padrinho querido.
Somente Félix Lima Júnior prosseguiu nas suas pesquisas sobre as alcunhas e tipos populares que, se não foram publicadas, já estão prontinhas da silva e devem, dentro de pouco tempo, vir a furo.
Diante do desprezo do prof. Lavenère pelo tema que lhe havia atribuído, Félix Lima Júnior tomou a si o encargo de escrever o Maceió de outrora, decisão para a qual nunca regateei aplausos e incentivos.
É que sentia, desde então, a necessidade que tínhamos de deixar registrados para a posteridade, os aspectos pitorescos, históricos e sociais da cidade.
Afinal, embora não fosse um historiador e nem mesmo um filho de Maceió, lastimava que esta não tivesse um pesquisador e um escritor que nos falasse de seu passado, de sua evolução como cidade, de sua história, não no caráter formalístico, geral e genérico, como o tinham feito o velho Tomaz do Bomfim Espíndola ou o Craveiro Costa, mas no sentido em que fora esboçado por Diégues Júnior, na "Evolução urbana e social de Maceió no período republicano", importante estudo que vem como apêndice na obra de Craveiro Costa — Maceió — e em Um século de vida social publicado num anuário da Casa Ramalho.
Câmara Cascudo, falando a respeito do Folclore, definiu-o como a história normal do povo, do povo hoje chamado folk, do povo amando, sofrendo, trabalhando, divertindo-se, morrendo, fazendo cultura e fazendo riqueza. Essa é a nossa tarefa de folcloristas. O nosso objetivo é o folk, é a arqueo-civilização, são as maneiras de pensar, agir e sentir, legadas pela tradição e conservadas nas camadas ditas de folk. O nosso objetivo é o fato folclórico.
A História, esta tem por objetivo o fato histórico. Mas este fato, segundo muito bem o conceituou Gilberto Freyre, é um fato único, inédito, ostensivamente dramático. Quem abra uma história de Alagoas ou de Maceió o que encontrará é a invasão batava, é a luta pela conquista dos Palmares, é o relato da participação de Alagoas na revolução de 1817, são as lutas por ocasião da mudança da Capital, da velha Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul para a nova vila deMaceió, são as lutas eleitorais, é o movimento abolicionista, as lutas dos partidários de Floriano e de Deodoro. São, em suma, os fatos marcantes, de certo modo únicos, dramáticos, da vida da cidade ou do Estado e contados e interpretados não em seus aspectos prosaicos, anedóticos, pitorescos e comuns, mas nos seus aspectos genéricos e singulares.
Mas a vida comum do povo, não somente do povo folk, mas, de todas as classes sociais, a vida da cidade, o seu desenvolvimento, os seus aspectos paisagísticos e humanos no correr dos tempos, os acontecimentos menores, de tudo isso quem nos falará? Certamente a Sociologia ou a História Social que trata, segundo o mestre de Apipucos, dos fatos que se repetem, dos fatos cotidianos, portanto, das coisas terra a terra, dos acontecimentos de todo o dia, caberá esta tarefa, mas apenas quando orientada dentro dos princípios da pesquisa, e do tratamento científico.
Nem sempre, todavia, tal tratamento é possível, nem em todas as oportunidades se podem realizar os métodos científicos de investigação social. E muito menos tratar este material, não somente como ciência pura, por vezes difícil e enfadonha de apreender-se, quanto na qualidade de verdadeira arte, arte de reconstituição da vida social de uma área ou de uma comunidade; como o fizeram, por exemplo, Gilberto Freyre em Casa grande e senzala e Sobrados e mucambos, Diégues Júnior em O Banguê nas Alagoas e as modernas monografias antropológico-sociais.
Não deixa de ser História Social e cultural contar, descrever, relatar, relacionar, referir os fatos, personagens, lugares, paisagens, pequenos acontecimentos de uma comunidade, mesmo sem a orientação estritamente sociológica ou o objetivo de investigação social.
Gilberto Freyre não recusa valor e importância a esta tarefa: A história social, mesmo a cultural, sem orientação sociológica, mas puramente descritiva ou anedótica, oferece material interessante ao sociólogo
.
É este material que Félix Lima Júnior nos oferece aqui como o seu Maceió de outrora, no estilo e no jeito com que seu êmulo e paradigma em Recife, Mario Sette, nas suas obras sobre o Recife antigo: Maxambombas e Maracatus, Anquinhas e Bernardas e Arruar.
Será não uma história e uma sociologia maiores, científicas, rigorosas nos métodos e no tratamento, mas uma história e uma sociologia menores, sim, mas talvez mais interessantes, menos enfadonhas, menos difíceis de aprender e ler. Uma história e uma sociologia também valiosas, como fonte de informação, como material de estudo e aproveitamento para o historiador e o sociólogo, e, sobretudo, de deleite para o homem sempre saudoso do seu passado, do passado de sua cidade, da belle époque
de sua mocidade ou dos tempos de seus maiores.
Esta foi a tarefa a que se dedicou Félix Lima Júnior e de que nos dá conta em Maceió de outrora. Embora alcance os dois setores extremos da História, a História propriamente dita, isto é, a dos fatos inéditos e ostensivamente dramáticos, como a conceituou Gilberto Freyre, e a História Normal do Povo, como