MORTE A SCORPION
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MORTE A SCORPION - Frederico Faria
Capítulo um
Ainda com os pensamentos voltados para o último caso importante que resolveu, João Beltrão Fagundes estava enredado com um caso relativamente fácil de resolver, mais ainda porque poderia contar, agora de modo quase que permanente, com a ajuda do investigador Rubens. Formavam uma excelente dupla, como se ambos pensassem de forma bastante parecida.
Rubens era mais dado a algumas formalidades que o direito impunha enquanto João era mais liberal, por assim dizer, mais prático, diriam outros. Não que avançasse sobre os ditames da lei. Mas tinha, pela experiência adquirida por anos e anos da profissão, maior jogo de cintura, tão somente. Porem essa pequena diferença de modo de agir não interferia de forma alguma nas relações entre eles e nas soluções que buscavam em comum. Pelo contrário, até mesmo ajudava.
Assim, Rubens, como João, também estava com pensamentos voltados para o último caso que resolveram. Embora tivessem resolvido o caso, ambos sentiam que algumas pontas não foram devidamente amarradas e algo havia ficado sem uma resposta clara, definitiva. Não porque os dois haviam deixado as pontas soltas. Com relação à missão que lhes fora dada, eles deram cabo dela totalmente. Mas deveriam, na opinião de ambos, prosseguirem com mais investigações em uma determinada direção. Todavia, obedeciam ordens, e elas vieram do seu superior, o doutor delegado Aranha. Assim, dedicavam-se eles, agora, àquilo que lhes era determinado executar ou investigar.
Quando ambos estavam na rua dedicando-se à solução de algo novo, e isso é o que acontecia no momento, comentavam sobre o assunto e, mesmo sem estarem investigando o que ficara não totalmente resolvido, a conversa entre os dois girava, com bastante freqüência, como se estivessem em plena investigação daqueles fatos, analisando possibilidades, projetando resultados, enfim, o assunto era, ainda, a Scorpion.
Rubens tinha uma série de teorias sobre o assunto e as revelava com bastante entusiasmo para João. João, de seu turno, também era dado a elaborar teorias e as revelava com igual entusiasmo para Rubens. Esse estado de coisas já estava rolando entre os dois há alguns meses...
- Viu João... você sabe se alguém está dando continuidade ao caso da Scorpion lá na delegacia?
- Não tenho idéia. A última vez que perguntei ao doutor delegado sobre a Scorpion ele me informou que estava estudando em dar continuidade às investigações. Mas não demonstrou grande entusiasmo e eu também não voltei a perguntar.
- Que tal a gente fazer algumas incursões nesse assunto? Você topa? Eu digo, quando sobrar algum tempinho fazemos algumas perguntas aqui e ali... Sem relatório oficial. Ninguém precisa ficar sabendo pra ficar na nossa cola. Que tal?
- Eu já vinha pensando nisso...
- Então está topado! Vamos resolver esse caso até nada mais ficar nos encucando...
- Espera aí. Vamos planejar com cuidado os nossos passos para não termos que engolir sapos... Você sabe como é o delegado e como ele fica fulo da vida com coisas que escapam a sua inteira ciência e controle.
- Tudo bem... É o certo a fazer. Vamos planejar.
- Pense no assunto e amanhã vamos voltar a conversar --- disse João, pondo fim aquela conversa sobre a Scorpion, naquele momento ---.
O caso que presentemente estavam investigando era de roubo a uma residência de alto padrão, onde dois elementos haviam entrado, armados com arma de fogo, mascarados, quando o portão automático da garagem ainda estava aberto para a entrada de carro do dono da casa, num fim de dia. Esses os fatos preliminares que lhes foram passados pelo delegado.
Estavam se dirigindo ao local do roubo para tomarem as devidas providências, pois a delegacia havia sido acionada a pouquíssimo tempo atrás.
Encontraram uma família aterrorizada, esfalfada, sem dormir nas últimas quatorze quinze horas, o varão com sinais visíveis de violência física, a varoa com os olhos esbugalhados de tanto chorar, as crianças ainda sem muita compreensão do ocorrido. Verdadeiramente era um quadro triste de se observar, mormente considerando-se que os elementos forçaram de todos os modos que revelassem a posse de coisas que não possuíam. Queriam dólares, euros, dinheiro vivo, ouro, enfim, esses elementos deveriam imaginar que tais riquezas são corriqueiras em uma residência de alto padrão. Isso não é verdade! Nada robustece tal opinião, à luz da situação atual que se vivencia no país, na sociedade.
De qualquer maneira, João e Rubens deveriam tentar obter daquelas criaturas traumatizadas e ainda vendo em suas mentes o filme de horror que protagonizaram, informações, as mais precisas o possível para que pudessem seguir com as investigações.
Ficaram sabendo que os elementos levaram aparelhos celulares, anéis, alianças, algumas jóias valiosas da varoa, o dinheiro que tinham à disposição em casa, comeram, beberam e se foram, pelo fim da madrugada, deixando ameaças no ar, de que voltariam se a polícia os perseguisse, que matariam esse e aquele, enfim, puro terrorismo.
As vítimas estavam ainda sob o torpor do acontecido de maneira que suas informações eram de certa forma ainda quentes. Porem, com a intimidação que sofreram, muitos detalhes vem destorcidos e devem ser interpretados pelo investigador, que então, formula novas questões para aclarar as coisas. Dessa forma essa obtenção de informações nessa ocasião é bastante desgastante, tanto para as vítimas como para quem toma as informações.
O varão, quando entrevistado, era quem mais informações pôde fornecer. Estava, agora que os elementos já haviam ido embora, mais calmo e raciocinando normalmente. Embora tendo sofrido violência em sua higidez física, estava demonstrando boa disposição para fornecer informações e sua memória era bastante prodigiosa quanto a detalhes, coisa que ajuda em muito em uma investigação desse tipo de crime.
Rubens o entrevistava.
Após receber todas as informações que julgava importantes, Rubens perguntou:
- Há mais alguma coisa que o senhor deseja me informar, falar, comentar...?
- Esses safados entram na minha casa, fazem o que querem, roubam o que querem, fazem ameaças, e sabe porque? Porque sabem que estamos desarmados. Porque obedecemos uma lei burra que nos desarmou por completo. Se fosse permitido a todos ter armas em casa a coisa seria outra...
Sem comentários, embora mentalmente concordando com o que disse a entrevistado, Rubens deu a entrevista por terminada. Embora sem fazer comentários àquilo que lhe dissera o varão, a vítima, Rubens concordava com tudo que ele dissera. Se todos tivessem armas em casa, os safados pensariam muito mais nos riscos e se absteriam de tanta desfaçatez e temeridades. É uma questão de lógica elementar.
João também já estava quase no fim da obtenção de informações junto às vítimas e Rubens permaneceu na espera aproveitando para falar com o filho mais velho do casal. Era um jovem de apenas dez anos, se tanto. Tinha tido uma experiência traumática que não é privilégio
de muitos nessa idade. Teria ele estórias para contar para os amigos.
- Como é seu nome? --- perguntou-lhe Rubens ---
- Bruno.
- Quantos anos você tem?
- Onze.
Pelo visto Bruno não era de muita prosa, ou era tímido ou era caladão. Tem pessoas que não gostam muito de falar, não gostam da própria voz ou simplesmente só falam o necessário...
- Ficou com medo?
- Um pouco. Mais medo com o que poderiam fazer com minha mãe e com meu pai que não podiam atender aquilo que eles queriam...
- Mas felizmente nada pior aconteceu. Somente seu pai teve alguns pequenos ferimentos e nada mais...
- É mais, o bandido brandia sua arma a todo instante. Apontava para todos, e a todos amedrontavam. Podia disparar sem querer... Acho que estavam drogados... Falavam muitas coisas desconexas, sem sentido. Gíria... que eu não compreendia.
Continuando, talvez pela atenção com que o investigador o ouvia, Bruno que agora soltava a voz mais desinibido, deu uma informação preciosa a Rubens, que continuava a ouvir com toda atenção,.. pois não sabia se a mesma informação havia sido dada a Jõao.
O garoto falou:
- Um deles tinha uma tatuagem no pescoço. Meu, aquilo deve doer pra burro pra fazer naquele local. Eu é não deixaria ninguém me tatuar no pescoço.
- Se lembra como era essa tatuagem?
- Era como se fosse um beijo. Lábios vermelhos... Nunca tinha visto essa...
- Bom... Bruno, meu colega já está vindo e vamos embora. Se souber de mais algum detalhe que ache importante me ligue lá na delegacia, ou vá me visitar... Tá bom? Obrigado pelas informações, elas foram valiosas.
- Ok.
E Rubens notou a feição de plena satisfação do garoto ao receber essas palavras de agradecimento e incentivo.
João se despedia do casal de vítimas no meio do alvoroço que a técnica fazia para apanhar provas, levantar impressões digitais e tudo mais.
Já no carro, de volta para a delegacia, Rubens informou João sobre o que o garoto havia lhe falado, sobre a tatuagem no pescoço. Ótimo, pois João não soubera desse detalhe, escapara ao garoto quando lhe falava. Essa complementação só aparece em trabalho em equipe, duas cabeças pensam mais que uma...
- Pelo que as vítimas falaram, sobre roubarem jóias, anéis e alianças de ouro, por certo vão esses safados correndo para um receptador de ouro para obterem algum dinheiro --- raciocinou falando João, com sua experiência nesses casos ---.
- Quanto de dinheiro havia na casa? --- perguntou Rubens, que não perguntara ao varão especificamente sobre tanto, pois que se esquecera desse detalhe importante ---.
- A vítima, a senhora, disse que perto de dois mil reais...
- Então esses elementos não vão correr para vender as jóias tão cedo. Esse valor dá para um bocado de droga... Só quando o dinheiro acabar é que eles vão querer vender as peças roubadas. O garoto falou que acha que