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Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI: prosa e outras escrituras
Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI: prosa e outras escrituras
Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI: prosa e outras escrituras
E-book331 páginas4 horas

Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI: prosa e outras escrituras

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Sobre este e-book

A diversidade que permeia o conjunto de estudos críticos de Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI: prosa e outras escrituras caminha em paralelo ao que Beatriz Resende aponta como multiplicidade, uma e outra se impondo como marcas distintivas da literatura contemporânea. Quebra de fronteiras entre campos do conhecimento, mescla de gêneros e estilos, hibridização com outras formas artísticas e midiáticas e discussões sobre as temáticas candentes da atualidade são aspectos de destaque nesta obra, trazendo novas contribuições à fortuna crítica desse elenco de autoras e autores que, cada qual com estilo e projeto literário próprio, ficcionalizam, recriam e reencenam a nossa contemporaneidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de dez. de 2021
ISBN9786587387505
Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI: prosa e outras escrituras

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    Pré-visualização do livro

    Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI - Rafael Climent-Espino

    Capa do livro

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    Reitora: Maria Amalia Pie Abib Andery

    Editora da PUC-SP

    Direção:

    José Luiz Goldfarb (até 28/2/2021)

    Thiago Pacheco Ferreira (a partir de 1º/3/2021)

    Conselho Editorial

    Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente)

    Ana Mercês Bahia Bock

    Claudia Maria Costin

    José Luiz Goldfarb

    José Rodolpho Perazzolo

    Marcelo Perine

    Maria Carmelita Yazbek

    Maria Lucia Santaella Braga

    Matthias Grenzer

    Oswaldo Henrique Duek Marques

    Frontspício

    © 2021 Rafael Climent-Espino e Michel Mingote Ferreira de Ázara. Foi feito o depósito legal.

    Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

    Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI : prosa e outras escrituras / Rafael Climent-Espino; Michel Mingote Ferreira de Ázara (orgs.) - São Paulo : EDUC, 2021.

        Bibliografia

        1. Recurso on-line: ePub

        ISBN 978-65-87387-50-5

    Disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas.

    Acesso restrito: http://pucsp.br/educ

    Disponível no formato impresso: Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI : prosa e outras escrituras / Rafael Climent-Espino; Michel Mingote Ferreira de Ázara (orgs.) - São Paulo : EDUC, 2021. ISBN 978-65-87387-33-8.

    1. Literatura brasileira - Séc. XXI - História e crítica. I. Climent-Espino, Rafael. II. Ázara, Michel Mingote Ferreira de.

    CDD 869.909

    Bibliotecária: Carmen Prates Valls – CRB 8A./556

    Publicação financiada pela Faculdade de Artes e Ciências e pelo Departamento de Línguas e Culturas Modernas da Baylor University.

    EDUC – Editora da PUC-SP

    Direção

    José Luiz Goldfarb (até 28/2/2021)

    Thiago Pacheco Ferreira (a partir de 1°/3/2021)

    Produção Editorial

    Sonia Montone

    Preparação e Revisão

    Paulo Alexandre Rocha Teixeira

    Editoração Eletrônica

    Gabriel Moraes

    Waldir Alves

    Capa

    Waldir Alves

    Imagem: Mural, #2 by Rahul Narain, CC BY 2.0

    Administração e Vendas

    Ronaldo Decicino

    Produção do e-book

    Waldir Alves

    Revisão técnica do e-book

    Gabriel Moraes

    Rua Monte Alegre, 984 – sala S16

    CEP 05014-901 – São Paulo – SP

    Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558

    E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ

    Prefácio

    Helena Bonito Couto Pereira

    ¹

    Instituto Presbiteriano Mackenzie

    A diversidade temática e estética alcançou lugar privilegiado no arco de abrangência da produção literária contemporânea, como demonstram os doze textos críticos reunidos nesta coletânea. A compreensão e a interpretação da realidade globalizada em que estamos mergulhados, perplexos com o ritmo vertiginoso das mudanças, pressupõem o reconhecimento da diversidade em todas as esferas da vida artística, cultural, social e política. Os movimentos que agitaram a segunda metade do século passado intensificaram a percepção do fenômeno da diversidade, abrindo espaço para que novas personagens fizessem ecoar novas vozes, no ambiente sociocultural, político e econômico no mundo todo. Isso significa a (tardia) rejeição a um equivocado conceito de homogeneidade, historicamente construído, marcado por identidades fixas, como se o gênero ou a etnia fossem atributos indissociáveis de cada ser humano, aprisionado perenemente em uma única possibilidade de identificação étnica ou sexual. Tais movimentos – feminista, queer, LGTB e outros, sob demais denominações, ou ainda o recente Me Too –, por mais controversas que possam ter sido suas iniciativas, e complicadas as reações que suscitaram, alçaram ao primeiro plano o respeito à alteridade e à diversidade. Numa inesperada e quase completa coincidência cronológica, registrou-se o despertar da consciência pós-colonial, conclamando as sociedades ocidentais a um novo olhar para realidades infinitamente díspares, cuja complexidade não poderia mais ser ignorada.

    Vinculadas ao mundo real, porém longe de ser seu mero espelho ou reflexo, a literatura e as demais artes constroem artefatos empregando signos esteticamente elaborados que nos permitem fruir o prazer estético e transformar suas criações em recurso privilegiado para a interpretação do mundo à nossa volta. É nesse ponto que a diversidade se impõe como palavra-chave da vida contemporânea, assegurando o espaço de expressão a escritores de diferentes gêneros ou identidades sexuais, provenientes de diferentes etnias, vivendo, ainda que no mesmo país, em condições socioeconômicas notavelmente diversas.

    Em um movimento paralelo, a diversidade se expande em novas e ousadas combinações em nível formal, nas manifestações estéticas, seja por meio de experimentalismos, seja borrando os limites entre ficção, poesia, teatro ou ensaio. Aos meios tradicionais de veiculação associam-se as potencialidades das mídias eletrônicas, resultando no advento de vozes até então excluídas da cena literária, artística, cultural, social, política.

    A questão da identidade nunca se imprimiu com tanta força, em especial no que tange à etnia e ao gênero. Em meio aos movimentos migratórios cada vez mais intensos e ao consequente despertar da consciência da alteridade, diferentes etnias enraizadas de longa data no nosso país passam a ser alvo de tematização no campo literário. Como informam os pesquisadores Rafael Climent-Espino e Michel Mingote Ferreira de Ázara, organizadores do livro, em sua introdução, muito apropriadamente intitulada Veredas da literatura brasileira no século XXI: diversidade, reflexão e compromisso, o termo negritude, cunhado há cerca de um século e, após, lenta propagação nas culturas ocidentais, consolidou-se no Brasil com o recente reconhecimento e a valorização de autoras e autores oriundos ou descendentes da diáspora africana. Vêm ao encontro dessa temática, os textos críticos sobre Dione Carlos, dramaturga e poeta que, em uma perspectiva interartística, compõe um novo teatro negro; e sobre Edimilson de Almeida Pereira, poeta-filósofo, contemplado em um estudo que aprofunda a temática por meio de referências bibliográficas consistentes, em meio às quais desponta o conceito inovador (para muitos de nós) de Afropolitanismo.

    Vale lembrar, ainda no campo da etnia, a presença de Oscar Nakasato, que em Nihonjin traz a cultura nipônica, representada em nossa literatura aquém da sua relevância na cultura brasileira. Nakasato recria a imigração do Extremo Oriente no Brasil, acrescentando esta às representações de imigrantes do Oriente Próximo, em especial libaneses, presentes há décadas nos romances de Milton Hatoum e Raduan Nassar.

    Para além da temática, são discutidos componentes analíticos da narrativa, como o espaço que, na ficção de Adriana Lisboa e Luciana Hidalgo, traze à cena o multiculturalismo. Espaços de trânsito entre diferentes cidades, países e continentes, ultrapassando fronteiras e apresentando o processo de construção identitária de personagens em mobilidade, aproximando a prosa literária da prosa ensaística de Stuart Hall (2002). As referências às escritoras nos conduzem à discussão sobre o gênero, em que não só elas, enquanto produtoras de textos, como também as personagens femininas que povoam seus romances revelam força e determinação. Acrescente-se a prosa poética cuidadosamente examinada em ensaio sobre Odradek, em que sobressai a criatividade radical de Elvira Vigna. Não menos radical é a criatividade de Maira Parula, que transita à vontade nas mídias sociais, mesclando seus textos poéticos e em prosa a música e fotografia.

    A sexualidade humana, sempre presente na literatura, tem sido ficcionalizada sob diferentes perspectivas. Um dos estudos propõe romper barreiras e integrar, à crítica, um tema que dificilmente encontrou expressão própria na voz de quem o vivenciou, qual seja, o da prostituição, analisando as obras de Bruna Surfistinha e Gabriela Leite. Tais narrativas, em outros tempos, seriam consideradas pertencentes a gêneros menores e sumariamente excluídas do campo literário. Como observou Márcia Abreu, os críticos tradicionais restringiam o próprio trabalho às obras consideradas como alta literatura, avaliando-as não só pela excelência de seu texto (Abreu, 2006, pp. 98-99), mas levando em conta outros fatores, dentre os quais a posição de seu autor no campo literário e a sua própria imagem e concepção de literatura.

    Em modo diverso, entrecruzam-se os temas, e a sexualidade ressurge no desejo, sobrecarregado paradoxalmente de angústia e esperança, em estudo sobre João Gilberto Noll.

    Ainda no campo temático, as relações muitas vezes indissociáveis entre literatura e filosofia estão presentes nos textos sobre Fausto Fawcett e Nuno Ramos. Quanto a este último, vale ressaltar que tanto a filosofia quanto as artes são intrínsecas à sua produção literária, de natureza múltipla e difícil classificação.

    Os estudos críticos expõem a diversidade também na camada significante, nas formas da expressão: a narrativa tradicional e a renovada (pós-moderna, desconstruída ou em outras variações), a criação poética, seja de livre inspiração, de raiz filosófica, mesclada à dramaturgia ou a outras artes – música, pintura. Formulações discursivas também se submetem ao exame crítico, e uma delas sobressai no texto crítico sobre Morre, Bolsonaro, a coletânea de contos em forma de obituário que certamente seria incompatível com os parâmetros da crítica tradicional.

    A diversidade que permeia o conjunto de estudos críticos de Perspectivas críticas da literatura brasileira no século XXI: prosa e outras escrituras caminha em paralelo ao que Resende (2008) aponta como multiplicidade, uma e outra impondo-se como marcas distintivas da literatura contemporânea. Quebra de fronteiras entre campos do conhecimento, mescla de gêneros e estilos, hibridização com outras formas artísticas e midiáticas e discussões sobre as temáticas candentes da atualidade são aspectos de destaque nesta obra, trazendo novas contribuições à fortuna crítica desse elenco de autoras e autores que, cada qual com estilo e projeto literário próprio, ficcionalizam, recriam e reencenam a nossa contemporaneidade.

    Referências

    ABREU, Márcia (2006). Cultura letrada. Literatura e leitura. São Paulo, Edunesp.

    HALL, Stuart (2002). A identidade cultural na pós-modernidade. 7. ed. Trad. de Thomaz T. Silva e Guacira L. Louro. Rio de Janeiro, DP&A.

    RESENDE, Beatriz (2008). Contemporâneos. Expressões da literatura brasileira no século XXI. Rio de Janeiro, Casa da Palavra.


    Nota

    1 Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Letras CCL – Centro de Comunicação e Letras Instituto Presbiteriano Mackenzie Campus Higienópolis/SP.

    Sumário

    Introdução

    Veredas da literatura brasileira no século XXI: diversidade, reflexão e compromisso

    Rafael Climent-Espino

    Michel Mingote Ferreira de Ázara

    PROSAS

    1

    Adriana Lisboa: revisitando a cidade a partir de um espaço de enunciação fronteiriço

    Kátia da Costa Bezerra

    2

    Espaço, exílio e identidade em Rio-Paris-Rio de Luciana Hidalgo

    Michelle Medeiros

    3

    A narrativa de prostitutas por um viés literário: contraste entre as obras de Bruna Surfistinha e Gabriela Leite

    Esther Teixeira

    4

    Uma obra para o que há de vir: a espera e a esperança em João Gilberto Noll

    Anderson da Mata

    5

    Filosofia-Ficção – Favelost, de Fausto Fawcett

    Tiago Cfer

    6

    Literatura sob (e sobre) Bolsonaro

    Rodrigo Lopes de Barros

    7

    Características da narrativa de Oscar Nakasato: Nihonjin e Dois como romances de família

    Rafael Climent-Espino

    OUTRAS ESCRITURAS

    8

    Tecnologias poéticas afro-brasileiras na dramaturgia de Dione Carlos

    Marcos Fábio de Faria

    9

    Poética do desabrigo: poesia e filosofia em Edimilson de Almeida Pereira

    Michel Mingote Ferreira de Ázara

    10

    Retratos de Odradek e de outros artistas da fome

    Sabrina Sedlmayer

    11

    Ó, de Nuno Ramos: repetir, diferir, simular

    Rafael Lovisi Prado

    12

    Dos olhos que nunca fecham: sobre a escrita de Maira Parula

    Hugo Lima

    Colaboradores

    Introdução

    Veredas da literatura brasileira no século XXI: diversidade, reflexão e compromisso

    Rafael Climent-Espino

    Michel Mingote Ferreira de Ázara

    A enorme abundância de textos dramáticos, poéticos e narrativos publicados no Brasil desde o início do século XXI indica que qualquer projeto de análise que tente abranger toda essa produção é uma empresa condenada ao fracasso, como já assinalaram outros críticos (Schøllhammer, 2009, p. 147). Todavia, há inúmeras compilações e estudos que analisam as trilhas da literatura brasileira no século XXI.¹ A produção literária no novo milênio escapa a qualquer taxonomia crítica. Nas duas últimas décadas, a explosão de escritores, obras literárias e editoras independentes diversificou exponencialmente a oferta, sendo que esses fatos não têm comparação com períodos anteriores.² Nessas duas décadas do século XXI, alguns escritores resgatam gêneros menores ligados a uma literatura do entretenimento que é também parte importante da produção literária do novo milênio.³ Na tentativa de desenhar os caminhos da derradeira literatura brasileira, tomamos como ponto de partida a produção literária do século XX, para, grosso modo, ligá-la ao acontecer literário de nossos dias, pois como afirma Tânia Pellegrini: Uma das formas de tentar compreender os rumos da ficção brasileira hoje é, paradoxalmente, voltar um pouco os olhos para aqueles que, a partir de ontem, trouxeram-na até aqui (2008, p. 15). Com a perspectiva desse olhar para trás poderemos arriscar algumas hipóteses das veredas que percorreu e percorre a última poesia, prosa e teatro brasileiros.

    Durante o século XX, a literatura brasileira passou por períodos de mais ou menos compromisso formal e social. Nos últimos anos da Primeira República, a Semana de Arte Moderna (1922) foi o acontecimento artístico decisivo para estabelecer os rumos da arte nas seguintes décadas. A primeira geração modernista, influenciada pelas vanguardas europeias, incorporou a novidade do cinema e das artes na literatura com a intenção de inovar na linguagem, constata-se esse fato na obra de Manuel Bandeira, Mário e Oswald de Andrade. As linhas poéticas principais desse grupo se observam no Manifesto da poesia pau-brasil (1924) de Oswald de Andrade, em que já se notava a importância de unir a cultura mais erudita com a popular. As ideias para as artes em geral do Manifesto Antropófago (1928), também de Oswald de Andrade, refletiam sobre como assimilar as influências estrangeiras na cultura brasileira para achar o que é próprio do Brasil e afirmar uma cultura nacional. Eis o interesse de Mário de Andrade pelo folclore que começou a aproximar a cultura erudita e popular ao mesmo tempo que ponderava sobre a heterogeneidade racial do Brasil em Macunaíma (1928), em que o protagonista estabelece justaposições entre os três grupos étnicos majoritários: negros, indígenas e brancos.⁴ A mistura entre cultura erudita e popular, a assimilação das influências estrangeiras e a reflexão sobre questões raciais continuam tendo uma forte presença na literatura brasileira do século XXI, mas, como veremos, agora com uma riqueza de nuances então insuspeita.

    A segunda geração modernista, ou neorregionalista, estava ligada ao projeto ideológico dos romancistas do nordeste com textos de grande qualidade publicados durante os primeiros anos da Era Vargas. As figuras principais foram Rachel de Queiroz (O quinze, 1932), José Lins do Rego (Menino de engenho, 1932), Jorge Amado (Cacau, 1933) e Graciliano Ramos (Vidas secas, 1938).⁵ É nesses anos que Gilberto Freyre, em Grande casa senzala (1933), expõe suas teorias acerca da formação sociocultural brasileira, deixando margem para que se depreendesse, em sua obra, a ideia de democracia racial, que será fortemente questionada durante as últimas décadas do século XX. Alguns desses escritores também escreveram uma literatura de denúncia, é o caso de Memórias do cárcere (1953), em que Graciliano Ramos relata seus anos na cadeia durante a ditadura de Getúlio Vargas, e intensifica a produção de uma literatura mais engajada. Esse compromisso com a realidade social se tornará mais evidente após o golpe militar de 1964. Pode-se afirmar que parte da literatura brasileira tem olhado sempre para a realidade social como matéria-prima com a que construir. Após o golpe do 1964, merecem destaque os romances de Antônio Callado (Quarup, 1965) e José Agrippino de Paula (PanAmérica, 1967). Depois da aprovação do Ato Institucional número 5 (AI5) em 1968, a repressão aumenta, fato que faz surgir outros romances que denunciam essa situação durante os anos 1970, com a aparição e o desenvolvimento do romance-reportagem durante o período da ditadura, caso de Ivan Ângelo (A festa, 1975) e Ignácio Loyola Brandão (Zero, 1975) onde há duras descrições de torturas físicas e psicológicas infringidas contra aqueles que foram considerados subversivos pelo regime ditatorial. Segundo Flora Süssekind se o jornal está sob censura rigorosa, cabe à literatura exercer a sua função. Por isso ficção e jornalismo se tornam termos inseparáveis nos anos setenta. Por isso os grandes sucessos editoriais são narrativas factuais e não ficcionais (1984, p. 174). Aparecem também romances de denúncia na obra de Jorge Amado (Tenda de milagres, 1969), Lygia Fagundes Telles (As meninas, 1973) e João Ubaldo Ribeiro (Sargento Getúlio, 1975).

    No teatro, Nelson Rodrigues foi o grande dramaturgo do século XX com seu texto clássico Vestido de noiva (1943). Além de Rodrigues, merece especial destaque a aparição do TEN (Teatro Experimental do Negro) criado por Abdias Nascimento na década dos 1940 com a ideia de conscientizar o público brasileiro e internacional a respeito das problemáticas étnico-raciais do país. O teatro dos anos 1950 esteve também engajado com os problemas sociais, é o teatro de Vianna Filho e Ariano Suassuna. Nessa linha de denúncia, estão também as propostas inovadoras de Augusto Boal como o Teatro do Oprimido durante a década dos 1970. Ligado a esses temas, interessa salientar a análise que Marcos Fábio de Faria faz nesta coletânea sobre o movimento do teatro negro na cena brasileira do século XXI, focando seu trabalho no que ele chama de tecnologias poéticas afro-brasileiras que examina na obra da dramaturga Dione Carlos. Haverá que adicionar no fim do século XX e as primeiras décadas do XXI uma maior presença das artes performáticas.

    Não por acaso, é durante o período da ditadura que aparece o que Alfredo Bosi chamou de estilo ou narrativa brutalista (1977, p. 18) para se referir a alguns textos de Dalton Trevisan e Rubem Fonseca onde a violência tem um papel muito relevante.⁶ Essa narrativa é próxima ao romance policial ou noir, onde o espaço ficcional são as grandes urbes, Rio de Janeiro no caso do Rubem Fonseca, principal figura dessa corrente com a coletânea de contos Feliz ano novo (1975), e os romances A grande arte (1983) e Bufo & Spallanzani (1986). Neles, os criminosos vêm de todas as camadas da sociedade, a violência parece ser uma caraterística humana não ligada ao estrato social.⁷ Uma filiação com essa narrativa no tratamento da violência são os relatos virados para a narrativa de terror, romances recentes de grande sucesso como Dias perfeitos (2014), Jantar secreto (2016) ou Uma mulher no escuro (2019) de Raphael Montes podem ser considerados descendentes dessa tradição noir.⁸ Há também nomes importantes na ciência-ficção brasileira em que as sociedades distópicas parecem a nota dominante, é o caso de Favelost (2012) de Fausto Fawcett, texto analisado em pormenor neste volume por Tiago Cfer desde uma original perspectiva.

    Destaca-se ainda nas décadas de 1960 e 1970 a produção de Clarice Lispector cuja obra literária de carácter intimista se pode considerar um verso avulso dentro do panorama literário da época.⁹ Os anos 1980 e 1990 são as décadas da consolidação de escritores como João Gilberto Noll, Ana Miranda e Dalton Trevisan, que continuarão publicando durante o século XXI e que têm hoje uma obra bem considerada pela crítica. É sobre as narrativas de João Gilberto Noll que este volume inclui a análise de Anderson da Mata.

    Coetâneos a esse percurso na narrativa, desenvolveram-se movimentos poéticos como o concretismo desde a aparição em 1956 da revista Noigandres com poetas fundamentais, como Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos. A poesia social dos anos 1960 é uma poesia engajada de resistência à ditadura militar com Ferreira Gullar como figura principal. Além disso, a aparição da Bossa Nova no fim da década dos 1950 teve influência na poesia, o samba é iniciado com o disco Chega de saudade de João Gilberto, que junto com Tom Jobim e Vinícius de Moraes são os nomes fundamentais e precursores do movimento poético essencialmente musical que começara no fim da década dos 1960: a Tropicália, com Torquato Neto, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Os Mutantes e Tom Zé, entre outras figuras importantes. Na década dos 1970, aparece a poesia marginal, ou a geração de mimeógrafo, pois produziam livros artesanalmente, é nesse sentido que se deve entender o nome de poesia marginal, uma produção à margem do mercado editorial e dos círculos intelectuais que representava o concretismo. Escritores de destaque são Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar e Chacal. Esse movimento teve uma forte influência das revoltas contra culturais surgidas na Europa e nos Estados Unidos. Nesta coletânea, Hugo Lima analisa como a poesia de Maira Parula atravessa diferentes suportes digitais como alternativa a publicar nos formatos tradicionais.

    Além da poesia marginal, é importante salientar a presença da poesia afro-brasileira ou poesia negra brasileira, sobretudo a partir da década de 1940. Se o trabalho de Abdias do Nascimento fora um marco para as reverberações do movimento político, estético, ideológico e cultural da Negritude no Brasil, as questões e problemáticas surgidas com o movimento começam a ganhar proeminência na cena literária brasileira.¹⁰ Assim se observa na poesia contestatária de Solano Trindade, nas décadas de 1940 e 1960, e na geração a partir dos anos 1970, tanto de poetas quanto de prosadores, casos de Adão Ventura, Muniz Sodré, Oswaldo de Camargo, Nei Lopes, Edimilson de Almeida Pereira, Cuti, Carolina Maria de Jesus, até os mais recentes, como Conceição Evaristo, Cidinha da Silva, Marcelo Ariel, Lubi Prates e Ricardo Aleixo.¹¹ Destacamos aqui a obra de Edimilson de Almeida Pereira, analisada por Michel Mingote Ferreira de Ázara, em que se salienta que o poeta juiz-forano se consolidou como uma das grandes vozes da poesia brasileira, não apenas pelo vigoroso trabalho que gira em torno das questões levantadas inicialmente pelo movimento da Negritude, como também por trazer à tona temáticas outras como aquelas advindas da diáspora negra, da identidade do sujeito contemporâneo, dos processos de sociabilização, do ser no mundo, da mundialidade e do diálogo intertextual e interartístico.

    Entre a problemática do gênero e raça compreendemos ser a obra de Carolina Maria de Jesus fundamental para a comunidade afro-brasileira. Textos essenciais como Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960) marcam um ponto de inflexão para que no fim do século XX apareçam escritoras como Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves, além de projetos para apoiar os escritores afrodescendentes, sendo pioneiro o coletivo Quilombhoje (1982) em São Paulo, criado para incentivar a leitura e dar visibilidade a textos e autores afrodescendentes, e também os Cadernos Negros, para divulgar a poesia escrita por afro-brasileiros. Além disso, há hoje projetos específicos para o estudo da literatura afro-brasileira como Literafro – o Portal da Literatura Afro-brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais e inclusive editoras especificamente voltadas para a publicação de autores afro-brasileiros.¹² O volume que se apresenta é diverso nas vozes que analisa em relação ao gênero e minorias étnicas. Pode-se afirmar que todos os escritores aqui analisados procuram de uma ou de outra maneira se relacionar com suas realidades sociais desde perspectivas diversas. Umas mais abrangentes historicamente, outras mais intimistas ou pessoais, mas um dado destacável é o incremento da diversidade de personagens que se inserem nos textos literários.

    Com a Redemocratização em 1985, há uma grande difusão de vozes e de temáticas até então silenciadas pela repressão da ditadura. A democracia racial, promovida de certa forma pelo governo militar, ao vangloriar o processo de miscigenação que servia, no final das contas, para escamotear as discriminações de cunho étnico-raciais na sociedade brasileira, agora é questionada e rejeitada por escritores e pesquisadores.¹³ A ideia atribuída a Gilberto Freyre nos anos 1930 passa agora a ser conhecida como o mito da democracia racial nos círculos intelectuais, pois a segregação racial e social sempre foi evidente na realidade brasileira. As reivindicações históricas da população afro-brasileira ganham novo fôlego a partir de 1985. A democracia traz uma abertura ao reconhecimento de direitos civis de grupos que, até então, estiveram oprimidos, como é o caso do movimento feminista ou das associações em defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+. A esses grupos haveria que adicionar a voz das comunidades de imigrantes e minorias étnicas que começam a se incorporar às letras brasileiras.¹⁴ Todas essas vozes silenciadas durante décadas relatam agora suas experiências, com frequência em primeira pessoa, ao mesmo tempo que formulam discursos contra hegemônicos e pedem espaço na cena literária brasileira. Assim, as vozes e os temas tratados se diversificam como nunca antes acontecera na literatura nacional. Antes marginalizadas, agora essas vozes aparecem como subjetividades que emergem desde a periferia espacial, social, econômica e cultural

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