Olhar feminino: O Norte na direção
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Olhar feminino - Pâmela Eurídice Beleza Baltazar
Olhar Feminino:
O Norte na Direção
Pâmela Eurídice Beleza Baltazar
Copyright © Grupo Estante, 2021
Todos os direitos reservados.
Olhar feminino: o Norte na direção
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma – meio eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravação ou sistema de armazenagem e recuperação de informação – sem a permissão expressa, por escrito, do editor.
O texto deste livro obedece às normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Editor-chefe
Mário Bentes
Capa
Angélica Pinheiro
Revisão
Barbara Parente
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B197o Baltazar, Pâmela Eurídice Beleza
Olhar feminino [recurso eletrônico] : o Norte na direção / Pâmela Eurídice Beleza Baltazar. – Manaus, AM: Casa Literária, 2021.
Dados eletrônicos (1 ePub ; 2.7 mb).
ISBN 978-65-88157-29-9
1. Cinema – História. 2. Mulher e sociedade. I. Título.
CDU 791.43(091)
Bibliotecária responsável: Bruna Heller – CRB 10/2348
Índice para catálogo sistemático:
1. Cinema 791.43
2. História (091)
Grupo Estante
editor@grupoestante.com.br
Agradecimentos
Quero agradecer à Prefeitura de Manaus, por oportunizar a realização deste projeto por meio da Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos.
À Biblioteca Mário Ypiranga Monteiro, pela paciência e concessão da consulta documental nos acervos de jornais antigos na hemeroteca.
Ao Cine SET, por possibilitar enxergar o cinema além da minha redoma.
Às diretoras amazonenses, pela troca durante nossas conversas e pela disponibilização de suas produções.
À minha família, por sempre me apoiar e acreditar neste projeto, em muitos momentos, mais do que eu.
Introdução
Qual a importância de discutir um cinema feito por mulheres?
Não sei o que se passa em sua mente quando ouve esse tipo de questionamento, mas, pelas próximas páginas, essa é uma das discussões centrais que você encontrará. Vivemos um momento em que minorias têm procurado sua voz e conquistado visibilidade, entretanto ainda há alguns aspectos na nossa sociedade nos quais essas vozes não encontram espaço suficiente para expansão e reconhecimento.
O cinema feito por mulheres está, ainda, nesse vale.
Por que falar disso?
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2018[1], o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. Jogando o valor para porcentagens, 51,7% da população brasileira é formada por mulheres. Essa representatividade numérica deveria nos dar ao menos um alento na busca por igualdade. A questão é que quando se observa essa informação mais atentamente, percebe-se o quanto o Brasil está longe de ser um lugar ideal para mulheres.
Não é a intenção nos atermos a esses valores, mas vamos refletir um pouco o quanto eles revelam sobre a questão de gênero no país. Para começar, a diferença na média salarial entre homens e mulheres é de aproximadamente R$ 500,00, apesar de o índice de mulheres que concluem o ensino médio ser maior que o de homens (73,5% mulheres e 63,2% homens). Os papéis de gênero impostos pela sociedade obrigam os rapazes a entrarem no mercado de trabalho mais cedo do que as moças. Essa prerrogativa auxilia a existência de uma trajetória escolar irregular, na qual as mulheres atingem, em média, um nível de instrução superior ao dos homens. Mesmo assim, a desigualdade ainda impera. Observem as turmas de graduação e pós-graduação e qual o gênero da maior parte dos educadores.
Se nos baseássemos pelo nível acadêmico, poderíamos supor, então, que ao menos a participação das mulheres em cargos de liderança seria pareada. No entanto, os homens ainda ocupam 60,9% dos cargos gerenciais, enquanto as mulheres, 39,1%. Essa disparidade aumenta em relação às mulheres negras e pardas, já que apenas 37,2% delas atuam em posições de comando. Pense em quantas mulheres você conhece em cargos de gerência. Sendo um pouco mais específico, quantas não caucasianas você consegue destacar?
Ok. E o que todos esses números têm a ver com cinema?
Muitos acreditam na arte como um simulacro, um espelho da realidade. Partindo desse pressuposto, esses indicadores dizem muito sobre o cinema, não apenas do que é projetado na tela, mas também do que está por trás das câmeras.
Nos Estados Unidos, por exemplo, tem havido uma queda na porcentagem de filmes dirigidos por mulheres entre as maiores bilheterias[2]. Os números, já não tão altos, tiveram uma diferença de 3% do valor registrado em 2017, e, querendo ou não, é inevitável não associar esse valor à quantidade de mulheres no set de filmagem. Em 2018, as mulheres representaram 20% dos 3.076 profissionais diretamente envolvidos na produção cinematográfica; 25% dos filmes listados, no entanto, não tinham nenhuma mulher atuando nas funções de diretor, roteirista, produtor, produtor executivo, montador e diretor de fotografia.
E essa realidade não está restrita à indústria cinematográfica mais popular do mundo, é só observar as grandes mostras internacionais. Desde que as mulheres passaram a ter mais espaço na crítica de cinema, como profissionais do setor e espectadoras, a presença de filmes dirigidos por mulheres é cobrada em festivais como Cannes e Veneza. Eles são uma espécie de vitrine cinéfila e importantíssimos para destacar e lançar produções e os profissionais envolvidos nelas, além de fazerem prospecções de parcerias. Sendo assim, a presença de diretoras seria vital para a rodada de negócios. Afinal, a arte está sempre em busca de se reinventar, e nada melhor do que narrativas novas e mais próximas da realidade do grande público para causar a transformação e renovação necessárias para aquecer o mercado e gerar mutações sociais mais profundas do que hoje possamos supor. Infelizmente, esse retrato vem se construindo a passos de tartaruga.
Um exemplo disso é o Festival de Veneza, que em 2018 teve apenas um longa-metragem dirigido por mulher (The Nightingale, de Jennifer Kent) e, apesar de dobrar a quantidade de filmes regidos por diretoras na edição de 2019, é um dos festivais menos empenhados em melhorar a participação feminina. O próprio diretor Alberto Barbera já deu declarações um tanto polêmicas quanto à ausência de mulheres na programação. Segundo ele, essa redução feminina se deve à falta de qualidade, e não de oportunidade.
Não sei como você recebe esse posicionamento, mas algo desse naipe revela muito mais sobre a pessoa que fala do que as produções em discussão. Além de deixar evidente nas entrelinhas o que ainda sofrem as profissionais do audiovisual.
Os dados, entretanto, mostram o quanto o posicionamento de Barbera é contraditório. Só nos Estados Unidos, por exemplo, mulheres dirigiram 29% dos documentários e 18% dos longas-metragens de ficção exibidos em 24 festivais realizados no país durante o ano de 2017. Um número superior às bilheterias de filmes dirigidos por mulheres no mesmo período, como já citado.
Tá, mas e o cinema nacional?
No Brasil, no entanto, esses valores não se mostram tão diferentes. A Agência Nacional de Cinema (Ancine) tem feito estudos anuais referentes à participação feminina na produção audiovisual brasileira, e o resultado é tão preocupante quanto o da indústria norte-americana. Em 2018, por exemplo, dos 272 títulos lançados nas salas de cinema nacional, apenas 19% foram dirigidos por mulheres. A disparidade aumenta quando olhamos para a porcentagem de mulheres negras ou pardas na direção: praticamente nula.
Em 2017, comprovamos que o cinema nacional exclui mulheres negras[3]: dos 160 filmes brasileiros exibidos nos cinemas, nenhum foi dirigido por uma mulher não caucasiana, apesar de estas serem a maior parte da população do nosso país. A verdade é que, entre os anos de 1995 a 2016, nenhum filme foi dirigido ou roteirizado por mulheres negras. Desde o lançamento de Amor Maldito (1984), de Adélia Sampaio, houve um hiato de 34 anos para que tivéssemos uma segunda narrativa orientada por uma mulher negra nos circuitos comerciais: O Caso do Homem Errado (2018), de Camila de Moraes.
Essa ausência nas salas de exibição, entretanto, não reflete integralmente o atual cenário de artistas e cineastas negras no Brasil. Nesse sentido, o Amazonas se diferencia e se destaca. A Mostra do Cinema Amazonense (2015-2017), por exemplo, evidenciou a produção de diretoras amazonenses negras como Dheik Praia e Elen Linth, somando 17 produções dirigidas por mulheres nas três edições, das quais 80% eram compostas por profissionais não caucasianos na equipe de produção.
O que existe hoje ainda é o desconhecimento de obras produzidas por mulheres e mulheres que produzem. Disso provém a importância de existirem coletivos como Elviras, o DAFB (Coletivo das Diretoras de Fotografia do Brasil) e grupos no Facebook como MUFA (Mulheres Filmakers e do Audiovisual) que criem redes de contato e ampliem o conhecimento e a troca de ideias entre profissionais da área.
E a forma como o público pode criar essas redes e descobrir o cinema feito por mulheres é consumindo filmes.
Ao longo das próximas páginas, iremos mergulhar no cinema feito por mulheres. Com um olhar especial sobre as cineastas amazonenses e o que elas vêm produzindo na região Norte. Esta é a oportunidade para conhecê-las e descobrir seu trabalho. Mas se você já está familiarizado com elas, é a ocasião de mais uma vez reconhecer o desempenho delas e admirar, sob um novo ângulo, as páginas do cinema local.
O livro está dividido em cinco capítulos centrais que partem do universal até o recorte mais específico. Nossa intenção não é focar em discussões acerca dos filmes clássicos dirigidos por mulheres, mas sim evidenciar como o olhar da mulher amazonense é construído. O que o leitor irá encontrar é outra roupagem de se pensar o cinema, de enxergar a produção local por meio do cinema feito por elas e as perspectivas que estas lançam sobre a sociedade que as circundam.
Logo no primeiro capítulo será discutida a relação da mulher com o cinema. Ele é dedicado a contextualizar o papel da espectadora e como essa imagem molda as expectativas femininas, e, por consequência, sua forma de agir no set. Nas entrelinhas, questionamentos relacionados à representatividade e à construção narrativa são apresentados, e o caminho é preparado para a visão das diretoras entrevistadas quanto a estes assuntos.
Já no capítulo sobre cinema amazonense, o leitor irá imergir na trajetória audiovisual de nosso estado e perceber o papel determinante das diretoras para o desenvolvimento da cultura cinematográfica local. Esse contexto é importante em dois sentidos: primeiro, elucidar como a história e o recorte aos quais nos inserimos se constrói e, por fim, possibilitar que este conhecimento guie a uma reflexão sobre cinema dentro de um processo mais amplo, como a vida.
Tudo isso para nos preparar para aos dois capítulos seguintes. No terceiro, encontram-se as entrevistas concedidas pelas diretoras: seus posicionamentos ideológicos, como enxergam o cinema – de forma geral e o delas –, o processo de criação e as expectativas para a produção local. Já no quarto capítulo, estão presentes as análises fílmicas de suas obras, embasadas nos elementos cinematográficos e nas temáticas abordadas, como feminismo, racismo, homofobia e outros em voga. Além das falas das cineastas sobre eles.
Por fim, o capítulo cinco busca pôr em perspectiva o olhar da direção feminina no Amazonas em relação à produção nacional. Mostra como o cinema amazonense se aproxima e se distancia do que vem sendo produzido no restante do país. E o que esperar das futuras cineastas e da representatividade feminina na produção cultural do estado.
Aproveitem a leitura e o cinema feito por elas!
Capítulo 1
A Mulher no Cinema
Qual a relação da mulher com o cinema?
Quando você pensa nas suas principais referências cinematográficas, quantas são mulheres ou possuem mulheres envolvidas profissionalmente? Talvez essa seja uma pergunta muito específica e capciosa. Permita-me, então, torná-la um pouco mais abrangente: quando nos lembramos dos principais nomes ligados ao cinema, quantas mulheres estão presentes nessa lista?
É interessante pensar que raras vezes nas respostas a essas perguntas a quantidade de mulheres se sobressai ao número de homens. Isso termina por gerar novos questionamentos, em especial ao que diz respeito ao lugar que a mulher tem ocupado na sétima arte.
Desde seus primórdios, o feminino é um elemento dominante no cinema. Cineastas relevantes construíram personagens femininas icônicas que nos fizeram criar uma visão sobre o que é ser mulher. Até mesmo quando pensamos sobre o cinema feminino, vários desses realizadores vêm à mente, como Antonioni, Almodóvar, Bergman, entre outros. Mas que tipo de feminino e feminismo eles nos fizeram enxergar? Para compreender essa relação, é preciso voltar para o início da história do cinema.
O século XIX corresponde a um período de progressos e lutas econômicas e políticas. Seu término foi marcado pela projeção das imagens em movimento dos Lumière e os efeitos especiais de George Méliès. A captação de movimentos, chegadas de comboios, corridas de cavalos, funcionamento de máquinas e circulação de pessoas nas ruas deram origem à sétima arte. Para o seu desenvolvimento, foi fundamental a curiosidade e o fascínio dos espectadores parisienses, apesar de estes se considerarem ofendidos quando alguém os chamava de amantes das artes. Visto que nem mesmo os realizadores e atores queriam estar associados a esta arte, segundo Panofsky[4].
A história do cinema, no entanto, faz parte de uma trajetória mais ampla, que engloba bem mais do que